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AOS TRABALHADORES

“A utopia está lá no horizonte. Me aproximo


dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho
dez passos e o horizonte corre dez passos. Por
mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para
que serve a utopia? Serve para isso: para que
eu não deixe de caminhar.”

Eduardo Galeano

Um perigo iminente, que alguns intelectuais começam a chamar de anarcocapitalismo com


práticas típicas do fascismo, já se abate sobre as instituições do Estado democrático e de
direito brasileiro. Seja o que for, parece ser uma tendência do neoliberalismo, com seu afã por
um Estado cada vez menos presente na sociedade. Este novo modelo, mais que qualquer
outro, tem nos retirado direitos históricos, conquistados a muito suor, sangue e lutas. Diante
de tudo isso, encontramo-nos emudecidos, acuados, temorosos, divididos e encolhidos.

Já é passada a hora de nos levantarmos e mostrarmos nossa força enquanto classe. O sistema
representado pelo capital financeiro tem urdido para nos dividir com suas difamações e nos
enganar, colocando-nos uns contra os outros. Trabalhador contra trabalhador. Eles gargalham
em sua riqueza luxuriante obtida violentamente sem trabalho, sem produção e sem esforço, às
custas do nosso labor. Enquanto isso, digladiamo-nos na arena ilusória por eles montada.

Um famoso manifesto nos ensina que a história da humanidade é, desde a superação das
comunidades primitivas, a história da luta de classes. No capitalismo, a luta entre
trabalhadores e burguesia nunca esteve tão acentuada. Por vezes esquecemo-nos disso, mas
inevitavelmente o caráter imperativo desta luta sempre vem à tona. A burguesia que mais nos
ataca atualmente está associada ao capital financeiro, que detém o maior grau de exploração
da história.

Essa burguesia rentista usa os trabalhadores da classe média, polícia e militares para nos
dividir, atacar e desunir. Muitos trabalhadores cristãos também são levados pela infame
campanha que é lançada contra nós. São vítimas de promessas de falsos líderes religiosos que
transformam suas igrejas em casa de negócios ou palco político de fins duvidosos.

Temos certeza de que a maioria dos policiais, militares, membros da classe média e das igrejas
realmente espiritualizadas opõem-se a esse sistema impessoal e pérfido que gera nossa morte
e a anomia em nossa sociedade, todavia são muitos os que atacam o alvo errado, induzidos
pelo mesmo sistema que contraditoriamente desejam vencer. Uma vez cogitaram que ele era
oriundo do tráfico de drogas e do crime organizado. Enganaram-se. Era só uma fração do
sistema: a ponta da ponta do iceberg. Agora, induzidos e distraídos novamente por ele,
pensam que o sistema se aquinhoa tão somente na classe política. Outro ledo engano.

O sistema que os trabalhadores desejam tanto combater vem sobretudo da burguesia


financeira rentista. Ali está o dinheiro lavado do tráfico de drogas, mulheres, órgãos, crianças e
armas. Ali está o dinheiro sujo das negociatas feita sobre o sangue e morte de nós
trabalhadores (inclusive os trabalhadores da polícia).
Aos milicianos, vocês não são classe trabalhadora. São párias do sistema financeiro usados
para fomentar a luta de classes a nosso desfavor, causando todas as iniquidades que atentam
à vida civilizatória. Milicianos são peões de um setor criminoso da burguesia financeira, que se
alimenta do dinheiro dos tráficos ilegais, causando o caos na nossa sociedade, somente para
enriquecerem e nos explorar ainda mais e mais.

É preciso dar um basta a esse mecanismo do sistema, que só nos separa, e nos unir em uma
causa de classe. Uma causa comum dos nossos interesses.

O grande mal do Brasil contemporâneo é a ausência de um projeto político-social de Estado


voltado para nossa classe. Um projeto que não seja somente de um governo, de um partido ou
de um sindicato. Mas que seja um projeto impessoal e interpartidário (dentro dos quadros
partidários). Quando um projeto nesses moldes existiu nas décadas de 1930 a 1950, o
resultado foi de fomento relativo de nossa dignidade. Foi por ser um projeto impessoal de
Estado e não de governo que o Trabalhismo e o Nacional-desenvolvimentismo apresentaram
grande sucesso de aplicação. Suas bases de sustentação apenas ruíram porque não levaram
em conta o fenômeno da luta de classes. Um erro que não devemos repetir. Um projeto
impessoal significava que não era de um político ou de um partido e ao mesmo tempo era de
todos os que se identificavam com essas ideias dentro do espectro pretendido por eles.

