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PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 1

CAPÍTULO IV
EQUAÇÕES DE PERCOLAÇÃO NUM AQUÍFERO LIVRE
E NUM AQUÍFERO CONFINADO. SOLUÇÕES ANALÍTICAS. SOLUÇÕES NUMÉRICAS

4.0 Considerações Gerais ............................. 1 4.5 Referência ao método das imagens......11


4.1 Equações de percolação num aquífero 4.6 Regime transitório - breve referência .13
livre ............................................................ 2 4.7 Outras soluções em regime permanente
4.2 Equações de percolação num aquífero e transitório .............................................16
confinado ................................................... 5 4.8 Condições fronteira...............................16
4.3 Linearidade das equações de percolação 4.9 Soluções numéricas ...............................17
.................................................................... 6 4.9.1 Método das diferenças finitas- regime
4.4 Regime estacionário ............................... 7 permanente ..............................................20
4.4.1 Escoamento paralelo ........................... 7 4.9.2 Método das diferenças finitas - regime
4.4.2 Escoamento radial em aquífero transitório ................................................24
confinado ................................................... 8
4.4.3 Escoamento radial em aquífero livre11

4.0 Considerações gerais

No estabelecimento das equações da circulação da água subterrânea em meios


porosos, estão presentes as equações obtidas no Capítulo II, nomeadamente a lei da
continuidade, que constitui a primeira equação do movimento
∂ρ
div ( ρ u) + +ρq=0
∂t
(Eq.4.1)
bem como a lei empírica de Darcy, que, conforme se pôde verificar em 2.4 pode
considerar-se, numa perspectiva formal, como sendo obtenível da equação de Navier-
Stokes, supondo estar-se em escoamento laminar, resultando assim a segunda equação
do movimento

k
U=− ( grad p + ρ g grad z )
μ
(Eq.4.2)

em que k é o tensor de permeabilidade intrínseca [L2] , μ a viscosidade dinâmica do


fluido [ML-1T-1], p é a pressão do fluido [ML-1T-2], g a aceleração da gravidade [LT-
2
], z o eixo vertical dirigido para cima, sendo consequentemente grad z um vector
com componentes (0,0,1). No caso de se considerar o fluido como incompressível a
expressão (4.2) simplifica-se, ficando
k ρg
U=− grad h = − K grad h (Eq.4.3)
μ

sendo h o nível piezométrico, já definido em 2.5:


PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 2

p
h= +z
ρg

e K o tensor de permeabilidade de dimensão [LT-1]

A terceira equação, se pretendermos entrar com a compressibilidade do fluido,


é a equação de compressibilidade isotérmica:

ρ = ρ0 exp(β ( p − p ))
0

em que β é o coeficiente de compressibilidade do fluido [M-1LT-2] .

As equações da percolação da água (ou da difusão) em meios porosos


assumem diferentes formas consoante as hipóteses simplificadoras que são
introduzidas, bem como as condições fronteira. Em determinadas situações podem
obter-se as soluções analíticas para aquelas equações. Em seguida iremos tratar
alguns desses casos.

4.1 Equações de percolação num aquífero livre

Consideremos um meio poroso cuja superfície inferior contacta com um meio


impermeável. Suponhamos que nesse meio poroso existe água a partir de uma
determinada profundidade; a superfície que separa a zona imersa da zona emersa
designa-se por lençol de água e um aquífero nesta situação designa-se por aquífero
livre ou não confinado.
A fim de facilitar o estudo deste tipo de aquíferos introduz-se um conjunto de
hipóteses simplificadoras:

* água incompressível ( ρ constante ao longo do tempo e do espaço)


* tensor das permeabilidades com um dos eixos verticais
* as velocidades são horizontais (hipótese de Dupuit)

De acordo com a lei de Darcy, se não há, por hipótese, componente vertical da
velocidade, deduz-se que não há componente vertical do gradiente hidráulico, logo
∂h
= 0, podendo considerar-se a superfície do lençol de água (nível piezométrico),
∂z
que consideraremos como incógnita, como dependendo apenas de (x,y), isto é o
cálculo do nível piezométrico, que é por hipótese (de Dupuit), independente de z,
passa pelo determinação de uma solução para um problema bidimensional.

