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Portão

Do
Diabo

Thea Harrison

LIVRO 04,6 DA SÉRIE RAÇAS ANTIGAS

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Tradução:

Krika Prado

Revisão:

Juliana Vieira S. Machado

Leitura Final:

Josi T.

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UM

Sacrifício

Seremela Telemar se inclinou contra o batente das portas abertas


da varanda de seu apartamento e olhou para fora, para a vista do
oceano. A humidade tropical lambia sua pele. Assim que tinha
chegado em casa, abrira as portas balcão, despiu suas roupas de
trabalho e vestiu um shorts de jeans e regata.

O tempo em Miami estava tocando o blues. Como a voz da cantora


Nina Simone, tinha uma vibração sensual e sombria, com um tom
amargo e uma batida rápida. Grupos maciços de nuvens taciturnas
obscureciam o sol conforme avançavam sobre as águas turbulentas
e raios poderosos chicoteavam o ar em planos verticais. Tudo o que
faltava era um homem cansado do mundo num terno Bogart,
dedilhando as teclas de marfim do piano, num hotel abandonado
enquanto esperava por um furacão.

Uma de suas cabeças de cobra deslizou para o seu ombro e se


ergueu para olhar para ela, com seu olhar de joia curioso. Ela
experimentava o ar carregado da tempestade com sua língua fina.
Ela colocou o dedo indicador debaixo do queixo da cobra e a
acariciou gentilmente. Esta deslizou mais para perto e descansou

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seu minúsculo queixo contra o de Seremela. Se estivesse com
outro humor, poderia ter sorrido, mas não nesta manhã.

Ela ia mesmo fazer isto de novo?

Sim. Sim, ela ia.

Ela suspirou, pegou seu celular e apertou a discagem rápida.


Levou-o à orelha. Uma voz feminina e tensa atendeu do outro lado
da linha, “Serrie?”

“Sim.” ela disse para sua irmã, Camilla. “Vou atrás dela.”

“Oh, graças aos deuses.” Camilla disse com fervor.

“Não creio que você devia estar agradecendo aos deuses.” disse
Seremela.

“Claro que não!” Camilla disse. “Obrigada, Serrie! Você sabe o


quanto isto significa para mim. Vetta não me obedece mais de jeito
nenhum – ela nunca ouve nada do que eu digo, eu sei o que
aconteceria se tentasse arrastá-la para casa eu mesma. O negócio
iria explodir no lance de tudo ser minha culpa, de novo e a briga se
prolongaria por horas e horas – e Vetta faria isso da maneira mais
pública possível só para me humilhar, já que sabe o quanto eu
odeio discussões públicas.”

“Camilla.” Seremela disse. Seu tom foi afiado o suficiente para


cortar o falatório de Camilla. A outra mulher ficou em silêncio. Ela
disse. “Eu preciso que você me escute agora.”

“Claro, o que você precisar.” Camilla disse rapidamente.

“Esta é a última vez que serei capaz de largar tudo para ajudar a
consertar os seus problemas e seus erros.”
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O tom de Camilla se tornou caustico. “O que você quer dizer, a
última vez?”

“Eu não posso deixar minha vida de lado, à espera, toda vez que
algo dá errado para você ou toda vez que você e Vetta tem uma
discussão e não conseguem chegar a um acordo. Acabo de
começar num trabalho novo e exigente. Meus empregadores são
pessoas maravilhosas e são realmente bons para mim, mas há um
limite para o que eu posso pedir a eles. Uma licença por tempo
indeterminado, em cima da hora, é uma dessas coisas.”

A voz de Camilla se tornou fria. “Ela é sua sobrinha. Pensei que se


importava com o que acontece a ela.”

Seremela engoliu sua raiva. Agora, era a hora do sentimento de


culpa, mas sempre era hora do sentimento de culpar, quando ela
não fazia o que Camilla queria que fizesse, ou dissesse o que
Camilla queria ouvir. Crianças eram raras para as Raças Antigas, e
desde que Camilla conseguira dar à luz à Vetta, ela tinha uma
perspectiva distorcida do que o mundo lhe devia por ser
responsável por aquele milagre.

“Claro que amo vocês duas.” ela disse. “E me importo com o que
acontece a vocês. Por isso estou concordando em fazer esta
viagem. Mas ela é sua filha e tenho que concordar, Vetta está fora
de controle. Você mesma tem que descobrir como fazer para se
entender com ela. Vocês precisam de aconselhamento, Camilla,
não só você, mas Vetta também.”

“Tenho que ir.” Camilla disse.

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Seremela revirou os olhos. “Claro que você tem.” ela disse. Falou
tarde demais, pois já escutava o tom de discagem. Camilla tinha
desligado em sua cara.

Ela resistiu ao impulso de jogar seu iPhone. Ao invés disso, checou


seu e-mail comercial de novo. Nenhuma resposta ainda de seus
novos empregadores, Carling ou Rune.

Para ser honesta, ela só os tinha contatado há pouco tempo,


quando fora ao escritório para preparar sua mesa para sair de
licença. Sinceras desculpas, emergência familiar, necessidade de
tirar um tempo, entrarei em contato em breve, blá, blá, blá. Ela tinha
escrito o mesmo tipo de carta tão frequentemente ao longo dos
anos, que poderia fazê-lo de olhos fechados.

Quantas vezes se sacrificara no Altar das Necessidades de


Camilla? Ele bufou. Vezes demais para se contar.

Se ela queria que Camilla aprendesse a ser responsável pela


própria vida, Seremela tinha que fazer o mesmo. Ela tinha permitido
aquele tipo de comportamento de Camilla ao longo dos anos.
Agora, era hora de concentrar sua energia em construir uma vida
para si mesma.

Afinal de contas, foi por isso que se mudara para Miami: aceitar um
emprego novo e fazer pesquisas médicas que realmente queria
fazer, construir uma nova vida e explorar novas oportunidades e
horizontes. Não era tarde demais para ela sair de sua concha
protetora e acadêmica.

A voz baixa e venenosa de seu Adversário sussurrou, a única


autoconfiança que você alguma vez já sentiu foi numa sala de aula

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ou laboratório. Quando você não está discorrendo sobre a autópsia
de um corpo, você se transforma numa idiota completa. Você não
namora há anos – na verdade, décadas, agora – e raramente faz
amigos. Nunca terá filhos seus, já está acostumada com suas
manias também. Você está começando uma vida nova com o seu
velho eu. Todos os velhos problemas e velhas fraquezas vieram
com você, então, como você espera realmente mudar alguma
coisa?

Ela esfregou a testa, cansada. As medusas acreditavam que cada


medusa nascia com uma gota de veneno em suas almas. O veneno
se transformava no Adversário da medusa, a voz escura que
sussurrava dúvidas e medos em seus próprios pensamentos. A
medida da força de alguém era determinada pela força em resistir
ao seu Adversário interno. Seremela tentou oprimir aquela voz
negativa, mas seu próprio Adversário tinha muita munição para usar
contra ela.

Ela se forçou a se concentrar na tarefa que tinha em mãos. Não


havia razão para postergar por mais tempo, fingindo estar
esperando uma resposta de seus chefes. Muitos empregadores
eram bem compreensíveis no que se referia a emergências
familiares – pelo menos, na primeira vez. E Carling e Rune eram
muito melhores do que muitos outros empregadores. E eles tinham
ido além de seus papéis para lhe mostrar o quanto a valorizavam.

Ela suspirou, jogou o celular sobre a mesa de centro e foi arrumar


uma bagagem de mão. Sério, quando encontrasse Vetta, ela ia
torcer o pescoço da garota. Aquilo resolveria quaisquer problemas
em potencial num futuro confronto ou conflito. Não curaria Camilla
de sua carência ou daria a Seremela uma vida fora do trabalho,
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mas tudo bem, abriria espaço para cuidar do resto. Muitos e muitos
adoráveis espaços.

Uma batida soou na porta do apartamento. A membrana nictitante


de seus olhos dispararam com a surpresa e ela parou, sutiãs
apertados em uma mão e calcinhas na outra. Soltando os punhados
coloridos e transparentes de peças íntimas dentro da mala aberta,
ela se apressou até a porta e olhou pelo olho-mágico.

Um homem de cabelos escuros estava do outro lado da porta,


parecendo que tinha acabado de sair de uma matéria da revista
GQ. Ele tinha uma postura casual, as mãos dentro dos bolsos de
um terno de verão de linho feito à mão, a jaqueta desabotoada.
Cada linha cara das roupas feitas à mão enfatizava seu corpo
esbelto e bem definido. O cabelo liso e escuro, com camadas feitas
a navalha, caia em sua testa como se ele tivesse acabado de
passar os dedos por ele. Seus olhos eram tão escuros quanto o
cabelo e tinham um brilho inteligente. Em contraste, sua pele era
um marfim pálido, de um homem que nunca tinha visto qualquer
raio de sol.

Porque se o fizesse, ele desaparecia numa bola de fogo.

Duncan Turner, advogado famoso internacionalmente e o mais


jovem descendente de um dos mais Poderosos vampiros do
mundo, estava parado a sua porta? No meio da manhã?

Uma vez que suas membranas começavam, não paravam. Elas se


abriam de uma vez. Fechavam de novo.

Abriam de novo. Fechavam de novo. Eram como soluços nervosos,


na versão medusa.

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Ela jogou a cabeça para trás e coçou os olhos rapidamente para
fazê-los parar. Quando abriu os olhos de novo, ela viu que várias de
suas cobras estavam tentando espiar pelo olho-mágico,
empurrando umas às outras.

Ela agarrou suas cobras, juntando-as para cima freneticamente.


Elas continuavam a escapar de suas mãos, tentando voltar ao olho-
mágico.

Esqueça o assunto do namoro. É por isso que eu não jogo pôquer,


ela pensou. Porque eu tenho tantos informantes e todos com muita
opinião própria.

Duncan bateu à porta novamente, fazendo com que ela desse um


pulo. “Seremela?” ele chamou. “Você está em casa?”

Mesmo através da porta, a voz rica e de barítono dele causou


arrepios na pele dela. Sua agitação fez com que todas as cobras se
ondulassem.

Pelo amor de Deus, parem com isso! Ela falou para as cobras
telepaticamente. Em tom alto, ela disse, “Sim, eu – eu estou em
casa. Só um momento. Já atenderei você!”

Agora, todas as cobras estavam tentando olhar para fora. Elas


sabiam que Duncan estava do outro lado também.

Elas gostavam de Duncan. Muito!

“Acalmem-se, droga.” ela silvou alto.

Como sempre, elas a ignoraram. Algumas medusas de mais idade


eram famosas pelo controle que tinham sobre suas cabeças de

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cobras, e tudo que elas faziam ou diziam era uma sinfonia graciosa
de movimento coordenado.

Não Seremela. Oh, não, as suas nunca prestavam atenção a uma


palavra do que ela dizia a elas, e ela já tinha desistido a muito
tempo de exercer verdadeiramente algum controle sobre elas. Eram
como uma matilha de poodles precariamente treinados.

“Seremela?” Duncan disse.

Ele soava… complexo, mas então, ele sempre soava complexo,


com as matizes e notas de sua voz como camadas de um vinho
bem envelhecido. Ele era um senhor das nuances e uma das
mentes legais mais afiadas no mundo, e – e ela o admirava tanto,
tanto, que isso a deixava uma pilha de nervos.

E não ajudava em nada que a voz dele, como a dos atores Alan
Rickman ou Liam Neeson, era magicamente linda. De acordo com
Carling, Duncan raramente atuava nas cortes ainda, mas quando o
fazia, outros advogados, juízes e profissionais legais dos diferentes
domínios viajavam através do mundo só para escutá-lo falar.

Agora, ele soava dividido entre a diversão e a preocupação.

“Está tudo bem.” ela gritou enquanto afagava a porta. Era uma
coisa estúpida de se dizer, especialmente a despeito de sua
emergência familiar. Se pudesse, ela iria para a cama e se cobriria
até a cabeça. Até todas as cabeças. “Você só me pegou de
surpresa. Só um minuto.”

“À vontade.” ele disse.

Aquela voz. Pelos deuses, ela tinha quase certeza de que ele
poderia fazê-la gozar só falando.
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Aquele pensamento não ajudou em nada para que ela
apresentasse uma atitude reservada e fria, nem ajudou acalmar
suas cabeças esquisitinhas e excitadas. Ela jogou as mãos para
cima e correu pelo apartamento, de volta ao quarto, onde pegou um
lenço e o enrolou em volta das cobras com uma prática veloz,
começando pela nuca.

A estimativa de vida normal de uma medusa girava em torno de


450-500 anos, e suas cobras ficavam mais compridas e venenosas
à medida que a medusa envelhecia. Bebês e crianças pequenas
tinham cobras tão pequenas quanto seus dedos, o veneno da
mordida delas irritava tanto quanto a mordida de um pernilongo,
enquanto que as idosas tinham cobras que frequentemente se
arrastavam no chão. Uma simples mordida da cobra de uma idosa
podia deixar um humano adulto muito doente e múltiplas mordidas
provavelmente causariam a morte em várias raças.

Seremela estava no final da meia idade, perto dos 380 anos e suas
cobras alcançavam além da altura de seus quadris. Ela nunca se
sentira ameaçada ou com o medo o suficiente para fazer com que
suas cobras mordessem alguém. Ela puxou a massa para um
ombro e trabalhou rapidamente pelo comprimento delas.

Elas não queriam ser envolvidas pelo lenço – sério, era como
colocar crianças para tirar uma soneca – e a agitação delas
aumentou até que todas estavam confortavelmente debaixo da
cobertura e então, ela as jogou pelo ombro de novo. Uma vez
aconchegadas num lugar escuro e quente, elas ficavam quietas.

Antes mesmo de sair completamente do quarto, ela podia sentir que


estavam dormindo.

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Respirou profundamente e correu para abrir a porta. Duncan, que
estava parado olhando para o corredor enquanto esperava, se virou
rapidamente para encará-la. Seu olhar inteligente e escuro a
observou por um momento. Ela sentiu as bochechas esquentarem
com a franca preocupação na expressão dele.

Ela segurou e abriu mais a porta, dando a si mesma mais uma


desculpa para se afastar da atenção muito observadora e
penetrante dele, do que para ser hospitaleira, embora conseguisse
dizer, “Por favor, entre!”

“Obrigado.” Com as mãos ainda dentro dos bolsos, Duncan


marchou para dentro do apartamento dela.

A boca secou enquanto ela o observava. De algumas maneiras, ele


parecia tão normal. Com 1,77m ou mais, ele era apenas alguns
centímetros mais alto do que ela. E ele não tinha o corpo
exagerado. Era uma constituição compacta e bem feita, mas
quando ele se movia, algo único e invisível se manifestava, como se
sua inteligência sutil e afiada fluísse através de seu corpo.

Todos os vampiros tinham a mesma graça não-humana, fluída, mas


nem todos afetavam Seremela do mesmo jeito que Duncan. Ela
inclinou a cabeça e fechou a porta. Quanto se virou, o encontrou
observando-a novamente. Ficou ainda mais envergonhada, muito
consciente com a quantidade de pele exposta pelo material escasso
e fino de sua regata e shorts. Seus dedos do pé estavam pintados
com um esmalte verde limão brilhante. Ela olhou para suas pernas
nuas e depois para ele.

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Se pelo menos estivesse vestindo suas roupas de trabalho e tivesse
um corpo dissecado sobre a mesa, entre eles. Então, ela saberia o
que dizer e como agir.

Mesmo assim, ela tinha que começar de algum ponto. Ela disse.
“Não estava esperando companhia.”

“Espero que você não se importe por eu ter parado sem avisar.” ele
disse.

A voz dele se movia sobre ela como uma carícia invisível. Ela
estremeceu quando sua mente forneceu imagens reunidas de sua
fantasia anterior lavada pela tempestade: Duncan, vestido em um
terno ao estilo Humphrey Bogart, do filme Casablanca, dedilhando
as teclas do piano com seus dedos longos e talentosos, com a
cabeça escura inclinada e um olhar melancólico.

Então, ela entra no recinto e ele se vira para ela com uma alegria
feroz – dando a ela um olhar que diz que eles são as únicas
pessoas no mundo.

A realidade explodiu com tudo em volta dela. Bah! Onde eles


estavam? Oh, ele tinha dito algo. Aquilo significava que era a vez
dela, certo? Argh, onde estava um defunto quando mais se
precisava dele? Ela procurou por uma resposta apropriada. “Não,
claro que não.”

O olhar dele deslizou para a cabeça dela. Ele lhe deu um sorriso
sincero e discreto. “Que pena que as malandrinhas estão
escondidas, hoje.”

Aquecida, ela tocou a parte de trás da cabeça com uma mão


envergonhada. Muitas pessoas tinham medo ou repulsa das cobras

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de uma medusa, em vários momentos através da história, medusas
tinham sido perseguidas e mortas por causa disso. O mais famoso
exemplo de uma medusa sendo morta foi na Grécia antiga, quando
Perseu decapitara uma mulher que era supostamente tão feia, que
a visão dela podia transformar as pessoas em pedra.

Mas, Duncan não era como a maioria das pessoas. Ele parecia
gostar das cobras e as tinha tratado com divertimento e paciência
quando elas flertaram com ele na festa da Masque, no solstício de
inverno, na casa de Carling e Rune.

Suas cobras não tinham o mínimo problema com as situações


sociais – não que elas alguma vez se comportassem
apropriadamente.

Uma vez, numa festa do trabalho, ela ficou com a cabeça leve e
ligeiramente atordoada enquanto conversava com a mulher que era
sua chefe na época. Quando se virou, ela viu que várias de suas
cobras estavam bebericando as sobras alcoólicas do fundo de
vários copos sobre a mesa atrás dela.

Felizmente, sua chefe ficara divertida e a ajudou a chamar um taxi


para leva-la para casa.

“Elas precisavam descansar.” ela confessou. “Que surpresa vê-lo,


Duncan, especialmente no meio do dia.”

O sorriso dele se alargou antes de desaparecer. Ele disse. “Eu me


lembrei da disposição do seu prédio e da garagem no subsolo de
quando eu a deixei aqui, depois da festa da Masque. Foi só parar
na garagem e tomar o elevador e as janelas no final do corredor são
bem fáceis de se evitar. Este prédio é bem simpático aos vampiros.”

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“Entendo.” ela disse.

Duncan dirigia um Aston Martin V12 Zagato, prateado, com janelas


que tinham recebido uma camada total de proteção para o UV. O
preço da etiqueta do carro tinha que ser bem mais do que meio
milhão de dólares, mas quando você era o sócio fundador de um
dos primeiros escritórios de direito nos Estados Unidos, que se
especializou nas leis inter-territoriais das Raças Antigas, você podia
bancar com algumas boas vantagens.

Ela deu uma olhada para as portas abertas da varanda que


levavam para um grande pátio. Não só ela e Duncan estavam bem
longe delas, como ainda estava escuro lá fora e chovendo bastante.
Apesar de seu apartamento de vista para o leste, não havia nenhum
perigo do sol brilhar através das janelas enquanto a tempestade
não fosse embora.

Sem dúvida alguma Duncan já tinha calculado tudo aquilo quando


entrara no apartamento.

Para ele, qualquer contato com o sol seria excruciante e se tornaria


letal em uma questão de segundos. E tinha que estar ciente da
posição do sol em cada momento de sua vida.

Ela virou de novo para ele e encontrou seu olhar. “O que posso
fazer por você?”

“Estou me intrometendo onde não fui chamado, Seremela.” ele


disse de repente. “E eu espero que você me perdoe por isto.
Acontece que eu estava em reunião com Carling quando ela
recebeu seu e-mail. Eu sei que você está com uma emergência
familiar, e eu quis passar por aqui para ver se você está bem.”

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Seus lábios se separaram e seus olhos se arregalaram. Ela tinha
deixado sua posição de médica legista em Illinois e se mudado para
Miami para se concentrar na pesquisa médica particular para
Carling e Rune. Desde então, ela apreciara conviver com Duncan.

Duncan era o mais jovem filho de Carling, como advogado de


Carling e de Rune, ele estava trabalhando próximo a eles na
instalação da nova agência. Seremela era um dos primeiros
empregados da agência.

Duncan não era o chefe de Seremela, para todos os efeitos, mas


ele estaria a par de todas as decisões administrativas que Carling e
Rune tomassem e eles certamente não hesitariam em mencionar
assuntos confidenciais para ele.

Como o grupo deles era pequeno e a maioria era nova na área, eles
tendiam a socializar entre eles assim como trabalhar juntos.
Seremela e Duncan tinham compartilhado boas conversas nos
eventos do grupo, ela esperara que pudessem ter começado a
desenvolver uma amizade, mas aparecer em pessoa para verificar
seu bem estar estava além de qualquer coisa que ela esperara.

Ele inclinou a cabeça. “Você está bem?” ele perguntou gentilmente.


“Você não teve nenhuma morte na família, teve?”

“Não!” ela disparou. “Não, não tive. Duncan, eu – foi muita


consideração de sua parte. Obrigada.”

“Oh, bom.” ele disse. Os ombros dele relaxaram, e ele deu a ela
aquele sorriso torto que era tão malditamente charmoso. “Ninguém
morreu e você não está com raiva pela minha intromissão. Para
mim, são duas vitórias. Você se importa se eu perguntar o que

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aconteceu? Fomos todos transferidos para Miami, e é
completamente possível se sentir isolado e sozinho. Carling e eu
estamos ambos preocupados que você possa precisar de ajuda,
mas não se sentir confortável o suficiente para pedir.”

Ela gemeu e gesticulou. “Eu acabo de descobrir que minha sobrinha


fugiu de casa há alguns meses. Minha irmã manteve isso em
segredo por todo esse tempo. Ela contratou um detetive para
encontrar Vetta – essa é minha sobrinha – e agora que ele a
rastreou, nós precisamos trazê-la para casa.”

O olhar de Duncan tinha ficado decidido conforme ela falava.


“Presumo que sua sobrinha está bem?”

“Sim, pelo que eu entendi, ela está.” Seremela disse. “Aquela garota
possui um talento para se meter em problemas, se ela não encontra
um problema, frequentemente cria algum. Eu receio que não possa
falar muito com você. Estou só no aguardo, e estarei pronta para
partir para o aeroporto para que eu possa pegar o primeiro voo
disponível.”

“Sua irmã deve estar agradecida por você estar indo com ela pegar
Vetta.”

Seremela balançou a cabeça. “Oh, minha irmã não está indo pegar
Vetta.”

As sobrancelhas lisas e escuras de Duncan se abaixaram.


“Desculpe?”

Seremela lhe dirigiu um olhar sem expressão. “Camilla não


consegue encarar um conflito.” ela explicou. “Eu vou sozinha
encontrar Vetta.”