Dessa forma, a legislação trabalhista não foi fruto de uma pessoalidade da figura de Getúlio
Vargas, como muitos consideram, mas de um projeto nacional levado a cabo pela Igreja
Católica, aliada ao Estado Varguista, executado ainda na década de 1950. A construção de
Brasília não foi meramente uma obsessão de Juscelino Kubitschek. Já era um projeto antigo e
impessoal. Tampouco o Nacional-desenvolvimentismo era um projeto de JK. Todas as vezes
que a classe média se reconheceu como classe trabalhadora e se juntou a nós, o Brasil, de
alguma forma, avançou juntamente com nossas condições de vida. Todas as vezes que a classe
média caiu na propaganda do sistema e, com medo, juntou-se aos conservadores da
burguesia, o Brasil mergulhou na iniquidade e na violência, enquanto agiotas e rentistas
enriqueciam mais ainda.

É necessário pensarmos um projeto de Estado para o país que seja de longo prazo (trinta
anos), de esquerda, impessoal, interpartidário e sólido. Ser interpartidário significa unir os
partidos de esquerda em torno de um projeto comum e reunir o que há de melhor de seus
quadros, trabalhando juntos em nome de um objetivo de classe maior. Parece ser consenso
atualmente, entre as esquerdas, que uma etapa Social-democrata pode ser estrategicamente
vantajosa para nossa classe, em busca do nosso fim maior, que é o Socialismo, no que
concerne a nosso empoderamento na arena da luta de classes.

Apesar dessa convergência de princípio, unir os partidos não parece ser fácil. Nossa esquerda
encontra-se dividida e paira a desconfiança mútua. O PSOL tem grandes quadros, líderes e
potencial de militância junto aos trabalhadores e sindicatos, mas suas bases atuais alimentam
desconfiança da maioria dos outros partidos. O PDT, por sua vez, não confia mais no PT para
compor qualquer projeto que seja, além de estar descaracterizado de seu brizolismo, o que é
necessário recuperar. Por outro lado, é o único dos partidos que parece apresentar um projeto
delineado (ainda que de governo e não de Estado). O PT, como o maior partido de esquerda do
Brasil, poderia ser o maior contribuidor deste projeto de Estado, mas não se desgarra da
personalidade pessoal do Lula e parece não aceitar compor um projeto interpartidário que não
o seu mesmo. O PCdoB tem tradição histórica, grandes lideranças, mas parece não sair da
órbita em torno dos partidos de esquerda maiores. O PSB também tem história e tradição de
luta, mas está descaracterizado e, desde a morte de Eduardo Campos, sofre com crise de
liderança. A REDE e o PV, apesar de também terem grandes quadros, estão também
descaracterizados e sofrem com a desconfiança dos espectros mais à esquerda.

Como esses 7 partidos podem se aliar dentro de um objetivo geral comum é um problema que
só suas lideranças podem resolver. Mas urge a necessidade de um projeto de Estado que
reúna a participação de todos partidos de esquerda, com rotatividade de poder, para que
todas as representações partidárias possam contribuir. É a melhor saída política para nossa
classe, para as esquerdas e para o Brasil.

De fato, os governos do PT de Lula e Dilma representaram avanços substanciais para nossa


classe, mas não atacou um ponto concreto e essencial da realidade – a luta de classes.
Pensaram que poderiam melhorar nossa condição compactuando-se com a burguesia
financeira, que é a matriz do sistema que nos espolia e nos divide. A conta da luta de classes
veio e Dilma sofreu um golpe do sistema. Não adianta acharmos que vamos nos emancipar
aliando-se à matriz do sistema financeiro, que gera nossa morte e o caos social.

Temos que pensar em um projeto que se sustente no mínimo em dois pilares:

a) ataque ao sistema financeiro.

b) fomento de um trabalho de base junto aos sindicatos, que melhore nossas condições
materiais e nos eduque, principalmente para que não nos esqueçamos da luta de classes.
Categoria essencial para que caminhemos no sentido de nossos interesses históricos.

