Você está na página 1de 2

A questão da identidade é tema crucial em Nome de Guerra.

Efectivamente,

deparamo-nos com uma reflexão sobre os termos gerais da identidade nos primeiros

capítulos do romance. O primeiro, intitulado “As pessoas põem nomes a todas as coisas

e a si próprias também”, funciona como uma espécie de prólogo onde o narrador

explora a questão do sujeito diante da realidade e o problema da afirmação da sua

identidade face às imagens enganadoras impostas pela sociedade. De carácter

autónomo, este capítulo incide sobre a questão do nome, de como a linguagem é capaz

de nomear a realidade e quais as consequências que este facto acarreta quer para o

indivíduo quer para a sociedade, ambos nomeados e nomeadores: “Das duas uma: ou as

pessoas se fazem ao nome que lhes puseram no baptismo, ou ele tem de seu o bastante

para marcar a cada um.” (Nome de Guerra, cap. I, p. 9)1. Podemos então depreender

que, segundo Almada Negreiros, se os nomes nos são atribuídos independentemente da

nossa Natureza, cabe a cada um construir uma relação com o seu nome, atribuindo-lhe

significado ou deixar que este o marque por si mesmo. Paralelamente, o tema da

identidade e da fragmentação do eu atravessa a obra poética de Fernando Pessoa, em

que uma procura de resposta para o enigma do ser leva à negação do “eu” como um

todo. Pessoa vê-se confrontado com a sua pluralidade, com os seus diferentes “eus”,

sem saber quem é nem se realmente existe. Como diria Álvaro de Campos,

“Multipliquei-me, para me sentir” (Passagem das Horas).

O indivíduo encontra obstáculos neste percurso de autoconhecimento, sendo

talvez o principal o peso da sociedade. Temos, consequentemente, a relação entre o

indivíduo e a colectividade, isto é, entre o particular e o universal. Vejamos mais uma

passagem do primeiro capítulo de Nome de Guerra de modo a ilustrar esta questão:

“Mas a verdade é que o facto de alguém ser Joana ou Manuel já é mais do que ser

1
Note-se que as indicações de página relativas a Nome de Guerra se referem à seguinte edição: José de
Almada Negreiros, Nome de Guerra, Lisboa, Assírio e Alvim, 2004
apenas homem ou mulher. Ser homem ou mulher é apenas a natureza; chamar-se João

ou Manuela já é a natureza mais a vida inteira: é o problema. E se o João é Sousa e a

Manuela é Pereira, então, à natureza e à vida junte-se-lhes ainda por cima a existência e

complicou-se o problema.” (NG2, cap. I, p. 9)

As origens provincianas do protagonista levam-nos a uma importante reflexão.

A tradicional dicotomia campo/ cidade ou província/ capital parecem estar aqui

presentes de um outro modo. A oposição no romance em análise é, poderíamos dizer,

mais entre dois estados – ignorância/ experiência, sendo que o termo ignorante não

equivale necessariamente a provinciano. De acrescentar ainda que o estar em contacto

com a realidade pode constituir apenas uma ilusão, uma vez que só se toma consciência

daquilo que é aparência. Também na produção heteronímica pessoana nos é colocada

esta dicotomia, particularmente se pensarmos em Alberto Caeiro, o poeta da comunhão

com a Natureza e do deambulismo. O campo é tranquilidade, é a capacidade de ver tudo

o que a vista pode alcançar, ao passo que a cidade é confusão e impedimento da visão,

estando, por isso, associada ao processo de pensar, que o poeta recusa. Também

Bernardo Soares nasceu na província, tendo vindo para Lisboa ainda criança. A cidade

tem grande relevância na sua obra, mas acaba por lhe provocar algum fechamento de

horizontes. Tenta libertar-se – interior e exteriormente – deambulando pelas ruas da

cidade. A sua angústia prende-se, também ela, com questões de identidade e existência:

“Nunca aprendi a existir.” (Fragmento 53, Livro do Desassossego)

2
A partir desta referência o romance Nome de Guerra será abreviado para NG.

Você também pode gostar