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Ciência e fé: A busca do autoconhecimento


¹ Dulciana Alves da Silva

RESUMO

O presente artigo tem por objetivo apresentar elementos concretos acerca da busca pelo
autoconhecimento na sociedade atual além de delimitar a relação existente entre fé e ciência.
Os argumentos explicitados neste documento visam analisar as transformações pelas quais as
crenças religiosas sofreram com o passar dos anos, em algumas sociedades, e o vínculo entre
o indivíduo e as crenças que ele carrega consigo durante a vida e como elas auxiliam no seu
crescimento pessoal e espiritual. Em primeiro lugar, tem-se como foco a conexão entre fé e
ciência e os impactos disso nos indivíduos; em segundo lugar os aspectos relacionados à fé,
enquanto experiência religiosa, ao ato de construir concepções de mundo e ao
autoconhecimento.

PALAVRAS-CHAVE: fé. Autoconhecimento. Crença. Indivíduo. ciência.

Introdução

Vivemos atualmente sob uma rotina cada vez mais intensa, acelerada e infelizmente
sofremos as consequências desta aceleração, não só fisicamente mas também
psicologicamente, afetando nossa consciência e subconsciência. Diante da vida moderna
acelerada, nós seres humanos estamos, muitas vezes, sem a capacidade de meditação e de
realizarmos reflexões dos acontecimentos que envolvem o nosso dia, o que vem prejudicando
relacionamentos e convivências mais saudáveis.

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A falta de momentos propícios a uma reflexão na busca do autoconhecimento tem


feito com que o ser humano viva de maneira superficial os relacionamentos e a sua própria fé.
A percepção do mundo, dos acontecimentos e do outro, são influenciados por tudo que
vivenciamos e ouvimos ,sentimos, falamos e aprendemos, portanto somos frutos do ambiente
que nos circunda e dos relacionamentos em sociedade. Os aspectos inerentes à fé estão
diretamente ligados às construções de sentido acerca do mundo e da importância de nos
localizarmos na busca pelo conhecimento do outro e de nós mesmos.
Diante disso, cabe analisar o significado da fé enquanto experiência religiosa e
elemento de construção da identidade de um indivíduo. Desde muitos séculos, mais
precisamente com o surgimento das instituições religiosas, a religião e as experiências
espirituais vêm sofrendo inúmeras transformações. Havia um tempo em que a Igreja Católica
possuía participação central na vivência de uma dada sociedade, influencia ativa, inclusive,
nas decisões políticas do Estado. Esse fenômeno, apesar de modificado na sociedade atual,
carrega consigo grandes impasses, um deles é o debate sempre atual da importância da
religião e mais especificamente, como objetivo deste artigo, das experiências religiosas na
vida das pessoas.

Fé VS Ciência: Ciência VS Criacionismo

Em todas as sociedades que já existiram a necessidade de compreender o mundo, de


interação com o outro, de trocas culturais, etc., foi sempre muito presente. E grandes
mistérios rondavam e rondam até os dias atuais em torno das experiências espirituais. O
desenvolvimento da ciência cumpriu importante papel nesse processo, pois procurou dar
respostas a muitos dos questionamentos existentes em dado momento. Um dos importantes
questionamentos se relaciona, por exemplo, com o surgimento do universo, através de teorias
como a do Big Bang. Essa teoria, formulada pelo padre e cosmólogo George Lemaître,
analisa que a matéria estava toda concentrada em um único ponto, um grão primordial de
densidade infinita. A partir de uma perturbação de motivos desconhecidos esse grão teria
explodido e expandido dando origem ao espaço e ao tempo como os conhecemos.

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Dando um salto no desenrolar dos estudos científicos, além de que, a teoria de George
Lemaitre não constitui o foco do presente artigo, outra teoria importante ganha espaço: A
teoria da evolucionista. Tendo como um de seus principais representantes o cientista inglês
Charles Darwin, essa teoria consiste, resumidamente, na compreensão de transformação das
espécies através, por exemplo, do processo de seleção natural elaborado pelo cientista inglês,
no qual as espécies mais desenvolvidas poderiam sobreviver, de se adaptar às condições
ambientais. Essa teoria, muito complexa em sua composição e cientificamente embasada por
meio de estudos de anatomia, fósseis, diferencia-se de outra teoria vigente antes da descoberta
das teorias cientificas: A teoria do criacionismo.
Até meados do século XVIII a concepção predominante era de criação divina das
espécies. Essa linha teoria filosófica (não científica) se opõe categoricamente ao
evolucionismo, pois compreende a criação das espécies enquanto ação de um ser divino, além
de não concordar com a transformação de uma espécie para outra. O filósofo britânico Francis
Bacon (1561) explicita sua visão a respeito da relação entre ciência e fé em sua obra The
Advancement of Learning (1901) :