Consideremos então um prisma elementar cuja base assenta no fundo do aquífero e


cujo topo coincide com a superfície livre naquele ponto, ou seja, com a cota
piezométrica naquele ponto, conforme aparece na figura seguinte
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 3

h(x,y)
h(x,y)

σ(x,y)
σ (xy)

Vamos supor que os eixos dos xx e dos yy coincidem com as direcções


principais de anisotropia segundo a horizontal. Fica assim definido um prisma de
dimensões
dx,dy, (h-σ) .
Vamos agora considerar, numa unidade de tempo, qual o balanço do fluxo
mássico que entra no prisma elementar. O fluxo que entra pelas faces perpendiculares
ao eixo dos xx , Fx e é igual a
Fx = ρ dy ⎡⎢∫ U x ( x + dx , y , z ) dz ⎤⎥
h ( x + dx , y )
U x ( x , y , z ) dz − ∫
h(x, y)

⎣ σ (x,y) σ ( x + dx , y ) ⎦

U x é a componente da velocidade de filtração segundo xx.. Esta última expressão


pode escrever-se na forma mais compacta:

∂ ⎡ h ⎤dx
∂ x ⎢⎣ ∫σ x
Fx = − ρ dy U dz ⎥⎦

analogamente, se considerarmos o fluxo segundo yy, obtemos

∂ ⎡ h ⎤dy
∂ y ⎢⎣ ∫σ y
Fy = − ρ dx U dz ⎥⎦

as duas equações que acabámos de escrever podem conter a lei de Darcy que permite
calcular as velocidades U x e U y a partir da condutividade hidráulica e do gradiente
hidráulico, que não depende de zz:

∂h
U x = − K xx ( x , y , z )
∂x
e analogamente
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 4

∂h
U y = − K yy ( x , y , z )
∂y

Assim, o fluxo total F pode obter-se adicionando os fluxos Fx e Fy , já que, por


hipótese, pela base e pelo topo do prisma não entra nem sai água.

⎧∂ ⎡ h ∂h ⎤ ∂ ⎡ h ∂h ⎤ ⎫
F = ρ dx dy ⎨ ⎢ ∫ K xx dz ⎥ + ⎢ ∫ K yy dz ⎥ ⎬
⎩ ∂x ⎣ σ ∂x ⎦ ∂y ⎣ σ ∂y ⎦ ⎭

Não se considera o fluxo mássico que pode entrar pelo fundo do prisma porque se
considerou impermeável, nem pelo cimo, visto não haver, por hipótese, água acima da
superfície σ(x,y), além de isso contrariar a hipótese de Dupuit . Assim, qualquer
variação da massa total contida no prisma só pode resultar de uma variação da altura
e na figura, ou seja da altura h , que deverá ser multiplicada pela porosidade de
drenagem, ω d , ficando a variação mássica instantânea dada pela expressão:

∂h
ρ ωd dx dy
∂t

Até este ponto não se considerou a hipótese de poder haver uma troca com o
exterior no ponto em questão, caso que interessa considerar quando pretendemos
estudar o efeito de injecção ou de extracção num ponto. Se designarmos por q A o
caudal por unidade de área [LT-1] que está a ser adicionado ( q A será negativo) ou que
está a ser extraído do aquífero ( q será positivo), no prisma elementar em estudo, o
caudal correspondente é q A dx dy . Logo o fluxo mássico no prisma elementar é
ρ q A dx dy
[ML-3].[LT-1].[L].[L]=[MT-1]. Assim eliminando o termo ρ dx dy que aparece em
todas as expressões, podemos escrever a expressão da continuidade que se traduz pela
expressão matemática da afirmação que a variação de altura do prisma é provocada
pela água que entra pelas faces verticais do prisma e pela água que é extraída ou
injectada no prisma por trocas com o meio exterior:

