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AULA 6 – OFICINA DE ESTUDOS LITERÁRIOS I – O TEMA DA

VIOLÊNCIA NA MPB

Tema da aula: Violência e paixão na consolidação da indústria da canção e no


seu campo predileto: a “educação sentimental.

BREVE HISTÓRICO

A partir do início do século XX, quando nossos compositores começaram a fazer


valsa com letra, o gênero cresceu, atingindo em sua forma mais
romântica o auge da popularidade nos anos 1930. Esse tipo de
composição, que, em andamento lento, canta versos líricos, por vezes
exageradamente sentimentais, representou nos 1900 a expressão máxima
de nossa canção amorosa, tal como a modinha o fizera no século anterior.

Desenvolveu-se em duas vertentes:

1) Tradicional, piegas, rebuscada, mais próxima da modinha. Ex:


“Patativa”, de Vicente Celestino.
2) Moderna – que, sem prejuízo do lirismo, trata do amor em linguagem
mais natural, mais chegada à realidade. Ex: “Chão de estrelas”, de
Orestes Barbosa.

Há também espaço para a valsa de andamento mais rápido, mais


marcado, que, embora bem brasileira no conteúdo, sofre na forma uma
certa influência da música de opereta europeia. Ex: “Eu sonhei que tu
estavas tão linda”, de Lamartine Babo.

Na onda das novas danças de salão que imperou nos Estados Unidos no início
do século XX, surgiu o fox-trot em 1912, tendo seu nome registrado em disco
dois anos depois. Dos dois ritmos de fox, o mais lento e o mais rápido, o mais
lento alcançou maior popularidade no Brasil, inspirando o nosso
romântico fox-canção, que se consolidou nos anos 1930.

Na segunda metade da década de 1940, o público brasileiro curtiu uma


intensa paixão pelo bolero ibero-americano, que invadiu o disco, o rádio,
as casas noturnas e os clubes sociais, impondo-se como presença obrigatória em
eventos musicais e dançantes.
Como nosso gênero romântico mais próximo do bolero era o
samba-canção, este passou a ter um crescimento avassalador, eclipsando a
canção ternária e o fox-canção e apossando-se do espaço até então por eles
ocupados.

O CONCEITO DE PAIXÃO
“Prefiro dizer que as paixões não são contentamentos ou desprazeres nem
opiniões, mas tendências, ou antes, modificação da tendência, que vêm da
opinião ou do sentimento, e que são acompanhadas de prazer ou desprazer”.
(Leibniz)
“Tudo o que se faz ou acontece de novo é geralmente chamado pelos filósofos de
paixão relativamente ao sujeito a quem isso acontece, de ação relativamente
àquele que faz com que aconteça”. (Descartes)

Padecer é inferior a agir por dois motivos. Em primeiro lugar, é próprio


do agente encerrar em si mesmo um poder de mover ou mudar, do
qual a ação é atualização; o ajuste está naquilo que faz ocorrer uma
forma. Diz-se paciente, ao contrário, àquele que tem a causa de sua
modificação em outra coisa que não ele mesmo. Em segundo lugar,
padecer consiste essencialmente em ser movido – ao passo que o
agente, na medida em que sua atividade própria está em comunicar
uma forma, não é essencialmente mutável. Ocorre, decerto, que ele
deve mover-se para agir sobre o paciente, mas não enquanto agente.
É porque ele também é um ser que contém matéria. O paciente como
tal é que é, por natureza, um ser mutável, caracterizado pelo
movimento.

Não existe paixão, no sentido mais amplo, senão onde houver


mobilidade, imperfeição ontológica. Se assim for, a paixão é um dado do
mundo sublunar e da existência humana.

Aristóteles – O humano não escolhe as paixões. Ele não é, então,


responsável por elas, mas somente pelo modo como faz com que elas se
submetam à sua ação. É deste modo que os outros o julgam sob o aspecto
ético, isto é, apreciando seu caráter. Só pode ser, aliás, desta forma. Pois um
juízo ético seria simplesmente impossível se não houvesse com
regular as paixões.

