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Introdução
principalmente, educacional no que diz
Para Gohn (2003), isso se explica devido constatar que é competência do Estado
marcada por uma série de lutas contra a como, saúde, segurança e assistência
rico em recursos naturais, com altos segurança, arte, esporte e lazer. Neste
uma indústria que enfrenta recessões, alto como mais um espaço de ação para
Serviço Social Luterano e conduzidos pelo e foram acolhidos e abraçados pelo fazer
Órgão do Governo dos Estados Unidos musical coletivo. De acordo com Wood
para Reassentamento de Refugiados.ii Os (2010), muitos desses refugiados têm
alunos contavam com aulas de inglês como experienciado situações de perdas em seus
segunda língua, preparação para o GED países, tendo que deixar para traz até
(exame de conclusão do ensino médio mesmo familiares. Além disso, “aqueles
americano), aulas de culinária, atividades que são reassentados nos Estados Unidos
de integração, informática e atividades enfrentam uma nova configuração de
artísticas, como pintura e desenho. Além desafios dos mais variados níveis indo do
disso, as famílias refugiadas têm a físico ao social, psicológico, espiritual até
oportunidade de matricularem seus filhos necessidades emocionais”iii (tradução
na escola no mesmo horário em que estão nossa) (Wood, 2010, p. 33).
assistindo às suas aulas. Outras instituições Trago alguns dados para corroborar a
como igrejas e projetos comunitários da minha experiência. De acordo com o
cidade oferecem atividades de integração Conselho Americano de Imigração, em
entre as famílias refugiadas e a população 2018, um em cada vinte habitantes da
local, distribuição de alimentos e agasalhos Dakota do Norte era um imigrante,
e o engajamento desses indivíduos em enquanto um em cada 20 residentes era
práticas musicais como a atividade coral. A nascido no estado com no mínimo um
prática coral nas igrejas luteranas e imigrante na família. A pesquisa mostrou
metodistas em Fargo é amplamente que no mesmo ano, do total de imigrantes
cultivada e tem sido um meio encontrado residentes naquele estado, 16.536 eram
para integrar imigrantes refugiados à mulheres, 16.204 eram homens e 3.084
comunidade, promover comunicação mais eram crianças. A maioria desses imigrantes
fluente e auxiliar no resgate da autoestima são oriundos de países como Filipinas,
e sentimento de pertença tão fragilizados Butão, Nepal, Libéria, Somália, Sudão,
naqueles indivíduos. Tive a oportunidade Congo, Eritréia, Afeganistão, Paquistão e
de atuar como pianista colaboradora em México. Entre o perfil de imigrantes estão
um coral em uma das igrejas da cidade e refugiados que deixaram seus países
pude perceber a quantidade de pessoas devido a situações de guerra, fome,
oriundas de outros países, que através da pobreza e conflitos políticos, pessoas que
prática coral criaram novos vínculos buscam melhores condições de trabalho e
sociais, engajaram-se em novas amizades, estudantes que posteriormente acabaram se
alunos. Tratamos “lugar” aqui como “o com aqueles espaços e tudo que o
(Bossé, 2004). Nesse contexto, a música dançadas em casa e nas ruas, as diversas
dos laços identitários com o “lugar”, com o trabalho tanto nas periferias brasileiras
do projeto que muitas vezes são também Somália, por exemplo. Práticas musicais
que ali persistem, mas nas políticas Aqui nos sulearãov os projetos
públicas geridas nas diferentes regiões do sociais que têm a sua gênese e manutenção
país, denunciando um modelo que torna a por meio do protagonismo dos sujeitos
pobreza um modelo espacial: sociais que vivem nestas periferias
urbanas, como verificamos:
A cidade em si, como relação social e
como materialidade, torna-se
criadora de pobreza, tanto pelo É necessário destacar que esses
modelo socioeconômico, de que é projetos sociais aqui descritos são
suporte, como por sua estrutura geridos e retroalimentados pelos
física, que faz dos habitantes das próprios protagonistas, moradores
periferias (e dos cortiços) pessoas das comunidades, que
mais pobres. A pobreza não é apenas desencadearam não só a criação, mas
o fato do modelo socioeconômico a gestão e manu-tenção dos espaços.
vigente, mas, também, do modelo Diferem assim de outros projetos
espacial. (Santos, 2008, p. 10). sociais de cunho governamental,
criados de “fora para dentro”, os
quais por muitas vezes possuem
Estas produções dilatam não só a cunho eleitoreiro e são mantidos por
organizações estrangeiras. (Brasil,
nossa compreensão sobre a complexidade 2019, p. 129).
interposta a essas periferias, como também
denunciam que as resoluções dos Esta composição de outras maneiras
mais à frente das ações policiais nas vezes paradoxal. O Brasil que bateu
comunidades e das ações judiciais que recordevi na produção de grãos com 253,7
ancestrais que valorizam e primam por passando fome durante o período de férias.