- Ataque ao sistema financeiro.

Precisamos de, seja qual governo de esquerda for, uma equipe econômica e jurídica orgânica,
disciplinada e tenaz, que consiga abrir uma auditoria das dívidas suspeitas de ilegalidade no
sistema financeiro. Apurar qual dinheiro do tráfico e das milícias está ali aplicado. Expropriar
os recursos e redistribuir renda. É preciso que a força do Estado dobre as iniquidades do
sistema financeiro. Uma vez apuradas as dívidas e investimentos, que toda e quaisquer
irregularidades sejam punidas e os recursos redistribuídos para a classe.

As equipes econômicas em geral têm a obsessão pelo aumento do PIB per capita como meta a
ser alcançada. Mas sabemos que mesmo altos indicadores de PIB per capita, por ser uma
média, podem ser ilusórios se acompanhados de alta taxa de concentração de renda, que é o
problema que a equipe econômica não deve medir esforços para resolver. Por isso é preciso
encontrar um medidor norte confiável e objetivo para a equipe econômica ter como referência
e que leve em conta a concentração de renda. Da mesma forma que o crescimento do PIB per
capita pode ser ilusório, o IDH, embora seja um indicador importante, pode também o ser,
visto que ele se produz através de médias também, que não dão conta das disparidades
regionais do país. A solução matemática para certificar se as médias correspondem às
amostragens numéricas, ou seja, se são confiáveis do ponto de vista de serem representativos
da renda da maioria da população (no caso do PIB per capita) é o desvio-padrão.

Por isso é proposto que equipe econômica tenha um medidor confiável e objetivo, que leve
em conta a concentração de renda e as disparidades econômicas regionais – feito sob critérios
econômicos, pois se há crescimento de renda, provavelmente haverá mais acesso à educação,
lazer, cultura, saneamento básico, segurança etc. O PIB per capita sozinho, como dito, torna-se
uma média ilusória, mas se vinculado ao seu desvio-padrão apresenta um medidor confiável
da concentração de renda no país, que é o problema a ser atacado pela equipe.

Dessa forma, um alto índice de desvio-padrão incorporado ao PIB per capita indica que há
também alta concentração de renda. Por outro lado, um desvio-padrão baixo indica que há
baixa concentração de renda e que todas as rendas da população se aproximam da média.

Feita a relação inversamente proporcional entre aumento do PIB per capita e diminuição de
seu índice de desvio-padrão, como meta da equipe econômica a ser alcançada, é nítido que
mais vale para nossa classe um PIB per capita estagnado, mas com diminuição de seu desvio-
padrão (o que indica que houve distribuição de renda) do que um aumento do PIB per capita
acompanhado de um alto desvio-padrão (o que indica concentração de renda e consequente
empobrecimento da nossa classe). O modelo do PIB per capita acompanhado de alto índice de
desvio padrão foi adotado durante a Ditadura Militar, cujo crescimento econômico apenas
tornou os ricos super-ricos e melhorou a renda somente da classe-média. A sensação de
enriquecimento que esse setor privilegiado da classe trabalhadora experimentou naquele
período apenas incutiu-lhes a ilusão de que são apartados de nossas lides, opondo-os contra
nós. À nossa classe só restou o empobrecimento crônico, a violência policial e a favelização de
nossos bairros. A consequência trágica foi o surgimento do crime organizado, acirrando os
ódios entre membros de uma mesma classe.

Nossa equipe econômica deve buscar com todo afinco, portanto, um aumento do PIB per
capita acompanhado necessariamente da diminuição de seu desvio-padrão. Se o desvio-
padrão diminuir, nossa equipe econômica saberá que está fazendo um bom trabalho. Se o
desvio-padrão estiver estagnado ou aumentar, nossa equipe econômica saberá que está
errando gravemente. A vinculação obrigatória e automática do desvio-padrão ao PIB per
capita é proposta, dessa maneira, como o norte medidor do trabalho da equipe econômica
que integrar nosso projeto de Estado.

