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IMPACTOS SOCIOAMBIENTAIS ASSOCIADOS AOS DESASTRES

NATURAIS EM FORTALEZA-CE: O EXEMPLO DO BAIRRO PARQUE


GENIBAÚ

Jander Barbosa Monteiro – Universidade Federal do Ceará – jander_bm@hotmail.com; Maria Elisa Zanella –
Universidade Federal do Ceará - elisazv@terra.com.br

RESUMO

O processo de urbanização em escala planetária atingiu, no final do século XX e nesse início de


século XXI, índices consideravelmente elevados e na medida em que se expande esse processo,
aumenta, também, a preocupação com os impactos dos desastres naturais sobre a sociedade, os
quais são verificados, principalmente, nas zonas consideradas mais vulneráveis (caso das margens
de rios e lagoas). O bairro Parque Genibaú, localizado na zona oeste de Fortaleza e situado às
margens do rio Maranguapinho, encaixa-se perfeitamente neste processo. Analisando os problemas
ambientais urbanos, inúmeras relações entre a sociedade e a natureza podem ser compreendidas e,
o desenvolvimento de estudos sobre os impactos associados a eventos pluviométricos intensos e
concentrados, permitem que estes possam ser utilizados como um indicador para a gestão pública
no tocante à tomada de decisões. O objetivo principal desta pesquisa é avaliar os impactos
socioambientais associados aos desastres naturais, principalmente aqueles ligados a eventos de
chuvas extremas e as conseqüentes inundações, levando em consideração a localização geográfica
e a vulnerabilidade da população local. Objetiva também identificar e analisar os eventos de chuvas
extremas na cidade de Fortaleza-CE, como também analisar a percepção do risco da população
local e dos gestores públicos. Para a contemplação dos objetivos, é necessária uma ampla revisão
bibliográfica sobre alguns conceitos e categorias de análise (desastres naturais, risco ambiental,
vulnerabilidade, etc), consultas a órgãos, levantamento cartográfico da área, análise de eventos
pluviométricos intensos, etc. Através do emprego desses procedimentos, pudemos observar que
alguns moradores adotam medidas para adaptarem-se a situação de risco, procurando minimizar os
efeitos decorrentes de uma ameaça. Observamos também que na área de estudo há a presença
simultânea dos dois componentes que caracterizam melhor a situação de risco: a ameaça (condições
físico-naturais do terreno) e a vulnerabilidade (condições objetivas e subjetivas de existência,
historicamente determinadas).

Palavras-chave: Impactos Socioambientais Urbanos; Vulnerabilidade; Percepção do risco de


inundações

ABSTRACT

The process of urbanization in global scale, at the end of XX century and beginning of XXI century,
obtained indexes considerably higher in that it expands this process, increases, too, the concern with
the impacts of natural disasters on society, which are recorded, mainly in areas considered most
vulnerable (if the margins of rivers and lakes). The district Parque Genibaú, located in the area west
of Fortaleza and situated in the margins of Maranguapinho river, fits in perfectly in this process.
Analyzing the urban environmental problems, many relationships between society and nature can be
understood, and the development of studies on the impacts associated with concentrated and intense
rainfall events, allowing these to be used as an indicator for the public administration with regard to
making decisions. The main objective of this research is to assess the social and environmental
impacts associated with natural disasters, especially those related to events of extreme rainfall and
consequent flooding, taking into account the location and vulnerability of the local population. Also
aims to identify and analyze the events of extreme rainfall in the city of Fortaleza-CE, but also
examine the perception risk of the local population and public administrators. For contemplation of the
goals requires a comprehensive review of some concepts and categories of analysis (natural
disasters, environmental risk, vulnerability, etc.), consultation with agencies, cartographic survey of
the area, analysis of intense rainfall events, etc. Through the employment of these procedures, we
noted that some residents take measures to adapt to the situation of risk, seeking to minimize the
effects of a threat. We also observed that in the study area there is the simultaneous presence of two
components that best characterize the situation of risk: the threat (physical and natural conditions of
the land) and vulnerability (objective and subjective conditions of existence, historically determined).

Keywords: Urban social impacts, vulnerability, perception of risk of flooding

INTRODUÇÃO
O processo de urbanização em escala planetária atingiu, no final do século XX e nesse início de
século XXI, índices consideravelmente elevados, constatando-se que atualmente a população do
planeta é majoritariamente urbana. Entre 1940 e 1980, observa-se uma verdadeira inversão quanto ao
lugar de residência da população brasileira, com um aumento considerável do índice de urbanização,
que apresentava um percentual de 26% na década de 1940 e chegou aos 68% por volta de 1980
(SANTOS, 1992).
Segundo dados do Censo 2000/IBGE, a população urbana atingiu cerca de 80% da população
total brasileira e, observando as estimativas para as próximas décadas, acredita-se que o processo de
urbanização tende a expandir-se ainda mais, e um grande contingente populacional estará habitando as
áreas urbanas.
Na medida em que se expande o processo de urbanização desordenada, aumenta, também, a
preocupação com os impactos dos desastres naturais sobre a sociedade, os quais podem causar
diferentes danos à qualidade de vida humana, como: elevados números de mortes e feridos, altos
índices de doenças e de desabrigados, perdas econômicas, impactos no meio ambiente, etc. Tais danos
são verificados, principalmente, em zonas (caso das margens de rios e lagoas) onde se encontra uma
população mais vulnerável às ameaças ambientais, uma vez que as classes sociais menos favorecidas
estão mais sujeitas a sofrer os impactos dos desastres naturais.
Observando o processo de urbanização que ocorre nos países de economia periférica e sob
influência da globalização excludente da economia, como no Brasil, podemos destacar que este
processo se deu de forma rápida e concentrada, intensificando a exclusão socioespacial nas principais
regiões metropolitanas e em outras regiões de maior dinâmica econômica. Tal fato

Está intimamente ligado às políticas desenvolvimentistas de alocação de investimentos nas


grandes capitais nacionais e regionais (iniciada nos anos de 1930), o que culminou num forte
desequilíbrio econômico inter e intra-regionais, favorecendo, essencialmente o crescimento do
êxodo rural em quase todo o país (ALMEIDA, 2006, p. 183).