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A carranca dele se aprofundou. “Me perdoe novamente.” ele disse.
“Tenho muita noção do quão intrometido isso pode parecer, mas eu
não gosto de como isso soa.”

“Bem, é o que é.” Ela sacudiu um ombro. “Embora eu saiba o quão


irritante esta frase é para muitas pessoas, também. Neste exato
momento, a coisa mais importante é trazer Vetta para casa em
segurança, e isso significa se mover tão rápido quanto possível
agora que sabemos onde ela está. Todo o resto pode ser resolvido
mais tarde.”

Conforme ela falava, Duncan se virou para olhar para fora da porta
da varanda. Ela não se importou nem um pouco. Isso lhe deu
oportunidade de observar o perfil dele.

Linhas suaves marcaram os cantos dos olhos dele e da sua boca


expressiva e bem formada. Ele devia ter por volta dos trinta anos
quando Carling o transformou no auge da Corrida do Ouro na
Califórnia, no meio do século dezenove.

Ao mesmo tempo que ele teria para sempre o rosto de um homem


jovem, haviam sinais sutis de vivência que diziam o contrário. Ele
carregava uma certa dignidade em sua presença que simplesmente
não existia em homens mais jovens.

De algum jeito, isso continha o peso de anos e experiências sem


parecer pesado demais.

Oh, ela gostava dele, demais. Ela torceu os dedos juntos e


ofereceu. “Eu também pensei em perguntar ao detetive se ele iria
comigo quando eu for busca-la.”

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Duncan franziu a boca. A expressão sutil e pensativa afundou as
bochechas já magras e acentuo as linhas fortes dos ossos das
maçãs do rosto. “A maioria dos detetives não se envolve
fisicamente, especialmente se trata de um assunto familiar.” ele
disse. “A maioria dos detetives trabalham em documentos de
divórcio, verificam antecedentes ou esse tipo de coisas.”

“Eu sei.” ela disse suavemente. Ela também pensara em contratar


alguém que tinha prática em resgatar pessoas de cultos, drogas e
outras culturas subversivas. Ela só não tinha certeza de que
profissional intervencionista estaria disposto a lidar com algo tão
trivial quanto à sede de sangue de Vetta.

Vetta não era viciada ou cabeça oca. Ela só gostava de contrariar


até o fim. Ela também tinha vinte anos, o que era especialmente um
azar já que em muitas jurisdições, essa idade já avançava em muito
ao se ter certos direitos. As medusas envelheciam muito mais
lentamente do que os humanos e a idade emocional de Vetta era
mais parecida com a de um adolescente humano do que com um
adulto.

“Onde está a sua sobrinha, agora?” ele perguntou, olhando para


ela.

Ela fechou os olhos e suspirou. “Ela está no Portão do Diabo.”

“Portão do Diabo?” ele deu meia volta bruscamente, para encará-la.

“Vejo que você o conhece.” ela disse, com a voz monótona.

“Claro que eu o conheço.” ele disse. “Maldito inferno!”

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DOIS

Lei

Portão do Diabo. Sim, Duncan o conhecia.

Aquele período de sua vida estava gravado de maneira irrevogável


em sua mente. Ele tinha vivido seus últimos dias como humano e
suas primeiras noites como um vampiro durante a exuberante
Corrida do Ouro, em São Francisco. Ele acordara nas noites,
sedento por sangue fresco e jornais. Deuses, ele amara aquela
época. Tinha sido selvagem, gananciosa e anarquista, e todos
foram escultores, esculpindo seus futuros e fortunas da melhor
maneira que sabiam.

Ele tinha acompanhado as notícias originais sobre o Portão do


Diabo, no Pacific Courier. Em junho de 1850, um veio de ouro fora
descoberto no Portão do Diabo, que fica bem ao norte da Cidade da
Prata, no oeste de Nevada. Por dez anos, a área completa se
tornou o cenário de uma mineração frenética. A corrida do ouro de
Nevada fora mais louca ainda do que a da Califórnia, abastecida
por um fio da terra mágica na qual corria mercúrio líquido através
das montanhas do deserto e rochas.

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Formado por rocha vulcânica, o próprio Portão do Diabo tinha sido
alargado para criar pedágios na rota para a Cidade da Virgínia. A
abertura estreita logo se tornou conhecida como um esconderijo
popular para salteadores e qualquer um que quisesse atravessar a
rota em segurança tinha que viajar armado.

Mesmo com os últimos cento e sessenta anos de busca e com as


máquinas de pesquisa modernas, ainda era possível, hoje, tropeçar
num veio de metal rico em mágica. Na Nevada oriental, a
Companhia de Mineração de Prata de Nirvana tinha feito
exatamente isso, quando acidentalmente explodiram e abriram uma
passagem para um pequeno bolso para Outras terras que continha
um nó de prata rica em magia.

Poucos meses atrás, em março, as notícias sobre o descobrimento


tinham bombardeado a mídia. A lei era muito clara sobre os direitos
e propriedades em Outras terras. Mesmo que a passagem fosse no
terreno da companhia em Nirvana, e mesmo que não houvessem
pessoas indigentes morando na Outra terra, a companhia de
mineração não tinha direito legal para explorar o recém-encontrado
veio de prata.

Sucumbindo à ganância, o proprietário da companhia tinha


importado trabalhadores ilegais e os manteve contra a vontade,
forçando-os a trabalhar em tais circunstâncias desumanas que
vários deles morreram. Um Mediador do tribunal Antigo, numa
missão de rotina, tinha descoberto os crimes.

A magia que corria através das rochas no Portão do Diabo nunca


tinha levado a uma passagem de cruzamento completa – pelo
menos a nenhuma que já tenha sido descoberta ou documentada.

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Mas, depois do acontecido em Nirvana. Aquela mínima faísca de
magia da terra fora o suficiente para acionar a imaginação de um
grande número de pessoas.

Afinal de contas, se uma passagem de cruzamento levando a um


nó de prata rica em mágica podia ser recentemente descoberta em
Nirvana, quem sabe o que poderia ser descoberto na terra
encantada próxima ao Portão do Diabo?

Talvez houvesse veios de ouro rico em mágica não descobertos


anteriormente, ou poderia haver mais prata, ou até mesmo
passagens enterradas que levavam às Outras terras.

Milhares de pessoas, tanto das Raças Antigas como humana,


convergiam para o lugar. Iam em busca do ouro e prata, magia e
sonhos tolos de riqueza fácil.

Quase que da noite para o dia uma cidade de barracas dispersas e


motor homes se espalharam pelo Gold Canyon. Lá pela metade de
abril, perto de sessenta mil pessoas tinham armado acampamento.
Ao final de maio, a cidade das barracas tinha dobrado de tamanho.
Desesperados por oportunidades e um novo começo, trabalhadores
ilegais chegavam aos montes do norte, vindos do México, enquanto
charlatões e trambiqueiros, videntes, prostitutas, traficantes de
drogas e ladrões inundavam o lugar, vindos de todos os lugares do
globo, criando um combate bagunçado, que ficava mais e mais
bagunçado e violento conforme o solstício de verão se aproximava
e as temperaturas do deserto aumentando de acordo.

O Estado de Nevada foi pego completamente de surpresa. Os


Legisladores esforçaram-se para descobrir uma maneira eficaz de
lidar com a situação, seus recursos já severamente

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sobrecarregados por causa de uma longa recessão econômica.
Eles não tinham os recursos humanos para policiar uma cidade
inteiramente que havia surgido da noite para o dia.

Da última vez que Duncan ouvira, o estado tinha entrado com vários
pedidos de ajuda, junto ao domínio Nightkind, na Califórnia, junto ao
domínio Demonkind, no Texas e junto ao governo federal humano.

O processo tinha empacado numa questão vital: qual jurisdição


seria responsável por este muito dispendioso problema? Se mais de
cinquenta por cento da população na cidade das barracas eram de
criaturas das Raças Antigas, então, a jurisdição – e
responsabilidade pelo policiamento disso – cairia sobre os domínios
das Raças Antigas. Mas, ninguém conseguia responder esta
questão, porque nenhum Censo tinha sido efetuado. Não houvera
tempo.

E Seremela pretendia entrar naquele esgoto?

A mandíbula de Duncan se apertou e ele baixou o olhar para o rosto


dela. “Isto não vai dar certo, Seremela.” ele disse e nem mesmo se
preocupou em se desculpar pela intromissão, desta vez. A
determinação endureceu seu rosto e corpo. “Isto não vai dar certo
mesmo!”

Uma faísca de diversão penetrou no olhar inteligente e colorido


dela. “Se por ‘isto não vai dar certo’, você quer dizer que não
podemos permitir que Vetta cause quaisquer estragos a milhares de
pessoas desavisadas, no Portão do Diabo, você estaria certo.” ela
disse. “Aquela garota é como água correndo ladeira abaixo. Ela
consegue encontrar um denominador comum em praticamente
qualquer situação.”

24
“Eu acho que você sabe muito bem que não foi isso que eu quis
dizer.” ele falou.

Ele não tinha conhecido muitas medusas antes dela. Eram raras,
compreendendo apenas uma pequena fração da população
Demonkind e também tinham a tendência de serem muito unidas.

Seremela era estranha para ele e adorável, com feições femininas,


de ossos delicados, olhos verde azulado que tinham fendas
verticais como pupilas. Ela parecia pequena para uma medusa, o
que a aproximava de uma altura normal de uma mulher humana,
com uma cintura estreita e quadris e seios arredondados.

Sua pele era de um verde cremoso pálido, que tinha um padrão


iridescente fraco que se assemelhava ao padrão em pele de cobras,
mas ele tocara sua mão antes, em outras ocasiões e a pele macia e
quente se assemelhava muito à humana. Ele adorava a beleza
exótica dela. Suas cobras eram verdadeiramente sapecas e ele as
amava também.

Mas o que mais o atraia era a inteligência e natureza gentil dela. Ela
era uma médica legista, uma patologista e uma acadêmica. As
cobras dela eram venenosas, o que emprestava à beleza dela uma
certa vantagem, mas muitas criaturas, inclusive ele mesmo, eram
imunes ao veneno delas.

E, de qualquer jeito, ela teria que se encontrar em uma situação


extrema o suficiente para que as cobras se sentissem ameaçadas e
mordessem. Mesmos os venenos de atuação mais rápido levavam
pelo menos uns momentos para agir. Numa luta física, esses
poucos momentos podiam facilmente significar a diferença entre a
vida e a morte.

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Ela podia ser mortal, mas ainda era muito vulnerável.

Incapaz de resistir, ele se moveu e pegou sua mão e ela o permitiu.


Ele apreciava a sensação dos dedos quentes e macios em sua
mão. As unhas ovais e limpas dela eram mantidas curtas, uma
escolha prática para uma médica legista transformada em
pesquisadora. “Você não pode ir ao Portão do Diabo, sozinha. É
muito perigoso.”

Ela não protestou nem pareceu estar com raiva com a maneira
presunçosa como ele soou. Ao invés disso, ela olhou para as mãos
deles enquanto observava. “Minha sobrinha está lá sozinha.”

“O que, nós dois concordamos, não é aceitável.” ele disse.

O sorriso nos olhos dela diminuiu, a expressão se endureceu e ela


olhou para o chão. “Bem, não há nenhuma outra opção.” ela disse a
ele. “Eu passei metade da noite e a maior parte desta manhã,
tentando descobrir a melhor coisa a fazer.”

“Tem que haver outro jeito.” ele disse.

“Não há.” ela disse, sua voz saindo monótona, novamente. “Não há
recurso legal. O estado nem mesmo pode manter a área
adequadamente policiada. Eles certamente não têm os recursos
para enviar qualquer pessoa para encontrar uma pessoa que, eu
posso garantir, não quer ser encontrada. E, francamente, eu não
forçarei minha irmã a ir comigo. Ela só iria torcer as mãos,
descontrolar-se e ser inútil. Acredite-me, não valeria a pena.”

“Entendo.” ele disse. Ele ergueu sua mão e pressionou um beijo nos
dedos dela. Ela congelou, seu olhar assombrado disparando de

26
volta para o dele. “Mas, mesmo assim, eu ainda não posso deixar
que vá sozinha ao Portão do Diabo.”

Desta vez, ela percebeu o jeito dele falar. “Você não pode deixar...”
ela repetiu com uma cuidadosa falta de ênfase.

Ela sabia exatamente como isso soava, e não se arrependia nem


um pouco disto. Ele enfatizou. “Não sozinha, Seremela.”

Os ombros dela caíram e ela tentou livrar a mão. “Embora saiba


que sua intenção é boa, eu não tenho tempo para discutir com
você.” ela disse. “Meu taxi está chegando em menos de meia hora e
não terminei de fazer a mala ainda.”

“Cancele-o.” ele falou, os dedos apertando os dela.

“Duncan...”

Ela a puxou para si até que estavam frente a frente e ele olhou
profundamente nos bonitos e estranhos olhos femininos. “Cancele-
o.” ele repetiu. “E termine de fazer a mala com calma. Vou reservar
o primeiro voo para Reno e volto para pegar você.”

Ele podia ver pela expressão confusa dela, que ela ainda não tinha
entendido muito bem. “Não tenho certeza do que dizer.”

Considerando o número de pistas que ele dera, a confusão dela


parecia incrivelmente inocente e era completamente adorável. Ele
ergueu uma sobrancelha. “Você não tem que dizer nada.” ele disse.
“Ou melhor ainda, pense nisso enquanto termina de se arrumar.
Você pode me dizer o que quiser durante o voo, já que eu vou com
você.”

27
Uma deliciosa e agradável cor rosa correu de maneira intoxicante
por baixo da pele verde clara e cremosa dela.

“Você vai?”

“Vou. Agora, não discuta comigo.” ele disse enquanto ela respirava
fundo. Ele começou a considerar até onde ela permitiria que ele a
pressionasse. Ao imaginar onde estariam os limites dela e o que ela
podia fazer caso ele os ultrapasse, ele começou a apreciá-la ainda
mais do que antes. “Só faça o que eu digo.”

Ela fechou a boca com um audível clique. “Não pode. Não vai. Não.
Você tem usado vários desses sons proibitivos e arcaicos nestes
últimos quinze minutos.”

Ele sabia que ela não estava realmente brava. Ela estava, de
maneira bem gentil, advertindo-o a não exagerar.

Isto o agradou tanto que ele passou a ponta de um dedo muito


suavemente pela bochecha dela. “Você deve ter notado, minha
querida.” ele murmurou. “Acontece que eu sou um tipo de cara do
século dezenove.”

Ele a deixou lá, confusa e mais rosada do que nunca e usou o


tempo no elevador, enquanto descia para a garagem do subsolo,
imaginando o que ela diria para ele quando voltasse para pegá-la.
Alguns minutos depois, ele ligou para a casa de Carling e Rune.
Rune atendeu.

Carling era uma vampira, mas Rune não. Rune era Wyr, e apenas
há um ano, fora a Primeira sentinela de Dragos Cuelebre, Senhor
dos Wyr em Nova York, até se acasalar com Carling. Rune e
Carling tinham se mudado para Miami e por vários meses, eles

28
tinham reunido talentos subutilizados nos vários e diferentes
domínios.

Agora, Rune e Carling estavam organizando uma agência de


consultoria internacional, para que pudessem colocar em uso os
talentos que tinham reunido. Algumas partes da agência, como as
consultas ao Oráculo, operariam com base em taxas de descontos,
e outras partes somente com base em lucros. Carling deve ter
contado a Rune sobre o e-mail de Seremela, ou talvez, Rune o lera
por si só.

“Seremela e eu precisamos voar para Reno.” Duncan disse ao


companheiro de Carling.

“O-ok.” disse Rune. “Duncan, seu safado.”

“Você tinha que falar nisso.” Duncan disse. Sorriu para si mesmo
enquanto se movia pelo trânsito da tarde. Ele gostava de Rune.
Tinham aprendido a trabalhar bem juntos quando viajaram para
Adriyel, em Outras terras Dark Fae, para conduzir Niniane Lorelle
de maneira segura, para sua coroação como a Rainha Dark Fae.

“Sério, está tudo bem?”

“Espero que sim. Seremela está com uma sobrinha fujona que foi
parar justo no Portão do Diabo.” Ele fez uma pausa breve enquanto
ouvia Rune xingar baixinho. “Nós vamos lá resgatá-la e
acompanha-la até sua casa, para a mãe.”

“Algo que possamos fazer?”

Uma das primeiras aquisições que a nova agência deles tinha


adquirido foi um jato particular que podia acomodar doze pessoas e
tinha capacidade para viagens internacionais. Estavam levando a
29
agência muito a sério e estavam destinando dinheiro suficiente para
equipá-la com recursos de primeira qualidade.

Claro que Duncan estava bem consciente de que o avião seria


capaz de viajar bem confortavelmente pelo continente dos EUA.

“Seria bom,” Duncan disse, “chegar a Nevada o mais rápido


possível antes que sua sobrinha tenha a chance de se ferir.”

“É urgente o suficiente para barganhar um favor com um Djinn?”

Duncan pensou seriamente nisto. Muitas pessoas nunca tinham


conhecido um Djinn.

Menos ainda eram capazes de atrair a atenção de um Djinn por


tempo o suficiente para uma barganha. Duncan e Seremela eram
conhecidos de Khalil e podiam falar com ele, mas as sensibilidades
de Djinn de Khalil eram tais que ele provavelmente não veria nada
de errado em barganhar com eles em troca de um favor. Apesar da
situação no Portão do Diabo ser perigosa e volátil, dever um favor a
um Djinn podia ser um negócio caro e ainda mais perigoso a longo
prazo.

Ele disse. “Acho que não. Mesmo assim, devemos chegar lá


rápido.”

“Vou providenciar para que o avião seja abastecido e esteja na pista


em uma hora.” Rune disse.

“Obrigado, agradeço por isto.”

“Gostaria que Seremela tivesse se sentido confortável o suficiente


para pedir por si mesma.”

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“Pedir um avião emprestado é um baita de um favor, Rune.” Duncan
falou. “E ela é nova em Miami... ainda está se acostumando.
Inferno, todos nós. Só que alguns de nós se conhecem a mais
tempo do que os outros. Dê-lhe tempo.”

“Bem lembrado. Avise-nos se houver algo mais que possamos


fazer.”

“Avisarei.” Duncan desligou.

Ele estava apreensivo quando chegou a sua casa de 1.300m2. Iria


providenciar duas malas. Uma delas, seria uma mochila com armas,
dinheiro, alguns itens de toalete e meios de protegê-lo do sol. Essa
seria a mala indispensável

A outra, teria itens de luxo como roupas extras, junto com um laptop
com segurança criptografada, para o caso de encontrar algum
tempo para trabalhar. Apesar dele com certeza levar um telefone
por satélite, a terra mágica em volta do Portão do Diabo interferia na
recepção de manera que eles precisavam planejar para serem
autossuficientes.

Eles teriam que dirigir até o Portão do Diabo, saindo de Reno, o que
significava que precisavam alugar um SUV. Ele fez mais ligações
para providenciar o aluguel do carro, incluindo suprimentos para
acampamento, comida e água para Seremela e várias caixas de
bloodwine. Ele tentou alugar um motor home, mas não havia
nenhum disponível assim, em cima da hora, num raio de 800Km do
Portão do Diabo.

Se o resgate da sobrinha de Seremela demorasse mais do que


alguns dias e se algo acontecesse ao seu suprimento de alimento,

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ele teria que caçar seu sustento. Com um pouco de sorte, ele
poderia ser capaz de encontrar e pagar por doadores voluntários.
Se não, ele teria que fazer o que tinha que fazer. Ele pensou no
saudável rubor que aparecera nas bochechas de Seremela e para
seu grande choque, seu pau endureceu em resposta.

Ele era um homem inteligente, instruído e maduro que acreditava


na lei, no controle próprio e em administrar suas emoções. Ele não
misturava seus apetites ou confundia a fome para sustento com
desejo sexual. Não seria tão sem consideração assim, nem para
com seus doadores, nem para com suas amantes. Nem mesmo
quando uma harpia caótica e sexy tinha lhe oferecido a chance de
experimentar seu sangue raro em troca de sexo, ele cairá em
tentação.

Mas, ele também sabia que havia lugares e horas em que a lei não
estava presente e o Portão do Diabo era um desses lugares e uma
dessas horas. Aparentemente, também havia horas em que os
apetites de um homem se misturavam, não importando quanto
autocontrole ele pudesse tentar se impor.

Já se passara um tempo desde que Duncan o fizera, mas ele sabia


como navegar pela ilegalidade. De fato, ele estava ansioso por isso
de novo, enquanto teria ajudado Seremela pelo bem da decência,
acima de tudo, certamente não tirava nenhum pedaço que ela fosse
tão bonita e que ele estava intensamente atraído por ela.

Sem dúvida, ela seria muito grata por tudo o que ele fez. Ela podia
até mesmo se oferecer para alimentá-lo, ela mesma.

Se o fizesse, apesar de seu cuidadoso pensamento sobre


princípios, ele aceitaria a oferta.

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Inferno, ele pularia para agarrar aquela chance. Seu pênis ficou
ainda mais duro conforme ele pensava no pescoço esbelto e nu
dela, inclinado em um convite. Ele imaginou afundar seus dentes na
pele macia dela, enquanto enchia as mãos com os seios dela e sua
ereção ficou tão rígida que se tornou dolorida.

Oh, Duncan, ele pensou. Você tinha que pensar nisso, não tinha?
Rune estivera provocando, mas ele também tinha o direito a isso.
Você é mesmo um safado repugnante!

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TRÊS

A Dança

Enquanto Seremela hesitava sobre o que levar, seu iPhone apitou.


Ela correu a sala de estar para pegá-lo da mesa de centro.

Ela recebera uma mensagem de texto de Duncan. Tudo está


providenciado. Temos transporte até Reno, inclusive um SUV e
suprimentos. Estarei aí, ao meio dia, para pegá-la.

Um peso invisível saiu de seus ombros. Ela era inteligente e capaz.


Ela podia ter providenciado transporte. Ela podia ter recuperado
Vetta sozinha. Mas pelo fato dela não ter que fazer aquilo, de que
teve o tipo de apoio emocional que Duncan tão generosamente
oferecera a ela, era indescritivelmente maravilhoso. Significava um
se importar de verdade e amizade.

O fato dela também achá-lo sexy a ponto de parar seu coração, não
deveria influenciar seu raciocínio de maneira nenhuma.

Ela devia estar concentrada na sua tarefa, que era assegurar que
sua sobrinha chegasse em casa segura – Vetta querendo ou não.