1) AGIR E PADECER – o dilema da ética na paixão

ME DEIXE EM PAZ (Monsueto/Ayrton Amorim – 1951)


Se você não me queria
Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar

Se você não me queria


Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar

Evitar a dor
É impossível
Evitar esse amor
É muito mais
Você arruinou a minha vida
Me deixa em paz

Se você não me queria


Não devia me procurar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar
Não devia me iludir
Nem deixar eu me apaixonar.

2) OS EXTREMOS DA PAIXÃO – loucura, desejo de morte ou de


dor

NERVOS DE AÇO (Lupicínio Rodrigues -1947)


Você sabe o que é ter um amor, meu senhor?
Ter loucura por uma mulher
E depois encontrar esse amor meu senhor
Nos braços de um tipo qualquer?

Você sabe o que é ter um amor, meu senhor


E por ele quase morrer
E depois encontra-los braços
Que nem um pedaço do meu pode ser?

Há pessoas com os nervos de aço


Sem sangue nas veias e sem coração
Mas não sei se passando o que eu passo
Talvez não lhes venha qualquer reação

Eu não sei se o que trago no peito


É ciúme, despeito, amizade ou horror
Eu só sinto que quando a vejo 
Me dá um desejo de morte ou de dor

3) AS CONTRADIÇÕES DO DESEJO – entre tapas e beijos


ENTRE TAPAS E BEIJOS (Antônio Bueno/Nilton Lamas -1989)
Perguntaram pra mim
Se ainda gosto dela
Respondi tenho ódio
E morro de amor por ela

Hoje estamos juntinhos


Amanhã nem te vejo
Separando e voltando
A gente segue andando
Entre tapas e beijos

Eu sou dela e ela é minha


E sempre queremos mais
Se me manda ir embora
Eu saio lá fora
Ela chama pra trás

Entre tapas e beijos


É ódio, é desejo
É sonho, é ternura
Um casal que se ama
Até mesmo na cama
Provoca loucuras

E assim vou vivendo


Sofrendo e querendo
Esse amor doentio
Mas se falto pra ela
Meu mundo sem ela
Também é vazio
4) A BUSCA RACIONAL – os caminhos da experiência

ESSES MOÇOS
(Lupicínio Rodrigues – 1948)

Esses moços, pobre moços


Ah se soubessem o que eu sei
Não amavam não passavam
Aquilo que eu já passei
Por meus olhos, por meus sonhos
Por meu sangue, tudo enfim
É que eu peço a esses moços
Que acreditem em mim
Se eles julgam 
Que a um lindo futuro
Só o amor
Nesta vida conduz
Saibam que deixam o céu 
Por ser escuro
E vão ao inferno 
À procura de luz
Eu também tive 
Nos meus belos dias 
Essa mania que muito me custou
Pois só as mágoas que eu trago hoje em dia
E essas rugas 
O amor me deixou.

O MUNDO É UM MOINHO (Cartola – 1974)


Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar

Preste atenção, querida


Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinhos
Vai reduzir as ilusões a pó

Preste atenção, querida


De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás a beira do abismo
Abismo que cavaste com teus pés.

5) A PAIXÃO E A ROTINA – Os efeitos corrosivos da fusão


desejo-objeto

COSTUMES (Roberto Carlos/ Erasmo Carlos – 1979)

Eu pensei
que pudesse esquecer certos velhos costumes
Eu pensei
que já nem me lembrasse de coisas passadas
Eu pensei que pudesse enganar
a mim mesmo dizendo
que essas coisas da vida em comum
não ficavam marcadas
Não pensei
que me fizessem falta
umas poucas palavras
dessas coisas simples
que dizemos antes de dormir
De manhã
o bom dia na cama
a conversa informal
o beijo depois o café
o cigarro e o jornal
Os costumes me falam de coisas
de fatos antigos
não me esqueço das tardes alegres
com nossos amigos
Um final de programa
fim de madrugada
o aconchego na cama
a luz apagada
essas coisas
só mesmo com o tempo
se pode esquecer
E então eu me vejo sozinho como estou agora
e respiro toda a liberdade que alguém pode ter
De repente ser livre até me assusta
me aceitar sem você
certas vezes me custa
como posso esquecer dos costumes
se nem mesmo esqueci de você!!!