Muitos dos problemas ambientais urbanos como inundações, desmatamento, poluição do ar e


dos recursos hídricos, dentre outros, expõem de forma desigual os habitantes da cidade, ou seja, não
atingem igualmente todo o espaço urbano. As áreas mais severamente atingidas são, geralmente,
aquelas ocupadas pelas classes sociais menos favorecidas, como em margens de rios e lagoas.
O bairro Parque Genibaú, situado às margens do rio Maranguapinho, encaixa-se perfeitamente
no processo descrito acima. Localizado na zona oeste de Fortaleza (ver Figura 1), este bairro vem
passando por um intenso processo de crescimento físico e populacional desde o final da década de
1970.

Figura 1 – Localização do bairro Parque Genibaú em Fortaleza, CE, Brasil.

A bacia hidrográfica do rio Maranguapinho localiza-se a sudoeste na Região Metropolitana de


Fortaleza – RMF, drenando parte dos municípios de Maranguape (alto curso), Maracanaú (médio
curso), Caucaia e Fortaleza (parte do médio e o baixo curso), desaguando em seguida no rio Ceará a 5
km do Oceano Atlântico, dividindo a mesma foz e planície flúvio-marinha. A bacia drena uma área de
aproximadamente 223,80 km² e tem como rio principal o rio homônimo, fazendo parte do conjunto de
bacias hidrográficas (ver Figura 2) que compõem a bacia hidrográfica da Região Metropolitana de
Fortaleza (ALMEIDA, 2006).
Figura 2 – Bacia hidrográfica da Região Metropolitana de Fortaleza, CE, Brasil.

Além dos migrantes vindos do interior do Ceará, o processo de formação das comunidades que
compõem o bairro Parque Genibaú também contou com a participação de moradores oriundos de
outros estados e até mesmo de outros bairros1 da cidade de Fortaleza, que em sua maioria
representavam moradores sem acesso a casa própria e sem condições de pagar um aluguel.
De difícil acesso e suscetível às inundações do rio Maranguapinho, os terrenos situados às
margens do mesmo rio não eram propícios para a construção de habitações. Entretanto, por se tratar de
um local não habitado, se tornou atraente para aqueles que não tinham acesso à moradia na cidade. A
partir do final da década de 1970 foram sendo construídas habitações no bairro e, aos poucos, a
população do bairro foi aumentando consideravelmente com a chegada de habitantes que fixavam
moradia naquele local, oriundos de várias cidades e de outros bairros de Fortaleza.
O próprio rio Maranguapinho também influenciou consideravelmente na fixação da população
naquele local, tendo em vista que no final da década de 1970 ainda não havia atingido níveis de
poluição tão elevados, servindo assim de fonte de água para diversas atividades domésticas (exceto
para consumo humano), alimento e renda para dezenas de moradores que praticavam a pesca naquele
local.

1
Informações obtidas através de entrevistas com moradores do bairro, principalmente os que ali se instalaram
primeiramente, no início do processo de formação do bairro Parque Genibaú.
Se antes o rio Maranguapinho representava um dos poucos locais de lazer para a população,
com o tempo passou a representar uma ameaça para os mesmos, pois estes passaram a conhecer o
sofrimento de enfrentar uma enchente. Segundo relatos de alguns moradores, as enchentes que
ameaçam a comunidade ocorrem desde a década de 1980 e agravaram-se, ainda mais, na década de
1990 e início da década de 2000.
Os estudos dos impactos das precipitações, temática de interesse de pesquisadores do clima
urbano e de outros estudiosos do ambiente urbano, têm um grande significado nas áreas urbanas,
principalmente pela possibilidade de serem relacionados às inundações, que vêm causando, a cada ano,
sérios prejuízos à população, principalmente em áreas localizadas próximas aos leitos dos rios.
Os impactos pluviais gerados por eventos de chuvas extremas são, na maioria das vezes,
enquadrados na categoria de eventos naturais extremos ou desastres naturais, dependendo de sua
magnitude e extensão espacial (BRANDÃO, 2001).

Esses eventos naturais, segundo White (1974), destacado por Monteiro (2001)

[...] focalizam um aspecto do complexo processo pelo qual o homem interage com os sistemas
físico e biológico. Cada parâmetro da biosfera, sujeito a flutuação sazonal, anual ou secular
consiste num “hazard” para o homem na medida em que o seu ajustamento à freqüência,
magnitude ou desenvolvimento temporal dos eventos extremos são baseados em conhecimento
imperfeito. [...] De modo geral, os eventos extremos apenas podem ser antevistos como
probabilidades cujo tempo de ocorrência é desconhecido (2001, p.8).

