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Ainda no âmbito do seminário 11, Lacan justifica seus esforços para uma
atualização do conceito de inconsciente, tendo em vista o panorama de uma viragem
linguística no cenário do pensamento contemporâneo, no qual o autor se situa. Para
Lacan, a linguística enquanto ciência em formação distinta de qualquer outra
psicossociologia, é o que garante acesso e objetivação à noção de inconsciente (p.
26).
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Esta demanda se deve, por um lado, pelo fato de que se o inconsciente não se
configura dentro dos limites da ontologia, é preciso encontrar alguma forma de tornar o
conceito palatável à compreensão. Por outro lado, seria uma traição buscar uma
totalidade de sentido para aquilo que é da ordem do indizível, de uma não-tradução.
Nesta perspectiva, Lacan nos recorda que o próprio Freud esbarra em uma dificuldade
ao tratar do inacessível da cena inconsciente, quando em A interpretação dos sonhos,
designou de umbigo do sonho, o ponto em que ele mergulha naquilo que
desconhecemos (Freud, 1900/2006, p. 557).
Estamos diante de uma tarefa difícil, que deve garantir uma abordagem que se
sustente enquanto discurso formal, em um contexto no qual somente o que a razão
explicita é que serve de guisa para uma reflexão não ficcional. Todavia, Lacan nutre
essa perspectiva de que o campo do inconsciente é pré-ontológico, uma vez que ele
não é ser nem não-ser, mas é algo de não-realizado (p. 37). Frente, pois, ao indizível
da cena inconsciente, do qual nada conhecemos senão lampejos, sintomas e efeitos,
a solução lacaniana - apontar para a ética como estatuto do inconsciente - não é de
algum modo, algo trivial. Para compreendê-la, resta-nos desvendar o que Lacan
entende por ética.
A Ética em Lacan
apresenta ao nível da experiência inconsciente como aquilo que desde logo constitui a
lei (p. 70). Com efeito, para o autor, o que encontraremos em qualquer princípio moral
mais elementar, a exemplo da proibição do incesto, se situaria também aí, no nível da
relação pré-discursiva entre o sujeito e das Ding. Assim como no proibitivo do incesto,
em se tratando de Ding o desejo é algo que não poderá ser satisfeito, neste último
caso, sob pena de que se finde aquilo que impulsiona o sujeito desejante.
Conclusões
Por fim, nos importa salientar que a maneira como Lacan, partindo da
metapsicologia freudiana, compreende a ética está em consonância com uma questão
emblemática para a filosofia atual. Pois, de fato, uma certa filosofia hodierna busca
uma saída do pensamento da totalidade, para pensar a relação entre sujeito e o
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Referências Bibliográficas
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Artigos
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