Para concluir, não deixeis crer ou sustentar, devido a uma idéia muito
acentuada da fraqueza humana ou a uma moderação mal entendida, que o
homem pode ir longe ou ser instruído com a palavra de Deus, ou com a do
livro das obras de Deus, isto é, em religião ou em filosofia; mas que todo o
homem se esforce por progredir cada vez mais numa e noutra, e tirando disto
vantagem sem jamais Parar.

Na citação supracitada o Filósofo Francis Bacon elucida com clareza seu


posicionamento diante das duas teorias que tão fortemente influenciam/influenciaram a
humanidade e afirma a necessidade de avançar no conhecimento em torno dos fatos e
questionamentos presentes em todas as concepções de mundo. Todas as teorias que surgiram
durante a história da humanidade, dentre as quais estão as linhas teóricas supracitadas,
buscaram explicar o universo e todos os elementos que surgiram com ele.
Nesse aspecto, a crença dos indivíduos, em diversos momentos, colidia com os
estudos científicos e gerava (e ainda gera) grande desconforto para as pessoas convictas de
uma ou de outra teoria. Isso demonstra que até os dias atuais, a relação entre fé e ciência traz
questionamentos importantes acerca da relevância das crenças e experiências religiosas na
vida dos indivíduos e a conexão com o ambiente externo e, com os aspectos internos,
inerentes aos seres humanos. As crenças e experiências religiosas são parte indissociável da

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existência das civilizações na busca por dar sentido ao mundo e na construção das identidades
dos indivíduos. De acordo com Benkö (1981:14), “Deus não é objeto de investigação
estritamente científica, porém, toda vivência religiosa envolve um ser humano e, como
experiência humana, pode ser objeto de investigação científica”

Crença e sociedade

Os aspectos relacionados às experiências religiosas e à religião propriamente ditas se


apresentam de forma distinta em cada civilização. Os aborígenes da Austrália, por exemplo,
lidavam com as experiências religiosas como uma maneira de transmitir “de uma visão da
vida, uma atitude perante a vida e uma norma para o bem viver” (KÜNG, 2004, p. 16).
Observa-se, portanto, a íntima ligação entre a religião e a vida cotidiana dos indivíduos, algo
que faz parte da convivência em sociedade. No Hinduísmo, por exemplo, há também a
concepção de que a religião não pode ser separada da vida das pessoas:

No hinduísmo, por exemplo, considerado a religião atual mais antiga, a


religiosidade está tão associada à vida que é impossível dissociá-la da alegria
e da festa. De fato, como todas as religiões mais antigas, também o
hinduísmo tem a sua origem nos cultos de fertilidades. Nesses cultos o
encontro com a divindade se dá na vida concreta, naquilo que as pessoas
realizam ao longo dos ciclos da vida. Por essa razão a força dessas religiões
se manteve estática e presente por milênios, tendo os seus ritos e cultos
atravessado dezenas de séculos (Ibid., p. 55-60).

É possível, portanto, constatar que, para as culturas não ocidentais, as experiências


religiosas estavam intimamente ligadas às relações entre os indivíduos e aos fenômenos
vivenciados por eles no cotidiano. Essa concepção auxilia na descoberta dos diversos sentidos
que as experiências religiosas podem ter no desenvolvimento da humanidade.
O historiador das religiões, poeta e filósofo Mircea Eliade (1907-86), durante sua
jornada em busca das mais diversas manifestações religiosas afirmava que para conhecer a
fundo as sociedades era preciso conhecer e compreender as religiões que se desenvolveram
nelas.

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Por isso, seguindo a orientação do historiador, para melhor ilustrar as peculiaridades


da religiosidade na vida de diferentes civilizações, é fundamental analisar as características
dos povos de algumas regiões do mundo, dentre elas elenca-se: Africanos, Maias, Incas
Asiáticos, Egípcios, Americanos e Indianos.