Nesse contexto, vemos a importância de se analisar os desastres naturais desencadeados por


fenômenos naturais, como também os riscos a que estão sujeitos os indivíduos que habitam áreas
consideradas vulneráveis, observando também os ajustamentos (SOUZA, 2006) à situação de risco.
Dentre os desastres naturais, aqueles que advém de fenômenos meteorológicos, particularmente as
inundações, são os mais freqüentes e que atingem o maior número de pessoas (VEYRET, 2007).
Por ocasião do período das chuvas, a mídia noticia os transtornos causados pelas inundações às
populações localizadas as margens de rios e lagoas. Locais como as comunidades do Parque Genibaú,
localizadas às margens do rio Maranguapinho, são manchetes constantes na imprensa cearense. Nesse
período, algumas medidas são adotadas pelo governo do Estado para amenizar os efeitos decorrentes
da vulnerabilidade dessas comunidades. No entanto, estas medidas possuem um caráter apenas
emergencial.
Como já foi dito, os impactos socioambientais associados aos desastres naturais não são
sentidos igualmente por todos e, a exposição e vulnerabilidade a desastres representam um fator
importante na intensificação da vulnerabilidade sociodemográfica de indivíduos e populações.
Assim, este trabalho de pesquisa tem como objetivo principal avaliar os impactos
socioambientais associados a desastres naturais, principalmente aqueles ligados a eventos de chuvas
extremas e as conseqüentes inundações, levando em consideração a localização geográfica e a
vulnerabilidade da população local. Objetiva também identificar e analisar os eventos de chuvas
extremas na cidade de Fortaleza-CE, como também analisar a percepção do risco da população local.

MATERIAL E MÉTODO
Para a contemplação dos objetivos, foram realizadas algumas etapas, a saber:
Primeiramente, uma ampla revisão bibliográfica sobre alguns conceitos e categorias de análise
como: desastres naturais, risco ambiental e vulnerabilidade, realizando, também, um levantamento da
história do bairro, para melhor entender sua dinâmica.
Concomitantemente, foi realizado um levantamento cartográfico da área de estudo (bairro
Parque Genibaú), através de imagens de satélite, fotografias aéreas e mapas básicos e temáticos.
Estas duas etapas (revisão bibliográfica e levantamento cartográfico) também foram
desenvolvidas através de informações sobre a área de estudo encontradas em alguns órgãos
(Companhia de Gestão dos Recursos Hídricos - COGERH, Superintendência Estadual do Meio
Ambiente - SEMACE, Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos - FUNCEME), como
também através de consultas a dados de Postos Meteorológicos e sites especializados (Instituto
Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE e Instituto Nacional de Meteorologia - INMET).
Também foram analisados os eventos pluviométricos diários iguais e superiores a 100mm/24h,
dando destaque para as inundações e os problemas correlatos, e buscando informações sobre os
impactos socioambientais em Fortaleza através de registros de jornais e na defesa civil.
Em seguida, também foram realizadas visitas a campo (in locu), com o intuito de adquirir
informações pertinentes a pesquisa através de entrevistas com moradores, como também para subsidiar
o mapeamento das áreas de risco do bairro mais vulneráveis aos desastres naturais. Para a identificação
das áreas onde estão as famílias e comunidades mais vulneráveis, também foram utilizados dados do
censo do IBGE, como também da Defesa Civil.
Contempladas essas etapas, algumas considerações, discussões e resultados alcançados com a
pesquisa foram trabalhados, realizando assim, uma avaliação dos impactos socioambientais associados
aos desastres naturais na cidade de Fortaleza e, também, mais especificamente, no bairro Parque
Genibaú.

RESULTADOS E DISCUSSÕES
Analisando os problemas ambientais urbanos, inúmeras relações entre a sociedade e a natureza
podem ser compreendidas, desde que estas sejam realizadas em uma perspectiva que aborde tanto os
aspectos naturais, como também os aspectos sociais, para uma melhor compreensão das complexas
interações espaciais entre os riscos de qualquer natureza e outros fatos ou agentes estruturadores do
território.
Uma parte dos riscos se inscreve no quadro das relações natureza/sociedade que, em geografia,
fundam a abordagem ambiental (MENDONÇA, 2004). Dessa forma, como método para ser utilizado
no trabalho de pesquisa, O Sistema Ambiental Urbano (SAU) proposto por Mendonça (2004) encaixa-
se perfeitamente, pois permite uma abordagem dos problemas socioambientais das cidades, levando
em consideração aspectos naturais, os quais são relacionados com aspectos socioeconômicos, culturais
e políticos da sociedade face aos riscos urbanos. A noção de risco ambiental permite essa ligação das
ciências da natureza com as ciências da sociedade, conduzindo a uma abordagem dual que concebe os
2
riscos urbanos como produto combinado de um “álea” (fenômeno aleatório) e de uma
vulnerabilidade.
A escolha desta abordagem é de suma importância na análise dos impactos socioambientais
associados a desastres naturais, até porque a tradução espacial do risco constitui um tema de estudo
indispensável para o geógrafo, onde as zonas de risco podem ser definidas de formas e superfícies
variáveis, mapeáveis em diferentes escalas espaciais e temporais (VEYRET, 2007).
Partindo do pressuposto que a localização geográfica e a vulnerabilidade da população local do
bairro Parque Genibaú podem interferir consideravelmente na intensificação dos impactos
socioambientais associados a desastres naturais, podemos observar se, de fato, esses elementos são
fundamentais nessa análise, realizando uma avaliação desses impactos socioambientais, entendendo de
que forma eles vão atingir, mais especificamente, os indivíduos e a população do bairro, através de
consultas a órgãos, registros em jornais e na defesa civil, entrevistas com moradores (percepção do
risco frente a essa situação de ameaça), informações sobre os impactos socioambientais em Fortaleza,
etc.
Para subsidiar essa análise, faz-se necessário também a realização de revisões bibliográficas
relacionadas ao bairro (livros e órgãos que contenham informações sobre a área) e aos conceitos e
categorias de análise que caracterizem de forma mais segura a situação de risco, um levantamento
cartográfico da área (imagens de satélite, fotografias aéreas, mapas básicos e temáticos), como também
visitas a campo no intuito de colher informações sobre a área de estudo e a vulnerabilidade da
população local.
Assim, no desenvolvimento dessa avaliação dos impactos socioambientais associados aos
desastres naturais no bairro Parque Genibaú, serão levados em consideração os riscos ambientais, os
quais podemos abordar segundo um ponto de vista objetivo, empregando métodos e técnicas das
ciências naturais, que podem subsidiar essa análise.