Outro braço do capital financeiro que opera para nosso desfavor, e deve ser combatido pelo
nosso projeto, é o tradicional modelo do agronegócio predatório e devastador da natureza.
Significativas porções da floresta Amazônica, do cerrado e da caatinga estão sendo
desmatadas para a ocupação desordenada de atividades pecuaristas e agrícolas monocultoras.
Neste momento, o desmatamento da Amazônia já traz suas consequências nefastas como a
desregulação dos regimes de chuvas, causando longos períodos de seca em outras regiões do
Brasil, tendo como exemplo mais recente as estiagens da região Sul. O cerrado encontra-se
cada vez mais devastado, sofrendo com progressiva desertificação, à medida que a
monocultura da soja desgasta seu solo. Atualmente grandes áreas no interior do Nordeste já
se encontram desertificadas. Muitos podem argumentar que infelizmente seria necessário
ocupar essas terras pois a população crescente cada vez mais carece de alimentos. Porém,
agricultura não é necessariamente sinônimo de desmatamento. Se forem aplicadas as técnicas
devidas é possível aliar a atividade agrícola com a preservação dos biomas naturais. A
agrofloresta é um bom exemplo disso. Atacar o capital financeiro também significa atacar o
modelo de agronegócio monocultor e devastador que persiste historicamente no país. Para
isso é preciso taxar as atividades desse tipo e cortar seus subsídios. Não há lógica em aplicar
recursos públicos que só beneficiam a um pequeno grupo, concorrendo para a concentração
de renda, a qual a equipe econômica deve reverter, além de causar a devastação dos biomas
naturais e suas consequentes mudanças climáticas, definidora de uma aniquilação das classes
em luta. Nessa esteira é preciso reafirmar a soberania dos povos indígenas e garantir a
demarcação de suas terras. A história mostra que a melhor política de preservação ambiental
já posta em prática já vem sendo levada a cabo pelos povos originários.

As rendas obtidas pela taxação do agronegócio devem ser integralmente revertidas em uma
política de reforma agrária definitiva. Neste ponto é imprescindível a colaboração do MST no
nosso projeto. Esta instituição é outra representante da nossa classe que sofre constantes
calúnias e campanhas de desqualificação pela mídia associada ao sistema financeiro. O MST é
responsável hoje pela maior variedade dos produtos alimentícios que estão na mesa de
milhares de brasileiros. Eles contribuem para que este país não seja um apenas um produtor
de carne, leite e soja, e podem ser úteis na implantação de um modelo de agricultura familiar
que produza ampla variedade de alimentos saudáveis (livres de defensivos agrícolas) e com
preços acessíveis a todos os brasileiros.

É preciso também que o Estado retome sua soberania em relação ao controle de suas
indústrias de base. Neste ponto, a equipe econômica não deve medir esforços para reestatizar
indústrias privatizadas ao longo das décadas e recuperar a Petrobrás aos brasileiros a fim de
que seus investimentos sejam programaticamente revertidos para o uso de energias limpas e
renováveis, como a eólica e a energia solar. Não há razoabilidade que o um país com as
condições naturais do Brasil (com bom regime de ventos e incidência solar) ainda invista em
geração de energia que só selará o destino da humanidade para seu ocaso.

Enfim, é imperativo que a equipe econômica elabore um plano de renda mínima básica para os
cidadãos desempregados. Várias pesquisas demostram que essa aplicação não é um gasto
para o Estado, mas um investimento que retorna aos cofres públicos, desde em se tratando de
arrecadação (consequência do aumento do consumo e do empreendedorismo) como da
reversão da concentração de renda e na melhoria da qualidade de vida de nossa classe.

- Trabalho de base junto à classe trabalhadora.

Primeiro é necessário recuperar o Ministério do Trabalho e a força dos sindicatos. Hoje temos
9 centrais sindicais e precisamos do apoio de todas elas. Precisamos sindicalizar todos os
trabalhadores, formando uma ampla base universal de carteira assinada. É preciso sobretudo
sindicalizar o emprecariado. Os motoristas de Uber e entregadores devem ter carteira assinada
e todos os direitos e garantias da seguridade social. As centrais sindicais devem fomentar um
trabalho de base de cunho educativo de esquerda, voltado para os interesses históricos dos
trabalhadores. Dando-se conta da realidade imperativa da luta de classes.