Africanos

A África é o continente em que a história da humanidade se inicia. Antes mesmo da


chegada dos europeus já existiam em seu território não só diversos povos organizados em
tribos, mas também reinos e impérios desenvolvidos em importantes aspectos, tais como,
educacionais, culturais e religiosos. a história da humanidade se inicia lá.
Ao contrário do que se pensa, na África antes da chegada dos europeus, não só havia
povos organizados em tribos. Houve além do Egito, diversos reinos e impérios bastante
desenvolvidos, em vários aspectos, tais como, tecnológicos, econômicos, educacionais,
culturais, e religiosos. Alguns deles são no Sudão ocidental, os reinos de Mali e Gao; no
Sudão central, os estados Hausa e Kanem-Bornu; no golfo de Guiné, os reinos Yoruba e
Benin; na África central, o reino do Congo; na costa oriental da África, várias cidades-estado;
e mais tarde, no Zimbábue, o reino Monomotapa, que haveria de acolher a população do
Grande Zimbábue. Nesses reinos as experiências religiosas se desenvolveram com suas
próprias peculiaridades.
Na África Ocidental, por exemplo, há a religião que foi predominante em terras
brasileiras, a religião dos iorubas. Ela possui como centro das práticas religiosas os elementos
referentes ao surgimento do universo, tais como, Onila, Grande Deusa Mãe do ile,
representação do mundo em seu estado mais inicial, caótico. Orum, é o céu enquanto
princípio organizado, e, o aiyê, o mundo habitado, proveniente da intervenção do orum no ile.
No momento da morte de um indivíduo seus componentes retornam para os orixás que as
redistribuem através dos recém-nascidos.

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Maias

Outra civilização que apresenta peculiaridades religiosas interessantes é a dos povos


Maias:

Um dos principais elementos da religião maia eram o sacrifício humano e


animal. Acreditava-se que o sangue era primordial para o funcionamento do
universo. Inclusive os reis realizam o auto-sacrifício, na qual era retirado
sangue de várias partes de seu corpo. Os maias possuíram uma escrita
hieroglífica, um calendário complexo, e grandes pirâmides. Tinham uma
concepção de tempo cíclico e deram bastante importância aos augúrios e às
profecias. Os dois deuses maias principais eram um par cósmico, do qual
todas as outras divindades descenderam. O mais importante deus masculino
era Itzamná, representado na arte como um homem velho e descrito como a
divindade da escrita e do aprendizado. Sua consorte era Ix Chel, no período
maia clássico, ela foi associada a lua, representada como uma mulher velha
tendo cobras no lugar dos cabelos e adepta da feitiçaria. Já no final da época
pós-clássica ela foi associada a medicina, e responsável pela gravidez e pelos
partos. Além desses, existem diversas outras divindades maias. (BEZERRA,
p.9)

Incas

No império inca, considerado a última civilização pré-colombiana, destruída em seu


apogeu pelos conquistadores espanhóis, em 1532. Os Incas criaram uma nova religião havia
uma relação direta entre a terra e a espiritualidade, com a intervenção dos ancestrais:

Possuíam um panteão de deuses. A divindade


suprema era Viracocha. Inti, o deus Sol, era a
principal divindade e o ancestral divino da
realeza inca. Sua esposa irmã era a deusa lua
Mama Kilya. Esse incesto justifica o
casamento entre irmãos praticado pelo
imperador. Sacrifícios de animais e vegetais
eram comuns nos ritos religiosos. Entretanto,
em ocasiões especiais eram feitos o capac
hucha, ou seja, sacrifícios de crianças.
(BEZERRA,p.9)

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Asiáticos e siberianos

Na região da Ásia Central e da Sibéria encontra-se a crença na existência de uma


divindade superior e de espíritos intermediários e relação deles com o culto à natureza, tendo
como representação a deusa da terra e a deusa do mar. Nas práticas religiosas Incas não
existem templos e sacerdotes, a figura do xamã tem destaque como aquele que cura e
aconselha sua comunidade. Ou seja, suas práticas religiosas estão mais próximas do
misticismo e da mitologia, com a presença de ritos de caca, sacrifício de animais, ritos
agrários o e culto ao fogo.