2
Álea: acontecimento possível; pode ser um processo natural, tecnológico, social, econômico, e sua probabilidade de
realização. Se vários acontecimentos são possíveis, fala-se de um conjunto de áleas. O equivalente em inglês é hazard (para
definir a álea natural). Alguns autores utilizam o termo “perigo”, especialmente quando se trata de riscos tecnológicos
(VEYRET, 2007).
No entanto, em alguns casos, estes métodos e técnicas não explicam totalmente a controversa
relação entre o homem e os riscos e, nesse sentido, questões subjetivas também podem ser inseridas
nessa análise, no intuito de chegar a algumas conclusões razoáveis que podem contribuir e interferir
nessa relação.
Antes de se avaliar os impactos socioambientais associados aos desastres naturais, mais
especificamente na área de estudo aqui tratada, faz-se necessário entender a noção de risco empregada
por vários autores e outros conceitos e categorias de análise como: perigo, desastres naturais, risco
ambiental, etc.
A noção de risco é frequentemente tratada, por muitos autores das geociências, como um
produto da probabilidade de ocorrência de um fenômeno natural indutor de acidentes pelas possíveis
conseqüências que serão geradas (perdas econômicas ou sociais) em uma dada comunidade.
Já outros autores das geociências, como Campos (1999), Lavell (1999) e Cardona (2001),
entendem que a situação de risco é caracterizada pela presença simultânea (ou pela interação) de dois
componentes: a ameaça e a vulnerabilidade, sendo o primeiro relacionado às condições físico-naturais
do terreno ou área ocupada (maior ou menor suscetibilidade à ocorrência de fenômenos que podem
colocar o homem em situação de perigo), enquanto que o segundo diz respeito às condições objetivas e
subjetivas de existência, historicamente determinadas, que originam ou aumentam a predisposição de
uma comunidade a ser afetada pelos possíveis danos decorrentes de uma ameaça (CAMPOS, 1999).
Na pesquisa aqui tratada, esta última abordagem mostra-se melhor passível de utilização, pois traduz
de maneira mais fiel as situações de risco, tanto pela forma que os conceitos são tratados, como pela
profunda dependência dos mesmos.
Na literatura científica, há uma certa imprecisão quanto ao emprego do conceito de risco,
principalmente pelas diferentes traduções do inglês hazard, comum na literatura norte-americana.
Alguns autores da Geografia, em língua portuguesa, empregam o termo hazard ora como risco, ora
como acidente. Em algumas obras, o termo foi traduzido como acaso, enquanto que em outras como
perigo.
Outros autores, como Mendonça (2004) e Veyret (2007), também utilizam a definição de
“álea”, entendido como um acontecimento possível que pode ser um processo natural, tecnológico,
social, econômico, e sua probabilidade de realização. Se vários acontecimentos são possíveis, fala-se
de um conjunto de áleas.
No Brasil, o termo perigo não é tão utilizado nos textos acadêmicos. O risco é o principal termo
utilizado, sendo definido como a “possibilidade de ocorrência de um acidente” (CERRI & AMARAL,
1998). Assim, vemos que este termo mostra a probabilidade de uma ameaça acontecer, com análises
que vão dar ênfase à estimativa e à quantificação da probabilidade de ocorrência, para determinar
níveis apropriados de segurança ou aceitabilidade, referindo-se, dessa forma, à existência conjunta de
ameaça (ou perigo) e vulnerabilidade.
Sendo entendido como sinônimo de ameaça ou perigo, o termo hazard é considerado como a
ameaça às pessoas e as coisas que elas valorizam (CUTTER, 2001). Essa ameaça surge da interação
entre os sistemas social, natural e tecnológico, sendo descrita freqüentemente em função de sua
origem. Assim, podemos concluir que o risco ambiental refere-se a uma situação de ameaça ambiental
(de ordem social, tecnológica e física) atuando sobre uma população vulnerável.
Alguns autores como Burton, Kates e White (1993), Egler (1996), Hewitt (1997) e Cerri e
Amaral (1998), apresentam uma classificação dos diferentes tipos de riscos ambientais, subdividindo-o
em três categorias: risco natural, risco tecnológico e risco social.
A categoria risco natural está relacionada a processos e eventos de origem natural ou induzida
por atividades humanas. Esses processos podem apresentar uma natureza bastante diversificada, tanto
em escala temporal, como também espacial, pois o risco natural pode apresentar-se com diferentes
graus de perdas, em função da intensidade (magnitude), da abrangência no espaço e do tempo de
atividade dos processos.
Cerri e Amaral (1998) apresentam uma subdivisão dos riscos naturais em riscos físicos, que
organizam-se em outros três grupos menores (riscos atmosféricos, riscos geológicos e riscos
hidrológicos), e riscos biológicos que organizam-se em outros dois grupos menores (riscos ligados à
fauna e riscos ligados à flora).
A categoria risco tecnológico inscreve-se no âmbito dos processos produtivos e da atividade
industrial, sendo uma categoria bastante pesquisada, a qual leva em consideração os vazamentos de
produtos tóxicos, lançamentos de materiais perigosos, acidentes nucleares, contaminação (construções,
solo, águas de superfície e/ou de subsuperfície, ar, produtos agrícolas), etc.
A categoria risco social pode ser analisada em diferentes vieses, considerando, por exemplo: o
dano que uma determinada população pode fazer causar (terrorismo, guerras, seqüestros, etc); a
relação entre marginalidade e vulnerabilidade a desastres naturais; o risco social como resultante de
carências sociais que contribuem para uma degradação das condições de vida da sociedade.
No entanto, deve-se levar em consideração que, embora alguns processos possam estar
inseridos no campo dos riscos naturais, muitos deles têm sua origem ou agravamento sob condições de
influência humana, principalmente quando observamos a dinâmica desses processos em áreas urbanas.
Assim, podemos entender que, por mais que os riscos ambientais sejam classificados em tipos
específicos, estes apresentam causas complexas, onde natureza, sociedade e tecnologia podem se
misturar para formar vulnerabilidade e resiliência às ameaças (BURTON, KATES & WHITE, 1993).
Os riscos de inundações vão se inserir nessa perspectiva, em função da multiplicidade dos seus
elementos condicionantes. Uma inundação (fenômeno natural perigoso) pode desencadear um desastre
natural, que é entendido como a coincidência entre determinadas condições vulneráveis e um
fenômeno natural perigoso (MASKREY, 1989).
De acordo com o Ministério de Integração Nacional (2007), desastre é o resultado de eventos
adversos, naturais ou provocados pelo homem, sobre um ecossistema vulnerável, causando
danos humanos, materiais e ambientais, e conseqüentes prejuízos econômicos e sociais. Assim,
a intensidade de um desastre depende da interação entre a magnitude do evento adverso e a
vulnerabilidade do sistema receptor, e é quantificada em função dos danos e prejuízos
caracterizados. Já segundo Garcia (2004), o desastre é uma extensa variedade de eventos, desde
aqueles cujo acontecimento se considera um fenômeno exclusivamente físico, como
terremotos, furacões, erupções vulcânicas, etc., até aqueles cuja origem se considera
excepcionalmente humana, tais como as guerras e os acidentes industriais. Entre estes dois
extremos existe um amplo espectro de desastres, como por exemplo, fome, inundações e
deslizamentos, os quais são provocados pela combinação de fatores físicos e humanos
(SOUZA, 2008, p.6).