E Seremela se concentraria na tarefa, quando realmente


precisasse. Agora, ela se sentia jovem e se sentir desta maneira
34
quando se estava perto dos quatrocentos anos de idade era o
máximo! Seu pulso acelerou como uma garota tonta da escola.

Ela e Duncan passariam horas sozinhos. Ela poderia observá-lo em


segredo. De repente, ele sorriria para ela daquele jeito torto, numa
forma autodepreciativa dele. Ele falaria com ela, combinando sua
inteligência com o som de sua maravilhosa voz de um jeito que a
seduzia. Eles podiam ter uns dois, ou três dias juntos. Este tempo
roubado parecia uma fortuna extravagante.

Cuidadosamente, ela respondeu à mensagem dele. Obrigada por


tudo.

A resposta dele foi imediata. O prazer é meu. Vejo você em breve.

Seremela checou seus e-mails e encontrou uma resposta de


Carling, provavelmente enviada quando Duncan se dirigia ao seu
apartamento, mais cedo. Claro, Seremela podia tirar o tempo que
precisasse e era para ela avisar Carling e Rune se precisasse de
qualquer coisa.

Seremela teve que sorrir. Ela não duvidou nem por um minuto que
Carling soubera muito bem o que estava fazendo, quando
compartilhara seu e-mail com Duncan. Carling já tinha
providenciado mais ajuda do que Seremela podia ter esperado.

O clima mudou drasticamente nas horas seguintes, com


redemoinhos de céu azul iluminado pelo sol, rompendo as nuvens
escuras e sinistras. Eles teriam que tomar cuidado a caminho do
aeroporto. Seremela tinha terminado de arrumar a mala com tempo
de sobra, tomara banho e se trocara para a viagem, colocando um

35
jeans, com uma camisa de algodão de abotoar sem mangas,
amarela.

Sentia-se calma e otimista quando Duncan bateu a sua porta de


novo – então, claro, tudo aquilo foi para o inferno. Suas cobras se
esparramaram em um louco redemoinho em volta de seus ombros.

Se por acaso fossem cachorros, ela não tinha dúvida de que


estariam latindo e correndo sem parar.

Hora da verdade! Ela não passaria os próximos três ou quatro dias


mantendo as pirralhas, constantemente embaladas sob o calor
extremo do deserto, mesmo que elas merecessem isto
completamente.

Ela aprumou os ombros, marchou até a porta e a abriu.

“Olá, Seremela.” disse Duncan. “Você teve tempo para...?”

Ela deu uma olhada nele. Ele também tinha se trocado e colocado
um traje similar ao dela, vestindo jeans e uma camiseta cinza que
se moldava ao torso esguio e aos bíceps musculosos.
Anteriormente, onde quer que Seremela o visse, ele sempre fora o
epítome da elegância masculina. Era chocante, de algum jeito, vê-lo
tão casualmente vestido.

Ou, pelo menos ela achava. Ela não deu uma boa olhada para ter
certeza. Suas cobras obscureceram sua visão conforme se
agitaram ao redor de seus ombros e sobre sua cabeça como um
enxame, disparando em direção a Duncan do jeito que podiam. A
força da reação delas a surpreendeu e a desiquilibrou. Ela deu um
passo à frente, tropeçando, o que era tudo o que elas precisavam.

36
Duncan começou a rir conforme as cobras dela envolveram o
pescoço dele e a parte superior de seus braços. Ele a pegou pelos
cotovelos conforme ela tropeçava e ficaram ali, olhando um para o
outro, entrelaçados.

Algo elétrico brilhou nos olhos dele. Ela não sabia o que era, mas a
afetou poderosamente com sua força. A pele flamejou com calor.

“Sinto muito.” ela murmurou. “É só que – você sabe que elas


gostam de você e ...”

“Não se desculpe.” ele falou numa voz gentil. Tocou sua bochecha
com as pontas dos dedos de uma mão. “Como disse a você, eu
gosto delas.”

Outros podiam se encantar com o estrondo e trovão da paixão


tumultuada. Para Seremela, a coisa mais letal no mundo era
exatamente este tipo de gentileza, este tipo de momento. Eles
estavam pertos o suficiente um do outro, para que ela pudesse ver
como os olhos escuros dele tinham dilatado, uma mudança
suficiente e sutil na cor que, se ela estivesse só uns passos
afastada, não teria percebido. Ele olhava intensamente para ela,
seu rosto realçado com aquela mesma expressão elétrica, que a
perfurava através do olhar e ainda assim a tocava tão levemente
como flocos de neve caindo sobre o resto de sua pele.

Ela estava intensamente consciente de cada um dos quatro


pequenos pontos de contato, mais ainda porque ela mal podia senti-
los e eles a mantinham tão firme, tão firme, enquanto ele olhava
fundo nos olhos dela. Esse toque único e inocente era quase
inacreditavelmente erótico. O contato, leve e firme, dizia coisas e o

37
simples fato dele ficar assim por tanto tempo significava que ele
queria ter certeza de que ela ouvisse.

Isto dizia que a gentileza delicada dele não era um acidente. Dizia
que ele tinha que estar intimamente consciente da localização e da
posição do corpo dela para obter um toque tão delicado, como uma
borboleta. Dizia que ele a tocava porque queria tocá-la e que sabia
como ser gentil e terno, que ele era seguro e não fugia ao
escrutínio, que podia ser firme, quando precisava ser.

Dizia que sabia muito bem que ela era inteligente o suficiente, para
reconhecer todas as nuances de sua mensagem silenciosa.

A respiração dela ficou irregular. Seus lábios tremiam enquanto


suas cobras o seguravam e ele sorriu dentro dos olhos dela. E tudo
o que ele fazia era tocar sua bochecha.

“Você está pronta para ir?” ele disse suavemente, com aquela voz
fabulosa e famosa, que entrava por vontade própria em suas
orelhas.

E foi assim, caramba, que ela quase gozou ali, bem em suas
calças. O fato de não o ter feito era um milagre. Ela devia estar feliz
por isto, já que podia ter esperança de manter alguma aparência de
dignidade...

Ela olhou de lado para suas cobras que tinham se prendido em


volta dele. Uma tinha se enrolado tanto nos bíceps dele que estava
pendurada de cabeça para baixo, por baixo do braço dele.

Sim, bem, ela podia não ser bem capaz de manter a dignidade.

SOLTE! ela ordenou, numa voz mental tão firme, que nunca tinha
usado antes com elas.
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Ela deve tê-las assustado, porque elas se soltaram e deslizaram de
volta aos seus ombros.

Agradecida, ela respirou profundamente e deu um passo para trás.


Disse em voz alta, porém rouca “Sim, eu estou pronta.”

Ele inclinou sua cabeça sedosa e escura com um sorriso, deu um


passo para dentro, pegou a bagagem dela, enquanto ela dava uma
olhada pela última vez por seu apartamento, checava se estava
com seu iPhone, fechava e trancava a porta enquanto saiam.

Internamente, ela estava passando rapidamente por seu arquivo


repleto de emoções. Como nomear este sentimento? Ela tinha
gritado de vergonha alguns minutos atrás, então, nãã, não era isso.
Conforme desciam em silêncio, no elevador para a garagem, ela
finalmente teve que admitir, ela não sabia o que sentia. Nunca
sentira isto antes, então, não era um sentimento arquivado.

Ela não conhecia a emoção contida numa grande quantia de


choque e espanto.

Porque, tudo o que ele fez foi tocar sua bochecha.

E, agora, tudo o que ela podia fazer era imaginar, o que mais ele
podia dizer naquela linguagem silenciosa e sensual dele?

Que poemas os dedos dele podiam sussurrar enquanto dançavam


pela pele dela?

Que prosa eloquente ele poderia compartilhar com seu corpo?

39
Ela tinha imaginado que eles voariam saindo do Aeroporto
Internacional de Miami e ficou surpresa quando Duncan os levou
em direção ao Aeroporto Executivo Kendall-Tamiami, vinte e um
quilômetros a sudoeste do centro de Miami. Quebrando o silêncio
pela primeira vez desde que deixaram seu apartamento, ela disse.
“Eu não sabia que haviam voos comerciais saindo deste aeroporto.”

Ele lhe dirigiu um breve sorriso. “Não há, mas há voos corporativos.
Não vamos tomar um voo comercial. Vamos usar o avião da
agência.”

“Oh, entendo.”

A possibilidade nem mesmo tinha cruzado sua cabeça e ela estava


francamente atordoada. Rune e Carling já tinham lhe dado tanto.
Carling tinha lhe dado um rascunho num papiro, que fizera no Egito
antigo, de uma criatura há muito tempo morta, meio serpente, meio
mulher, que de acordo com a lenda, fundara a raça das medusas.
Embora o valor do rascunho não importasse para Carling, ainda
permanecia o fato de que valeria uma fortuna para um museu caso
Seremela resolvesse em algum momento vendê-lo. E, havia o novo
emprego, para o qual eles lhe ofereceram um salário extremamente
competitivo, dando a ela um pacote de benefícios e ainda pagando
por suas despesas de mudança. Agora, eles lhe forneciam uma
licença por tempo indeterminado e estavam emprestando o avião
da agência.

Quando eles voltassem, ela teria que agradecê-los de maneira


apropriada, em pessoa. O mínimo que podia fazer era convidá-los
para jantar. Carling podia saborear uma garrafa excelente de vinho

40
e Rune certamente tinha um apetite suficientemente voraz como o
de vários homens juntos.

Ela olhou de lado para Duncan. Talvez Duncan pudesse se juntar a


eles. Ela sorriu, sentindo-se aquecida por inteiro, com aquele
pensamento.

Eles estacionaram e Seremela olhou para o céu novamente


enquanto saíam do carro. Ao norte, o céu tinha se tornado quase
inteiramente azul. Ela podia ver os raios de sol saindo das beiradas
das nuvens escuras como raios laser. Seu estômago se apertou um
pouco e ela se virou ansiosa, para Duncan.

Ele olhou para o céu e lhe deu um sorriso calmo. “Está tudo bem.
Ainda temos alguns minutos. Tempo suficiente para embarcar.”

“Se você o diz.” Ela pegou sua mala quando ele lhe passou. Então,
ele pegou suas próprias malas, fechou o porta-malas e os dois se
dirigiram para o prédio. Uma vez lá dentro, ela conseguiu respirar
profundamente de novo, mas para embarcar no jato Gulstream, eles
teriam que sair ao ar livre novamente.

Duncan permaneceu calmo o tempo todo e não chegou a pegar um


casaco, mas ele subiu rapidamente a rampa para o avião bem na
hora em que um raio de sol se derramou na extremidade noroeste
da pista do aeroporto.

“Bons deuses.” ela murmurou enquanto ele desaparecia dentro do


avião. Ela deu uma olhada nas janelas do avião, notando que já
estavam com a proteção abaixada. A vida inteira dele era assim,
uma dança sem fim para evitar o sol. Sentindo um pouco oprimida,
ela seguiu, a um passo mais lento para a rampa.

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O piloto e sua copiloto eram a equipe completa do avião e
cumprimentaram Duncan e Seremela alegremente enquanto
guardavam a bagagem. Duncan segurou uma das bagagens tempo
o suficiente para retirar dela um laptop e uma pasta estreita. Ele
sorriu para Seremela. “Espero que não se importe se eu me
concentrar no trabalho, um pouco.”

“Claro que não.” ela disse. “Não estamos em férias. Eu teria trazido
trabalho também, se achasse que conseguiria me concentrar o
suficiente para conseguir fazer alguma coisa. Bem isso e também
por metade do meu trabalho envolver coisas nojentas crescendo em
placas petri.”

Ele riu. “Obrigado por não trazer seu trabalho com você.”

Ela fez uma careta. “Não há de quê.”

O avião tinha um sofá e depois que levantou voo, quando Duncan


se ajeitou para trabalhar numa mesa, Seremela cedeu à tentação e
se esticou para descansar. Sua noite insone cobrava seu preço. A
copiloto lhe trouxe um travesseiro e um cobertor e ela se virou de
lado, suas cobras derramaram-se por seu corpo e se enrolaram no
espaço naturalmente formado na região de sua cintura.

Ela tirou uma soneca, despertando levemente a cada vez que ouvia
a voz de Duncan. Em sua maioria, ele estava reorganizando seu
tempo fora do escritório para os próximos vários dias, mas uma
hora, ela despertou completamente alarmada.

Ela se contraiu sem se mover e sabia que suas cobras estavam


acordadas e enroladas, prontas, também. O motor do avião

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continuava forte e macio, e tudo parecia normal. O que a tinha
acordado?

Então, ele ouviu novamente, Duncan falando numa voz tão fria e
cortante que penetrava no silêncio da cabine como um estilete. “... o
fato permanece, Julian, a casa de Carling está numa ilha em Outra
terra. Além disso, você só pode acessar a passagem para a ilha
pelo oceano. Você acredita que ela escolheu tudo isso por
acidente? Não é domínio Nighkind, então, não está sob seu domínio
legal. Temos sido pacientes por um ano, até agora.”

Uau, ele estava realmente bravo com esse cara, o Julian. Então, ela
entendeu. Duncan não estava só falando com qualquer Julian, mas
com Julian Regillus, o Rei dos Nighkind e descendente hostil de
Carling.

Duncan fez uma pausa, claramente escutando o que quer que dizia
o outro lado da linha. Então, ele disse friamente, “Isso é inaceitável.
A biblioteca mágica de Carling é muito perigosa. Ela não confia em
ninguém mais para movê-la. Ela precisa fazer isso por si só e você
não pode continuar a bloquear o acesso dela a sua própria
propriedade.” Outra pausa. “É tarde demais para isso. Ela está farta
de esperar. Nós já entramos com uma petição no tribunal Antigo. É
só uma questão de tempo até o tribunal aprova-la.”

Então outro silêncio que se prolongou, até que ela percebeu que
Duncan não estava fazendo uma pausa para ouvir, mas que a
chamada tinha sido encerrada sem despedidas. Cautelosamente,
ela sapeou além da borda do sofá.

A raiva redefinia as linhas de expressão de Duncan, transformando-


o num estranho de rosto endurecido. Seus olhos escuros brilhavam,

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fragmentos negros em sua face pálida. O homem gentil e urbano do
qual se tornava conhecido e do qual gostava tanto não estava em
nenhum lugar visível agora e o que restara em seu lugar era algo
completamente perigoso.

Então, ele percebeu que ela o observava detrás do braço do sofá e


seu rosto se suavizou.

Ela disse. “Sinto muito. Acabei escutando um pouco da conversa.”

Ele balançou a cabeça e suspirou, correndo os dedos pelos cabelos


até que ele realmente parecia desalinhado. Ela franziu o cenho.
Talvez, aquilo não devesse parecer tão adorável como parecia a
ela, especialmente depois do que tinha acabado de ver na
expressão dele.

“Não, sou eu quem deve se desculpar – de novo – com você.” ele


disse. “Eu a acordei, não?”

Ela não se importou em negar tal coisa, só o observou com


atenção. “Assim que eu percebi com quem você falava, eu devia ter
feito algo para você saber que estava acordada, como por exemplo,
ir ao banheiro.”

Apesar de Duncan não precisar respirar, a humanidade não o tinha


abandonado, ela percebeu, enquanto ele expelia o ar. “Você não
deveria ter feito isso de jeito nenhum.” ele disse. “Quando fiz a
ligação, não sabia que seria transferido para ele, em pessoa, ou
nunca teria ligado. Então, neste ponto, a ligação acabou
mergulhando na privada.”

“Bom, já que o estrago está feito.” ela disse, enquanto se sentava.


“Se não se importa que eu pergunte, por que Julian não quer

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permitir que Carling tenha acesso à ilha? É por que ele não quer
que ela consiga a biblioteca?”

“Não acho que seja isso.” Duncan disse. “É inútil para qualquer
outra coisa, que não um lugar de retiro. Como uma Outra terra, é
ilegal que alguém da terra colete qualquer coisa da ilha para ganho
comercial e Carling apresentou evidências de que uma espécie
alada e inteligente vive nas sequoias. E Julian não está nem aí para
a biblioteca de Carling. De fato, ele insiste que Carling enviou
bruxas bibliotecárias para embalar e transportar a biblioteca. De um
lado, Carling insiste – e ela tem o direito legal a isto – que ela tem
livre acesso a sua própria casa e que ela supervisiona a mudança
da biblioteca pessoalmente.”

“Mas, ele não quer permitir que ela o faça.” ela falou.

“Não, ele não quer.” Duncan disse. “Agora que ele deixou claro e a
exilou, ele não quer permitir que Carling se aproxime de nenhum
lugar próximo à fronteira do território dele, especialmente perto da
passagem de cruzamento para a ilha, onde seria muito fácil para ela
deslizar discretamente para o domínio Nightkind. Ele certamente
não quer reconhecer que ela tem o direito de ir e vir quando quiser.”

Ela se sentou e dobrou o cobertor e ele saiu da mesa onde seu


trabalho estava espalhado e se aproximou para se sentar ao lado
dela, no sofá. Três de suas cobras deslizaram sobre o ombro dele
para fita-lo.

Ele sorriu e esticou a mão para elas. Elas se entrelaçaram em volta


de seu antebraço enquanto ela confessava. “Sempre quis saber
como você se sentia em relação à distância entre eles.”

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“Para ser brutalmente franco, posso ver os dois lados.” ele disse.
“Julian cometeu alguns erros e confiou na pessoa errada e no ano
passado, era realmente perigoso ficar por perto de Carling. Eu acho
que ambos poderia realmente deixar tudo isso para trás, se Julian
estivesse disposto a se submeter ao domínio de Carling, de novo.
Mas, eu também acho que algo dentro dele se quebrou e ele não
pode fazer isso novamente. E tenho que ficar do lado de Carling em
tudo isso.”

A conversa tinha escorregado diretamente para o território vampiro


e Seremela franziu o cenho, incerta se estava confortável com o
assunto. Ela olhou para baixo, para suas mãos enquanto dizia com
cuidado, “O vínculo entre um vampiro criador e sua descendência é
algo difícil de entender do lado de fora. Suponho que você tenha
que escolher o lado de Carling, não tem?”

“Você quer dizer, se Carling me ordenou para escolher o lado


dela?” Duncan perguntou. Ele sorriu para ela, todos os vestígios
daquele estranho endurecido desaparecendo. “Não, ela não o fez.
Ela não o faria. Tenho que escolher o lado de Carling porque eu a
amo e eu concordo com a posição dela mais do que eu concordo
com a de Julian. Mas isso não significa que eu não possa ver o lado
de Julian, também.”

A habilidade dele em ver a situação de todos os lados devia ser


uma das coisas que o tornou um advogado tão extraordinário. Ela
teve que sorrir. Isso faria dele um amigo extraordinário, também.

Ou, inimigo. Era outra coisa que ela gostava nele. Sua inteligência
calma e sagaz tinha seu próprio tipo de mordida.

46
Ele ainda estava falando. Ele disse. “E há também uma grande
diferença entre eu e Julian.”

“Qual é essa diferença?” ela perguntou, ficando cada vez mais


fascinada apesar de seu desconforto inicial.

Um arrepio percorreu suas terminações nervosas quando Duncan


pegou uma de suas mãos e brincou com seus dedos. “Milhares de
anos.” ele disse. “Veja, eu aceito o domínio de Carling sobre mim.
Ela me fez e eu sou jovem o suficiente para me lembrar como me
sentia quando concordei com isso. Sim, ela tem o Poder para me
forçar à vontade dela, mas nos últimos cento e setenta anos, ela
praticamente não o fez e nunca o fez sem ter uma verdadeira razão
para isso. Mas Julian foi transformado no alto do Império Romano.
Ele, Carling e Rune, também – os três são diferente de nós.”

“Nós?” ela repetiu surpresa. “Como eu e você?”

“Sim, como eu e você.” ele disse.

Ela sorriu para ele, divertida. “Você percebe que eu estou próxima
de ser duzentos anos mais velha que você?”

Ele riu. “Eu tinha trinta anos quando fui transformado, então se você
tem mais do que trezentos e cinquenta, então sim, você tem. Mas a
diferença de idade entre nós é uma gota dentro do balde, quando
você considera um milênio. Eles são muito mais velhos do que nós.
Eu acredito que isso os torna fundamentalmente diferente, de algum
jeito. E Julian é muito dominante. Carling nunca transformou alguém
contra a vontade deste, então, ele deve, há muito, muito tempo, ter
concordado com o domínio dela, mas eu acho que ele se irritou por

47
estar debaixo do Poder dela há muito tempo. Imagine como foi para
ele quando pareceu que ela estava morrendo.”

Ela franziu a testa. “Acredito que deve ter sido um alívio, em


algumas maneiras, mesmo que ele se importasse com ela.”

“É como eu vejo isto.” Duncan disse. “Por muitos anos, eles


trabalharam em perfeita parceira, um com o outro. Jogaram bem
com a diferença da força entre eles. Mas ela não morreu quando
devia, e ele não foi libertado. Agora, ele não suporta a ideia de estar
sob o Poder dela de novo. E se eles alguma vez se encontrarem
pessoalmente, ela poderia, potencialmente, força-lo a sua vontade –
ele é descendente dela, afinal de contas. Não acho que Julian
alguma vez já tenha odiado Carling. Mas acho que, talvez, ele tenha
aprendido como odiá-la agora.”

“O jeito como você descreveu isto, soa como se os dois estivessem


no meio de algum tipo de duelo.”

“É uma boa maneira de descrever.” Duncan disse. “Só que este


duelo pode levar séculos para terminar.”

Ela estremeceu e curvou os dedos sobre os dele. “Me perturba o


fato de você possivelmente ser pego no meio.” Como ela devia
chamar aquilo? Discordância parecia simples demais. “Do choque
de vontades deles.”

“Oh, bem.” ele disse brincando. “Toda família tem seus altos e
baixos.”

Seremela ficou chocada e encantada. “Você acaba de citar


Katherine Hepburn, como Eleanor da Aquitânia, em O Leão no
Inverno, ou isso foi um acidente?”

48
O sorriso dele penetrou o olhar dela. “E se o fiz?”

Sob a força de um imenso maremoto por causa de tal contato


íntimo, a respiração dela se tornou difícil. “Eu amava esse filme.”

“Eu também. Também tive muitas razões para citá-lo através dos
anos recentes.” Ele pressionou um beijo contra as costas da mão
dela. “Falando em famílias, acho que estamos nos preparando para
pousar. Assim que pegarmos o SUV e nossos suprimentos,
devemos levar cerca de uma hora para chegar ao Portão do Diabo.
Então, podemos pegar sua sobrinha e leva-la para casa.”

Ela riu. “Você faz com que isso soe fácil.”

“Depois de Carling e Julian? Pode apostar, é fácil.” Duncan disse.