Egípcios

Os egípcios, por sua vez, apesar de ser um povo imensamente explorado pela mídia
em decorrência das suntuosas pirâmides dos faraós, possuem em sua história grandes
particularidades quanto ao exercício da crença religiosa. Todos os segmentos sociais, por
exemplo, praticavam a religião egípcia, mas cada cidade priorizava o culto aos seus
“próprios” deuses. Nessa região, inclusive, é possível encontrar mais de um mito acerca da
criação do universo.
Um dos contos mais antigos e importantes, de acordo com BEZERRA (p. 6), conta
que:
no princípio era Nu, o oceano celestial com sua característica de imobilidade
e totalmente estático. Do seu interior surgiu Atum, que criou Shu (ar) Tefnut
(umidade), esse casal produz Geb (terra) e Nut (céu). Por sua vez, os últimos
dão origem a Osíris e Ísis e a Set e Néftis. Segue esse mito o de Osíris, na
qual o mesmo reinava de modo justo, com sua irmã-esposa sobre o Egito.
Seu irmão Set enciumado o matou, mas Ísis logo fez uma múmia do seu
marido, e com seus poderes mágicos, devolveu a vida a Osíris. Com o qual
teve um filho, Hórus. Este se tornou rei do Egito, e os faraós o sucederam.
Osíris tornou-se o rei dos mortos, todos que morrem passam pelo seu
tribunal.

Ainda sobre a religião dos egípcios, constata-se que eram obcecados pela vida eterna e
pela existência e perpetuação da alma. Um exemplo disso era o processo, existente até os dias

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atuais, de mumificação, tão expressivos nessa região por carregar a crença de que dessa forma
seria possível preservar a vida e a alma de um indivíduo.

Americanos (Índios brasileiros)

Apesar de pouco estudada, a história dos povos indígenas brasileiros é rodeada por
crendices populares de que a figura do índio se associa à rede, caca e pesca. Em relação a
religião dos índios brasileiros, através de estudos detalhados, observa-se quão rica era e é a
cultura e as crenças religiosas dos povos indígenas e o quanto essas crenças estão relacionadas
ao mistério do surgimento do mundo e da interação social.
Estima-se que hoje, há cerca de 200 povos indígenas identificados com 170 línguas
diferentes, número muito menor do existente na época do descobrimento das terras brasileiras.
De tal modo que pela diversidade de povos, não seria possível encontrarmos uma religião
indígena, e sim várias religiões.
Nas religiões indígenas brasileiras, o pajé é sempre uma figura de muito destaque. Ele
representa o dom de se comunicar com as divindades, de se transformar em animais, de se
expressar em línguas incompreensíveis, de ver as almas dos mortos, de causar e/ou curar
doenças, dentre outras representações.
Apesar da multiplicidade de características entre as mais diversas religiões indígenas
no Brasil, é possível traçar uma linha de elementos comuns entre todas as manifestações
religiosas. Nesse processo, constata-se algo fundamental para o entendimento da relação entre
a fé e a vivencia humana, explicitada no estudo dos povos indígenas: a impossibilidade de
separar a religião da vida social. Para os índios os mitos contêm a verdadeira história do
mundo. Não são fantasias ou ficção e sim a explicação de todos os fenômenos do universo
desde a origem do cosmos à questões humanas tais como a sexualidade, a agricultura, a arte, a
música, etc. Todos os rituais (cerimonias, festas, cantos e rezas) possuem relação intrínseca
com a vida cotidiana dos indivíduos.

Indianos (A religião da Antiga Índia)

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Por volta de 2.500 a.C, uma civilização urbana consideravelmente avançada, se