Em geral, os desastres podem ser distinguidos em função de sua origem, ou seja, da natureza do
fenômeno que o desencadeou, podendo ser humanos (acidentes de trânsito, incêndios industriais,
contaminação de rios, etc.), naturais (inundações, escorregamentos, furacões, etc.) ou até mistos,
segundo as normativas da Política Nacional da Defesa Civil.
Devido à grande variedade de fatores que levam à ocorrência e possíveis efeitos
desencadeados, não existe ainda uma unanimidade quanto ao conceito de desastre natural e, nesse
sentido, pode ser comum confundir a utilização desse termo (desastre natural) com fenômeno natural.
Por exemplo, uma inundação (fenômeno natural), só causa desastre quando afeta diretamente ou
indiretamente o homem e suas atividades em um lugar e um determinado tempo, ou seja, um desastre
pode ser entendido como a realização ou concretização das condições de risco preexistentes na
sociedade (desastre = risco ambiental x vulnerabilidade). Vale salientar, também, que os fenômenos
naturais (inundações, escorregamentos, furacões, secas, etc.) são fortemente influenciados por
condições regionais, como: rocha, solo, topografia, vegetação e condições meteorológicas.
Avalia-se que, no Brasil, os desastres naturais mais comuns são as enchentes, a seca, a erosão e
os escorregamentos ou deslizamentos de terra. Anualmente, estes desastres naturais são responsáveis
por um número elevado de perdas humanas e materiais. Segundo a Pesquisa de Informações Básicas
Municipais – MUNIC, realizada pelo IBGE em 2002 e publicada em 2005, no Brasil os maiores
desastres relacionam-se a inundações, escorregamentos e erosão, sendo esses processos fortemente
associados à degradação de áreas frágeis, potencializada pelo desmatamento e ocupação irregular.
Seria, então, mais correto, no caso brasileiro, fazer referência a esses processos como desastres
naturais ou fenômenos induzidos?
Várias indagações também podem levar ao interesse em se pesquisar sobre a percepção dos
riscos. Por exemplo, pode-se procurar entender porque alguns riscos são aceitos e outros rejeitados,
quais são as medidas adotadas pelas pessoas para que possam conviver com o perigo e por que os
indivíduos vivem em áreas de risco. A própria escolha do local de moradia constitui um resultado
prático da percepção, tratando-se de uma ação desencadeada a partir de um processo cognitivo.
Kates (1978) salienta que a estimativa do risco pode ser realizada com base na revelação
(inspiração sobrenatural ou divina, sonhos, etc), na intuição (pressentimento sem explicação aparente)
ou na extrapolação (a partir da experiência acumulada pelas pessoas no tempo).
Assim, fica evidenciado que a percepção do risco também representa um componente decisivo
na estruturação de respostas ao perigo, influenciando vários aspectos da vida individual e coletiva.
As enchentes na cidade de Fortaleza, que ocorrem no primeiro semestre de cada ano,
relacionados aos índices de chuvas mais elevadas desse mesmo período, podem ser associadas às
características do quadro natural, juntamente com os processos de ocupação e impermeabilização do
solo. No Estado do Ceará e na cidade de Fortaleza, existem vários sistemas atmosféricos que atuam no
tempo e no clima, sendo o mais importante a Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), responsável
pelo estabelecimento da quadra chuvosa. A partir de meados do verão ela passa a atuar de modo mais
expressivo, atingindo sua posição mais ao sul no outono. O deslocamento da ZCIT está relacionado
aos padrões de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) sobre o Oceano Atlântico Tropical, podendo
sofrer, dessa forma, um deslocamento mais acentuado ou pouco expressivo de acordo com a TSM.
Em Fortaleza, as margens dos médios e baixos cursos do rio Maranguapinho e do rio Cocó
constituem-se em áreas planas sujeitas às inundações periódicas, sendo consideradas, dessa forma,
áreas de risco. Apesar disso, essas áreas são intensamente ocupadas pela população, contribuindo para
a ocorrência de impactos socioambientais associados a episódios pluviométricos extremos.
Dentre estes episódios extremos, podemos levar em consideração os eventos pluviométricos
superiores a 100mm/24h, com destaque para alguns eventos que tiveram uma repercussão considerável
(devido aos impactos causados na cidade de Fortaleza e no bairro Parque Genibaú), como o evento dos
dias 24 e 25 de abril de 1997 (162,0 mm e 108,9 mm respectivamente) e os eventos que ocorreram na
década de 2000, a citar: 11 de abril de 2001 (124,2mm), 20 de abril de 2001 (102,0mm), 19 de março
de 2003 (138,0mm), 29 de janeiro de 2004 (250mm), 01 de maio de 2006 (113 mm)3, 02 de março de
2007 (138 mm) e o evento do dia 09 de abril de 2009 (108mm). Vale salientar que o levantamento dos
dados e impactos relacionados a esses eventos extremos foram realizados junto aos noticiários do
Jornal O POVO, a Defesa Civil, a Fundação Cearense de Meteorologia e Recursos Hídricos do Ceará –
FUNCEME e Instituto de Metereologia - INMET.
Os episódios dos dias 24 e 25 de abril de 1997 trouxeram como impactos alagamentos de ruas,
sistema telefônico prejudicado, sete estações da Companhia Elétrica do Estado do Ceará – COELCE
danificadas, suspensão das aulas em universidades e escolas, árvores e postes arrancados do solo, falta
de energia elétrica, cancelamento de pousos e decolagens no Aeroporto Pinto Martins, formação de
crateras nas ruas, 535 famílias desabrigadas, carros arrastados pela correnteza, 2.830 casas alagadas,

