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da Ação Afirmativa
textos para
discussão O Globo e as ações
afirmativas: dez anos de
cobertura (2001-2011)
Luiz Augusto Campos
2/
ECP-UNIRIO
João Feres Júnior
IESP-UERJ
Expediente
gemaa.iesp.uerj.br
gemaa@iesp.uerj.br
Coordenador
Pesquisadores Associados
Flávio Carvalhaes
Leonardo Nascimento
Lorena Miguel
Estagiários
Eduardo Barbabela
Gabriella Moratelli
Pedro Ramos
Larissa Soares
O fato de o estado do Rio de Janeiro ter sido um dos primeiros a adotar esse tipo
de política fez também com que o periódico carioca O Globo fosse o primeiro a
dar atenção ao tema. O objetivo deste texto é apresentar os dados de dez anos de
cobertura que o jornal dedicou às ações afirmativas raciais. Além de ajudar a
entender os critérios de cobertura adotados por O Globo, os dados apresentados
a seguir pretendem melhor qualificar a discussão em torno do papel da mídia
para o debate acerca das políticas de discriminação positiva para negros.
O Globo publicou textos sobre o tema do que seu concorrente, o jornal Folha de
S. Paulo. Dentre reportagens, artigos de opinião, editoriais, cartas de leitor etc.,
o jornal carioca publicou 1054 textos lidando com essa modalidade de política,
textos para discussão gemaa
g / anoo 2013 / n. 2 / p. 2
enqu
uanto o jorrnal paulistano 983. No entantto, os texto
os publicad
dos em O Globo
G
não se distribu
uem de maneira unifo
orme no teempo, como mostra o Gráfico 1::
Gráffico 1: Núm
mero de teexto public ados sobre
e as ações
afirm
mativas raciais em O Globo
G entrre 2001 e 2011
2
400
350
300
250
200
150
100
50
0
200
01 2002 20
003 2004 22005 2006 2007 2008 2009 20110 2011
Fonte: GEMAA
G
É po
ossível nottar que o espaço
e do jornal aberto a com
municaçõess sobre o tema
crescceu de fo
orma linea
ar entre 2 erência de Durban e da
2001, ano da Confe
apro
ovação da lei de co
otas do Ri
Rio de Jan
neiro, até 2003, anoo do prim
meiro
vestiibular da UERJ
U e da
a UENF co
om cotas ra
aciais. Há também u
um crescim
mento
subsstantivo em
m 2004, ano
a ue a UnB adota um
em qu m sistema de cotas para
negrros, aconteecimento que atraiu
u a atençção da im
mprensa dee modo geral.
g
Duraante boa parte
p do pe
eríodo anaalisado, as ações afirrmativas raaciais adottadas
pela UERJ e pela
p UnB fo
oram o focco privilegiiado das discussões
d eem O Glob
bo. O
Gráffico 2 mosttra como as mençõess a esses casos evoluiu
u nos anoss.
textos paraa discussão gemaa
g / anoo 2013 / n. 2 / p. 3
Gráffico 2: Núm
mero de menções
m ao
os casos da
a UERJ e da
a
UnB de acordo o com o an
no
40%
35%
30%
25%
20%
15%
10%
5%
0%
2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
8 2009 20110 2011
UERJ UnB
Fonte: GEMAA
G
Além
m disso, os
o casos da
a UERJ e da UnB estão long
ge de ser exemplare
es se
comparados ass mais de 70
7 universiidades quee implantaram açõess afirmativa
as no
perío
odo analisa
ado. Como
o discutimo
os em outrra oportuniidade2, dass universid
dades
públlicas, federais e esta
aduais, qu
ue adotara
am política
as afirmatiivas, nenh
huma
utilizzou os mesmos crité
érios adotaados pela UERJ
U ou pela
p UnB. E no que tange
t
1
Cf. DDaflon, Verônnica Toste; Feeres Júnior, Jooão & Campo os, Luiz Augu
usto. Ações affirmativas raciais no
ensinoo superior púbblico brasileiro: um panoram ma analítico. Cadernos de Pesquisa,
P v. 443, n. 148, 2013, pp.
302-3327..
2
Ferees Júnior, Joãoo; Campos, Lu uiz Augusto & Daflon, Verrônica Toste. Fora
F de quadrro: a ação afirm mativa
nas pááginas d'O Gloobo. Contemp porânea, n. 2, 2011 pp. 61-883.
textos para discussão gemaa / ano 2013 / n. 2 / p. 4
Outro dado que merece atenção é o foco do debate, feito em O Globo, nas
chamadas cotas raciais, modalidade específica de ação afirmativa. Ainda que
90% das universidades com alguma ação afirmativa no período utilizasse
critérios de corte socioeconômico, para beneficiar estudantes oriundos de escola
pública ou de baixa renda, por exemplo, somente 13,3% dos textos do jornal
discutiram tais políticas. O restante (87,7%) tratou basicamente das ditas cotas
para negros, modalidade de ação afirmativa presente em apenas 54,3% das
universidades públicas brasileiras do período3.