Seremela balançou a cabeça para ele e lhe deu um sorriso de


piedade. “Você diz isso porque ainda não conheceu Vetta.”

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QUATRO

Morte

Depois de o avião ter pousado no Aeroporto de Reno-Tahoe e eles


terem desembarcado, encontrado com a agência de viagem que
Duncan tinha usado para reservar o SUV, pego o veículo e
inspecionado a comida, água e os suprimentos de camping para
terem certeza de que tinham tudo o que precisavam, a maior parte
da luz do dia tinha desaparecido. Duncan tomou a direção do de
Reno e assim que atingiram a US-305-S, o tráfego melhorou e eles
ganharam um bom tempo.

Reno era como muitas cidades no deserto, onde de repente, você


estava fora da área povoada. Enquanto ganhava velocidade na
pista livre, ele perguntou a Seremela. “Você se importa se eu abrir
as janelas?”

“De jeito nenhum.” ela disse apesar dele notar ela olhando para o
céu a oeste.

O sol não tinha se posto completamente, mas estava baixo o


suficiente no horizonte, que de vez em quando, era obscurecido
pelas colinas no oeste. As cores da noite de verão no deserto eram
grandes salpicos de profundos tons em laranja e dourado, cortados
50
por sombras negras alongadas, o dia que terminava deixava faixas
ardentes de rosa, lavanda e roxo, espalhadas por todo o céu.

Duncan tocou os controles embutidos na porta do lado do motorista


e as janelas se abriram por vários centímetros. A temperatura dos
dias em Nevada podia ser muito quente em junho, mas à noite,
esfriava rapidamente e o ar fresco ficava agradavelmente quente.

Depois de um momento, ele disse. “Você sabe, alguns vampiros


são rígidos ao evitar as horas do dia. Eles não saem de seus
abrigos até que o sol tenha se posto completamente e já estão
debaixo de uma cobertura quando o sol nasce a cada manhã. Isso
acontece muito com os vampiros mais velhos. Alguns deles se
tornam agorafóbicos e quase nunca deixam seus abrigos. Não
tenho certeza do porquê. Talvez, conforme o tempo passe, eles
sintam a probabilidade de sofrer um acidente fatal cada vez mais
próxima deles.”

Ela se remexeu. Algumas de suas cobras tinham se levantado e


estavam na janela aberta, com as línguas se movendo para
saborear o ar do deserto. Para o divertimento dele, outras
descansavam sobre seu ombro direito. “Acho que posso entender
isso.” ela disse. “Os raios do sol são tão fatais para vocês.”

Ele assentiu. “Nós vivemos lado a lado com a morte. Ela está
sempre ali, algumas horas à frente ou atrás de nós, ali na esquina,
ou a alguns passos do abrigo de um teto. Mas, quando Carling me
transformou, eu disse a mim mesmo que não me tornaria como
aqueles outros vampiros. Tomaria as precauções necessárias, mas
nunca viveria com medo.”

“Que tipo de precauções você toma?” ela perguntou.

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“Bom, por exemplo, eu tenho uma grande casa.” ele disse. “Se eu
tenho que ficar abrigado do sol, eu me recuso a me sentir apertado
quando o faço. Todas as janelas têm persianas metálicas operadas
com um timer. Elas se fecham e se travam automaticamente do
nascer ao pôr do sol.” O sistema requeria um código de comando
manual para abri-lo a qualquer hora do dia. Ninguém ia deixar o sol
entrar dentro da casa de Duncan sem a permissão expressa dele.

“Já ouvi falar dessas persianas.” ela disse. “Carling e Rune não tem
o mesmo tipo de coisa na casa deles?”

“Sim.” Ele olhou para ela de lado. “E eu posso lhe contar como foi
excitante quando o protetor solar de espectro total se tornou
disponível. Eu era capaz de espalhá-lo por todo o cabelo e pentear,
antes que o protetor em spray tornasse tudo isso mais fácil. Por um
tempo, eu parecia um chefe da máfia dos anos de 1940.”

Ela riu e relaxou. “Então, ele realmente ajuda?”

“Sim.” ele falou. “Ele protege contra o contato acidental com o raio
direto do sol e pode dar a um vampiro uma margem de até dez
minutos para encontrar uma sombra. Tem suas limitações –
nenhum vampiro em seu perfeito juízo iria confiar sua vida
completamente num protetor solar a prova de água e ir nadar em
plena luz do dia. Mas, é especialmente eficaz ao amanhecer e ao
entardecer, como agora, quando qualquer raio indireto do sol está
desaparecendo rapidamente. E eu sempre o coloco onde quer que
eu vá durante o dia.”

“Bom saber.” ela disse. “Acredito que use roupas com proteção
também.”

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“Claro.” ele disse. “Todas as minhas roupas são feitas de FPS 50 +
material que bloqueia até 98% dos raios UV. Sozinha, não é o
suficiente, mas acrescenta segurança. E onde quer que eu vá,
durante o dia, eu sempre tenho uma capa por perto, também feita
com tecido com filtro solar.”

Conforme ele lhe fornecia a informação, ele podia ver que a


curiosidade científica natural tinha tomado conta dela e diminuído
seu nervosismo. O silêncio que caiu entre eles depois disso era
confortável e com companheirismo, e ele sorriu para si mesmo.

Ele tinha que ser um mentiroso ou cego para alegar que não estava
afetado pela beleza dela, porque ele estava, mas o que realmente
atraia seu interesse, era a mente afiada dela. Era um bendito de um
prazer seduzir uma mulher inteligente.

Porque era isso que ele ia fazer. Seduzi-la. Sim, Esse safado
repugnante ia sair para caçar. Ele iria coagi-la a compartilhar seus
segredos de calor e paixão enquanto as luzes das velas deixariam
dourada a iridescência insanamente linda daquela pele. Só de
pensar nisso, suas presas desceram e o ar frio da noite se
transformou num chicote revigorante, enquanto sua virilha se
apertava dolorosamente.

Seus desejos e sentimentos ficavam tumultuados toda vez que


pensava nela ou deixava sua imaginação correr solta. Classificar
seus apetites... até parece!

Talvez ele a mordesse.

Talvez, ela o mordesse.

53
Ele manteve a boca fechada, a mandíbula travada e estava
malignamente feliz pelas sombras dentro do carro e por, de alguma
maneira, ainda conseguir conduzir o veículo firmemente, pela
estrada.

Talvez, ela o mordesse inteirinho.

Maldição!

Apesar de terem deixado a cidade para trás e se dirigido para pleno


deserto, o tráfego se tornou intenso novamente quando pegaram a
State Road 342. Logo, um brilho de luzes apareceu como um domo
contra a escuridão do céu noturno e Duncan soube que estavam
chegando perto. Ele seguiu o fluxo de veículos que logo se tornou
lento, na pista de mão dupla, até que chegaram a uma parede
sombreada de rocha que se erguia dos dois lados da estrada.

“Aí está” Seremela sussurrou.

Um indescritível formigamento de terra mágica acariciou os sentidos


dele, juntamente com a sensação de faíscas mágicas à distância.

Os faróis do veículo iluminaram um marco histórico. Duncan


vislumbrou o texto que era muito pequeno e compacto para se ler.
Vários metros depois do marco, uma placa grande tinha sido
erguida. Escritas em tinta spray laranja fluorescente, as palavras
saltavam do letreiro.

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Dizia:

Portão do Diabo

População: 28.993 de repente, 69.345

Mais do que 100.000

Quem diabos sabe?

Ele olhou para Seremela, que se virou para ele, com os olhos
arregalados. Então os dois caíram na risada. Seremela disse,
“Mesmo que a cidade de barracas esteja pra lá de abarrotada,
medusas são raras o suficiente para que não seja difícil de
encontrá-la. As pessoas tem a tendência de prestar atenção quando
estamos por perto.”

“Tenho certeza de que o fazem.” Duncan disse. Cedendo ao


impulso, ele correu os dedos descendo pelo antebraço esguio e
quente dela e segurou sua mão. A respiração dela ficou presa, um
som minúsculo quase inaudível, mas que com sua audição aguçada
de vampiro, ele pode facilmente captar.

Ela não se afastou. Ao contrário, girou a mão e segurou a dele,


palma contra palma. Ele esfregou a pele macia das costas da mão
dela com seu polegar e imaginou como ela conseguia se sentar ali,
tão calmamente, porque bons deuses, ele estava em fogo por ela, e
ela parecia completamente inconsciente deste fato. Ele sabia que
era capaz de disfarçar muito bem, quando queria, especialmente
num tribunal, mas não sabia que era tão bom assim.

Ele dirigiu, usando somente uma mão, em linha reta e lenta que ia
em direção à cidade das barracas a 16km/h. Alguns caminhões

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saíram da estrada e iam pela terra aberta, mas sem conhecer o
terreno, ele julgava melhor seguir o fluxo de veículos, por hora.

Estavam sendo parados mais à frente por um troll pesadão que os


direcionava para a direita, onde estacionavam numa fila. Quando
chegou a vez deles, Duncan soltou a mão de Seremela e baixou a
janela ainda mais.

O SUV rangeu quando o troll descansou uma mão sobre seu teto e
se inclinou para espiá-los lá dentro com olhos pequenos e uma
expressão indiferente em sua cara com aspecto de pedra cinza.
“Para parar em nosso estacionamento custa trezentos à noite.” o
troll rosnou. “Somente em dinheiro.”

As sobrancelhas de Duncan se ergueram. “O estacionamento


deles.” Se alguém ali realmente fosse o proprietário da terra, ele era
Pee-wee Herman*.

“Trezentos dólares!” Seremela exclamou, se inclinando. “Uma


noite?”

O troll olhou para ela, indiferente. “Você não quer que roubem seu
carro, quer? Você quer manter suas coisas e todos os seus pneus
também? Custarão trezentos dólares. Adiantados. Se não gosta
disso, senhora, vá estacionar em outro lugar, e uma boa e fodida
sorte com isso, porque vocês vão precisar.”

*Personagem cômico da TV americana

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Por trezentos dólares à noite, Duncan poderia conseguir um quarto
em um dos melhores hotéis de São Francisco, uma das mais caras
cidades do mundo. Ele balançou a cabeça e se mexeu no banco
para pegar sua carteira.

“Duncan!” Seremela exclamou, telepaticamente. “Isso é um assalto


a mão armada!”

“Claro, que é.” ele disse. “O troll e sua organização provavelmente


vandalize e roube qualquer um que não use o estacionamento
deles. Mas, se isso deixar nossos suprimentos intocados e nos
livrar de problemas, valerá a pena.”

Ele tirou o dinheiro de sua carteira e ofereceu ao troll. Os dedos


maciços se fecharam sobre uma extremidade do dinheiro e o
puxou, mas Duncan o segurou firme, até o troll olhar para ele
exasperado. Ele disse suavemente. “Se algo acontecer,
considerarei como responsabilidade sua. De mais ninguém. Sua,
amigo.”

Talvez o troll finalmente tenha olhado com atenção para o rosto


dele e o reconhecido. Trolls eram criaturas Nightkind também e
Duncan era, afinal de contas, extremamente conhecido. Ou talvez
tenha percebido algo na voz de Duncan. O que quer que fosse, o
troll mexeu sua enorme mandíbula como se mastigasse algo
amargo e murmurou. “Nada vai acontecer.”

“Muito bem.” Duncan disse. Ele soltou o dinheiro e tirou duas notas
de vinte dólares da carteira. “Depois que estacionarmos, vamos
precisar de informação confiável. Onde?”

57
“Descendo a Rua Principal, lado norte.” disse o troll. “Procure pelo
farmacêutico. De nome Wendell. Ele venderia fotos das tetas de
sua própria mãe pela melhor oferta. Mas, elas realmente seriam as
tetas de sua mãe.”

Quando Seremela o encarou, o troll levantou seus ombros


rochosos. “O que posso dizer, o cara tem um código. Tipo assim.”

Duncan engoliu um sorriso. “Ele é seu chefe?”

“Sim.” O troll acariciou o teto do SUV, se endireitou e deu um passo


atrás. “Agora, saiam daqui.”

Duncan dirigiu o SUV suavemente pelo chão grosseiro e


esburacado em direção ao final de uma das fileiras de veículos
onde um ghoul, usando um colete reflexivo laranja, fazia sinal com
uma lanterna.

“Eu trouxe dinheiro, também.” Seremela disse. “Vou lhe pagar de


volta.”

“Não vamos nos preocupar com isso, agora. Não é importante.


Vamos só nos concentrar em pegar sua sobrinha.”

“Ok.” Ela ficou em silêncio por um tempo, enquanto ele estacionava


o SUV. Então, ela disse, “Wendell.”

“O farmacêutico pornográfico.” Duncan disse, sem expressão.

“Isso não é engraçado.”

“Claro que não é” ele disse.

Um ruído suave e estranho escapou dela. Parecia muito com o


chiado de uma chaleira. Ele olhou para o rosto exótico dela e a

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encontrou olhando para ele, então, ambos caíram na risada
novamente.

Ele puxou o freio de mão e desligou o motor. “Vamos lá ver o que


Wendell tem a dizer em sua defesa.”

“Ok.” Seremela disse, com os olhos dançando. “Mas se ele tentar


me vender uma foto das tetas de sua mãe, eu me mando.”

Duncan riu de novo. “Acredite em mim, estarei bem atrás de você,


em seus calcanhares.”

Ambos riam enquanto saiam do SUV. Duncan disse. “O troll falou a


verdade, mas devemos levar uma mochila pequena, só para
garantir. Este não seria um bom lugar para se ficar preso, sem
recursos.”

Ela assentiu, sua expressão se tornando melancólica. Ela tinha uma


grande e macia bolsa, com uma alça, ela deu uma olhada em seu
conteúdo e pegou algumas coisas de sua bagagem de mão. A
última coisa que guardou foi uma garrafa de água. Então, ela
passou a alça sobre a cabeça, erguendo suas cobras, tirando-as do
caminho e a acomodou firmemente contra o tronco.

A bolsa de coisas essenciais de Duncan, com as armas, dinheiro e


protetores solares, era de couro. Ele tirou uma Beretta 9mm e uma
faca de caça com uma lâmina de 12,5cm, presa a um cinto. Depois
de prender a mochila nas costas, ele fechou o cinto da faca e enfiou
a arma no cós de sua calça jeans, deixando a coronha bem visível.

O olhar de Seremela se deslocou para a cintura dele quando ele se


virou, mas ela não disse nada sobre as armas. Ela não carregava
nenhuma arma óbvia, mas ele notou que ela não prendeu suas

59
cobras para trás. Geralmente, ela jogava para trás e as envolvia
com um simples lenço, na base do pescoço, como se elas fossem
dreads. Aquilo possibilitava que elas se mexessem, mas limitava
sua área de alcance. Sem restringi-las de maneira nenhuma, ela
parecia mais selvagem, mais feroz e extremamente mortal.

Ele aprovou do fundo do coração. E perguntou. “Ok?”

Ela assentiu novamente. O rosto calmo, os olhos aguçados.


Deuses, esta mulher era mais quente que o Vale da Morte, em
Julho.

Ele não conseguia resistir a tocá-la de novo. Ele colocou a mão no


rosto dela e esfregou o polegar gentilmente sobre o arco macio e
aveludado daqueles lábios. A expressão dela se suavizou e o olhar
que ofereceu a ele estava cheio, com partes iguais de ternura e
espanto. Ele queria perguntar a ela qual era a causa de tamanha
surpresa quando a tocava com afeição. Ele queria beijá-la
lentamente, experimentar e saborear aquele primeiro contato
íntimo.

A fome silvou por suas terminações nervosas e se tornou agressiva.


A boca dela seria tão macia, aquela carne tenra sendo dominada
pela dele. Ele queria persuadir aqueles lábios a se abrirem e
penetrá-la com a língua e o simples pensamento de aprofundar
aquele beijo era tão sexy que sua virilha se apertou. Alguém gritou
por ali, desfazendo o momento. Franzindo o cenho, ele olhou ao
redor, para o estacionamento cheio de poeira e então ofereceu sua
mão a Seremela. Ela a aceitou.

“Depois que tudo isto acabar e nós voltarmos para Miami,” ele
perguntou, “aonde iremos em nosso primeiro encontro?”

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Meia dúzia das cobras dela se ergueram para encará-lo e as
membranas nictitantes dos olhos de Seremela se fecharam. Se
abriram. E fecharam. E abriram. Ela piscou rapidamente e isso
parou. “Primeiro encontro?”

Ele ficou pensando o que aquilo queria dizer. Talvez, tivesse


entrado areia nos olhos dela. Ele perguntou, “Você sairá comigo
quando voltarmos? Eu gosto de ópera. Mas, eu gosto de shows de
rock, também e sou tarado por um bom filme.”

O sorriso deliciado dela era verdadeiramente uma das coisas mais


adoráveis que ele já tinha visto, naquele rosto.

“Sim.” ela disse. “Eu gosto de tudo isso, também, mas


especialmente a ópera.”

“Perfeito.” ele disse satisfeito. “Assim teremos algo pelo qual


ansiar.”

Até então, ele não tinha ideia do quanto aquilo significava.

De mãos dadas, ambos entraram no Portão do Diabo.

Era tudo o que ele esperara e mais: sujo, fedido, imprevisível e


superlotado.

Não havia vento e a fumaça grossa das fogueiras enchia o ar, com
o cheiro de cigarro, comida cozida e cebolas.

A cena o lançou em uma cachoeira de memórias. Ele se lembrou


como se sentiu incrédulo quando descobriu que seu trabalho na
área legal tinha atraído à atenção de Carling. Ela ainda era a
Rainha dos Nightkind, na época e o cortejou com a paciência astuta
de um político profissional e com todo a sabedoria de uma cortesã

61
de época, até que eles chegaram a um acordo, em relação aos
negócios e a outras coisas.

Sua última refeição antes de ela o transformar fora um filé de 500g,


mal passado, com batatas fritas, torta de maçã e queijo cheddar e
uma cerveja Guinness.

Ele se lembrava de cada detalhe como se fosse ontem. A comida


estivera tão suculenta e macia, que ele podia cortá-la com o garfo e
as batatas, tão crocantes, salgadas e douradas, com manteiga. A
torta de maçã estava, na época, azeda e doce, o gosto acentuado
do cheddar, um complemento perfeito e droga, aquela Guinness era
suave e amarga ao paladar, como se fosse um romance gratificante
às papilas gustativas, contando sua história escura e encorpada,
um alimento para alma, a cada gole.

Mesmo ainda sonhando com a comida, se fosse real, viraria seu


estômago, agora e enquanto este dia no acampamento lhe
trouxesse lembranças vívidas, ainda havia várias diferenças,
também.

Os brilhos vermelhos e infernais das chamas estavam misturadas à


iluminação fria e dispersas das lanternas de Led dos
acampamentos. Músicas de diferentes tipos batalhavam entre si, a
maioria ecoando de caixas de som, mas o som de alguns
instrumentos, um violão, um violino de tambores, carregavam a
doçura surpreendente e pungente da paixão viva.

Prostitutas pintadas, mulheres e homens também, andavam pelas


‘ruas’ entre as barracas, as pessoas e entre poucos prédios de
escritórios móveis. Humanos, elfos e Light Fae, Demonkind e Wyr,
e, é claro, os Nightkind em peso. Vampiros zanzavam pela área,

62
com seus sorrisos brancos, atraídos pela falta da lei e tentação de
tanto sangue vivo reunido num único lugar. Duncan os
desencorajava silenciosamente com um olhar cintilante. Os
vampiros davam uma olhada para seu rosto duro e se misturavam à
multidão.

A cidade das barracas era um caldeirão sobre um queimador ligado


no máximo. A qualquer minuto, ele esperava que uma briga se
iniciasse e ele não ficou desapontado. Tiveram que se desviar de
duas pancadarias enquanto caminhavam pela ‘rua principal’, o
maior caminho entre os acampamentos.

Ele não se enganou em achar que era a única razão por


continuarem ilesos. As pessoas davam uma olhada em Seremela,
com sua expressão firme, olhar aguçado e as cobras suspensas e
circunspectas e eles abriam ampla passagem para os dois. Quando
um bêbado cambaleou na frente dela e a encarou, todas as cobras
chicotearam em volta dela e silvara para ele, assustando-o de tal
maneira, que ele se urinou todo enquanto fugia.

Duncan murmurou para Seremela. “A Grande Corrida do Ouro da


Califórnia era tão mais charmoso do que isso. Tenha certeza disso.”

Ela dirigiu um olhar sardônico para ele. “E eu tenho certeza de que


você tem alguma terra pantanosa na Flórida que gostaria de me
vender.”

Ele riu e disse para uma mulher cansada e queimada de sol,


“Estamos procurando pelo farmacêutico. Sabe onde fica?”

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O olhar da humana passou por ele e deslizou por Seremela. “Cinco
ou seis acampamento, lá em baixo.” ela disse. “Fica num dos
espaços elegantes. Difícil não perceber.”

“Obrigado.”

“Imagino o que ela quis dizer com elegante.” Seremela murmurou.

Descobriram a resposta a esta questão assim que encontraram um


dos poucos prédios móveis, vários acampamentos abaixo. Um
letreiro simples que dizia “Wendell’s” estava pendurado do lado de
fora da porta.

A luz fria e pálida das lâmpadas de LED brilhavam através da janela


e a porta completamente aberta ao ar da noite. Wendell’s estava de
serviço.

Normalmente, Duncan sempre permitia que uma mulher entrasse


primeiro, por uma porta, mas normal não era uma definição
apropriada para este local. Ele entrou primeiro e olhou em volta
rapidamente, com uma mão na arma. Lá dentro, o prédio móvel
estava repleto de prateleiras de metal cheias de mercadorias, tudo
em comidas enlatadas, absorventes, pasta de dentes, aspirina e
outros analgésicos e itens de primeiros socorros até outros
suprimentos mais potentes.

O olhar aguçado de Duncan se fixou nos vidros de OxyContin,


Percocdet e Demerol, guardados num armário trancado de vidro,
atrás de um balcão. Ela não tinha dúvida de que, o preço certo, não
uma receita, seria a chave que abriria aquele armário. Havia
também uma prateleira de sacos cheios de maconha, alguns
enrolados, alguns abertos e um par de prateleiras cheias de

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garrafas com tinturas marrom escuras, fórmulas homeopáticas que
brilhavam com faíscas de magia.

Haviam outras pessoas no prédio. Algumas, eram obviamente


compradores que davam uma olhada em Duncan e Seremela e
então saiam de fininho pela porta aberta. Duncan os acompanhou
com a vista até que o último tinha saído, mas a grande parte de sua
atenção estava concentrada nas duas pessoas atrás do balcão.