3
Não foi possível o acesso a registros desse episódio pluviométrico intenso.
95 desabamentos, uma pessoa morreu afogada e duas crianças desapareceram. Pelo menos vinte e dois
bairros foram atingidos, dentre eles o bairro Parque Genibaú.
Os eventos que ocorreram no dia 11 de abril (124,2mm) e 20 de abril (102,4mm) de 2001,
ocasionaram acidentes de trânsito, mais de 40 mil pessoas desabrigadas, duas mortes por choque
elétrico, alagamentos em vários pontos da cidade, cerca de 70 quedas de árvores, trânsito lento,
desabamento de casas, etc. Os pontos mais atingidos da cidade foram: as Avenidas Aguanambi,
Carneiro de Mendonça, Raul Barbosa, Alberto Craveiro, e os bairros Autran Nunes, Barroso I e II,
Dias Macedo, Aerolândia, Castelão, Siqueira, Trancedo Neves e os bairros localizados às margens do
rio Cocó.
O episódio do dia 19 de março de 2003 (138,0 mm) afetou cerca de 4.843 famílias, sendo que
345 deixaram suas casas. Alagamentos de ruas e casas também foram registrados e os bairro mais
atingidos foram: Parque Genibaú, Quintino Cunha, Autran Nunes, Canidezinho, Castelão, Centro, etc.
Segundo Zanella (2006) o episódio de janeiro de 2004 foi gerado por um Vórtice Ciclônico de
Altos Níveis – VCAN, associado a Zona de Convergência Intertropical – ZCIT, atingindo o
surpreendente valor de 250mm/24h. Dentre os impactos registrados por tal evento podemos destacar:
mortes, milhares de pessoas desabrigadas, 369 casas destruídas e outras 1.861 parcialmente destruídas,
formação de crateras e congestionamentos intensos em várias ruas e avenidas com inúmeros acidentes
de carros, falta de luz, água, telefone, etc. As chuvas ocasionaram, também, o aparecimento de
inúmeras doenças e o lixo acumulado nas ruas contribuiu para que as galerias e bueiros de Fortaleza
ficassem entupidos, agravando ainda mais o problema das inundações em alguns bairros. Os bairros
mais atingidos foram: Parque Genibaú, Barra do Ceará, Pirambu, Itaperi, Castelão, Centro, Antônio
Bezerra, Tancredo Neves, Meireles, Aldeota, Benfica, Cocó, Fátima e Parangaba.
O episódio do dia 02 de março de 2007 (138,0mm) provocou alagamentos na cidade e atingiu
famílias que moram nas encostas de morros e às margens de rios e riachos. As regiões mais afetadas da
cidade foram o bairro Vicente Pizón, o Morro Santa Terezinha e o Morro do Teixeira, onde foi
registrado um deslizamento de terreno na sua encosta e parte do pavimento de uma via foi rompido.
Por fim, o episódio mais recente, na madrugada do dia 09 de abril de 2009 (108,0mm), causou
medo e preocupação na população de Fortaleza, com raios e trovões. Treze raios caíram e Fortaleza. A
quadra chuvosa do ano de 2009 já possui valores consideravelmente altos e, segundo dados levantados
pela Defesa Civil do Estado do Ceará até o dia 18 de maio de 2009, já provocou os seguintes impactos
no território cearense: 75 municípios atingidos, sendo 23 deles em situação de emergência, 38.187
desalojados, 25.935 desabrigados, 12 mortos, 148 feridos, 10.078 residências danificadas e 1.254
residências destruídas.
Alguns projetos estão sendo realizados pela Prefeitura de Fortaleza, com o intuito de minimizar
os problemas de inundações nas áreas de risco e, dentre eles, podemos citar o Projeto Maranguapinho,
que objetiva o re-assentamento de famílias para conjuntos habitacionais, além da limpeza e
recuperação ambiental do rio Maranguapinho. Outro projeto é o Águas de março, desenvolvido por
uma ONG (CEARAH Periferia), que constitui no cadastramento das famílias localizadas em áreas de
risco a fim de obter o registro de quantas famílias residem nestas áreas para que, no período chuvoso, a
Defesa Civil possa tomar medidas preventivas.