PONTOS DE INTERROGAÇÃO
(Gonzaguinha – 1980)

Por acaso algum dia você se importou 


Em saber se ela tinha vontade ou não 
E se tinha e transou, você tem a certeza 
de que foi uma coisa maior para dois 
Você leu em seu rosto o gosto, o fogo, o gozo da festa 
E deixou que ela visse em você 
Toda a dor do infinito prazer 
E se ela deseja e você não deseja 
Você nega, alega cansaço ou vira de lado 
Ou se deixa levar na rotina 
tal qual um menino tão só no antigo banheiro 
folheando as revistas, comendo as figuras 
as cores das fotos te dando a completa emoção 
são perguntas tão tolas de uma pessoa 
Não ligue, não ouça são pontos de interrogação 
E depois desses anos no escuro do quarto 
quem te diz que não é só o vício da obrigação 
pois com a outra você faz de tudo 
lembrando daquela tão santa 
que é dona do teu coração 
Eu preciso é ter consciência 
do que eu represento nesse exato momento 
no exato instante na cama, na lama, na grama 
em que eu tenho uma vida inteira nas mãos.

6) RUPTURAS – O enfrentamento das instituições

COMEÇAR DE NOVO
(Ivan Lins/Vítor Martins -1979)
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido
Ter me rebelado
Ter me debatido
Ter me machucado
Ter sobrevivido
Ter virado a mesa
Ter me conhecido
Ter virado o barco
Ter me socorrido
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido
Sem as tuas garras
Sempre tão seguras
Sem o teu fantasma
Sem tua moldura
Sem tuas escoras
Sem o teu domínio
Sem tuas esporas
Sem o teu fascínio
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Ter amanhecido
Sem as tuas garras
Sempre tão seguras
Sem o teu fantasma
Sem tua moldura
Sem tuas escoras
Sem o teu domínio
Sem tuas esporas
Sem o teu fascínio
Começar de novo
E contar comigo
Vai valer a pena
Já ter te esquecido.

OLHOS NOS OLHOS (Chico Buarque de Hollanda – 1976)

Quando você me deixou, meu bem


Me disse pra ser feliz e passar bem
Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci
Mas depois, como era de costume, obedeci.

Quando você me quiser rever


Já vai me encontrar refeita, pode crer
Olhos nos olhos, quero ver o que você faz
Ao sentir que sem você eu passo bem demais

E que venho até remoçando


Me pego cantando
Sem mais nem porquê
E tantas águas rolaram
Quantos homens me amaram
Bem mais e melhor que você

Quando talvez precisar de mim


Cê sabe que a casa é sempre sua, venha sim
Olhos nos olhos, quero ver o que você diz
Quero ver como suporta me ver tão feliz.

7) RAZÃO E SENSIBILIDADE

SONHOS (Peninha – 1977)

Tudo era apenas uma brincadeira

E foi crescendo, crescendo, me absorvendo 


E de repente eu me vi assim completamente seu
Vi a minha força amarrada no seu passo
Vi que sem você não tem caminho, eu não me acho
Vi um grande amor gritar dentro de mim como eu sonhei um dia
Quando o meu mundo era mais mundo
E todo mundo admitia
Uma mudança muito estranha
Mais pureza, mais carinho, mais calma, mais alegria no meu jeito de me dar
Quando a canção se fez mais forte e mais sentida
Quando a poesia fez folia em minha vida
Você veio me contar dessa paixão inesperada 
Por outra pessoa
Mas não tem revolta não
Eu só quero que você se encontre 
Ter saudade até que é bom 
É melhor que caminhar vazio
A esperança é um Dom
Que eu tenho em mim
Eu tenho sim
Não tem desespero não 
Você me ensinou milhões de coisas
Tenho um sonho em minhas mãos
Amanhã será um novo dia
Certamente eu vou ser mais feliz

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