Um deles era um macho alto Light Fae de aparência perigosa, seu


cabelo encaracolado cortado rente ao crânio, o que fazia com que
suas orelhas pontudas parecessem maiores ainda. Ele usava dois
coldres de arma nos ombro, por cima de uma regata, que deixava
muita pele marrom dourada à mostra. Ele observava Seremela com
um olhar direto e não amigável, descansando a mão sobre uma de
suas armas.

A mandíbula de Duncan se apertou. Ele não gostava daquela visão.


Virou sua atenção para a outra pessoa atrás do balcão, um macho
humano franzino e baixo, com olhos penetrantes e um rosto
esteticamente simples. O homem era com certeza, a pessoa mais
inteligente em que Duncan tinha colocado os olhos desde que
chegaram.

Ele disse. “Você deve ser Wendell.”

“Você é esperto.” disse Wendell. “Visto o letreiro do lado de fora de


minha porta.” Ele abriu um chiclete de nicotina e o atirou dentro da
boca, enquanto seu olhar captava tudo sobre Duncan de uma vez.
“Eu reconheço você. Sei quem você é.” Ele se virou e dissecou a
aparência de Seremela. “Vocês chegaram bem a tempo para a

65
execução, mas receio que trazer um advogado, mesmo um famoso
como ele, não adiantará nada.”

Tudo dentro de Duncan se tornou frio e tranquilo quando o outro


homem disse execução.

Seremela olhou para o farmacêutico sem expressão. “Perdão?”

As finas sobrancelhas de Wendell se ergueram. “Você estão aqui


por causa da leitora de Tarô, não? A que ofendeu Thruvial.”

Se possível, Seremela parecia ainda mais confusa e perturbada.


“Eu não tenho ideia do que você está falando.”

“Ah, confusão minha.” Wendell disse, dando de ombros. “Eu pensei,


já que você é uma medusa, que esse era o motivo pelo qual você
estava aqui. Acho que sou tão culpado pela discriminação racial
quanto qualquer outro.”

Duncan deu um passo a frente e o Light Fae musculoso o


acompanhou passo a passo. Ele ignorou o outro macho e disse
para o farmacêutico, “Você sabe quantas medusas estão aqui, no
Portão do Diabo?”

Wendell coçou a nuca. “Fora a que o acompanha, só há mais uma,


que eu saiba – a leitora de Tarô. Garota nova, talvez vinte anos de
idade, usa maquiagem gótica, bem insolente, aquela lá.”

“Maquiagem gótica? Oh, deuses, Duncan.” Seremela disse, sua


pele cremosa se tornando branca como giz. “Ele está falando de
Vetta.”

Merda. Merda.

66
“Sim, é este o nome dela.” disse Wendell. Seu olhar penetrante se
tornou curioso e mais do que um pouco ávido. “Não vou cobrar
nada de vocês por essa informação, já que é de conhecimento
público, mesmo. Eles dizem que ela envenenou um homem, alguns
dias atrás. Alguém que era muito importante aqui. Vão enforca-la ao
amanhecer.”

67
CINCO

As profundezas

O pânico e a desorientação afundaram suas garras em Seremela e


não a soltaram.

Vetta estava para ser enforcada? Por envenenar alguém?

Ela não conseguia respirar e lutava por ar, enquanto encarava o


humano e seu guarda-costas Light Fae.

O Light Fae grandalhão a encarava de volta, com sua expressão


cínica se tornando desconfiada. Ele deu uns passos para trás e
puxou sua arma.

“Prenda seu animal.” Duncan disse bruscamente. “Ele está prestes


a fazer besteira.”

“Que animal?”

Duncan se moveu tão rápido que parecia um borrão, pressionando


as costas dela contra a parede. Seremela olhou para ele,
atordoada. O que diabos ele estava fazendo?

68
Quando viu, ele estava parado entre ela e o Light Fae, uma
compreensão tardia se abateu sobre ela – ele a estava protegendo
com seu corpo.

Ao mesmo tempo, o humano nerd se apressou em dizer. “Guarde


isso, Dain.”

Dedos esbeltos e fortes se posicionaram sob seu queixo e Duncan


forçou seu rosto em direção a ele.

“Não olhe para ele.” Duncan disse para ela, numa voz suave. “Olhe
para mim.”

Ela tentou se concentrar nele. Foi quando percebeu que todas as


suas cobras estavam silvando para o Light Fae. Com o pânico que
sentiu, elas se tornaram mortais. Ela podia senti-las, agitadas e
querendo morder, quando olhou por cima do ombro de Duncan, ela
estava certa de que o Light Fae sabia disso.

“Para mim, Seremela.” Duncan sussurrou gentilmente.

Ela voltou a atenção para ele. Ele ergueu uma mão e acariciou
algumas das cobras, elas pararam de silvar e se enrolaram no
antebraço dele. Mesmo de costas para um macho desconhecido
empunhando sua arma, Duncan parecia calmo, seu olhar escuro
firme.

Assim que percebeu que tinha a atenção dela, ele sorriu. “Eles não
vão enforca-la,” ele disse telepaticamente. “Nós não vamos
permitir.”

Ela se acalmou, um pouco. Eram apenas duas pessoas num lugar


lotado, perigoso e desconhecido. Talvez fosse ridículo acreditar

69
nele. Certamente, não era nem sensível ou lógico, mas ela
acreditava.

Impulsivamente, ela estendeu a mão para tocar a bochecha esbelta


dele e mais cobras se esticaram em direção a ele, o olhar dele se
tornou aquecido. “Duncan, eu não sei do que ele está falando.” ela
disse. “Vetta não é uma leitora de Tarô e ela pode ser uma
verdadeira desobediente de merda, mas ela não é uma assassina.
Isso é loucura! Se – se, de alguma maneira ela realmente matou
alguém, foi porque não tivera nenhuma outra chance.”

Ele franziu o cenho. “Precisamos fazer algumas perguntas, agora.


Independentemente do que ele disser, nós vamos consertar isso,
ok?”

Ela assentiu, aflita. “Ok.”

Ele pegou a mão dela e beijou a ponta de seus dedos, então


cuidadosamente, se afastou. Só então, ele se virou para encarar o
farmacêutico e seu guarda Light Fae, que tinha guardado a arma.

Todas as cobras dela tinham se acalmado e ela tinha se acalmado.


Ela as juntou, trazendo-as para perto e as colocou para trás dos
ombros enquanto Duncan dizia, agradavelmente. “Vamos começar
esta conversa do início, está bem?”

Wendell olhou para os dois com os olhos semicerrados. “Tá bom,


mas vocês estão assustando meus clientes pagantes, então sua
amostra grátis terminou.” ele disse, mascando o chiclete. “Se vocês
querem saber de mais alguma coisa, vão pagar. A taxa padrão
utilizada é de dez dólares o minuto, sem incluir as taxas adicionais
por informações especiais.”

70
A raiva se apoderou de Seremela frente à crueldade do humano.
Nunca em sua vida, ela tivera vontade de machucar outra criatura,
mas estava quase certa de que podia machucar esta aqui. Só uma
mordida, ela pensou enquanto fixava um olhar frio e nivelado ao
dele. Só seria preciso uma e a frequência do seu coração
diminuiria, sua pele se tornaria seca e descamada e se sentiria
apavorado, nauseado e fodidamente miserável por uma semana. E
eu acho que iria gostar muito disso.

Enquanto ela pensava sobre isso, uma única cobra deslizou por
sobre o ombro dela e se ergueu ao nível de sua mandíbula. Ela
também encarou Wendell sem piscar, até que o humano se mexeu,
desconfortavelmente e desviou o olhar.

Uau, ela o deixou sem ação. Uau – que foda! – uau!

Duncan deslizou as mãos para os bolsos do jeans, permanecendo


relaxado.

“Sua taxa não tem criatividade, mas é possível consegui-la.” ele


disse.

A boca fina do humano se torceu com azedume e ele se mexeu de


novo. “Que diabos você quer dizer com isso?”

“Há coisas muito mais valiosas do que dinheiro vivo, Wendell.”


Duncan disse. “Tipo alianças, proteção e imunidade.”

As sobrancelhas de Wendell se ergueram. “Você acredita que


poderia me oferecer proteção ou imunidade? Você mal colocou os
pés neste lugar. Não existe justiça aqui, vampiro. Você não conhece
os corretores de Poder e você não tem alianças. Você não sabe de
nada.”

71
“O mundo é um lugar muito maior do que este pequeno monte
empoeirado de barracas.” Duncan disse. Deu ao humano um
sorriso frio e sua voz adquiriu um toque do som de um chicote,
precisamente equilibrado com um golpe de desprezo. “Mas não se
preocupe, Wendell. Se é dinheiro o que quer, dinheiro terá. Diga-
nos o que aconteceu, com detalhes, nomes e horários.”

Wendell fez uma pausa, encarando Duncan com partes iguais de


ganância e cautela, Seremela era capaz de ver que ele estava
repensando os últimos minutos de conversa. Então, o farmacêutico
disse “Pode não haver nenhuma lei aqui, mas há um equilíbrio de
Poder. Ou havia, até que um dos corretores de Poder foi morto,
ontem. As coisas estão um pouco desestabilizadas no momento.”

“Quem eram os corretores de Poder e o que eles controlam?”


Duncan perguntou. “Você não é um deles.”

“Naa,” disse Wendell dando uma olhada no próprio relógio. “Me


interesso por lucro, não poder. Meus negócios são estritamente os
estacionamentos e itens farmacêuticos, com um interesse lateral,
aqui e ali, por informações. Os corretores verdadeiros de Poder no
Portal do Diabo são da pesada. Há um Elfo, com uma afinidade
com a Terra. Caerlovena é o nome dela. Ela controla a maioria dos
escavadores. Então, temos também um Djinn, Malphas, que
controla todos os cassinos e quero dizer todos eles. E até ontem,
havia Cieran Thruvial, que controlava a prostituição e proteção.
Todos as lojas e vendedores devem lhe passar uma porcentagem
de suas vendas.”

“Cieran Thruvial.” Duncan disse. A surpresa faiscou em seu olhar.


“Eu conheço o nome.”

72
Seremela balançou a cabeça. Por dentro, ela estava rodopiando de
novo. “Isso não pode estar certo.” ela disse. “Não vejo Vetta se
virando para a prostituição. Acho até que poderia, eu só não
consigo ver.”

Wendell deu de ombros. “Bem, a garota lia Tarô ou pelo menos, era
o que a placa em sua barraca dizia. Ela cobrava por leituras de
quinze minutos e de meia hora. Estava indo bem, pelo que eu
soube. Não sei se ela estava aprontando algo, mas como muitos
dos outros proprietários de negócios, ela devia dinheiro de proteção
a Thruvial. Eles tinham uma relação tempestuosa e discutiam muito
em público. Confesso que parecia bem íntimo.”

“Onde ela está agora?” Seremela perguntou, as palavras


arranhando sua garganta seca e fechada.

“Malphas a está mantendo até o amanhecer” Wendell disse e pela


primeira vez desde que tinham se conhecido, algo como simpatia
crepitou no olhar dele. “Cara medonho, aquele Djinn. Não tenho
certeza de que ele se importe com alguma coisa.”

“Thruvial é um nome Fae.” Duncan disse abruptamente. “Este


Cieran Thruvial era Dark Fae?”

Desta vez, tanto Wendell como seu guarda voltaram a atenção para
Duncan, suas expressões se tornando penetrantes. Falando pela
primeira vez, o guarda disse. “Sim.”

Wendell perguntou, “Você o conhecia?”

O rosto de Duncan tinha se tornado impassível. Ele disse “Eu o


encontrei uma vez.”

“Onde?” O farmacêutico parecia ávido novamente.


73
Duncan lhe ofereceu um sorriso sardônico. “Isso não faz parte de
nosso acordo, Wendell. Qual é o melhor lugar para encontrar
Malphas?”

Wendell fez uma careta, mas disse. “Do jeito que ele costuma ficar
em qualquer lugar, eu acho que seria no Tártaro – esse é o nome
de seu principal cassino. Entendeu? Portão do Diabo – Tártaro...
certo?”

O olhar escuro de Duncan se virou para ela. Ele perguntou ao


farmacêutico. “Quanto devemos a você?”

“Você não vai me perguntar como encontrar o Tártaro?” Wendell


perguntou.

Duncan balançou a cabeça. “Não precisamos mais de você.”

“Se eu fosse você, não me apressaria tanto em dizer isso.” Wendell


disse. "Com Thruvial morto, as coisas estão mudando. As pessoas
estão querendo assumir o território dele e alguns deles são fortes
usuários de magia. Você não sabe com quem tomar cuidado, ou
aonde ir. Você ainda não sabe de nada.”

“Agora, você está exagerando.” Duncan disse a ele. Ele tirou algum
dinheiro e depositou sobre o balcão. “Calculei menos de quinze
minutos. Fique com o troco.” Ele se virou para Seremela, com a
expressão se suavizando. “Vamos.”

Ela assentiu e passou pela porta, ele a seguiu.

Wendell gritou atrás deles, “Vocês estão cometendo um erro se


pensam que não precisam de mim.”

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Duncan balançou a cabeça. Uma vez lá fora, ele ofereceu a mão a
Seremela. Ela aceitou.

Seu aperto era como o resto dele, firme, calmo e controlado. Ela o
segurou firme e respirou profundamente. O ar da noite cheirando a
fumaça parecia muito mais fresco, do que o que tiveram ao entrar
na loja de Wendell.

“Que insetinho peçonhento!” Ela disse entre dentes.

“Eu sei. Eu quero esmaga-lo.”

Ele a puxou para que o encarasse, segurando seus cotovelos com


as palmas das mãos, enquanto observava a multidão atrás dela.
Depois de um olhar rápido, ela fez o mesmo, observando o que
acontecia às costas dele. A luz tingida de vermelho proveniente de
várias fogueiras era indireta. Alguém riu ali perto, um som nítido
abruptamente interrompido. A magia tingiu o ar, misturando-se com
o cheiro físico de uísque derramado e outros odores azedos.

“Você partiria seu eu pedisse para fazê-lo?” ele perguntou


telepaticamente.

Ela olhou rapidamente para o rosto sombreado dele. Ele parecia tão
casual e indiferente como se eles estivessem conversando sobre o
clima. Poucas opções de respostas ocorreram a ela, mas razões
demais para o motivo da pergunta dele.

No fim, ela simplesmente disse. “Não.”

Ele não parecia surpreso. Ele assentiu e esfregou os polegares na


pele sensível do lado de dentro dos cotovelos dela, mas ela não
achou que ele estava consciente do que fazia.

75
“O que me incomoda é o Djinn.” ele disse e franziu o cenho. “Bem,
várias outras coisas me incomodam também.”

“Quem era Thruvial?” ela perguntou.

Ele olhou diretamente para ela. “Você se lembra que eu viajei no


ano passado com Carling para Adriyel, para a coroação de Niniane
Lorelle?”

“Sim.” ela disse.

Ela não ia se esquecer daquilo tão fácil.

Adriyel era a Outra terra Dark Fae e no ano passado, fora um marco
para o domínio Dark Fae. Dragos, o Senhor dos Wyr, matara Urien,
o Rei Dark Fae, quando Urien raptou a companheira de Dragos.
Então, a herdeira do trono, Niniane Lorelle, que estivera vivendo
sob a proteção de Dragos, teve que viajar para Adriyel para
reclamar seu direito de nascença. Durante o percurso, Niniane
sobrevivera a uma tentativa de assassinato em Chicago. Seremela
fora a médica legista que conduziu a autópsia nos corpos dos dois
suspeitos.

A sentinela Wyr e senhor da guerra, Tiago, deixara sua posição no


território de Nova York para viajar com Niniane e protege-la. No que
dizia respeito ao conhecimento público, ele agora trabalhava para a
nova Rainha como seu chefe de segurança, mas em particular,
aqueles que conheciam o casal também sabiam que ele tinha se
acasalado com Niniane.

Desde aquela época, as notícias de Adriyel vinham em fragmentos,


intercaladas com semanas de silêncio. Alguns meses após sua
coroação, a nova Rainha Dark Fae tinha aprisionado vários nobres

76
e os levado a julgamento pelos crimes cometidos contra a coroa,
incluindo traição, conspiração, o regicídio do pai dela e os
assassinatos do resto de sua família. Pouquíssimo tempo após o
julgamento, os conspiradores foram executados.

Pouco tempo depois, por volta de janeiro mais ou menos, Adriyel


oficialmente abria suas fronteiras para o turismo e mercado. Mesmo
assim, seis meses depois, era raro ver um Dark Fae em público.

Seremela perguntou. “Você conheceu Thruvial em Adriyel?”

“Sim, brevemente.” Duncan disse. “Thruvial era um nobre e eu era


só parte da comitiva de Carling, então não tínhamos motivos para
nos engajarmos em uma conversa. Mas, tenho boa memória para
nomes e rostos, me lembro dele na coroação e na celebração,
depois. Por que, com todos os outros lugares, ele viria justo para
cá?”

Agora, ela também estava franzindo o cenho. A urgência pulsava


em suas veias. Ela precisava chegar a sua sobrinha. Vetta tinha
finalmente mordido mais do que podia mastigar e a pobre merdinha
devia estar amedrontada até os ossos. Algumas vezes, as pessoas
tinham que chegar ao fundo do poço para que pudessem mudar. Se
isso fosse verdade, Seremela não acreditava que Vetta pudesse
chegar ainda mais baixo do que estar sentada, sozinha, à noite,
enquanto esperava por sua própria execução.

Mas, por mais que Seremela quisesse voar para o Tártaro, Duncan
estava certo em parar e verificar a situação. Eles precisavam
clarear a cabeça e entender o máximo que pudessem do que
realmente estava acontecendo e parte disso significava tentar
entender a vítima e porque ele tinha sido morto.

77
Ela disse, “Os Dark Fae são famosos por sua metalurgia. Talvez, a
possibilidade de encontrar um veio de metal rico em mágica o atraiu
aqui, especialmente agora que o comércio foi aberto entre Adriyel e
o resto do mundo.”

“Talvez, mas se esse fosse o caso,” Duncan disse, “por que


Thruvial não enviou servos e empregados? Por que vir
pessoalmente? E uma vez aqui, por que ele se envolveu com o
tráfico e não com a escavação e mineração?”

“Eu não sei.” ela disse, enquanto a frustação a envolvia.

O aperto dele se intensificou. Ele repetiu, “Mas o que realmente me


incomoda é a presença do Djinn aqui e seu envolvimento.
Seremela, se você partisse, poderia chegar a Reno dentro de uma
hora. Você poderia telefonar, assim que tivesse sinal no celular,
para Carling e Rune e contar a eles o que está acontecendo
enquanto eu vou conversar com esse Malphas e ver o que eu posso
fazer aqui.”

“Não vou partir.” ela disse a ele.

Ela nunca o tinha visto tão perturbado assim e até mesmo com um
pouco de raiva. “Eu não quero que fique aqui.”

Estava ele tão preocupado com ela assim?

Ela disse gentilmente, “Duncan, pense por um momento. Seria bom


se um de nós pudesse partir e contar ao mundo lá fora, o que está
acontecendo aqui, mas há um Djinn envolvido e a informação
funciona dos dois lados. E se Wendell decidir que outras pessoas
estariam interessadas em pagar pelo o que ele aprendeu sobre
nós? E se algum deles for o Djinn? Ninguém aqui tem autoridade

78
legal ou qualquer direito de executar Vetta. Enforcá-la é
assassinato. Eu poderia chegar a meio caminho de Reno – Inferno
poderíamos partir e ainda assim ele poderia nos impedir se
quisesse.” Ela fez uma pausa para aquela observação penetrar.
“Podíamos não saber na hora, mas atingimos o ponto de onde não
podemos retornar ao pisar na loja de Wendell. Precisamos enfrentar
o que quer que seja juntos, com as cabeças erguidas. Neste
momento.”

“Raios que o partam.” ele sussurrou. Seus lábios se arreganharam


sobre os dentes e ela teve um vislumbre de suas presas. Então, o
aperto nos cotovelos dela se aliviou e ele passou os dedos
levemente pelos antebraços dela antes de soltá-la. “Tudo bem.
Vamos encontrar o Tártaro.”

O cassino estava facilmente localizado. Ficava na beirada do


assentamento de uma barraca do tamanho de um circo. Um barulho
estridente ecoava de lá e bêbados cambaleavam perto da abertura.
Dentro, uma profusão de luzes elétricas brilhava por cima das
máquinas de caça-níqueis. Malphas ou os gerentes de seu cassino,
tinham investido na importação de geradores elétricos. A fumaça de
cigarros, charutos e haxixe enchia o ar.

Seremela pegou um movimento com sua visão periférica e olhou


para cima. Uma plataforma tinha sido construída em volta do limite

79
da barraca onde vários Goblins, com armas à mostra, caminhavam
e observavam as pessoas lá embaixo.

Os lábios dela se enrolaram. Ela e Duncan trocaram um olhar e


então se moveram mais para dentro da barraca, onde acharam as
mesas de jogos. As pessoas, ao olhar para Seremela, se
afastavam, abrindo caminho para os dois.

Por ela, tudo bem. Ela queria um espaço de um metro entre ela e
qualquer outra pessoa deste buraco do inferno.

Atendentes, homens e mulheres, tanto das Raças Antigas como


humanos, carregavam bebidas e bandejas com fichas para as
pessoas comprarem, vestidos apenas com correntes na cintura e
coleiras de cachorro. Apesar de Seremela não ser nenhuma
puritana, ela não estava confortável com o fato de estranhos
aparecerem a sua frente expondo pedaços de carne sem aviso e
ela desviava o olhar, murmurando um xingamento.

Um atendente humano se aproximou deles com um sorriso


brilhante, apesar de Seremela notar que ele foi para o lado de
Duncan, ficando o mais distante possível dela. “Querem comprar
algumas fichas?”

“Nós querermos falar com um gerente.” Duncan disse.

Sem nunca deixar o sorriso morrer, o atendente disse. “Sim, boa


sorte então. A noite está agitada, mas todas elas o são, na verdade.
Os dias também. O Tártaro nunca fecha, não importa o quão quente
fique. Os escritórios ficam diretamente a frente.”

“Obrigado.” Duncan falou.

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Mal tinham dado três passos à frente quando uma vampira,
acompanhada de dois Goblins, empurrou a multidão, chegando até
eles. A vampira tinha cabelo curto loiro e estava vestida com uma
calça de sarja e regata preta, realçando seu torso musculoso.
Portava uma semiautomática num coldre no quadril e se movia
como um lutador. Ela também parecia inteligente e parou bem em
frente a eles.

Depois de um olhar abrangente em Duncan, a vampira se


concentrou em Seremela. “Se você quer ficar no Tártaro, tem que
embrulhar suas cobras. Você está perturbando os clientes.”