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A PERCEPÇÃO DO RISCO NO PARQUE GENIBAÚ E


ALGUMAS CONCLUSÕES.
Apesar de uma grande dinâmica econômica, Fortaleza tornou-se uma das metrópoles de
grandes contrastes socioambientais do Brasil, possuindo um dos maiores índices de exclusão social
dentre todas as grandes capitais brasileiras. Segundo o Censo 2000 do IBGE, 31% da população de
Fortaleza morava em favelas e, mesmo tendo uma renda média por habitante de 4,16 mil ao ano, em
Fortaleza 58% das famílias vivem com menos de 2 salários mínimos, de acordo com o IPECE
(FIRMO, 2004).
Do ponto de vista do acesso à infra-estrutura e da renda per capita, Fortaleza é “dividida” em
duas cidades bem distintas. De um lado, observamos a zona leste, mais desenvolvida, onde o poder
aquisitivo das pessoas permite adquirir moradias de alto valor em uma área da cidade com completa
infra-estrutura e acesso a todos os tipos de serviços e equipamentos urbanos. Do outro lado (zona
oeste), onde se localiza a bacia hidrográfica do rio Maranguapinho, ocorre uma ocupação urbana com
predominância de assentamentos informais, com infra-estrutura precária e da deficiente acessibilidade
a serviços e equipamentos urbanos (transporte, serviços de saúde, educação, segurança, lazer, etc).
Além disso, uma parcela significativa dos habitantes da zona oeste de Fortaleza acaba ocupando as
chamadas áreas de risco, devido à falta de acesso a moradias dignas.
Levando em consideração o bairro Parque Genibaú, como também os habitantes de outros
bairros localizados às margens do rio Maranguapinho, podemos destacar, segundo dados do Inventário
Ambiental de Fortaleza (2003), que a forte densidade populacional (na porção oeste de Fortaleza), a
qual exibe graves contrastes em relação aos indicadores sócio-econômicos e de infra-estrutura
comparando-se com a porção leste da cidade, expõe o rio Maranguapinho aos piores índices de
qualidade ambiental e o mais afetado pelo processo de ocupação desordenado, dentre as bacias
hidrográficas que compõem a Região Metropolitana de Fortaleza.
Esse processo de expansão urbana desordenada, com a proliferação de habitações informais
(favelas, ocupações e loteamentos clandestinos), contribui consideravelmente para intensificar uma das
mais graves vulnerabilidades ambientais da região: as inundações.

A remoção da cobertura vegetal ribeirinha, o assoreamento, os depósitos de resíduos


sólidos, as lavras clandestinas de areia, a poluição industrial e a canalização direta de esgotos
são fatores que ampliam o número de áreas de risco, principalmente nos municípios de
Maracanaú, Caucaia e Fortaleza (ALMEIDA, 2006, p. 190)
Assim, de modo geral, podemos destacar que as cidades brasileiras, sobretudo as de maior
porte, têm apresentado, freqüentemente, situações críticas relacionadas à drenagem de águas
superficiais quando da ocorrência de episódios pluviais concentrados (ZANELLA, 2006).
Também foi possível observar que, a quase a totalidade dos eventos que foram analisados na
pesquisa (acima de 100mm/24h), causou impactos na cidade de Fortaleza, como também no bairro
Parque Genibaú, de acordo com registros da imprensa.
Como já foi exposto, podemos, também, enfocar os riscos a partir da percepção dos moradores
do bairro, observando questões ligadas à avaliação dos riscos pelos próprios moradores e às decisões
que estes tomam frente às situações de ameaça. Para realizar esta etapa da pesquisa foram realizadas
algumas entrevistas no período da quadra chuvosa do ano de 2008, principalmente com moradores que
habitavam a área do bairro mais sujeita aos riscos de inundações.
Na aplicação das entrevistas, pudemos observar alguns resultados que justificam a presença dos
moradores na área considerada de risco, como por exemplo, a vinda dos habitantes de outros
municípios do Estado (66 %) em busca de emprego, saúde, educação e que, ali se instalaram porque
não tinham condições de pagar aluguel.
A grande maioria dos entrevistados, além de identificarem facilmente os meses do ano em que
as chuvas eram mais constantes no bairro, demonstraram confiança e interesse na previsão do tempo
dada pela TV, rádios ou jornais, considerando que ela pode avaliar a possibilidade de acontecer uma
inundação na área onde residiam. Também foi observado, em grande parte dos moradores, que a
estimativa do risco, segundo a classificação de Kates (1978), é realizada com base na extrapolação (a
partir da experiência acumulada pelas pessoas no tempo). Acredita-se que tal resultado deve-se ao
tempo de residência dos moradores entrevistados no bairro que, na maioria dos casos, ultrapassavam
os 15 anos. Em relação à afetividade que a população do bairro tem com o ambiente, percebeu-se que
grande parte dos moradores não tem afeição pelo lugar, denotando uma interpretação topofóbica, já
que na área ocorrem constantes inundações. 75% dos entrevistados acreditam que a remoção das
moradias próximas ao rio Maranguapinho seria a medida mais eficaz do poder público para acabar
com os problemas originados pelas inundações.
Burton, Kates e White (1993) salientam que as perdas que os moradores da área de risco
sofrem podem ser compensadas pelo reduzido custo da habitação ou por outros benefícios, como a
proximidade do trabalho, por exemplo. Assim, é importante, também, avaliar a percepção das pessoas
a respeito da distribuição dos benefícios associados à moradia em local de risco, pois

