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Resenha

Adaptado do livro homônimo de Thomas Piketty, “O capital no século XXI”


constitui um documentário que se propõe ao telespectador uma viagem no tempo,
narrando de forma fluida a história moderna da nossa sociedade. Intercalando os
elementos de riqueza e poder de um lado e sua concomitante desigualdade social no
outro, temos todo um vórtex estabelecido para entender o progresso social, seus fatores
determinantes e seu impacto na sociedade como um todo. Vemos então, que a principal
temática mostrada no filme é a relação entre “poder” e desigualdade; o primeiro como
instrumento de manutenção de privilégios de um um grupo e o segundo como resultado
sentido pelos demais.

Cronologicamente, a Revolução Francesa pode ser vista como ponto de partida


para a análise do sistema capitalista, (pelo menos na perspectiva do documentário).
Apesar de sua importância para a história moderna, uma vez que representava uma
quebra de paradigmas na época, a suposta ascendência do povo não foi efetivamente
concluída, pois o que realmente ocorreu foi um “jogo de cadeiras”, onde a monarquia
subjugada apenas deu espaço para uma nova classe dominante. Não muito longe, na
Inglaterra a Primeira Revolução Industrial trouxe o nível de produção a novos
patamares, aumentando cada vez mais a produtividade, mas esse movimento não foi
acompanhado pelo crescimento salarial, ao contrário, o abismo entre ambos os fatores
se tornava cada vez mais evidente. Avançando mais na história temos dois momentos de
impacto no capitalismo: As Guerras Mundiais e a Grande Depressão da década de 30.
Entre o período entre guerras, e até mesmo antes, o nacionalismo atrelado a pobreza foi
um fenômeno muito recorrente para legitimar as ações dos países; seu caso mais
conhecido foi a Alemanha nazista para a II GM, cujo sentimento de “revanchismo”
atrelado a pobreza tornou-se baluarte para a ascenção nazista no país. Fato é que
ninguém saiu mais vitorioso do que a indústria nesse período, sobretudo a bélica que na
II GM atingiu patamares nunca antes vistos. Ainda durante a I GM, os EUA vivem um
período de êxtase consumista, pautados sobre uma euforia especulativa voltada para a
“mitológica Wall Street”, cuja ascenção trouxe um período de irracionalidade dos
agentes, recorrendo a um padrão de vida irreal e cuja duração não duraria muito, e não
durou. Como toda bolha, o abismo entre meio real e monetário econômico tornava
inevitável a catástrofe que estava por vir, e ao início da depressão o capitalismo enfrenta
sua maior crise, com nível de desemprego e miséria a níveis nunca vistos. Para superar,
medidas revolucionárias sobre redistribuição de renda, regulamentação do sistema
financeiro, etc. foram tomadas após uma profunda contestação da real natureza do
sistema, contestação essa, que viria a ser feita novamente após o período de guerras.

Após a II GM, com a ascenção da URSS, o capitalismo passa por uma profunda
reformulação no seu sistema: serviços públicos e equidade para todos (década de 50),
políticas de redistribuição voltadas para o aumento de poder das classes B e C, projetos
de seguridade social, etc. Tudo porque a Guerra Fria não se limitava a imagem de poder
bélico entre as potencias, mas também, uma guerra ideológica cujo objetivo era provar
qual sistema era o melhor para a sociedade, logo, as reformas sociais não vieram com
nenhum grande propósito além de “marketing de conteúdo”. Porém, os prazeres da
sociedade capitalista vendidas com fachada idílica, fortemente sustentadas pelas grandes
corporações, caem por terra com a “crise do petróleo” na década de 70, onde o
otimismo dá lugar para um período de estagflação na economia. Com a queda do
socialismo acaba por não só consolidar sua hegemonia, como regredir nas suas
propostas redistribuição de renda e seguridade social para dar espaço para o capital
frenético engendrado nas camadas da sociedade. Com a crescente volatilidade do
mercado cresce o script liberal para reformulação de direitos sociais encabeçada por
Ronald Reagan e Margaret Thatcher visando diminuir os direitos civis em prol de uma
narrativa de “saúde do sistema” e “improdutividade de sindicatos”, peça-chave para as
conquistas das classes baixas. Porém, em 2008 o sistema, mais uma vez, entra em
colapso devido à loucura bancária em oferecimento de crédito em massa sem
regulamentação, somada a fraude das “subprimes” que não só estagnaram o país como
teve seu impacto se alastrando pelo mundo.

Fato é que o sistema capitalista é um sistema gerador de desigualdades e até seus


momentos mais “humanitários” servem apenas para mascarar as nefastas implicações do
sistema sobre o ser humano e/ou apenas adaptar a estrutura para comportar melhor as
mudanças da sociedade, fato visto na atualidade com o uso de análise comportamental
do ser humano usado pelas corporações para moldar não só o padrão de vida do
indivíduo, como também inseri-lo em um estado de alienação comportamental.

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