“Não estamos aqui para jogar e não temos intenção de ficar.”


Seremela disse, suavemente. “Estamos aqui para falar com
Malphas.”

A vampira coçou a nuca e observou os dois por baixo das


sobrancelhas niveladas.

“Vocês estão aqui por causa da garota, não é?” ela disse. Quando
nenhum deles confirmou ou negou, ela balançou a cabeça. “Sigam-
me.”

Dispensando os dois Goblins, a vampira os levou através da


multidão para os fundos da barraca.

Então, sem parar, ela os levou para fora, através de outra abertura.
Atrás da barraca, vários outros prédios modulares tinham sido
montados e a área circulada com uma cerca de arame farpado de
mais de 2,5m de altura.

“Ela está aqui.” Seremela falou para Duncan. “Eu sei que ela está.”

81
Ele se movia mais tranquilamente do que antes, as mãos soltas do
lado, mas ela percebeu que seu olhar afiado vasculhava o cenário.
“Acredito em você.” ele disse. “Eu acho que ela está aqui também.”

A acompanhante vampira deles aparentemente não estava a fim de


conversa fiada, já que não disse uma palavra até chegarem ao
último dos prédios modulares. Uma vez lá, ela abriu a porta e ligou
a luz. Duncan olhou para dentro, mas não entrou. Seremela olhou
também. O interior estava totalmente vazio e iluminado por uma
única e simples lâmpada.

A vampira disse. “Se querem falar com Malphas, entrem e o


chamem. Ele virá ou não, conforme a vontade dele. Se mudarem de
ideia, vão embora. De qualquer jeito, o enforcamento será ao
amanhecer.”

Seremela fechou os punhos e encarou a vampira, suas cobras


silvando. Ela deu de cara com uma barreira, quando um dos braços
de Duncan disparou para bloquear seu caminho. “Calma, querida.”
ele disse suavemente para ela. Telepaticamente, ele falou. “Não
gaste sua energia com ela. Ela não importa. Temos coisas mais
importantes nas quais nos concentrar.”

Ela ofegou e lutou para conter seu temperamento. Ele estava certo.
Esta vampira não importava nem um pouco. Ela assentiu de leve
para ele, que deixou o braço cair e deu um passo para dentro. Com
uma última olhada para a vampira, Seremela o seguiu.

Lá dentro, estava tão vazio e desprovido de adornos como sua


primeira olhada havia lhe dito.

82
Paredes de metal, chão de metal, teto de metal. Sem cadeiras, sem
tapete, sem coisas penduras na parede ou escrivaninhas.

Depois de ambos se virarem num círculo, Duncan deu de ombros e


disse dentro daquele espaço aparentemente vazio “Malphas.”

A princípio, nada aconteceu e um desespero furioso ameaçou tomar


conta de Seremela. Ele tinha que vir. Ele tinha!

Então, fumaça negra deslizou para o prédio através da porta aberta,


e o ar começou a se comprimir. O Poder se construiu e construiu.
Se pressionava contra eles de maneira que a respiração de
Seremela era contrita e ela teve que engolir com dificuldade. Este
era um Djinn muito velho, possivelmente da primeira geração. O
que um Djinn da primeira geração estava fazendo no Portão do
Diabo?

O Poder se construiu na forma de um homem alto, de cabelos


dourados, com um rosto de beleza angelical e duas supernovas
como olhos. Aquelas duas estrelas gêmeas e penetrantes estavam
fixas neles e o bonito homem lhes deu um sorriso mortal.

Malphas disse. “Bem vindos ao Tártaro.”

83
SEIS

Amor

“O que posso fazer por vocês?” O Djinn perguntou.

O perigo bufou no cangote de Duncan. Depois de um único olhar


para ele, Malphas se virou para Seremela, que devolve o olhar com
uma expressão calma, mas ainda assim, tensa. Suas cobras
estavam soltas sobre os braços e ombros, todas elas observavam o
Djinn também.

“Fomos informados de que minha sobrinha está para ser executada


ao amanhecer, por assassinato.” Seremela disse. “Isso não é
verdade. Vetta não cometeria assassinato.”

“Ah.” disse Malphas enquanto gesticulava com sua grande mão


branca. “Receio que a verdade tenha a eficácia limitada,
especialmente aqui.”

Com esta única frase, o perigo dentro da sala disparou como um


foguete.

Nenhum Djinn honrado que Duncan já conhecera ou do qual tivesse


ouvido falar teria dito tal coisa, porque os Djinn prezavam a
verdade, assim como todas as outras formas de informação.
84
“Tenha cuidado.” Duncan disse para Seremela. Ela lhe dirigiu um
olhar assustado enquanto ele perguntava “A qual Casa você
pertence, Malphas?”

O Djinn o observou por um momento. Então, Malphas riu. “Você


acredita que esta resposta tenha alguma relevância?”

“Com os Djinns.” Duncan disse num tom educado de voz, “A


resposta a isto é sempre relevante.”

Malphas inclinou sua cabeça em concordância. “Eu saúdo a Casa


Shaytan.”

“Atualmente?” Duncan perguntou.

O sorriso de Malphas se alargou. “Não.”

“Duncan, o que está acontecendo?” A voz telepática de Seremela


parecia tensa.

Ele manteve sua atenção focada na criatura mortal a sua frente, os


músculos em seu corpo se contraindo muito. “Ele é um pária,
Seremela. Um pária muito Poderoso.”

“Não sei muito sobre a sociedade Djinn.” ela disse. Sua expressão
se tornando amedrontada quando captou a preocupação dele. “Eu
não sei o que isso significa.”

“Eu sei.” ele lhe disse furiosamente.

As cinco Casas Djinn eram construídas em suas associações e


suas associações eram construídas na palavra deles. Um Djinn que
quebrasse sua palavra era considerado como um Djinn que não
tinha honra, ele se tornava um pária, um fora da lei e desonesto,
sem associação com qualquer uma das Casas.
85
Seremela dissera que eles tinham chegado ao ponto de não poder
voltar atrás ao pisar dentro da loja de Wendell, mas aqui, no
Tártaro, tinham entrado em um lugar que era de longe, pior e
infinitamente mais perigoso.

Cara medonho, Wendell dissera sobre o Djinn. Não tenho certeza


de que ele se importe com alguma coisa.

Uma certeza fria, gelada cortou Duncan como um estilete.

Se Malphas se importava com algo, não era com a verdade e a lei.


Como um Djinn da primeira geração, ele teria o Poder para saber se
Vetta estava ou não falando a verdade, caso ela alegasse
inocência. Já que ele ainda a mantinha presa, ele não se importava
com quem realmente tinha matado Thruvial. Enforcar Vetta devia
beneficiá-lo de algum jeito, só que agora, Duncan e Seremela
tinham aparecido para protestar.

Malphas não viera ao seu trailer vazio para conversar com eles.
Viera para decidir se deveria ou não mata-los também. A única
razão pela qual Duncan e Seremela ainda estavam vivos era
porque o Djinn ainda não tinha decidido qual seria o melhor
desfecho para ele.

“As coisas eram diferentes quando a garota não era ninguém, não
eram?” Duncan disse. Malphas caminhava lentamente ao seu redor,
e Duncan se virava para ficar de frente para ele. “Porque então,
ninguém se importava se ela morresse. O que eu não entendo é,
por que enforca-la, para começar?”

“Ela é uma criança estúpida.” Malphas disse. Seu tom era


casualmente desaprovador, como se falasse sobre um cão

86
desobediente. “Ela é insolente e mal educada, ela tem se
comportado como se todos aqui lhe devessem algo. Antes de vocês
chegarem, não havia ninguém aqui, no Portão do Diabo, que
sentiria falta dela e várias pessoas que ficariam felizes em vê-la
partir. Nesse meio tempo, alguém de Poder – alguém que tinha se
apoderado de uma grande quantidade de poder, aqui – foi morto e
há muitas outras criaturas Poderosas aqui presentes, que ficaram
perturbadas com isso. Eles querem retaliação. Eles querem saber
que a mesma coisa não pode acontecer a eles e continuar impune.
Eles ouvem a palavra “veneno”, veem a medusa...” O Djinn deixou a
frase morrer enquanto dava de ombros. “O clamor para que ela
fosse enforcada se tornou alto demais para ser ignorado. Ela tinha
que ser mantida em algum lugar, então eu a prendi.”

“Então, nos dê a chance de descobrir quem realmente o matou.”


Seremela disse. Seus olhos brilhavam com emoção reprimida, mas
Duncan estava feliz em ver que seu rosto e voz se mantinham
calmos. “Eu sou...tenho sido uma médica legista. Se eu pudesse
examinar o corpo, posso determinar que tipo de veneno foi usado e
possivelmente descobrir muito mais. Posso garantir isso, a você –
mesmo se as cobras de Vetta o mordessem repetitivamente, elas
são imaturas demais para carregar veneno suficiente para matar um
Dark Fae macho adulto.”

“Manter um corpo envenenado e em estágio de apodrecimento


aqui, neste calor?” disse Malphas, seu rosto bonito se contorcendo
em nojo. “Oh, não, doutora. Mesmo que sua oferta esteja carregada
de mérito, não há um corpo para você examinar.”

“O que você quer dizer com ‘não há um corpo’? “Seremela


perguntou firmemente. “O que aconteceu a ele?”
87
“Os próprios servos de Thruvial falharam com as ervas próprias dos
Dark Fae para preservar seus mortos. Os restos dele se tornaram
tão fétidos, que eles foram forçados a queimá-lo em uma pira,
ontem.”

Enquanto ouvia, a mente de Duncan estava a toda velocidade.


Descobrir o que importava para o Djinn era a chave que podia tirá-
los deste trailer com vida.

O Djinn não se importava com o assassino de Thruvial e ele não se


importava especialmente, em usar Vetta, de um jeito ou de outro,
como um bode expiatório, ou ele já a teria enforcado assim que a
morte de Thruvial fora descoberta.

Por que o Djinn se envolvera nisso, para começar? O que ele


ganhava com isso?

Então Duncan entendeu, com o que Malphas se importava.

Mas cedo, Wendell, o farmacêutico, tinha até mesmo cunhado o


termo. Malphas devia a sua vida ao equilíbrio do poder. Como um
Djinn da primeira geração, que também era um pária, ele vivia em
risco constante de ser caçado por outros de sua espécie.

Para os outros Djinns, entretanto, matar Malphas seria


excessivamente difícil e dispendioso. Eles relutariam em fazer tal
coisa, a menos que não tivessem outra escolha.

Quanto os outros no Portão do Diabo exigiram uma ação, Malphas


tinha levado Vetta em sua custódia e postergara sua execução por
alguns dias, não por causa de um senso de justiça, mas por causa
do senso de auto preservação.

88
Tudo aquilo queria dizer algumas coisas para Duncan. A primeira
era que Malphas não esperava sofrer nenhuma repercussão pela
morte de Thruvial, porque ele não estivera envolvido.

Entretanto, Malphas podia ser envolvido na morta de Vetta se eles a


enforcassem. Ele tinha que se certificar de que a morte não fosse
importante para ninguém.

Duncan disse. “Esta é uma linha que você não quer cruzar,
Malphas.”

O Djinn virou aqueles olhos escuros de supernova para Duncan.


“Você tem minha atenção, vampiro. Explique o que quer dizer com
isso.”

“Você pode não pertencer a uma Casa em particular, mas nós sim.
Nossa Casa se importa com o que acontece conosco, eles sabem
onde estamos e as associações deles são fortes.” Duncan falou.
“Carling Severan foi quem me fez e apesar dela não pertencer mais
ao Tribunal Antigo, ela ainda mantém conexões e alianças com o
mais Poderoso dos Djinns. Essas conexões incluem o próprio líder
do Tribunal Antigo, Soren, e o filho de Soren, Khalil, da Casa Marid.
De fato, você deve ter ouvido que uma vez, Carling e Khalil
entraram em guerra juntos com outro Djinn pária da primeira
geração. Eles venceram.”

“Entendo.” disse Malphas. Seus cílios se fecharam sobre aquelas


estrelas flamejantes de seus olhos, ocultando sua expressão.

Duncan disse ao Djinn, “O que quer que aconteceu a Thruvial, não


nos diz respeito. Não estamos aqui para solucionar um assassinato,
para nos envolver ou para aplacar as pessoas daqui, não

89
importando o grau ou senso de separatismo e ganho de lucro que
eles tenham adquirido aqui, no Portão do Diabo. Nós não temos
que justificar tirar uma garota inocente de uma situação de perigo.
Você não vai nos impedir de recuperá-la, assim como não vai nos
prejudicar de nenhuma maneira, enquanto estivermos aqui, porque
se o fizer, você atrairá aquele tipo de guerra sobre sua cabeça e
realmente, Malphas, no final da contas, nenhum de nós vale tanto
assim para você.”

Enquanto Duncan falava, passos rápidos soaram lá fora. A guarda


vampira apareceu na entrada do trailer, carregando uma mochila
preta num dos ombros, enquanto segurava o braço de uma jovem
medusa com o rosto marcado por lágrimas.

A medusa gritou, “Tia Serrie!”

“Solte minha sobrinha,” Seremela disse. A vampira jogou a mochila


no chão e soltou Vetta, que voou para frente. Seremela a trouxe
para perto de si.

“Você tem toda a razão.” disse o Djinn pária com um sorriso


angelical. “Nenhum de vocês vale isso.”

Seremela apertou a garota tão forte que os músculos em seus


braços saltaram, enquanto Vetta enterrava o rosto no pescoço da
tia e soluçava. Seremela observou quando o Djinn se dissolveu em
fumaça negra que se dissipou, não restando nada para trás.
Duncan se virou para ela, seu rosto esbelto composto, mas os olhos
brilhando perigosamente.

Ela disse ferozmente. “Terminamos aqui, certo?”

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“Terminamos.” ele disse. Ele soava tão calmo como sempre, sua
voz rica suave e calmante, mas enquanto caminhava em sua
direção, ele puxou a arma.

Ela ofegou, segurou Vetta mais apertado e disse entre dentes “O


que foi agora?”

Os olhos de Duncan se escureceram com simpatia enquanto ele se


colocou do lado dela. Ele segurou seu ombro e disse. “Malphas
escolheu recuar, mas isso não significa que todos no Portão do
Diabo o fizeram.”

“Merda.” ela murmurou. Claro que ele estava certo. Ela olhou em
volta, mas o outro vampiro tinha desaparecido também.

Vetta ergueu a cabeça. Seus olhos estavam borrados com fios do


delineador e suas cobras pequenas e magras estavam
completamente subjugadas, silenciosamente curvadas contra a
cabeça dela. Seremela podia ver no rosto cansado e jovem de sua
sobrinha o fantasma da garota de quinze anos de idade que Vetta já
fora.

“Eu realmente preciso ir para casa agora, tia Serrie.” ela sussurrou.

“Claro que você precisa.” ela disse. Agora, não era hora para
julgamentos e sermões. “Você está machucada?”

Vetta secou o rosto. “Só cansada e com fome.”

“Tudo bem.” Seremela olhou para a mochila que a vampira tinha


jogado no chão. “É sua?”

Vetta assentiu. Duncan disse. “Não vamos tentar recuperar mais


nada. Vamos sair daqui diretamente para nosso carro e partir.”

91
“Tá bom, eu não me importo.” disse a garota, sua voz oscilando.
“Eu só quero dar o fora daqui.”

Conforme Seremela virou sua atenção completamente para a


mochila que a guarda de Malphas jogara ao chão, ela
imediatamente sentiu um brilho morno de um Poder antigo. Ela se
inclinou e alcançou a mochila, analisando-a cuidadosamente.

Em sua época de médica legista, a maioria das mortes nas quais


trabalhara tinham ocorrido por meio mágicos ou de Poder e seus
sentidos mágicos ficaram bem aguçados.

Ela estava acostumada a lidar com Poder residual perigoso.


Geralmente, quando procurava por mágica, ela podia classifica-la
em momentos. Um feitiço lançado por uma bruxa humana, um item
envolto em Poder Dark Fae, Demonkind, Élfico, Djinn ou Light Fae –
ela sabia os buquês e características de todas as magias deles e na
maior parte das vezes, ela até podia desarmar ou conter os feitiços.

Este, entretanto… este era algo diferente de qualquer coisa que ela
já tivesse encontrado. Quanto mais ela se concentrava, mais
profundo o poço de Poder parecia, por debaixo do verniz daquele
brilho suave e jovial. Por um momento, ela teve a impressão de que
poderia despencar dentro de algo mais vasto do que jamais
experimentara.

Espantada e mais do que um pouco amedrontada, ela deu um pulo


para trás e se ouviu dizendo bruscamente. “O que você tem ali
dentro?”

“O maldito baralho de Tarô do inferno.” Vetta disse com um soluço


novo.

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Ela se virou para encarar a garota. “Onde, diabos, você conseguiu
esse tipo de coisa?”

O rosto de Vetta se torceu com um lampejo de seu eu rebelde, o


qual foi rapidamente contido. Ela lamentou. “Eu o roubei uns meses
atrás. Eu já estou tão, tão arrependida por ter colocado os olhos
nisso, que não preciso de você gritando comigo por causa dele,
está bem?”

Seremela empinou o queixo. Disse num tom de voz suave e


tranquilo, “Eu não posso evitar notar sua escolha de palavras, Vetta.
Você sente muito por ter colocado os olhos nele, mas não sente por
tê-lo roubado?”

Os olhos avermelhados da garota se arregalaram com espanto


renovado.

Duncan disse suavemente. “Esta conversa pode esperar até mais


tarde. Seremela, a mochila é perigosa demais para que a levemos?”

Ela olhou rapidamente para ele e então se concentrou na mochila,


de novo. Depois de um momento, ela disse. “Não parece ativo no
momento, então, eu acho que não. É um poder muito antigo,
entretanto. Não devemos simplesmente deixa-lo.”

“Então, o levamos.” ele disse. “Contanto que você esteja disposta a


cuidar dele e que partamos sem demora.”

Ela assentiu, pegou a mochila e a pendurou sobre o ombro. Duncan


marchou para a porta do trailer e olhou lá fora. A luz da lua
contornou sua expressão compenetrada e olhar aguçado.

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Seremela tinha se aperfeiçoado a ler as sutis mudanças no rosto
dele. Quando ela viu a linha da boca dele se enrijecer, ela
perguntou. “O que é?”

“A única saída deste recinto cercado é através do cassino.” disse a


ela. “Percebi quando entramos.”

Assim que ele mencionou isto, ela se lembrou do limite


intransponível da cerca, também.

Ela disse para Vetta. “Você, mantenha a cabeça abaixada. Grude


em mim como cola, jovenzinha e acima de tudo, mantenha-se
calada. Não me importa se você vir alguém de quem não gosta, ou
se alguém disser algo de que não goste. Você não vai criar caso
com ninguém. Você me ouviu?”

A garota abaixou a cabeça e assentiu, Duncan liderou o caminho


através do recinto fechado para os fundos do cassino, de onde os
flashes brilhantes de cor saiam pela abertura. Parecia, Seremela
pensou agitada, que a barraca tinha sido esfaqueada e estava
sangrando luz.

Eles entraram e caminharam pelo corredor principal.

Um silêncio começou a se espalhar pela multidão. O estômago de


Seremela se apertava quando as pessoas os encaravam. Então, os
sussurros começaram. Vetta agiu como prometeu e manteve a
cabeça baixa enquanto caminhava tão próxima quanto podia de
Seremela, só faltando mesmo subir nela.

Seremela colocou um braço em volta dos ombros de sua sobrinha e


várias de suas cobras se enrolaram em Vetta, também. Ela tentou
ao máximo adotar um pouco da calma de Duncan, de seu jeito

94
pacífico, enquanto cada passo que ela dava, cada momento que
passava, parecia levar uma hora. Num enorme contraste com a
maneira como ela se sentiu quando entraram no local, ela olhou
para cima, para os Globins armados na plataforma acima e se
sentiu grata pela presença deles.

Uma reação agitou-se através da multidão como uma onda e ela


soube que eles não sairiam do cassino sem algum tipo de
confronto.

Duncan se torceu para encarar a reação. Ele ainda parecia tão


relaxado como se estivesse levando o lixo para fora, enquanto o
coração dela estava saltando em seu peito como um gato em um
telhado quente. Quando ela viu o perfil dele, esbelto e levemente
interessado, ela sentiu um fluxo de emoção tão poderosa, que
quase a fez cair de bunda.

Eu amo você, ela pensou. Você viajou para o outro lado do país por
mim, desviando-se tanto de seu caminho. Você tem enfrentado
alguns criminosos e um Djinn trapaceiro. Você aceitou sem
questionar quando eu disse que Vetta era inocente e tem feito tudo
isso com humor e gentileza, está disposto a fazer tudo isso por
minha sobrinha também, a quem você nem mesmo foi apresentado
de forma correta.

Como eu poderia não amá-lo?

Como?

A multidão se separou e uma mulher Dark Fae se aproximou. Ela


era alta e magra, com as feições angulares e olhos cinzas enormes
peculiares aos Dark Fae. Seu cabelo lustroso preto estava puxado

95
para trás numa trança e ela vestia calça legging escura e uma
túnica sem manga, simples.

Ela também portava uma espada, guardada em sua bainha presa


às costas dela. As mãos dela estavam vazias e soltas ao lado do
corpo, conforme ela ficava cara a cara com eles.

Vetta quebrou seu voto de silêncio com um sussurro. “Xanthe.”

O braço de Seremela se apertou sobre ela em aviso.

Além de um minúsculo sorriso e um franzir de olhos, uma


expressão que desapareceu antes mesmo que Seremela a
registrasse, a mulher Dark Fae não deu sinais de que ouvira Vetta.

Ao contrário, ela se dirigiu a Duncan e disse, “Por favor, permita-me


auxiliá-los e conduzi-los a salvo deste lugar.”

“E por que deveríamos?”

“Porque, eu também sei que a garota é inocente.” disse a Dark Fae.


Ela falava um inglês perfeito, com um traço de sotaque e erguendo
sua voz enquanto dizia, causou outra reação, que ondulou pelos
expectadores aparentemente ávidos.

“Então, vamos,” disse Duncan, enquanto gesticulava para o


corredor à frente dele. “Depois de você.”

A mulher chamada Xanthe, segundo Vetta, inclinou sua cabeça e


tomou a liderança, enquanto Duncan ficava para trás. Ele fez sinal
para Seremela e Vetta se adiantarem e se posicionou logo atrás
delas.

Cautelosamente, Seremela ia atrás da mulher Dark Fae, tentando


pensar em como aquela manobra poderia possivelmente ser uma
96
armadilha, mas não teve sucesso em descobrir – afinal de contas, a
mulher tinha feito uma declaração pública em relação à inocência
de Vetta e em ajuda-los.