estendeu para além do vale do Indo. Possuía características de grande desenvolvimento
tecnológico (comparado ao Egito, inclusive), e ao mesmo tempo fortes elementos teocráticos.
Nessa região, há forte presença de cultos e rituais relacionados a divindades tais como Xiva,
figura que presenta a deusa-mãe e um grande deus, além de se dedicarem aos sacrifícios em
prol dos espíritos das árvores. Essa civilização entrou em decadência por volta de 1700 a.C.,
em decorrência das investidas dos povos indo-europeus que realizaram uma fusão entre sua
cultura e a dos autóctones, gerando com isso a civilização Védica, denominada assim porque
nessa época os Vedas, conjunto de textos religiosos, haviam sido compilados. A religião
védica é a precursora do hinduísmo moderno.
O hinduísmo possui múltiplas características em suas expressões religiosas. Por isso o
correto é trata-lo enquanto multifacetado. Essa multiplicidade de elementos religiosos é
reflexo da variedade de tradições étnicas que enriqueceram essa religião. Além das questões
territoriais e familiares atribuídas ao hinduísmo, a aceitação das escrituras védicas também é
elemento determinante para denominar-se hinduísta. Entretanto, considerando que boa parte
da população indiana é analfabeta, na prática da vida cotidiana, o que importa de fato são os
diversos ritos religiosos. Incluídos na questão dos ritos religiosos estão a presença de Atmã,
presentando a alma, e Brahman, a forca que rege todo o universo. As principais entidades
adoradas são o deus Vishnu e seu avatar Krishna, e o deus Shiva.
Alguns princípios unem os hinduístas tais como a pertença ao sistema de castas, a
adoração à vaca, e a crença no carma e na reencarnação. Esses princípios evidenciam a
existência de uma religião intimamente ligada a vivencia em sociedade e mostram o papel das
vivencias religiosas na construção dos conceitos de sociedade e de indivíduo.

Fé e vivência humana

Os seres humanos no exercício de seu desenvolvimento mental e emocional buscam a


explicação para os principais questionamentos acerca do mundo. Quem somos? De onde
viemos? Para onde vamos? Essas são algumas das perguntas que permeiam a mente humana.
As experiências religiosas e a religião em si são ferramentas importantes no processo de
descobrimento do mundo e do autoconhecimento. Isso se evidencia a partir do breve estudo

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realizado no presente artigo acerca das características das experiências religiosas em algumas
sociedades, e nos estudos realizados por diversos historiadores, antropólogos e sociólogos.
Algumas áreas da ciência têm como objetivo o estudo da relação existente entre as
experiências religiosas e as vivencias humanas. A Psicologia da Religião, um possível método
de análise do fenômeno das experiências religiosas, investiga a origem e a natureza da mente
religiosa, e a influencia dos fenômenos religiosos no psicológico humano. Sendo assim, não
se preocupa em definir o que é a conduta religiosa, e sim como as experiências religiosas
atuam no psicológico humano. Nessa perspectiva, nota-se o papel que as crenças em
entidades divinas, para além do mundo físico, têm no desenvolvimento emocional e moral dos
indivíduos.
Numa época de muitas informações e da possibilidade de comunicação fácil, o ser
humano está cada vez mais solitário e duvidoso de suas certezas. Há espaço para as
informações, mas faltam condições para chegar às conclusões de todos os questionamentos.
Diante disso, as atitudes em relação à todas as indagações presentes na sociedade atual podem
trazer consequências diversas para o psicológico das pessoas. Essas consequências, em muitos
casos, acarretam problemas como as fobias, a ansiedade, a depressão, etc.
Nesse sentido, as vivencias religiosas cumprem um papel importante para o
autoconhecimento humano e demonstram a incansável busca pelo equilíbrio emocional. É
essencial buscar, encontrar e vivenciar o autoconhecimento, ou seja, desvendar os incômodos
inerentes aos indivíduos. Diante de tantas opções, ofertas, facilidades, enfim, informações,
mas em sua essência superficiais, como preencher os questionamentos internos que invadem
nossa mente interrogando a todo o momento os acontecimentos do mundo?
A nossa percepção do mundo, dos acontecimentos e do outro, são influenciados por
tudo que vivenciamos e ouvimos, sentimos, falamos e aprendemos, portanto somos frutos do
ambiente que nos circunda e dos relacionamentos que nos cerca e daqueles que cultivamos.
Mas o desafio é como agir e reagir de maneira a demonstrar um real e necessário
conhecimento, amadurecimento e aprofundamento do que sentimos, de maneira a expressá-
los de forma segura, sábia, controlada , verdadeira , satisfatória e convicta se não podemos de
fato refletir para aprender, conhecer para escolher, para vivenciar e realizar escolhas de forma
equilibrada e saudável ?
Um estudo realizado por psicólogos da PUC de Campinas, Thais de Assis Antunes
Baungart e Mauro Martins Amatuzzi, através da coleta de depoimentos sobre a experiência
com a espiritualidade, demonstram a sua relevância para a vivência humana:

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A análise das entrevistas foi de natureza fenomenológica e, neste sentido, foi


privilegiado o intencional ou vivido. Os dados coletados durante a entrevista
seguiram um processo indutivo, ou seja, a pesquisadora não se preocupou
em buscar evidências que comprovassem hipóteses teóricas, no entanto, o
fato de não existirem hipóteses ou questões formuladas a priori não implicou
na inexistência de um quadro teórico. O desenvolvimento do estudo foi
afunilando-se: no início houve questões ou focos de interesse mais amplos,
que no final foram se tornando mais diretos e específicos (DENCKER,
2001).