Cerca de 75% dos textos publicados sobre o tema são opinativos, enquanto 35%
são reportagens. Outra peculiaridade da cobertura que O Globo dedicou ao tema
foi o fato de o jornal ter publicado um grande número de cartas de leitores sobre
as ações afirmativas (201 textos no total). Vale notar também que o jornal
equilibrou a quantidade de textos publicados sobre a questão por seus
colunistas fixos (154) e o número de textos publicados por articulistas eventuais
(164):
3
Feres Junior, João; Campos, Luiz Augusto & Daflon, Verônica Toste. Fora de quadro: a ação afirmativa
nas páginas d'O Globo. Contemporânea, n. 2, 2013, p. 70.
textos para discussão gemaa
g / anoo 2013 / n. 2 / p. 5
Gráffico 3: Núm
mero de te
extos sobree as ações afirmativass
de acordo comm o tipo
reportagem 3699
carta 201
artigo 164
4
coluna 154
editorial 95
box ou nota 36
entrevista 35
Fonte: GEMAA
G
A peesquisa tra
abalhou com
m cinco caategorias para
p captarr a valênciaa dos texto
os em
relaçção às cota
as: contráriio, favorávvel, neutro,, ambivalen
nte e ausen
nte. O texto era
classsificado co
omo “neu
utro” nos raros cassos em que
q o auttor defend
dia a
impo
ossibilidad
de de asssumir um
m lado do
o debate, enquantoo a categ
goria
“amb
bivalente” abriga os textos em que a tom
mada de posição em rrelação às cotas
c
era aambígua. A opção “a
ausente” fo
foi reservad
da aos cassos em quee um texto
o era
apen
nas informativo e não
o opinativo
o.
A co
obertura de
d O Globo
o concedeeu bem ma
ais espaço
o às tomad
das de posição
conttrárias às ações afirrmativas raaciais do que às op
piniões favvoráveis. Como
C
mosttra o Gráffico 4, cerrca de 42%
% dos texttos publica
ados foram
m contrário
os às
med
didas, enqu
uanto ape
enas 26% foram fav
voráveis. Além do menor esspaço
conccedido às opiniões
o fav
voráveis àss medidas,, vale notarr a pequen
na proporçã
ão de
texto
os que não
o continha
am uma p
posição sob
bre o assu
unto: 19% não assum
miam
posiçção perantte o tema, 2% defend
diam uma neutralida
ade frente à questão e em
11% a posição era
e ambiva
alente.
textos para discussão gemaa
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Gráffico 4: Valê
ência em re
elação às aações afirm
mativas doss
texto
os publicaddos em O Globo
G
19% favorável
2% 26%
contrário
11%
1 ambivalentee
neutro
442% ausente
Fonte: GEMA
AA
O prrivilégio qu
ue O Globo
o concedeu
u às opiniões contrá
árias às açõões afirma
ativas
foi rrazoavelmeente consta
ante no deecorrer da
a década an
nalisada, ccomo mostra o
Gráffico 5. À ex
xceção de 2001
2 e 20111, em todo
os os anos o jornal caarioca pub
blicou
maiss textos con
ntrários do
o que favorráveis às políticas.
p Vale
V notar qque, em termos
perccentuais, a proporção
o de textos contrárioss se distanccia cada veez mais daq
quela
de faavoráveis nos
n momen d polêmicca e, ao meesmo tempo, tal
ntos mais ““quentes” da
prop
porção se aproxima
a nos momeentos men
nos acalora
ados. A deespeito disso, o
jornaal parece evitar
e que a quantidaade de tex
xtos contrários exced
da a quantiidade
de faavoráveis acima
a de um
u dado p P isso, as linhas reelativas a essas
patamar. Por e
valên
ncias se accompanham
m o Gráfico
o 5.