O redespertar dessa luta revelou o aspecto essencialmente racista de nossa sociedade, velado
por muito tempo, pelo mito da democracia racial. Hoje é consenso entre nós de que ainda
somos uma sociedade escravocrata. Dentro da gama de nossa classe, são reservados aos
trabalhadores negros os labores mais fustigantes e os piores salários (mesmo quando ocupam
os mesmos cargos que os brancos), mostrando que são as maiores vítimas da exploração a
qual aludimos aqui. O abolicionismo ainda não terminou. É preciso libertar o grande setor da
classe trabalhadora representada pela população preta e parda definitivamente. E que eles se
libertem a si mesmos, fazendo-os serem representados no quadro político e nas instituições. O
sistema financeiro que nos destrói e fomenta o racismo é representado por velhos homens
brancos. Caminhemos no sentido oposto, de nos fazer representar cada vez mais pelas
mulheres negras nos espaços político-institucionais para combatê-lo.
As mulheres de nossa classe são vítimas de assédio constante e agressões domésticas. O
sistema fomenta o machismo que expõe o que há de pior dos homens. Impele-os à
agressividade e competição tóxicas. Achando que tudo se resolve pela força bruta – modelo
que se reproduz essencialmente em regimes fascistas. Por isso reforçamos que às mulheres
negras deve-se dar a maior voz. Pois além de sofrerem com a violência do racismo, têm de
suportar a violência dos homens, inclusive de sua própria classe, dado a assustadora incidência
de violência doméstica notificado nas estatísticas. Há muito que se aprender com elas.

Já os membros da nossa classe LGBTQI+ sofrem constantes ameaças e são impedidos de


viverem sua afetividade plenamente. São proibidos de formar suas próprias famílias sob as
alegações moralistas, porém sem nenhuma moral. Quem diz defender a família não pode
impedir que outras pessoas formem suas próprias famílias.

O trabalho de base, além de terem um fim político de ocupar os espaços institucionais do


Estado ou econômicos, como a melhoria dos salários, deve, sobretudo, ser um articulador
entre os sindicatos, a comunidade escolar e instituições sociais locais a fim de que se debatam
os problemas dos bairros. Nesse sentido, é necessário desromantizar os espaços das favelas,
fazendo uma reforma urbana com ativa participação da comunidade, que preveja programas
de saneamento básico, mobilidade e habitação dignas. Os programas habitacionais criados
pelo PT, embora já fossem um avanço, apenas atendiam a um setor de uma baixa classe média
menos favorecida, o que nada mudou no cenário das comunidades mais carentes. Um
programa de reforma urbana e habitação sérios deve começar sobretudo, por e para estes que
mais precisam.

No entanto, só é possível mergulhar nos problemas das comunidades mais carentes se


mudarmos a lógica da guerra contra as drogas e reformarmos nosso modelo de polícia. O
padrão militar só assassina os membros mais vulneráveis de nossa classe e promove a anomia
social das comunidades. É necessária uma polícia comunitária, sensível aos problemas dos
bairros e de seus moradores, que priorize a investigação científica em detrimento da violência.
Para isso é mister reestruturar a carreira policial e desmilitarizá-la. Militares são treinados para
ações de alta letalidade, pelas quais já foram assassinados vários inocentes de nossa classe,
inclusive crianças e adolescentes, em sua maioria pretos e pardos. O modelo atual é prejudicial
à própria polícia, pois além de ser a polícia que mais mata também é a que mais morre. Os
policiais sofrem com altas jornadas de trabalho, baixos salários e relações hierárquicas
abusivas. São proibidos de pensar e refletir sobre seu trabalho e questionar ordens absurdas.
As carreiras são injustas, pois a maioria ingressa na corporação por baixos postos hierárquicos
e a minoria o acessa por cima, como oficiais. Isso faz com que um sargento de 20 anos de
corporação tenha que obedecer a ordens de um tenente recém-formado. Os inspetores, por
sua vez, devem responder a delegados, por vezes, jovens e arrogantes que entraram no cargo
verticalmente por meio de concurso. Assim, há um ciclo histórico de humilhações e injustiças
nas carreiras policiais, sendo necessário pensar em um regime de carreira policial única.