dh ∂ ⎡ h ∂h ⎤ ∂ ⎡ h ∂h ⎤
dt ∂x ⎢⎣ ∫σ ∂x ⎥⎦ ∂y ⎣∫σ
ωd = + ⎢ −q
∂y ⎥⎦ A
K xx dz K yy dz

expressão que se costuma escrever na forma seguinte

∂ ⎡ h ∂h ⎤ ∂ ⎡ h ∂h ⎤ ∂h
⎢ ∫
∂x ⎣ σ
Kxx dz ⎥ + ⎢∫ K yy dz ⎥ = ω d
∂x ⎦ ∂y ⎣ σ ∂y ⎦ ∂t
+ qA (Eq.4.6)

se considerarmos Kxx e Kyy constantes ao longo do eixo vertical, os integrais da


expressão anterior têm solução simples: Kxx ( h − σ ) e Kyy ( h − σ ) ficando a
expressão anterior na forma
∂ ⎡ ∂h ⎤ ∂ ⎡ ∂h ⎤ ∂h
⎢ Kxx (h − σ ) ⎥ + ⎢ K yy (h − σ ) ⎥ = ω d + qA (Eq.4.7)
∂x ⎣ ∂x ⎦ ∂y ⎣ ∂y ⎦ ∂t
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 5

expressão que não é linear em h . A fim de obtermos uma aproximação linear


podemos introduzir uma hipótese simplificadora que é a de se considerar que as
∫σ K ∫σ K
h h
transmissividades do aquífero Txx = xx dz e Tyy = yy dz não são
significativamente afectadas pelas variações do nível do lençol de água, por exemplo,
a transmissividade apenas sofre variações da ordem dos 10%. Nessa situação a
expressão anterior passa a escrever-se na forma, passando a considerar a
transmissividade independente de h :

∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂h
⎜ Txx ⎟ + ⎜ Tyy ⎟ = ω d + qA (Eq.4.8)
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ ∂y ⎠ ∂t
expressão que ainda se pode tornar mais simples se o aquífero apresentar isotropia na
transmissividade:

∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂h
⎜ T ⎟ + ⎜ T ⎟ = ωd + qA
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ ∂y ⎠ ∂t
&& compacta,
ou, em notaçao (Eq.4.9)
∂ h ∂ h ω d ∂h q A
2 2

Δh = ∇ 2 h = + = +
∂x 2 ∂y 2 T ∂t T

que é uma equação às derivadas parciais de segunda ordem do tipo parabólico, que
também se encontra noutros problemas, por exemplo na difusão do calor ou na
passagem da corrente eléctrica através de um meio condutor, chamada equação de
Laplace.

4.2 Equações de percolação num aquífero confinado

No aquífero confinado a água circula num meio poroso isolado por duas fronteiras
que, em comparação com a permeabilidade do aquífero, se considera serem
impermeáveis. A extracção ou injecção de água podem ser explicadas se se invocar
um conjunto de mecanismos bastante complexo que envolve a convergência das
interfaces confinantes, a compressibilidade da água e a compressiblidade da matriz
sólido-água do meio poroso. Ainda assim, se aceitarmos a hipótese de que a
transmissividade, apesar de anisotrópica, mantém o mesmo elipsoide de anisotropia
em toda a extensão do aquífero, o que resulta da simplificação de se considerar que a
espessura do aquífero se mantenha constante e com as mesmas características
litológicas, que o gradiente piezométrico não sofra variação segundo a direcção
perpendicular às fronteiras confinantes, é possível obter uma expressão para a
equação da percolação semelhante à expressão 4.8, sendo o plano definido pelos eixos
xx e yy paralelo aos planos limites do aquífero:

∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂h
⎜ Txx ⎟ + ⎜ Tyy ⎟ = S + qA
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ ∂y ⎠ ∂t
(Eq.4.10)
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 6

sendo S uma grandeza adimensional designada por coeficiente de armazenamento


cujo valor varia entre 0.05 e 10-5. Novamente se supusermos que a transmissividade é
isotrópica, obtemos a expressão análoga a (4.9):

∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂h
⎜T ⎟ + ⎜T ⎟ = S + qA
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ ∂y ⎠ ∂t
ou, em notaçao compacta,
∂ 2 h ∂ 2 h S ∂h q A
∇h= 2 + 2 =
2
+
∂x ∂y T ∂t T
(Eq.4.11)

4.3 Linearidade das equações de percolação

No caso geral, se admitirmos a tridimensionalidade do problema, as equações


de percolação anteriores assumem a forma

∂h
div(K . gradh) = Ss + qV (Eq. 4.12)
∂t

em que Ss tem dimensão [L-1] e se designa por coeficiente de armazenamento


específico, qV é o fluxo volúmico (injecção ou escoamento), [L3T-1]/L3=[T-1].
Admitindo que as camadas confinantes são paralelas e que uma direcção de
anisotropia é perpendicular às camadas e que a carga piezométrica é constante
no plano das camadas confinantes, é possível obter , considerando o
coeficiente de armazenamento S , adimensional, e a transmissividade T ,
definidos no capítulo anterior, q A fluxo superficial[L3T-1]/[L]2=[LT-1]

∂h S ∂h q A
div(Tgradh) = S + q A ⇒ se T for isotropico ⇒ div(gradh) = + ou,
∂t T ∂t T
S ∂h q A
Δh = + (Eq.
T ∂t T
4.12A)

no caso dos aquíferos livres, a expressão equivalente, sendo ω a porosidade, é a


seguinte

ω ∂h q A
Δh = + (Eq. 4.12B)
T ∂t T
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É possível provar para estas equações (4.12, 4.12A e 4.12B), que uma função
h ( x , y , z , t ) que satisfaça as condições fronteira impostas e as condições iniciais, essa
função constitui a solução única do problema.
Sucede que equações do tipo (4.12, 4.12A e 4.12B), têm a propriedade de ser
lineares em h e q isto é, se para determinadas condições fronteira C1 se obtiver uma
solução h1 ( x , y , z , t ) q1 ( x , y , z, t ) e para outras condições fronteira C2 se obtiver uma
solução h2 ( x , y , z , t ) q2 ( x , y , z , t ) , então para condições fronteira C1+C2 obtém-se uma
solução que é a sobreposição das duas soluções h1 + h2 e q1 + q2 . Esta propriedade,
que no caso dos aquíferos confinados se aproxima bastante da realidade, deve ser
usada com precaução para o caso dos não confinados em que as condições de validade
da aproximação são, mesmo sob o ponto de vista teórico, mais delicadas. A
propriedade de linearidade das equações de difusão, que resulta directamente da
propriedade de linearidade do operador derivada, pode ser invocada com sucesso para
resolver por métodos analíticos determinadas situações tipo, que combinadas de
forma habilidosa podem ser aproximações analíticas de problemas reais; tal processo
de obtenção de soluções é aplicado no chamado método das imagens. Apesar de nos
último anos se ter desenvolvido software com inegável interesse e de utilização
universal, não deixa de ser importante obter soluções analíticas para determinadas
situações, visto as soluções analíticas constituírem sínteses notáveis que permitem um
enquadramento conceptual que as soluções numéricas não são capazes de fornecer.

4.4 Regime estacionário

As equações da percolação em meios porosos obtidas anteriormente (Eq. 4.8 a 4.11),


que na forma geral se apresentam como a Eq. 4.12, estabelecem, ao longo do tempo e
do espaço, que o nível piezométrico é uma determinada função do espaço e do tempo,
h( x , y , z, t ) que verifica aquela identidade, isto é, aquela identidade verifica-se em
qualquer ponto do espaço (ou volume elementar, se se preferir) e em qualquer
instante.