Gráffico 5: Valê
ência em re
elação às aações afirm
mativas doss
texto
os publicaddos em O Globo
G entrre 2001 e 2011
2
90
80
70
60
50
40
30
20
10
0
1 2002 200
2001 03 2004 22005 2006 2007 2008 2009 20110 2011
Fontee: GEMAA
textos para discussão gemaa
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A diistribuição
o das valên
ncias não é uniform
me nas dife
erentes seçções do jo
ornal,
como deixa cla
aro o Gráfico 6. Os teextos contrrários às açções afirmaativas racia
ais se
conccentraram nas seçõe
es de cartaas de leitores, nos editoriais e nas nota
as. Já
denttre os artiigos, entre
evistas e ccolunas ex
xiste um maior
m equ
uilíbrio enttre o
núm
mero de tex
xtos contrá
ários e favo
oráveis, ha
avendo me
esmo uma vantagem para
os teextos favorráveis. Com
mo esperaado, o núm
mero de ca
asos em qu
ue não há uma
valên
ncia clara aparece na seção dee reportageens, muito
o embora o percentu
ual de
caso
os em que foi
f detectad
do algum d
direcionam
mento (34%
%) não seja desprezível.
carta 22%
% 73% 3%
colu
una 43% 26% 6%
6 25%
%
editorrial 96% 3%
box ou no
ota 6% 533% 8% 33%
Fonte: GEMAA
G
Tudo
o isso leva
a a crer que O Globo
o promove uma comp
pensação m
mínima en
ntre a
quan
ntidade de textos con
ntrários e ffavoráveis às cotas. A tendênciia contrária
a dos
edito
oriais, carttas de leito
ores e notaas é parciallmente con
ntrabalanççada pela maior
m
prop
porção de textos fav
voráveis p
publicados em forma de colu
una, artigo
os ou
entreevista. É importante
i e frisar qu
ue esse "eq
quilíbrio" é apenas parcial, pois o
jornaal publica em todoss os anos pesquisad
dos mais textos
t con
ntrários do
o que
favoráveis.
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4
Esta categoria abrange textos de ministros de Estado, secretários, dirigentes de instâncias
governamentais, etc.
5
Esta categoria abrange os textos de jornalistas que não são nem colunistas fixos dos jornais, nem
repórteres contratados.
6
Esta categoria abrange textos de juízes, embaixadores, promotores, procuradores, diplomatas etc.
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7
Sobre a ideia de administração do debate pública, cf. Campos, Luiz Augusto; Feres Júnior, João &
Daflon, Verônica Toste. Administrando o debate público: O Globo e a controvérsia em torno das cotas
raciais. Revista Brasileira de Ciência Política, n.11, pp. 7-31, 2013.
textos para discussão gemaa / ano 2013 / n. 2 / p. 13
8
Para mais informações sobre as possibilidades de agregação argumentativa, cf. Feres Júnior, João.
Comparando justificações das políticas de ação afirmativa: Estados Unidos e Brasil. Estudos Afro-
Asiáticos, v. 29, p. 63-84, 2007; Feres Júnior, João. Ação Afirmativa: Política Pública e Opinião. Sinais
Sociais, v. 3, p. 38-77, 2008; Campos, Luiz Augusto. Identificando enquadramentos com o auxílio da
informática: uma proposta metodológica. Anais do 37º Encontro Anual da ANPOCS, Águas de Lindoia,
2013.
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N %
Tudo que foi dito aqui demonstra que O Globo conferiu um grande espaço em
suas páginas ao tema das ações afirmativas raciais. A preponderância de textos
opinativos em relação às reportagens sobre o tema indica também que o jornal
pretendeu se constituir num espaço de debate da questão. Por outro lado, há
que se questionar se tal espaço de debate foi moderado de forma adequada.
Contra essa pretensão do jornal, pesa a preponderância de textos contrários à
política, mormente de editoriais, e, sobretudo, a falta de diálogo entre as
perspectivas. Os partidários do argumento Raça e Identidade Nacional (C1), por
exemplo, parecem lutar contra um discurso multiculturalista que, a rigor, é
9
Para uma comparação entre as justificações das ações afirmativas em contextos nacionais distintos, cf.
Feres Júnior, João. Comparando justificações das políticas de ação afirmativa: Estados Unidos e Brasil.
Estudos Afro-Asiáticos, v. 29, p. 63-84, 2007.
10
Embora essa visão se faça presente em muitos textos, seguem alguns exemplos: Magnoli, Demétrio.
Uma Gota de Sangue: História do Pensamento Racial. São Paulo: Contexto, 2009; Grin, Monica.
"Raça": Debate público no Brasil (1997-2007). Rio de Janeiro: Mauad Editora, Faperj, 2010; Fry, Peter
et al. (eds). Divisões perigosas: políticas raciais no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira. 2007.
textos para discussão gemaa / ano 2013 / n. 2 / p. 18
Como citar
Campos, Luiz Augusto & Feres Júnior, João. O Globo e as ações
afirmativas: dez anos de cobertura (2001-2011). Textos para
discussão GEMAA (IESP-UERJ), n. 2, 2013, pp. 1-18.