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Cavo,
Lavo,
Peneiro,
Mas só quero a fortuna
De me encontrar.
Poeta antes dos versos
E sede antes da fonte.
Puro como um deserto.
Inteiramente nu e descoberto.
Miguel Torga
O sujeito poético mostra-se consciente da suaik condição e relata a sua solidão, a qual o faz
sentir-se num vazio, sem se ter ainda encontrado. A busca incessante que faz para se
encontrar é a mesma a que recorre o poeta para fazer versos. Fazer poesia requer a mesma
busca, o inconformismo, a luta intensa de quem não pretende copiar ou seguir modelos
impostos, mas descobrir a sua própria verdade.
O recurso expressivo que predomina neste poema é a metáfora. No último verso temos
metáfora e adjectivação. Os dois adjectivos, "nu e descoberto", permitem caracterizar o sujeito
poético e, como têm valor semântico idêntico, reforçam a ideia que a metáfora transmite - a
nudez enquanto símbolo daquele que espera vestir-se, isto é, fazer-se e preencher-se, e de
forma total, dado que a sua nudez é inteira, característica para que remete o advérbio de modo
"inteiramente".
A temática que é mais explorada neste poema é a do drama da criação poética, ressaltando a
pesquisa incessante a que o poeta se deve dedicar, de modo a encontrar uma explicação
própria e para o mundo que o rodeia, questionando-o, protestando, não se conformando com a
solidão a que o homem está frequentemente votado. Este poema pertence a Orfeu Rebelde,o
que de imediato permite deduzir que esta "prospecção" se faz no sentido de detectar aquilo
que o homem tem de mais sagrado, a sua própria humanidade, tarefa que não se faz
facilmente, mas que exige um trabalho continuado e um permanente inconformismo.
O poema intitulado “Identidade” (1954) apresenta uma síntese da problemática da criação:
Nesse poema, constituído por três estrofes heterométricas, o eu lírico apresenta-se-nos igual a
si mesmo, autêntico, “duma eloquência sóbria, depurada, viril” (Cabral, 1997, p. 67).
Desinteressa-se por certo Signótica, v. 21, n. 1, p. 39-49, jan./jun. 2009 47 romantismo (matou
“a lua e o luar difuso”) e passa a escrever seus versos com “ferro e cimento”, ou seja, a lavrar
suas palavras e ideais, colocando-os a serviço dos que sofrem. Com exceção do primeiro verso,
o uso do presente do indicativo justifica-se pela pretensão de traduzir o momento em que o eu
lírico rompeu com determinada concepção e passou a identificar-se com certa forma de
poesia, entendendo-a como verdadeira, permanente – a expressão do grito do homem que
sofre. Outros poemas, como “Maceração” (1954), “Mudez”, “Comunhão” (1958) e “Camões”
(1965), revelam a incapacidade confessada para realizar um poema e um criador tragicamente
consciente da impureza de sua criação.