4.4.1 Escoamento paralelo

Há situações na prática em que se pode considerar que o regime de escoamento das


águas subterrâneas se mantém invariável ao longo do tempo, pelo menos para
∂h
determinados períodos de tempo, isto é, que = 0 . Caem nesse caso, por exemplo,
∂t
um aquífero em que a percolação se dá constantemente ao longo do tempo com
velocidade constante, sendo para qualquer ponto do espaço o vector velocidade de
filtração idêntico. Significa isto, pela lei de Darcy, que o gradiente piezométrico é
∂h ∂h ∂h
constante segundo as três direcções do espaço, ou seja = C1 , = C2 , = C3 , ou
∂x ∂y ∂z
∂ 2h ∂ 2h ∂ 2h
seja, que ∇ h =2
+ + = 0 . A solução desta equação é dada por uma
dx 2 dy 2 dz 2
superfície piezométrica plana, na forma h = C1 x + C2 y + C3z + C4 , que conduz a que as
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 8

velocidades de filtração sejam constantes e iguais a


U x = − KC1 , U y = − KC2 , U 3 = − KC3 . Esta é a expressão mais simples de uma
solução analítica em regime permanente.

Se considerarmos agora uma situação ligeiramente mais complexa, a de se


estar a dar infiltração constante no aquífero, passamos a ter que encontrar a solução da
equação ∇ 2 h = q , com q constante , o que significa que estamos a supor que a
recarga se dá uniformemente em toda a extensão do aquífero. Para esta última
equação facilmente se percebe que a solução será uma expressão polinomial de
2ªordem para a superfície piezométrica, a que deixa de corresponder uma velocidade
constante.

4.4.2 Escoamento radial em aquífero confinado

Também com interesse prático é a situação correspondente a um poço que


corresponde a considerarmos que num determinado ponto do aquífero se está a
injectar ou extrair água. Por razões óbvias, este tipo de problema apresenta simetria
radial pelo que se torna mais adequado escrever o operador de Laplace em
coordenadas polares. Como vamos tratar o caso de aquíferos confinados com
transmissividade uniforme, já verificamos anteriormente que o problema se pode
simplificar, tratando-o como bidimensional. O operador de Laplace escreve-se, para
um sistema bidimensional, em coordenadas polares, segundo a forma:
1 ∂ ⎛ ∂h ⎞ 1 ∂ 2h
∇2h = ⎜r ⎟ +
r ∂r ⎝ ∂r ⎠ r 2 ∂θ 2
Assim, a equação 4.11 passa a ter a forma considerando coordenadas polares
( r ,θ ) :
1 ∂ ⎛ ∂h ⎞ 1 ∂ 2 h S ∂h q A
⎜r ⎟ + = +
r ∂r ⎝ ∂r ⎠ r 2 ∂θ 2 T ∂t T
(Eq.4.13)

O caso que iremos tratar é o de supormos que se está em regime estacionário,


isto é, o poço está a ser bombeado a caudal constante e que o nível piezométrico se
mantém constante ao longo do tempo.
∂h
Assim, no segundo membro da expressão 4.13, o termo em é nulo ficando
∂t
apenas o termo correspondente ao caudal. No primeiro termo, como o problema
apresenta simetria radial, não há variações de h com θ , logo o termo que contém
derivadas de h em ordem a θ é nulo. A equação de Laplace passa a assumir a forma
simplificada
1 ∂ ⎛ ∂h ⎞ q A
⎜r ⎟ = (Eq.4.14)
r ∂r ⎝ ∂r ⎠ T
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 9

A seguinte solução satisfaz a equação (4.14), conforme se pode verificar


facilmente:

h (r ) = a ln r + b
(Eq.4.15)