Nunca resolveremos o problema da polícia e do tráfico nas favelas sem entrar profundamente
em um debate sincero sobre a guerra contra as drogas, que criminaliza os mais pobres e pretos
por conta de hábitos milenares de grande parte da humanidade africana e asiática e que
foram, do ponto de vista histórico, recentemente criminalizados. A guerra contra as drogas
apenas incha o sistema carcerário e tornam estagiários do crime doutores. A polícia, por sua
vez, morre por conta de uma guerra fracassada, artificial e inútil. Já há 100 anos que a guerra
contra as drogas é uma realidade e não há sinal de vencê-la, muito pelo contrário. Ela apenas
torna poderosos os milicianos e traficantes e amplia ainda mais os crimes reais, como os
homicídios. A guerra contra as drogas interessa, sobretudo, ao sistema financeiro, pois grande
parte do enorme volume de capital que ali circula vem do tráfico. Dinheiro este que a
burguesia financeira lava e usa para nos explorar mais ainda.

Debater os malefícios da guerra contra as drogas não significa liberá-las, mas que sejam
rigidamente regulamentadas pelo Estado, dificultando seu acesso. O controle já se provou ser
uma política mais eficaz do que a proibição absoluta, que leva à guerra inútil. Aos que temem
que o consumo aumente, o resultado da regulamentação é exatamente o inverso. Com
controle rígido, dificulta-se o acesso, principalmente às crianças e adolescentes – as vítimas
mais inocentes do tráfico. Se o trabalhador deseja resguardar seus filhos do uso de drogas, o
melhor caminho é a regulamentação, pela qual estarão impedidos de comprá-las em lojas
especializadas. O Estado que, simplesmente declara guerra às drogas, cega-se ao problema de
saúde decorrente delas, tratando-o somente no âmbito criminal. Traficantes mascarados de
colarinho branco e milicianos se declaram publicamente contra as drogas, pois lucram 17
bilhões de reais por ano com o mercado ilegal delas, sem imposto. Apenas os ingênuos e os
que enriquecem com essa guerra defendem a criminalização. Por outro lado, com o fim da
guerra contra as drogas, a polícia ficará desafogada de combater um crime artificial e poderá
concentrar suas energias nos crimes reais que acometem a sociedade e que de fato a
prejudicam.

Outra questão sensível a debater, se quisermos atender aos membros mais desfavorecidos de
nossa classe é a reforma do sistema carcerário. O atual modelo é antiquado e
contraproducente no quesito regeneração, pois além de não recuperar os presos, torna-os os
mais violentos e perigosos. O que faz desses lugares verdadeiros quartéis generais do crime. É
preciso abolir, de vez, o regime penitenciário baseado no confinamento interno, na
superlotação e na tortura. Precisamos de uma prisão com segurança sim, porém em torno de
uma área aberta e bucólica. Os presos devem ter contato com a natureza, vida ao ar livre
controlada e assistência psicológica, psiquiátrica e espiritual com base em diversos tipos de
terapias. Assim, mesmo que um presidiário não se recupere, no mínimo, ele não ficará pior do
que entrou.

Por fim, se acordamos cedo todos os dias para cumprir jornada de trabalho e recebemos por
isso, somos da classe trabalhadora. Os empreendedores que cumprem jornada, recebem seu
prolabore e tem consciência do papel social de suas empresas também são trabalhadores, pois
os interesses da pequena burguesia de classe média são mais próximos dos nossos do que aos
da burguesia financeira. Essa burguesia se autoproclama ser empresária, mas não é
empreendedora de nada. Não passam de rentistas e agiotas, que vivem sem trabalhar.

Se você é trabalhador, pode até não saber, mas você também é de esquerda. E é preciso
cuidado com as artimanhas do sistema, que tenta nos fazer odiar uns aos outros e amar seus
próprios exploradores. Então filie-se ao partido de esquerda de sua preferência e construamos
um projeto de Estado abraçado por toda nossa classe. Podemos almejar um socialismo nosso,
nunca posto em prática antes por outro país, que se construa pelo pluripartidarismo de
esquerda, em torno de um projeto democrático, classista e plural, em que todos possam
contribuir.

Se você sonha com um país e um mundo de justiça, sem exploração nas relações de trabalho,
então estamos juntos. “Um outro mundo é possível”. Tenhamos fé e ação criteriosa a fim de
construí-lo.
Luiz Gustavo Lima Arruda

Historiador e professor

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