inalcançáveis para quem é indiferente à apontou que 47,8% das crianças brasileiras
tessitura social que tinge esse ‘modelo vivem na pobreza. Esta realidade que
espacial’ como nos trouxe Santos (2008). apresenta diferentes entretons, onde se
Mauss, nos situa neste ensaio sobre as educadores musicais por uma educação
relações que nos regem, dizendo: “Nós nos que acredita que é possível recuperar o
damos ao dar, e se nos damos é porque nos “irrecuperável”.
devemos, nós e nosso bem, aos outros”
(Ricoeur, 2006, p. 255). Essa crença Referências
descrita pelo autor é ilustrada pelo criador
Athayde, C. (2011). Dez anos fazendo do
da Central Única das Favelas (Cufa)viii em nosso jeito. Rio de Janeiro. Ed. Daijo.
um relato acerca de si e dos que formaram
Bartholo, R. et al. (2014). Tecido urbano,
a base da organização: dinâmicas e periferias. In Barbosa, J. L., &
Silva, M. B. (Orgs.). Oeste Carioca (pp.
A maioria dos participantes nesse 30-44). Rio de Janeiro: Observatório de
primeiro momento pertencia ao hip Favelas.
hop, era em geral formada pela nata
dos rejeitados, o que era grave se Bossé, M. L. (2004). As questões de
levarmos em consideração que na identidade em geografia cultural – algumas
época o próprio hip hop já era a concepções contemporâneas. In Corrêa, R.
imagem da rejeição e os que
L., & Rosendahl (Orgs.). Paisagens, textos
formavam a base da CUFA eram os
excluídos do berço da exclusão, mas e identidade (pp. 221-232). Rio de Janeiro:
era esse o desafio que começava a ser Editora UERJ.
desenhado, recuperar os
irrecuperáveis. (Athayde, 2011, p. Brasil, A. (2014). Batucando aqui vou
34). trabalhando ali. Os usos da aprendizagem
musical em um projeto social em Salvador
– Bahia (Dissertação de Mestrado).
Por isso, é necessário que se pense
Universidade Federal da Bahia, Salvador.
uma educação musical engajada na
Brasil, A. (2019). Música e periferia: o
conscientização dos sujeitos, na
sonho e o real em um mundo negro
mobilização da sociedade civil para chamado Bahia. Curitiba: APPRIS.
compelir o Estado a fomentar políticas
Brasil. (1988). Constituição da República
públicas. Esse engajamento pode levar Federativa do Brasil. Brasília.
também a conceber modelos pedagógicos
Davis, A. (2016). Mulheres, Classe e Raça.
que perpetrem a cultura e a educação como Tradução de Heci Regina Candiani. São
Paulo, Boitempo.
uma porta para a mudança da realidade, de
forma que a mídia e os meios de Gohn, M. G. M. (2000). 500 anos de lutas
sociais no brasil: movimentos sociais, ongs
comunicação tenham oportunidade de
e terceiro setor. Revista Mediações, 5(1),
noticiar não mais sobre um menino negro 11-40. https://doi.org/10.5433/2176-
6665.2000v5n1p11
atingido por uma bala perdida, mas que
possam anunciar a sensibilização do Gohn, M. G. M. (2003). História dos
Movimentos e Lutas Sociais. A construção
Estado brasileiro, da sociedade, de nós
Kleber, M. O. (2006). A prática de iii Original: Those who are resettled to the United
educação musical em ONGs: dois estudos States face an entirely new set of challenges that
range on varying levels from physical to social, to
de caso no contexto urbano brasileiro psychological, to spiritual, and to emotional needs.
(Tese de Doutorado). Universidade Federal
do Rio Grande do Sul, Porto Alegre. iv Site:
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Edusp. como referência universal. O termo foi criado em
1991 pelo físico brasileiro Marcio D’Olne Campos,
sendo publicado no texto “A Arte de sulear-se”. Em
Meirelles, R., & Athayde, C. (2014). Um 1992, Paulo Freire utiliza a expressão “suleá-los”
país chamado favela: a maior pesquisa já em oposição ao verbo nortear no livro Pedagogia da
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viii A CUFA é uma organização brasileira que tem
Santos, E. S. G. (2014). Educação musical mais de 20 anos. Nasceu da união de jovens negros
que buscavam um espaço para cuidar de si e dos
em projetos sociais: os saberes docentes outros, expressando suas dores, a vontade de
em ação (Dissertação de Mestrado). permanecer vivos e seus sonhos.
Universidade Federal da Bahia, Salvador. Internacionalmente conhecida tem entre os seus
criadores nomes como o produtor e ativista social
Celso Athayde e o rapper MV Bill.
Recebido em : 19/06/2021
Aprovado em: 25/08/2021
Publicado em: 30/09/2021
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Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
APA
Santos, E. S. G., & Brasil, A. (2021). Educação musical e
projetos sociais: discutindo a relação entre música,
pertencimento e demandas sociais em dois países. Rev.
Bras. Educ. Camp., 6, e12479.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12479
ABNT
SANTOS, E. S. G.; BRASIL, A. Educação musical e
projetos sociais: discutindo a relação entre música,
pertencimento e demandas sociais em dois países. Rev.
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 6, e12479, 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12479