Esta solução mostra que o gradiente hidráulico varia inversamente com a


∂h
distância ao centro do poço, visto r = a ; se arbitrarmos um valor para r em (4.15),
∂r
obtemos o mesmo valor para h , independente de θ , como era de esperar. Assim as
curvas isopiezométricas são circunferências centradas no ponto onde se está a extrair
ou injectar água. A relação entre as constantes de integração a e b de (4.15), podem
ser obtidas a partir das condições fronteira. Comecemos pela constante a .
Considerando uma das circunferências isopiezométricas, o caudal que atravessa o
aquífero em direcção ao poço (supondo que o poço está a extrair água), é dado pelo
integral
2π ∂h ∂h 2π
Caudal = ∫ rT dθ = T ∫ rdθ =
0 ∂r ∂r 0
∂h ∂h
= T 2πr = (atendendo a que r = a ) = 2πTa = Q
∂r ∂r
(Eq.4.16)
Q
logo podemos concluir que a constante a = , isto é depende da condição fronteira
2πT
do poço.
A constante b pode obter-se a partir das condições fronteira exteriores; a
situação mais simples é a que consiste em impor que a uma determinada distância
R da origem (que coincide com o centro do poço) o nível piezométrico tenha um
determinado valor H , ou seja h = H , para r = R , o que, conduz a
Q
b=H− ln R , que substituído em (Eq.4.15), conjugado com o resultado
2πT
(Eq.4.16), conduz à fórmula de Dupuit -Thiem.

Q r
h( r ) = ln + H (Eq.4.17)
2πT R
ou, o que é equivalente
Q r
h( r ) − H = ln
2πT R
(Eq.4.17a)

sendo h ( r ) − H o rebaixamento em relação ao nível da água que rodeia a ilha, que é o


que realmente interessa.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 10

Esta fórmula corresponde à solução do problema do poço no meio da ilha; de


facto um poço centrado numa ilha circular, que pesque de um aquífero confinado,
cujo raio da ilha seja R e cujo nível das águas seja H está nas condições atrás
enunciadas.

r
h=H

Raio da ilha =R Aquífero


confinado

Aparentemente esta fórmula terá pouco interesse prático, visto serem raras as
situações reais em que uma captação está centrada no meio de uma ilha circular. A
situação mais próxima seria uma praia fluvial, no meio de um rio, mas dificilmente
terá forma circular. O interesse prático da expressão permanece, no entanto, e usa-se
para situações bastante diferentes das que estão na origem da sua obtenção. Com
efeito, observa-se, na prática, que a influência no rebaixamento piezométrico de uma
captação situada em terra, é tanto menor quanto mais afastado se estiver em relação à
captação. Com efeito o aquífero, à medida que a circunferência em torno do ponto
central aumenta, vai sendo alimentado por uma fronteira progressivamente maior,
sendo a velocidade de filtração radial cada vez menor, isto é, cada vez menos se nota
a influência da captação. Surge assim o conceito de raio de influência de uma
captação, que é a distância a partir da qual o efeito da captação não se consegue
observar, ou que se considera, para efeitos práticos, como se já não fazendo sentir.
Assim, o raio da ilha passa a ser substituído pelo raios de influência e a expressão usa-
se inclusivamente para mais de uma captação simultaneamente, recorrendo ao
princípio da sobreposição.
Ainda sobre a expressão (4.17A) convém notar que, se pretendermos obter o
rebaixamento numa captação de raio r0 , devemos substituir r naquela expressão por
r0 . Se considerarmos r0 a tender para zero, o rebaixamento na captação tenderá para
− ∞ , o que corresponde, em termos físicos, a supormos que a água está ser extraída
por uma captação de raio infinitesimal. Ainda na mesma expressão convém verificar
se o nível da água no interior da captação fica mais baixa que o leito confinante
superior, caso em que deixa de ser válida, visto passar-se a uma situação de aquífero
livre na proximidade da captação. Como, na prática, o rebaixamento se faz
frequentemente para valores do nível piezométrico situados entre as cotas do tecto e
do muro do aquífero, deve usar-se de alguma prudência. Um erro ainda mais grosseiro
na utilização da expressão (4.17A) será o de impormos um caudal de bombagem que
faça rebaixar o nível piezométrico para valores abaixo do leito confinante inferior.
Para evitar este último tipo de erro, será preferível explicitar (4.17A) em ordem ao
caudal,
r
Q = (h(r ) − H ) * 2πT / (ln )
R

e verificarmos qual o caudal que podemos extrair para um dado rebaixamento.


PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 11

4.4.3 Escoamento radial em aquífero livre

Por um processo análogo pode obter-se a solução do poço no meio da ilha a pescar de
um aquífero livre:
Q r
h2 = H 2 + ln
πK R
(Eq.4.18)

com o nível piezométrico medido a partir da “base da ilha, como indica a figura
seguinte

Esta última expressão, que deixa de ser linear em h , resulta do facto de a


transmissividade deixar de ser constante na vizinhança da captação, visto a água
deixar de trespassar toda a espessura do aquífero, como acontece na hipótese que
levou à obtenção da expressão do aquífero confinado, e passar a passar por espessuras
cada vez menores quando se aproxima da captação. As precauções que observámos a
propósito do aquífero confinado aplicam-se aqui, isto é, não podemos impor caudais
que rebaixem o nível freático para além da base do aquífero. Os erros aqui são mais
facilmente detectáveis, já que ao fazer tal imposição, o rebaixamento resulta num
número complexo.

Na realidade, mesmo nos aquíferos confinados, junto da captação observa-se


um rebaixamento, semelhante ao do aquífero livre, pelo que a expressão (4.17A)
deixa de ser inteiramente válida, sendo o resultado final, para um dado rebaixamento
imposto pelo sistema de bombagem, um caudal intermédio entre o previsto por
(4.17A) e (4.18).

4.5 Referência ao método das imagens

É possível obter uma família de soluções analíticas para aquíferos em que se possa
aceitar como razoável a aplicação do princípio da sobreposição. Vamos apenas referir
uma situação para ilustrar a forma como se utiliza o método.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 12

Consideremos um aquífero confinado no qual se implantam dois poços O e O’


conforme indicado na figura. Pelo princípio das sobreposições podemos procurar a
solução para um ponto arbitrário x, que dista r e r’ respectivamente de O e O’, que
terá a forma geral

Q Q'
h(x) = ln r + ln r '+ constante
2πT 2πT

o valor da constante dependerá das condições fronteira impostas. Vamos considerar


um caso particular, o de os dois poços terem um caudal simétrico; por exemplo o poço
O bombeia água para fora do aquífero, enquanto poço O’ bombeia água para dentro
do aquífero, ambos com um caudal Q. então a equação anterior passa a assumir a
forma

Q r
h( x ) = ln + constante
2πT r '
(Eq.4.19)

o valor da constante anterior pode ser facilmente calculado se repararmos que nos
pontos do plano M (ver figura), equidistantes de O e de O’, isto é em que r=r’, a
constante é o valor do nível piezométrico e que este valor é o mesmo para qualquer
ponto situado na recta perpendicular ao meio do segmento OO’. A constatação desse
facto pode levar-nos a formular um outro raciocínio: se estivermos apenas
interessados com o que se passa no espaço entre o poço O e a recta m, podemos supor
que o poço O’ é um poço fictício, um poço imagem em relação à recta m do poço O,
que introduzimos para permitir impor uma condição fronteira estável sobre a recta m.
Por exemplo, o poço O existe, está instalado numa margem dum rio, cujo nível das
águas se impõe ser a constante da expressão anterior, e desse poço extrai-se um
caudal Q, que provoca um rebaixamento piezométrico que passa assim a poder ser
calculado pela equação (4.19).
Poder-se-ia aplicar o método para impor uma fronteira rectilínea
impermeabilizante, ou para resolver o problema de uma captação cercada por duas
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 13

fronteiras rectilíneas de altura piezométrica dada, etc… por vezes sucede que essas
soluções originam sucessivos “reflexos” que dariam origem a uma infinidade de
imagens progressivamente mais afastadas mas, na prática, pode-se truncar essas
séries, obtendo-se uma solução analítica com um número relativamente pequeno de
termos.