Eles se foram avançando pelo resto do casino. Com a mulher Dark


Fae à frente, Duncan guardando a retaguarda, Seremela se sentia
um pouco mais segura. Ela esperava fervorosamente que isso não
fosse uma ilusão.

Ela perguntou a Vetta, telepaticamente, “Você conhece esta


mulher?”

“Não muito.” a garota disse. “Sei quem ela é – ou era, de qualquer


maneira. Ela era uma das servas de Thruvial. Ele tinha três, acha
que isso é uma tradição?”

Vetta estava certa. As tríades Dark Fae eram bem tradicionais e


apareciam de diversas maneiras na sociedade deles. Seremela
imaginava onde estariam os outros dois servos.

Ela disse “Sim é. O que você sabe sobre ela?”

Vetta deu de ombros. Ela parecia e soava exausta. “Como eu disse,


não muito. Ela é discreta e não costuma falar.”

“Ok.” Seremela disse.

Elas ficaram em silêncio. Mais tarde, Seremela teria sonhos sobre


aquela caminhada infernal através do Tártaro, os sonhos repletos
de uma sensação arrepiante de horror, enquanto um exército de
criaturas a encaravam com olhares famintos e a perseguiam, se
aproximando, movendo-se para a matança.

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Então, finalmente saíram da barraca. Lá fora, o ar mais frio da noite
no deserto era indescritivelmente maravilhoso. Seremela e Vetta
respiraram profundamente, quase cambaleando de alívio, enquanto
a mulher Dark Fae parava para olhar para elas sobre o ombro.

“Não parem,” Duncan murmurou. “Nós temos que ir rapidamente.”

Seremela assentiu e o pequeno grupo se moveu numa formação


diferente. Desta vez, a mulher Dark Fae ficou para trás, para andar
ao lado de Seremela, enquanto Duncan se adiantou, aproximando-
se de Vetta do outro lado.

A mulher Dark Fae disse. “Nós não devíamos passar pela parte
lotada, em direção ao centro do acampamento. É mais sossegado
pelos arredores.”

Duncan e Seremela olharam para Vetta, buscando confirmação. A


garota disse. “Xanthe está certa. O acampamento é mais
sossegado perto das bordas.”

“Mostre-nos.” Duncan falou.

Vetta e a mulher Dark Fae assim o fizeram e eles foram capazes de


se mover mais rápido através da área calma e sombreada. Eles
tinham circundado o acampamento e alcançado os limites do
enorme estacionamento, quando Seremela não conseguiu mais
ficar quieta.

Ela parou, puxando Vetta. Os outros dois pararam também.

Seremela se dirigiu à mulher Dark Fae. “Você. Qual é o seu nome?”

“Xanthe Tenanye,” respondeu a Dark Fae.

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“Você simplesmente a deixou lá.” Seremela disse. “Você sabia que
Vetta era inocente e você permitiu que eles a aprisionassem por –
quanto, dois dias? Ela estava aterrorizada e completamente
sozinha.”

“Eu não a abandonei” disse Xanthe. Seus olhos enormes pareciam


captar toda a parca luz da lua, enquanto as mãos continuavam
caídas, ao lado do corpo. “Eu permaneci no Tártaro pelos dois
últimos dias, observando, enquanto tentava descobrir o que podia
fazer por ela. Eu não teria permitido que eles a enforcassem.”

“Interessante.” disse Duncan. Ele tinha se movido e estava bem


mais perto da Dark Fae. “Como você sabia que Vetta era inocente,
e como você poderia ter impedido isso?”

“Confessando, se eu não tivesse escolha.” disse Xanthe Tenanye.


“Eu sabia que Vetta não matou Cieran Thruvial, porque eu o fiz.”

“Você é uma assassina?” Vetta falou, com tal guincho de surpresa,


que seria cômico em outras circunstâncias.

“Você pode me chamar disso, se quiser.” Disse Xanthe.

“O que você ainda está fazendo aqui?” Vetta perguntou. “Eles vão
enforca-la, se descobrirem o que fez.”

“Tenho total consciência disso, mas eu não era livre para partir até
que você o fosse.” disse Xanthe. Ela olhou em volta. “Não é seguro
ficar aqui e ter esta conversa. Vocês ainda precisam partir
imediatamente.”

Seremela e Duncan trocaram olhares. Ele murmurou. “Entender o


que aconteceu ou se envolver ainda mais não é nossa missão.”

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“Exatamente o que eu penso.” Seremela disse desgostosa. Ela se
lembrou de onde tinham estacionado o SUV e começou a puxar
Vetta naquela direção.

Foi quando Vetta decidiu fincar os calcanhares, literalmente. Ao não


se mover, simplesmente, ela fez com que Seremela parasse. “Por
quê?” ela disse asperamente, para Xanthe. “Eles me mantiveram
presa numa construção de metal sem comida nem água, eu sabia
que iria morrer. Tudo isso porque você assassinou alguém, eu
preciso saber porque.”

Pela primeira vez, desde que ela tinha se aproximado deles, a


linguagem corporal de Xanthe expressou emoção, quando ela se
mexeu de repente e coçou a nuca. Então, ela falou abruptamente.
“Eu trabalho para a Rainha Dark Fae. Mais precisamente, eu
trabalho para o chefe de segurança. Eu não matei Thruvial
simplesmente, eu o executei pelos crimes que ele cometeu contra a
coroa. Eu não tinha ideia de que você seria culpada pela morte
dele. Agora, vocês irão?”

Assim que a mulher mencionou a Rainha, Seremela e Duncan


estacaram. Ele encararam Xanthe.

“Oh, inferno.” disse Duncan. “Ela está dizendo a verdade.”

Seremela estava começando a se sentir tonta com todas as


mudanças de realidade das últimas poucas horas.

Assassinato, drogas ilegais. Um pária e agora, políticas inter-


territoriais. Oh, e ela não podia se esquecer de acrescentar o roubo
de um grande item de Poder àquela lista, não quando seu Poder
sutil e insondável estava vagarosamente, porém com certeza

100
penetrando os ossos de seu ombro. Era bom, nutritivo e exótico ao
mesmo tempo e ela não confiava nem um pouco naquela sensação.

Vetta tinha começado a falar. Seremela a interrompeu. “Chega de


discussão.” Ela nunca tinha usado este tom ríspido de voz com sua
sobrinha, antes. Vetta parecia chocada e sua boca se fechou num
movimento. Seremela virou sua sobrinha, conduzindo-a na direção
do SUV enquanto dizia para Xanthe. “Obrigada por cuidar de minha
sobrinha. Venha conosco, agora, ou fique... e adeus.”

Duncan se moveu para ficar ao lado de Seremela com graça fluída


e suave. Xanthe deu alguns passos para trás enquanto dizia. “Meus
agradecimentos, mas vocês ficariam muito mais a salvo sem...”

Uma nova voz a interrompeu. “Nós não pudemos acreditar, Xanthe,


quando ouvimos que você defendeu a assassina de nosso senhor e
a conduziu do Tártaro. Agora, testemunhamos sua traição com
nossos próprios olhos.”

Pela segunda vez naquela noite, Duncan se tornou um borrão. Até


Seremela se virar, ele já encarava os dois recém-chegados com
sua arma apontada para a cabeça deles.

Eram Dark Fae, um homem e uma mulher, vestidos como Xanthe,


com calças leggings e túnicas sem mangas simples, com as
espadas presas às costas. Eles olhavam de Xanthe para Vetta e
Seremela, as expressões amargas, com ódio.

“Ela é inocente.” disse Xanthe, enquanto desembainhava a espada.


“Eles cruzarão este espaço em segurança.”

“Ela é venenosa.” cuspiu o macho. “Ela não fazia segredo do


quanto detestava nosso senhor e agora ela trouxe outra de sua

101
espécie ainda mais venenosa.” Ele e sua companheira
desembainharam as espadas também e o som de metal raspando
correu pela espinha de Seremela.

“Eles não entendem que você tem uma arma apontada para eles?”
Seremela disse, incrédula, na cabeça de Duncan.

Xanthe se lançou à frente e os outros dois avançaram para


encontrá-la e o som de metal ecoou.

“Eu não posso usar isto e eles sabem disso.” disse Duncan. “A
arma de fogo atrairia muita atenção. O som da luta de espadas já é
ruim o suficiente.”

Ele jogou a arma para ela. Chocada, ela emitiu um barulho


incoerente e soltou Vetta, para cambalear para frente, mal
conseguindo agarrar a arma.

“Espero que possa atirar.” Duncan lhe disse. “Use-a como um


último recurso.”

Ela olhou para ele, pegou o vislumbre da luz da lua em seu sorriso
sombreado e então, ele saltou sobre os três Dark Fae que lutavam.

Vetta estava sussurrando. “Oh, deuses, eu só queria acordar e


estar em minha própria cama.”

As mãos de Seremela tremeram quando ela checou a 9mm.


Duncan a tinha travado quando a jogara para ela. Ela a destravou e
ficou de prontidão enquanto assistia à luta. Apesar de não ser
nenhuma expert, sim, ela podia atirar.

“Fique atrás de mim.” ela disse a Vetta. A garota obedeceu e se


encolheu tremendo contra as suas costas. Todas as cobras de

102
Seremela estavam concentradas no perigo à frente. Cada músculo
em seu corpo estava tão tenso como as cordas de um piano e ela
se sentia um pouco nauseada, enquanto tentava achar um sentido
naquela disputa.

Eles eram tão rápidos, os quatro, mais velozes do que ela


conseguia acompanhar e era tão difícil de distinguir os Dark Fae
naquelas sombras prateadas. Um, acertou o outro – ou, foi um
golpe ruim – e aquele primeiro gemeu e caiu de joelhos, enquanto
Duncan envolvia o terceiro numa enxurrada brutal de golpes e
contra-ataques, a luta era horrível, injusta de maneira doentia,
porque o adversário dele tinha uma espada, enquanto tudo o que
ele tinha era uma faca.

Sua têmpora começou a pulsar, vibrando num ritmo frenético,


porque uma coisa era saber atirar, mas outra, diferente, era saber
em quem atirar e como é que ela ia saber quando seria ‘o último
recurso’? Ela pressionou a mão contra sua testa enquanto mirava o
oponente de Duncan com a arma.

Duncan saltou para frente, num ataque rápido e brutal. Seu


oponente tombou para trás e continuou caindo até ficar imóvel, no
chão. Seremela levou algumas batidas de coração para entender o
que tinha acontecido, porque a violência terminou tão rapidamente
e abruptamente como tinha começado.

Dois dos Dark Fae estavam fora de combate. Duncan e o terceiro


se encaravam, mas não faziam nenhum movimento. Seremela só
teve certeza de que era Xanthe quando a outra mulher moveu o
braço sobre a cabeça para embainhar a espada.

103
Ela baixou a arma, travou e caminhou rapidamente até Duncan,
jogando os braços em volta dele. Ele a trouxe para perto, com uma
mão em sua nuca.

“Você não está machucado?”

“Não.” ele sussurrou de volta. “Eu estou bem.”

Oh, deuses, obrigada. Ela se agarrava a ele com toda a sua força.

A bochecha esbelta dele estava fria contra a dela, o comprimento


de seu corpo, firme. Ele disse. “Vamos para casa, agora.”

Ela assentiu. Ela não podia confiar em si mesma para falar.


Naquele momento, ela pensou naquelas quatro maravilhosas
palavras.

Vamos para casa, agora.

104
SETE

Lar

Depois de uma estressante, porém sem maiores acontecimentos,


viagem de volta ao aeroporto de Reno, eles estavam voando
algumas horas mais tarde e se dirigiam a Chicago, onde fariam uma
parada por tempo suficiente para permitir a Xanthe desembarcar,
antes de voarem para Miami.

Durante a viagem de carro, Vetta tomou três garrafas de água,


comeu algumas barras de proteína e teve uma crise de choro,
apoiada no ombro de Seremela, quando o alívio a atingiu. Assim
que conseguiram recepção no celular, ligaram para a irmã de
Seremela, Camilla, e Vetta chorou mais um pouco com sua mãe.

Assim que embarcaram no jato e levantaram voo, a garota


desapareceu dentro do banheiro por um tempo e apareceu um
pouco depois, parecendo pálida e exausta, mas um pouco mais
limpa.

Depois que Vetta terminou, todos eles se revezaram para se limpar.


Seremela suspirou com alívio enquanto removia a poeira do deserto
do seu rosto, braços e pescoço.

105
O amanhecer apareceu no horizonte. Depois de baixar os
protetores de todas as janelas para bloquear o sol da manhã, a
copiloto serviu um café-da-manhã ao estilo bistrô para Xanthe,
Vetta e Seremela, com frutas frescas, pãezinhos, queijo, ovos
cozidos, salmão defumado, café quente com creme e suco de
laranjas frescas.

Duncan aceitou um copo de bloodwine. Seremela franziu o cenho.


Depois de uma noite insone e estressante, ela estava faminta. Ele
devia estar também. Apesar de o bloodwine ajudar um pouco, ele
não chegava nem perto das mesmas qualidades nutritivas de um
sangue fresco.

Um pouco hesitante, ela perguntou. “Bloodwine será... suficiente


para você, por hora? Ficaria honrada em ajuda-lo se você precisar
de sangue fresco.”

Duncan sorriu para ela. Ele parecia inexplicavelmente doce e


malandro, e ela teve a impressão de que parecia levemente
envergonhado. Apesar de não ter ideia do que motivou sua
expressão, ela não pode evitar e sorriu de volta.

“É muita gentileza sua.” ele disse. “Bloodwine será suficiente por


enquanto, obrigado.”

Ela sentiu o rosto quente e desviou os olhos dele. Ela nunca tinha
alimentado um vampiro diretamente de suas veias. A mordida deles
era famosa por induzir uma sensação de euforia em seus doadores.
Talvez fosse por isso que ele ficou envergonhado. Ela deu uma
olhada em Xanthe e Vetta. Talvez fosse até bom ele não precisar
de sangue fresco agora.

106
Apesar do cansaço ameaçar tomar conta dela, ela comeu
rapidamente e bebeu várias xícaras de café, animada por um senso
de propósito. Ela não ia relaxar enquanto carregassem um item de
Poder sem ser examinado, no avião.

Enquanto comia, ela escutava a conversa de Duncan e Xanthe.


Duncan perguntou. “Por que matar Thruvial ao invés de levá-lo para
enfrentar um julgamento?”

“Ele era o último nobre envolvido na conspiração que matou a


família da Rainha.” Xanthe disse. “O problema em coloca-lo num
julgamento era que a evidência que ela conseguiu reunir, podia não
ser suficiente para condená-lo. O Senhor Black Eagle tomou a
decisão da sentença de assassinato.”

O estranho nome interrompeu Seremela, até que ela percebeu que


Xanthe se referia a Tiago, o senhor da guerra Wyr que tinha se
acasalado com Niniane. Ela tinha conhecido Tiago quando era uma
legista em Chicago e tremeu ao se lembrar do comportamento
tempestuoso de Tiago. Ela ficara aterrorizada com ele – ela não
tinha nenhum problema em imaginá-lo sendo responsável por
ordenar a execução de alguém.

A mulher Dark Fae estava prosseguindo. “Isto me tomou uma boa


parte do ano para conseguir entrar na casa de Thruvial. Ele saiu de
Adriyel assim que as fronteiras foram abertas. O julgamento de
seus companheiros conspiradores o abalou consideravelmente,
mas não o impediu de cometer outros crimes hediondos no Portão
do Diabo – incluindo o tráfico de sexo, proteção e chantagem.”

“Ele era um homem horrível.” Vetta sussurrou, com a cabeça


inclinada.

107
Seremela murmurou gentilmente. “Ele a machucou de alguma
maneira?”

Vetta olhou para ela de lado e ela soube que sua sobrinha entendeu
o que ela realmente estava perguntando.

Vetta balançou a cabeça e disse telepaticamente. “Ele pensou que


eu fosse nojenta, mas ele queria me colocar à disposição dos
clientes interessados em experiências exóticas. Da última vez em
que conversamos – brigamos, na verdade – ele ameaçou fazer uma
cicatriz em meu rosto se eu não fizesse o que ele queria. Estou feliz
que ele tenha morrido.”

Seremela respirava de maneira uniforme, lutando para conter sua


fúria enquanto ouvia. “Estou feliz por ele ter morrido, também.” ela
disse.

Ela terminou seu café-da-manhã, engoliu sua última xícara de café,


colocou a bandeja de lado e pegou a mochila de Vetta. “Não relaxe
demais, ainda.” ela disse para sua sobrinha que estava se
inclinando de lado, em sua poltrona. “Você precisa me contar sobre
este baralho de Tarô do inferno. De quem você o roubou?”

“Eu não sei.” Vetta disse. “Ela só era uma mulher numa parada de
descanso. Eu peguei isso de dentro do carro dela quando ela entrou
no posto de gasolina. Eu posso dizer que tinha um formigar de
Poder. À princípio, o achei legal. Então, toda vez que eu começava
a baixar as cartas sozinha, Morte continuava a aparecer. Toda vez,
Tia Serrie. Ficou de uma tal maneira, que eu não conseguia dormir.
Eu continuava a checar as cartas. Então, eu comecei a rezar. Eu
tinha tanta certeza de que iria morrer.” A voz dela sumiu.

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Seremela tocou as costas da mão de Vetta em silenciosa simpatia.
Vetta observava miserável enquanto Seremela procurava dentro da
mochila, Duncan e Xanthe ficaram quietos, observando também.

A mochila não tinha nada de muito valor. Alguns maços de cigarro


Malboro Vermelho, um isqueiro, um lenço que cheirava a patchouli
e fumaça, alguns cosméticos, uma carteira com a identidade de
Vetta e algum dinheiro. Era fora do comum que ninguém tivesse
pego para si o dinheiro e as cartas de Tarô, mas ela suspeitava que
os empregados que trabalhavam para Malphas eram
escrupulosamente cuidadosos com sua conduta.

Uma caixa de madeira estava no fundo da mochila. Ela a pegou e


colocou sobre a mesa. Era claramente a fonte do brilho de Poder. A
tampa da caixa tinha um rosto estilizado pintado à mão. De um
lado, era um rosto masculino, do outro lado, um feminino. Era
Taliesin, o deus da Dança.

Ela abriu a caixa, tirou o baralho de cartas e virou a primeira da


pilha, uma carta da Arcana Maior. A figura de uma mulher dourada,
numa biga puxada por sete leões, sorria para ela. Inanna, a deusa
do Amor. Ela virou mais algumas cartas, e cada uma era
requintada.

Além de ser um item de Poder, o baralho era um trabalho de arte.


Oh, Vetta. Ela suspirou e coçou a testa, enquanto analisava o
baralho.

Sua impressão inicial permanecia a mesma. Por baixo do verniz de


Poder adormecido, as cartas continham uma profundidade sutil,
mas considerável. Finalmente, ela se recostou e balançou a
cabeça, com a boca apertada.

109
“Eu não tenho ideia do dono da mágica que criou isto.” ela disse.
“Não é Light Fae, Élfico, Wyr, Demonkind, humano – ou qualquer
outra coisa que eu já tenha encontrado. É mais Poderoso do que
parece na superfície e eu não tenho certeza do que o Poder faz.
Talvez, ele só sirva para ser um instrumento para adivinhação. Eu
não sei.” Ela encontrou o olhar de Duncan enquanto falava. “Eu não
sinto nenhuma manifestação ofensiva na mágica, mas não gosto de
mágica que eu não entendo, e não confio nisto.”

Xanthe se esticou para tocar uma das cartas, com seus olhos
grandes e cinzas arregalados. Ela disse. “Eu as acho lindas.”

Assim que as pontas dos longos dedos de Xanthe tocaram a carta,


Seremela sentiu o Poder do baralho se esforçar para alcançar a
outra mulher. Ela disse abruptamente. “Você sente isso?”

Todos os outros três olharam para ela e balançaram as cabeças.


Vetta sentava-se tão longe quanto podia do baralho, as mãos
enfiadas dentro dos braços cruzados. Duncan perguntou. “O que
você sentiu?”

“Ele está se empurrando em direção a você, como se quisesse ir


para você.” Seremela disse para Xanthe.

“Oh, por favor, leve o baralho com você.” Vetta disse


fervorosamente. “Por favor, leve-o para bem longe.”

110
Seremela não queria assumir a responsabilidade pelo baralho de
Tarô e Vetta se recusava a tocá-lo.

Xanthe estava disposta a levar o baralho de Tarô para Adriyel, para


ver se conseguia descobrir algumas respostas sobre sua origem e
quem o fez, dos antigos Dark Fae, então no final, foi o que
decidiram fazer.

A mulher Dark Fae desembarcou no Chicago’s O’Hare, com


agradecimentos discretos. Assim que o avião estava no ar de novo,
Vetta se espalhou no sofá e caiu no sono tão logo ficou na
horizontal.

Duncan e Seremela foram para o fundo do avião para que não


perturbassem o sono da garota. Ele se instalou no assento ao lado
de Seremela. Ela parecia exausta, com sombras escuras sob os
olhos, mas seu olhar estava límpido e brilhante. Ela sussurrou. “Não
sei como poderei lhe agradecer o suficiente, Duncan.”

“Shh.” ele disse, tão gentilmente quanto ela. “Não há necessidade.”

“Há toda necessidade.” ela disse suas palavras baixas, mas


ponderosas. A boca dela se mexia e sua expressão era tão bonita,
tão intensa. Duncan tinha que colocar os braços ao redor dela e
beijá-la.

A boca dela. Era como todo o resto dela, sensível e generosa com
suavidade e ainda assim, desenhada com determinação e caráter.
Ele amava a boca dela; ele amava isso e ele a beijou e a beijou,
enquanto ela enrolava os braços em torno do pescoço dele e
retribuía o beijo. Incentivado pela resposta dócil e sincera dela, sua

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agressão sexual estava de prontidão, pronta para saltar sobre ela.
Ele a segurou com rédeas firmes. Agora, não era a hora.

Relutantemente, ele se afastou e o riso ameaçou tomar conta dele


quando percebeu que todas as cobras dela tinham se enrolado
nele, de novo. Ele sorriu dentro dos olhos maravilhosos dela. “Por
que você sempre parece tão surpresa sempre que eu a toco?”

Ela olhou para longe enquanto erguia um ombro. “Muitas pessoas


se sentem enojadas pelo pensamento de nos tocar, assim como
Thruvial pensava de Vetta.”