Ainda sobre o método de natureza fenomenológica, Croatto (1992), afirma que para se
falar de religiosidade é necessária uma linguagem fenomenológica, pois tal linguagem busca
se aproximar das vivencias subjetivas dos indivíduos. Isso quer dizer, analisar as religiões é
preciso associar isso aos fenômenos inerentes à expressão das religiosidades na vivência
humana.

Alguns depoimentos evidenciam o papel da experiência religiosa na vivencia humana:

O primeiro entrevistado foi André, 41 anos, casado, pai de dois filhos e


gerente em uma empresa multinacional. Durante a entrevista, André
descreveu sua experiência religiosa e demonstrou o quanto esta esteve
relacionada com outros aspectos de sua vida. Começou falando sobre sua
infância, família e sobre a questão religiosa dentro de sua casa. Descreveu
sua adolescência e os envolvimentos amorosos que teve naquela época da
vida. Segundo André, o início de sua vida religiosa se deu ao conhecer
aquela que atualmente é a sua esposa, que participava de uma comunidade
católica. Para conquistá-la, começou a freqüentar a igreja e, assim, foi se
aproximando cada vez mais da religião. André relatou uma época em que
teve uma promoção no emprego e, passada a crise financeira, sentiu uma
mudança radical na sua condição social. Tal situação o deixou muito confuso
em relação a diversos aspectos de sua vida e, a partir disso, começou a
questionar sua vida religiosa. A segunda entrevista foi com Maria. Ela é
solteira, 26 anos, não tem filhos e mora com os pais. Sua formação é de nível
superior e trabalha numa escola pública com crianças. Maria falou sobre sua
experiência religiosa pessoal a partir da religiosidade familiar. Relatou
sentimentos de controvérsia entre os membros da família no que se refere à
orientação religiosa bem como nas práticas estabelecidas pela Igreja
Católica. Falou sobre seu interesse pela religião desde criança e como
conseguiu amadurecer sua experiência religiosa até os 26 anos.
(AMATUZZI; BAUNGART, 2007, p. 98)

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Nessas entrevistas, observa-se a relação, por exemplo, entre as ligações familiares e a


vivencia das experiências religiosas, além de demonstrar a importância delas no exercício
da compreensão dos problemas relacionados à vida humana em sociedade.

De acordo com a avaliação dos especialistas:

A análise e discussão dos depoimentos foram baseadas na Teoria do


Desenvolvimento religioso proposta por Amatuzzi (2001). Este autor, em
seu artigo “Esboço de Teoria do Desenvolvimento Religioso”, explica que
cada um pode ter uma história de vida diferente a contar, e que, no entanto,
para alguns, nessas histórias ocorreram experiências religiosas num sentido
mais específico. Seriam acontecimentos marcantes ou transformadores no
campo religioso assumidos com certo significado, ou seja, relacionados com
o sentido último. Nessa acepção mais específica, uma determinada
experiência religiosa corresponde à vivência de um encontro pessoal com
outra dimensão da realidade, de que decorre uma compreensão mais radical
das coisas e que é, em geral, referido a um pólo transcendente do sentido,
denominado Deus. Foi nesse sentido de experiência religiosa, descrito por
Amatuzzi, que se baseou o presente estudo. Nos quatro depoimentos, foi
possível observar que a relação entre a experiência religiosa e o crescimento
pessoal é abordada a propósito de acontecimentos concretos, vivenciados no
campo religioso e compreendidos pelos participantes como um encontro com
o transcendente.( AMATUZZI; BAUNGART, 2007, p. 100)