na definição das áreas de risco, onde se fixam moradias, fatores como a falta de opções
alegadas pela população de baixa renda e de deficiente nível cultural; o fato de ser proprietário
da residência; e a vantagem da proximidade do centro da cidade ou do local de trabalho,
interferem na avaliação social do risco e, consequentemente, na decisão sobre continuar ou não
vivendo em área de risco. (XAVIER, 1996, p.171).

A redução da vulnerabilidade ou da ameaça, enquanto atitude positiva para uma melhor


convivência com os riscos, é realizada, segundo Kates (1978), mediante os diferentes tipos de
ajustamentos, que são respostas de curto prazo, adotadas de forma incidental ou de forma proposital.
Alguns ajustamentos são planejados e possuem propósitos específicos de combate aos riscos,
apresentando efeitos diretos e podendo ser realizados tanto no âmbito exclusivo da moradia, como
também de forma coletiva, envolvendo a vizinhança, a comunidade do bairro e até o município. Os
ajustamentos mais comuns, infelizmente, possuem apenas um caráter de auxiliar os moradores a
suportar os efeitos dos acidentes, aceitando as perdas decorrentes do mesmo.
Com a realização do trabalho de campo no bairro, pudemos concluir que uma pequena parcela
dos moradores entrevistados tomam medidas mínimas para a redução do risco, enquanto a maioria
parece aceitar a situação passivamente, muitas vezes esperando a assistência do poder público que,
segundo os moradores, realiza melhorias muito tímidas e imediatistas na área. Dentre as medidas
mínimas citadas pelos moradores entrevistados para a redução do risco, podemos destacar: um
aumento da “calçada” para evitar a passagem da água, ajustamentos no interior da moradia para evitar
a perda de móveis e até a construção de um 2º piso no imóvel, no intuito de evitar maiores perdas
materiais, como também para obter uma maior segurança no período das inundações.
Um fator bastante afetado pela percepção diz respeito à avaliação da probabilidade de
ocorrência de acidentes. Kates e White (1993), explicam os fatores intervenientes que atuam sobre os
diferentes tipos de respostas humanas aos eventos extremos da natureza, como: magnitude (força com
que o evento ocorre), freqüência (tempo médio de retorno dos eventos extremos), duração (tempo de
manifestação do fenômeno), extensão em área (tamanho da área afetada), velocidade de deflagração
(rapidez com que o evento é desencadeado), dispersão espacial (padrão espacial da distribuição do
evento) e distribuição temporal (padrão temporal da distribuição do evento). Pode-se dizer que a
intensidade dos impactos é o principal parâmetro no processo de avaliação subjetiva dos riscos e, no
bairro Parque Genibaú, não foi diferente. Quando entrevistados, os moradores do bairro lembravam
das maiores inundações e das perdas que estas causaram e apesar das fortes relações e a identificação
que estes mostraram possuir com a vizinhança, muitos tinham esperança de um dia poderem sair da
comunidade.
Alguns indivíduos, em muitas ocasiões, estão conscientes de que deverão lidar com perdas
futuras e pretendem tomar medidas para a redução do perigo. No entanto, essas medidas quase sempre
são casuais, improvisadas, ineficazes e distantes do ideal, tornando-se medidas nitidamente precárias.
Através de trabalhos de pesquisa como este realizado no bairro Parque Genibaú, podemos
entender a importância da abordagem perceptiva, pois esta é capaz de esclarecer as formas como os
recursos naturais são utilizados por um povo, ou ainda como as pessoas se conduzem diante de um
risco ambiental ou de um acidente. Assim,

[...] é consenso que não se pode tratar de planejamento urbano e de gestão de áreas de risco
sem que anteriormente seja investigada a percepção dos moradores sobre a situação e o lugar
onde vivem. Além do mais, é indispensável averiguar o seu conhecimento acerca dos
fenômenos que compõem a ameaça (escorregamentos, inundações, tornados, terremotos, etc.)
para, posteriormente, compreender as conseqüências advindas dessa percepção. (SOUZA,
2006, p.54)

Outra contribuição que os estudos sobre percepção dos riscos podem trazer é a participação
popular nos processos decisórios e a educação ambiental, pois a idéia subjetiva que é formada a partir
das experiências diretas e indiretas com os riscos e com os acidentes, atua na formação de diferentes
valores e atitudes quanto ao bairro, à vizinhança, à moradia e a própria existência pessoal.

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