“Thruvial era um porco.” Duncan disse. Aquilo fez com que ela
prestasse atenção a ele de novo. Ele disse, deliberadamente, para
os olhos arregalados dela. “Eu acho que você é a mulher mais
bonita que eu já conheci, por dentro e por fora.”

As feições femininas se suavizaram, maravilhadas. “Você acha?”

“Eu acho. Aprendi muito sobre você em um dia.”

“Foi um longo dia.” ela observou.

Ele riu suavemente. “Foi um dia muito longo. Você é inteligente e


curiosa, perspicaz e aventureira, você é generosa e carinhosa.
Apesar de ser gentil até os ossos, você sabe como usar uma arma,
e você é tão corajosa, especialmente quando está assustada.” O
sorriso dele se tornou torto. “Espero que você não se importe por eu
estar me apaixonado por você.”

E lá estava novamente, aquele olhar dela, aflito com admiração e


trêmulo, no limiar do desejo. Ela ofegou. “Eu não me importo nem
um pouco.”

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“Então está tudo bem.” E porque ele tinha ficado tenso enquanto
esperava pela resposta dela, ele relaxou e pressionou um beijo na
testa dela. “Você sabe que Rigoletto está sendo apresentado nesta
temporada?”

Ela se aconchegou, com um suspirou. “Eu amo as óperas de Verdi.”

“Vou conseguir ingressos para nós.” ele prometeu, descansando a


bochecha contra a têmpora dela.

Eles ficaram quietos e depois de um tempo, Duncan pensou que ela


tinha adormecido. Ele não conseguia. Ele estava repleto com a
sensação fabulosa do corpo quente e curvilíneo pressionado ao
seu. Ele fechou os olhos e divagou, permitindo que sua imaginação
corresse solta.

Ele queria fazer coisas com ela. Ele queria dividir o jornal da
manhã, ficar de mãos dadas numa sessão de cinema, caminhar
pela praia numa noite de lua cheia. Ele queria que ela ligasse para
ele e o interrompesse no serviço. Ele queria observá-la saboreando
uma boa refeição.

Ele queria suga-la durante o clímax e lançar-se em seu corpo macio


até que ele atingisse o clímax. Ele queria adormecer nos braços
dela.

Cacete, ele queria mordê-la pra caramba!

Ele estava tão absorto no vermelho escuro de antecipação sensual,


que ela o chocou completamente quando sussurrou contra seu
pescoço “Eu amo você também.”

Deuses.

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Ele conhecera o vazio em sua vida e sabia o que era estar só. Ele
tomara amantes por um tempo e então, elas tinham partido, ele
assistira seus amigos e familiares humanos morrerem. Ele nunca
tinha conhecido alguém para preenchê-lo tão completamente só de
dizer as quatro mais bonitas palavras de qualquer língua.

Eu amo você também.

Não mais imerso no indistinto vermelho escuro, ele descobriu a si


mesmo num lugar de luz brilhante.

A irmã de Seremela, Camilla, voou de Atlanta. Ela estava


esperando por eles no aeroporto, em Miami, quando eles chegaram
naquela tarde. Camilla e Vetta caíram no choro nos braços uma da
outra e depois de um momento, Camilla se virou para Seremela e a
puxou para o abraço. Com as mãos nos bolsos, Duncan
permaneceu afastado para dar às mulheres um pouco de espaço.
Ele riu do olhar que Seremela lhe dirigiu enquanto sucumbia ao
abraço apertado de Camilla.

Então, chegou sua vez. “Obrigada.” Camilla disse enquanto


agarrava suas duas mãos. “Muito, muito obrigada. Eu – eu sinto que
deveria dizer mais, mas eu simplesmente não encontro as
palavras.”

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“Outra hora, nós as encontraremos.” Duncan disse à irmã de
Seremela. “Neste meio tempo, não há de quê. Aproveite a volta de
sua filha, sã e salva.”

Seremela falou para a irmã. “Vetta contará tudo para você. Estou
muito cansada para falar.”

Camilla disse. “Telefono para você amanhã?”

“Tudo bem.” Seremela cambaleou quando Vetta atirou os braços


em volta dela, abraçando-a ferozmente.

Elas ficaram em intenso silêncio, por um momento. O que quer que


tenha sido dito uma para a outra, foi telepaticamente,
exclusivamente para a outra ouvir, o que Duncan achou apropriado.

Depois da partida de Camilla e Vetta, um motorista trouxe o carro


dele, enquanto Seremela ficou sem graça e tentou explicar que
podia pegar um taxi para casa. Duncan ouviu pacientemente, então
disse. “Não seja boba. Claro que a levarei em casa.”

Ela lhe dirigiu um olhar de veado-pego-pelos-faróis-de-um-carro.


Ele ficava tão divertido e intrigado por isto, que marchou dois
passos até que seu peito roçava as pontas dos seios dela e ele
rosnou para o rosto voltado para cima, dela. “Nós temos negócios
para terminar.”

A boca trêmula dela formou duas palavras, em silêncio. “Nós


temos?”

Apaixonar-se era um belo sentimento, desde que fosse com ela. Ele
riu e inclinou sua cabeça até que seus lábios se tocassem. Então,
ele disse baixinho, contra os lábios abertos dela. “Nós temos.”

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A viagem até a casa dela foi feita em silêncio feroz. Ela não
conseguia ficar sentada quieta e se mexia, e suas cobras a
percorriam sem descanso.

Ele não a queria sentada, imóvel. Ele queria que ela se mexesse e
palpitasse, enquanto ele perseguia sua presa para enfim captura-la,
finalmente – contra a porta, armário, sofá, qualquer que fosse o
lugar, não importava, qualquer uma das imagens que sua
imaginação aquecida lhe fornecia estava boa, porque ele iria
captura-la, era só uma questão de tempo. A escuridão vermelha
tomou conta dele, e ele se manteve sob um controle feroz enquanto
dirigia com imaculado cuidado através do tráfego pesado da sexta-
feira, em Miami.

A vida de um vampiro era sempre tocada de um jeito ou de outro


pelo medo e pela violência. Ele nunca tinha percebido que ficara
acostumado a isso, até que enfrentou aquele maldito Djinn pária e
ficou chocado ao ver que Seremela enfrentava o perigo e violência.
Ela era boa demais, fina demais; ela amava ópera e filmes
clássicos, e vivia num mundo civilizado e regido pela lei, ela não
deveria nunca, nunca mais encarar a violência.

Vagamente, ele percebeu que estava permitindo a si mesmo reagir


ao que tinha acontecido, ao fazer isso, ele não estava mais no
controle.

A atmosfera no carro tinha ficado dolorosamente carregada quando


ele entrou na garage subterrânea do prédio de apartamentos dela.
Ele estacionou em uma vaga. O ronco suave do motor do carro
desapareceu. Seremela começou a dizer algo, as palavras saíram
tropeçando e estranhas.

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Olhando diretamente para ela, ele a interrompeu. “Me convide para
entrar.”

Ela sugou o ar rapidamente. Estremeceu um pouco e seu pênis se


endureceu com este pequeno sinal revelador.

Ele se virou para ela e descobriu que o encarava com o olhar


arregalado e aparência maravilhada. Três das cobras dela
espiavam lateralmente, de trás dela, olhando para ele também.

Ele caiu na risada conforme esta visão quebrou a tensão. Ele


alcançou uma das cobras. Ela tocou a ponta do dedo dele com a
ondulação leve de sua língua. Ele repetiu, firmemente. “Convide-me
para entrar, Seremela. Por favor.”

“Eu adoraria que você entrasse.” ela sussurrou de uma vez.

Com isso, ele perdeu toda a capacidade com as palavras e


pensamento coerente. De alguma maneira, eles saíram do carro e
entraram no elevador, onde ele a prendeu no canto. Ele plantou as
mãos na parede, uma de cada lado da cabeça dela e olhou bem
dentro dos olhos dela enquanto respirava o odor de sua excitação.

A respiração dela ficou agitada e ele observava os músculos na


garganta esbelta se movimentarem quando ela respirava, o padrão
crescente que marcava aquela pele brilhando com a luz acima.

A garganta adorável e esbelta dela.

Suas presas desceram. Seu rosto se contorceu enquanto ele lutava


contra si mesmo. Isto estava muito fora de controle.

Ele era um estranho para si mesmo.

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As mãos quentes e trêmulas acariciaram o material da camiseta
dele, correndo por seu peito. “Está tudo bem.” ela sussurrou. “Eu
quero que você me morda.”

Ele não tinha se dado conta de que tinha puxado um ar


desnecessário até que ele saiu de seu corpo de uma vez.

A força de sua própria reação quase o deixou de joelhos.

“Duncan.” ela disse. Ela soava e parecia aturdida.

Ele baixou a cabeça lentamente, e correu sua boca pelo pulsante


latejar do pescoço dela, tocando com a língua a carne delicada e
deliciosa.

Ela o empurrou, assustando-o além da preocupação. Com uma


risada embriagada e rouca, ela apontou para algo atrás dele. Ele
olhou por sobre o ombro. As portas do elevador estavam abertas,
Ah, tá.

O comprimento do corredor até a porta da frente dela foi tudo


menos, insuportável. Ele disse roucamente. “Depois que formos à
ópera, o que faremos a seguir?”

“Eu não sei.” ela gemeu. Ela derrubou as chaves e se abaixou para
recuperá-las. “O que acha de um final de semana na cama?”

Ele se moveu como um borrão, arrebatou as chaves dela, destravou


e abriu a porta antes que ela pudesse reagir. “Entre.”

O olhar dele brilhava quando ela explodiu em uma risada. Então,


ele riu também. Isso era louco, ridículo. Ele podia dizer que não se
sentia assim desde a adolescência, exceto que ele tinha certeza de
que na época, não se sentira assim.

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Então, finalmente eles estavam lá dentro, sozinhos, no apartamento
sombreado dela. Ela jogou a bolsa sobre o sofá – ele percebeu que
se esqueceram da pasta dela, no porta-malas do carro – e então ele
perdeu aquele pensamento quando ela se jogou em cima dele. Ele
a segurou enquanto ela envolvia seu corpo com os braços e as
pernas e ele marchava para o quarto.

“Diga de novo.” ele disse. “O que você me disse no avião.”

Os olhos brilhantemente coloridos dela estavam luminosos com


emoção e desejo. “Eu achei que você não tivesse me ouvido.”

Ele a deitou na cama gentilmente e se endireitou. Ele arrancou a


camisa. “Eu escutei você. Diga de novo.”

Ela ficou de joelhos sobre a cama, em frente a ele e encontrou seu


olhar enquanto se movia para desabotoar o jeans dele. “Eu amo
você, Duncan.”

“Isso foi ainda melhor do que da última vez.” ele sussurrou, sorrindo
enquanto espalmava o seio cheio e macio. Ela puxou os jeans dele,
abrindo-os e deslizou as mãos dentro deles enquanto fazia com que
o material descesse pelas coxas esbeltas dele. Uma sensação
estranha correu pelo tronco dele e para cima, em seus braços. Ele
olhou para baixo, para as cobras dela conforme elas passeavam
por sua pele.

Seremela seguiu a direção do olhar dele e recuou um pouco, a


expressão dela se tornando embaraçada. Ela ofereceu,
suavemente. “Posso embalá-las, se você preferir.”

Ele disse firmemente. “Não.”

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Ela afastou algumas cobras dele. “Você tem certeza de que isto não
é muito – ‘tentáculo’ para você?”

Ele agarrou seus ombros e olhou profundamente em seus olhos.


“Me escute. Eu não disse que estava me apaixonando por você,
somente se você escondesse alguma parte sua ou mudasse algum
aspecto para tentar me agradar. Eu disse que estou me
apaixonando por você – todas vocês. Eu não quero que você se
controle, negue a si mesma, cubra seu rosto ou cabeça ou qualquer
parte de seu corpo. Eu não quero que você perca ou ganhe peso,
ou preste atenção ao que diz, ou negue seus sentimentos, ou tente
ser qualquer coisa que não você, porque a pessoa que você é, é a
mais bonita no mundo, para mim.”

Enquanto escutava, as adoráveis feições dela se tornou vulnerável,


completamente exposta. Enquanto ele certamente esperava que
não tivesse sido a primeira pessoa a dizer tais coisas, ele,
egoisticamente, esperava, ter sido o primeiro homem a fazê-lo. Ele
pegou uma de suas cobras, beijou-a no nariz e olhou para a cara
dela. “Você nunca vai me morder, vai?”

“Elas nunca machucariam você.” Seremela disse. “Elas morreriam


primeiro.”

“Oh, bem.” ele disse, dando-lhe um sorriso torto. “Lá se foi aquela
fantasia.”

Os olhos dela se arregalaram e ela riu, um som divertido e


surpreso. Ela desabotoou a blusa e se encolheu para retirá-la,
depois saiu de seu sutiã enquanto Duncan chutava seus jeans para
fora das pernas e ficava de pé, nu, a ereção potente projetando-se
de seu quadril.

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Os seios dela era exuberante, maravilhosos e cheios, os mamilos,
macios e viçosos, eram vários tons mais escuros do que o verde
claro cremoso de sua pele. Ele se inclinou, tomou um mamilo na
boca e o sugou gentilmente. O som abafado que ela emitiu era
incoerente e de urgência. Ela segurou a cabeça dele, correu os
dedos pelo cabelo e acariciou os ombros masculinos.

Enquanto ele a sugava, uma sensação, leve como uma pluma,


cintilou ao longo da pele sensível da cabeça de seu pênis,
provocando um prazer penetrante e torturante. Ele olhou para
baixo, conforme a sensação se espalhava por seus testículos
tensos e próximos ao seu corpo e ao longo dos músculos do baixo
abdômen.

As cobras de Seremela tocavam sua pele com suas línguas


flexíveis.

Seremela inclinou a cabeça e olhou lá para baixo, também. “Elas


estão experimentando você.” ela disse, dando a ele um sorriso
torto. “Elas sabem que eu o amo e estão curiosas.” Ela parecia
esplêndida, bárbara e completamente desinibida.

Por um momento, o fantasma do humano que Duncan uma vez fora


se debateu com essa imagem. Mas, as cobras de Seremela não
eram criaturas mundanas; elas eram parte dela e Duncan não fora
humano por muito tempo.

Suas presas desceram. Seremela olhou para a boca dele e suas


pálpebras ficaram pesadas. Ela expôs o pescoço para ele num
convite mudo, ele envolveu o corpo macio e curvilíneo com seus
braços e inseriu suas presas gentilmente no pulso do pescoço dela.

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O gemido que ela emitiu, repleto de sexo e rendição, ricocheteou
por todos os sentidos aquecidos dele, enquanto o sangue quente se
derramava em sua boca, isso era tão estranho, tão estranho. Ele foi
virado do avesso, seu desejo por ela fora de controle. Ele rosnava
conforme bebia dela, enquanto ela se arqueava contra ele,
ofegando. O sangue dela era mais forte do que o humano. Entrava
nele como um soco e fazia o mundo girar.

Ele ergueu e afastou a cabeça dela, respirando asperamente e só


então percebeu que ela lutava em seus braços. Por um terrível
momento, ele se sentiu enojado e desorientado – até que percebeu
o que ela estava tentando fazer.

“Ajude-me a sair destes malditos jeans.” ela choramingou.

Os dedos dele tremiam enquanto a ajudava a descer os jeans pelas


pernas. Então, ela se deitou de costas na cama e ergueu as pernas
para que ele pudesse tirá-los pelo resto do caminho.

Completamente nua, ela se esticou, os olhos vidrados com o prazer


que restava de sua mordida, ela estava linda e misteriosa, tudo
junto, uma mulher completa e totalmente não humana. Ele acariciou
sua coxa com os dedos e tocou as pétalas macias de veludo do seu
sexo que já estavam molhadas com prazer. Ela agarrou seu pênis
com uma mão, acariciando-o enquanto abria as pernas e dizia a ele
“Venha para dentro, agora.”

“Quero ajudá-la a atingir o clímax, antes.” ele sussurrou. E


encontrou o botão pequeno e rígido, tão delicado e escorregadio,
acariciou-o, rodando a base de seu polegar nele.

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Fora de controle, ela deu um pulo e ofegou. “É tão bom. Intenso
demais.”

“Isso é, em parte, por causa da mordida.” ele murmurou. “Tudo está


mais intenso, agora.” Ele deslizou dois dedos dentro dela, ela era
tão mais macia e molhada do que qualquer coisa que ele já tivesse
sentido antes e tão malditamente aconchegante, que ele sabia que
quando finalmente a penetrasse, ela iria agarra-lo mais apertado do
que um punho. Ele a fodeu gentilmente com seus dedos enquanto
continuava a massagear o clitóris.

“Não aguento.” ela choramingou. E agarrou o punho dele.

“Você aguenta.” ele disse a ela. Enquanto trabalhava nela, ele se


inclinou para tomar um mamilo em sua boca, de novo, sugando-a
cuidadosamente por causa das presas que ainda estavam à mostra
e ele não queria arranhá-la. Ele estava se afogando no próprio
prazer, afogando, imerso no prazer crescente dela enquanto ela
ondulava os quadris.

Então, ela levantou e colocou uma mão na parte de trás da cabeça


dele, trazendo-o para baixo, com força, contra seu seio.

As presas perfuraram a pele macia do seio e o sangue Poderoso


dela encheu mais uma vez sua boca.

Atônito, ele sugou com vontade enquanto a penetrava com os


dedos, ela saltou debaixo dele e gritou enquanto gozava.

Ele estava cego por sua própria euforia e ainda latejando de


necessidade. Ele se segurava rigidamente, a palma de sua mão
ainda pressionada contra o clitóris enquanto os músculos internos
dela pulsavam contra seus dedos. Ele não se retiraria, não a

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deixaria até que o clímax dela tivesse terminado, mas então ela o
chocou novamente, ao puxar sua mão de dentro dela. Ela se
ergueu e o empurrou de costas, quando ele cedeu, ela veio por
cima e montou nele. Ela era a mais surpreendente visão que ele já
tinha visto, seu rosto bonito estampado com intensidade enquanto
ela tomava seu pênis, posicionava-o e se abaixa sobre ele.

“Jesus.” ele disse. Seu próprio clímax foi como o tiro de uma bala.
Ele agarrou os quadris dela e se contraiu forte debaixo dela,
praguejando.

Ela desabou sobre ele, e ele a abraçou com todo o seu corpo.
Depois de alguns minutos, ela perguntou. “Nós vamos fazer muito
disso, não vamos?”

“Deus, eu espero que sim.” ele disse.

Eles dormiram desse jeito, com ele ainda dentro dela e ela
esparramada como uma boneca de pano em cima dele.

Ele acordou primeiro. Sua ereção tinha se acalmado e não queria


se mover e deslizar para fora dela ou acordá-la. Ela era um peso
macio e quente, sobre ele, amava isso. Então, ele cochilou um
pouco e deixou sua mente divagar.

Talvez, ela gostasse de joias.

Talvez, ela ficasse encantada com um anel.

Talvez, ela ficasse mais ainda encantada se ele ficasse de joelhos


para dá-lo a ela.

Ele sempre achara que iria gostar do casamento e acreditava que


seria um bom marido para a mulher certa. Só que nunca tinha

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encontrado a mulher certa, até agora. Mas, ele estava se
adiantando. Eles nem tinham tido um primeiro encontro, ainda.

Falando nisso, ele tinha que comprar ingressos para a ópera.

Espere. Ele bocejou e perguntou, “Que dia é hoje?”

“Hmm.” Bem quando ele tinha certeza de que ela tinha caído no
sono de novo, ela murmurou. “Acho que é sexta?”

“Excelente! Acho que nosso primeiro encontro deve começar


agora.”

Ela coçou o nariz. “Você não está com os ingressos da ópera,


ainda.”

“Esse terá que ser nosso segundo encontro.” ele falou.

Ela abriu os olhos e deu uma olhada nele. “Qual é nosso primeiro
encontro?”

Ele a rolou, deixando de costas na cama, invertendo as posições e


riu para ela. “Meu voto vai para um fim de semana na cama.”

Ela deu uma risadinha. “Ohhh, este é o meu voto, também. Em


algum momento, nós precisamos telefonar para Carling e Rune,
dizer que voltamos.”

“Podemos fazer isso na segunda.” Ele espalmou um seio enquanto


seu pênis se enrijecia contra a coxa dela. “Também devemos
planejar logo nosso terceiro encontro.”

“Hmmm, devemos.” O olhar dela ficou mais pesado enquanto


acariciava o pênis dele. “Estou tão feliz de estar de volta a minha
cama.”

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“Estou feliz de estar em sua cama, também.” Ele movia os quadris
preguiçosamente contra a mão dela.

A expressão dela se suavizou com partes iguais de prazer e


afeição. “Então você tem alguma ideia quanto a este terceiro
encontro?”

Duncan inclinou a cabeça, observando-a. Ele pensou em lhe contar


sobre comprar o anel e ficar de joelhos, mas ele não queria
assustá-la. Ao invés disso, ele disse, muito casualmente. “Achei que
pudéssemos fazer compras.”

“Você gosta de fazer compras?” ela perguntou, surpreendida e


sonolenta.

“Sim, eu gosto, de vez em quando. Quando sei que estou


procurando por algo especial.” Ele se inclinou para acariciar a
garganta dela com o nariz.

Ela ronronou e acariciou as costas dele. “Parece que já tem algo


específico em mente, para essa sua excursão às compras.”

“Nossa excursão às compras.” ele corrigiu.

“Ok, nossa excursão.”

“E eu tenho mesmo algo específico em mente, mas, por hora, acho


que devemos nos concentrar em nosso primeiro encontro.”

Tonto de alegria, ele a beijou em uma longa e suave carícia. Eles


viviam num mundo lotado e perigoso, mas de alguma maneira, ela
tinha se tornado a única pessoa nele. Bem aqui e agora, eles eram
as duas únicas pessoas no mundo, só os dois.

“Duncan, por acaso você toca piano?” ela murmurou.


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Ele riu. “Por que diabos você me pergunta isso?”

Ela acariciou o rosto dele. “Você acaba de olhar de um certo jeito.”

Ele perguntou divertido. “De um jeito que diz que eu toco piano?”

Ela tocou o nariz dele com um dedo. “Me diga se você tem um terno
Bogart. Oh, esqueça isso, você tem vários ternos e eles são muito
mais bonitos do que qualquer uma de minhas roupas. Por acaso
você acredita em premonição?

Ele anunciou. “Eu estou boiando completamente neste papo.”

“Então, provavelmente, a gente deva parar de falar.” ela sussurrou.


E rolou seus quadris de encontro a ele.

“Estou de acordo com isso.” ele disse.

Ele começou a fazer amor com ela novamente, no mais excelente


primeiro encontro que podiam ter e nenhum deles disse algo
coerente por um longo tempo.

FIM

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