Os depoimentos explicitados acima e a análise demonstram que as experiências


religiosas possuem grande peso em nossa vida cotidiana e são utilizadas como ferramenta
para o autoconhecimento. A fé em “Deus”, como um ser perfeito, criador do universo,
bondoso e justo, em muitos casos tem sido um sustentáculo, uma base sobre a qual o ser
humano procura se apoiar para responder suas indagações internas, suas solidões, para
direcionar suas posições e consequentes escolhas.
As experiências religiosas que adquirimos ao longo da vida são influenciadas pelos
diversos convívios sociais nos quais os indivíduos estão inseridos desde a mais tenra infância.
O ambiente familiar e as demais relações afetivas possuem papel fundamental na construção
das identidades enquanto seres humanos.
Na busca pelo conhecimento das questões que permeiam os sentimentos humanos e de
descobrir o papel que temos no mundo e quem somos nele, a fé em uma entidade divina, ou
ser superior, no âmbito das vivencias humanas, cumpre papel fundamental no
desenvolvimento pessoal e coletivo de cada indivíduo. Tal fé pode proporcionar a

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possibilidade de as indagações mais profundas para esta vida, desde as questões mais banais
do cotidiano até os grandes mistérios da vida, como a morte. O autoconhecimento pela fé,
deve levar o ser humano à possibilidade de sentir a presença de no seu dia a dia, sentir-se
amado, encorajado, capaz de se tornar melhor a cada dia, não só para sí, mas todos que
convivem a sua volta, pois Deus torna-se seu modelo e suas diretrizes norteiam suas escolhas
no seu dia a dia.
De acordo com Teixeira (2005:19):

na trajetória de muitos dos buscadores espirituais há a presença de um


movimento de saída de determinada perspectiva de vida e a retomada de um
novo caminho, que possibilita um olhar distinto sobre tudo, capaz de
perceber o abraço generoso e envolvente do Mistério

Se o contrário acontecer na busca através da fé como forma de autoconhecer-se, tornar


o ser humano confuso, triste, escravizado em seus pensamentos, a tradições e obrigações, e
confuso para fazer escolhas sábias, incapaz de sentir-se pleno para suas decisões a seu favor e
a favor daqueles que convivem, decisões estas, não egoístas, mas solidárias e fraternas, tal fé
será um engano, e o ser humano ainda necessitará buscar a verdadeira fé, capaz de auto
realizá-lo como ser humano em toda sua dimensão.

Considerações finais

Os indivíduos durante todo o desenvolvimento da humanidade buscaram desenvolver


as civilizações em que viviam em todos os aspectos, incluindo as experiências religiosas.
Apesar das diferenças em cada região do mundo, há uma característica em comum: a busca
por compreender o mundo e os seres humanos. Nesse aspecto, o presente artigo buscou traçar
brevemente uma linha histórica por algumas das civilizações que se destacam pela
complexidade de suas práticas religiosas, e em seguida, trazer esses elementos para a vivência
humana, analisando quais os impactos da espiritualidade no cotidiano dos indivíduos.

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É possível concluir que no processo de construção das identidades humanas, a religião


e as experiências religiosas foram e são cruciais para o desenvolvimento do mundo.
Possibilitou a resposta para inúmeras questões em torno dos fenômenos do universo e a busca
por explicar outros acontecimentos até então desconhecidos.
No âmbito das individualidades humanas, as experiências religiosas também possuem
papel fundamental: a busca pelo autoconhecimento, pelos mistérios inerentes aos sentimentos
humanos, e pelos aspectos de construção da personalidade, dos conceitos de ética e moral.

Referências bibliográficas

BACON, F. The Advancement of Learning. New York; P.F. Collier and Son. 1901.

BENKÖ, A. 1981 Psicologia da religião. São Paulo, Ed. Loyola.

BEZERRA, K. HISTÓRIA GERAL DAS RELIGIÕES. Acesso em 16, jun. 2017

CROATTO, J.S. 2001 As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à

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ELIADE, Mircea. História das crenças e das idéias religiosas, volume I: da idade da pedra aos
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Editores, 1979.

KUNG, Hans. Religiões do mundo: em busca dos pontos comuns. Campinas, SP: Verus
Editora, 2004.

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TEIXEIRA, F. 2005 “O potencial libertador da espiritualidade e da experiência religiosa”. In

AMATUZZI, M.M (Org), Psicologia e Espiritualidade. São Paulo, Ed.Paulus: p.13-30.

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