4.6 Regime transitório - breve referência

Não é difícil perceber que o regime permanente é um estado de escoamento que, na


prática, pode ser conveniente considerar, mas que raramente é atingido; porque as
estações do ano provocam variações das condições fronteira, porque em situações em
que a recarga seja muito longínqua em relação à captação, há um rebaixamento
regional sendo-se obrigado a considerar o rebaixamento do nível junto da captação ao
longo do tempo, para se manter constante o caudal, sucedendo que o raio de
influência aumenta ao longo do tempo. No caso dos aquíferos livres a existência de
regime transitório é ainda mais fácil de perceber, se nos lembrarmos que o
rebaixamento da toalha de água corresponde a uma efectiva drenagem da água ao
longo do tempo, desenvolvendo-se em torno da captação um cone de depressão, que
se vai alargando ao longo do tempo.
A consideração dos regimes transitórios é particularmente importante para
averiguar os valores de determinados parâmetros dos aquíferos, nomeadamente a sua
transmissividade e coeficiente de armazenamento. Vamos por isso fazer uma
referência muito breve a esta questão, abordando apenas o caso dos aquíferos
confinados e dos aquíferos livres com condições de linearidade aceitáveis.
Comecemos por escrever o Laplaciano para duas e três dimensões, sem
entrarmos com o termo correspondente à recarga:

S ∂h
∇2h = em duas dimensões
T ∂t

Ss ∂h
∇2h = em três dimensões
K ∂t

sendo T a transmissividade, K a condutividade hidráulica, Ss o coeficiente de


armazenamento específico, que coincide com ω d no caso dos aquíferos livres e S o
coeficiente de armazenamento, já definidos anteriormente. Comecemos por considerar
as equações correspondentes, escritas em coordenadas polares para o problema a duas
dimensões.
1 ∂ ⎛ ∂h ⎞ S ∂h
⎜r ⎟ =
r ∂r ⎝ ∂r ⎠ T ∂t

T
vamos definir α = que se designa por difusividade do aquífero [L2T-1]; a solução
S
da equação anterior, pode ser obtida através da transformada de Laplace, e assume a
forma:
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 14

⎛ − r 2 ⎞ −n/2
hδ (r , t ) = C exp⎜ ⎟ (t) (Eq.4.20)
⎝ 4αt ⎠

com n=1,2,3 :
r=x (n = 1)
r = x2 + y2 (n = 2)
r = x 2 + y 2 + z2 (n = 3)

pode provar-se que a expressão (4.20) é a resposta de um aquífero infinito a uma


injecção impulsional na origem, com condição inicial h=0, para qualquer valor de r.

Se pretendermos obter a solução para uma injecção contínua na origem,


teremos que integrar a expressão (4.20). Consideremos o caso bidimensional:

⎛ − r2 ⎞ ⎛ − r2 ⎞
exp⎜ ⎟ exp⎜ ⎟
⎝ 4αt ⎠ ⎝ 4ατ ⎠

t
hδ (r , t ) = C h (r , t ) = C dτ (Eq.4.21)
t 0 τ

a partir da última expressão, que fornece a variação ao longo do tempo do nível


piezométrico, para um determinado ponto distando r da origem, podemos calcular o
caudal que está a travessar um cilindro imaginário de raio r , que envolve a captação e
está nela centrado. O gradiente hidráulico num ponto arbitrário situado numa
∂h
circunferência de raio r , vale e o caudal será
∂r
⎡ ⎛ − r2S ⎞ ⎤
⎢ exp⎜ ⎟⎥
∂h(r , t ) ∂ ⎢ t ⎝ 4 Tτ ⎠ ⎥
∂r ⎢ ∫0
Q(r , t ) = −2πT = −2πrT C dτ
∂r τ ⎥
⎢ ⎥
⎢⎣ ⎥⎦
⎛ r2S ⎞
Q(r , t ) = 4πTC exp⎜ − ⎟
⎝ 4Tt ⎠

esta última expressão mostra que o caudal que atravessa um cilindro concêntrico com
o furo tende, quando t → ∞ ou quando r → 0 , para 4πTC , se supusermos que no
centro estamos a bombear a caudal constante. Ou seja, se o raio do poço tiver um raio
Q
negligível e se se estiver a bombear a caudal constante obtemos C = , que
4πT
⎛ − r2S ⎞
exp⎜ ⎟
Q t ⎝ 4 Tτ ⎠
4πT ∫0
substituída em (4.21) nos conduz a h (r , t ) = dτ ; se usarmos
τ
4 Tt
uma variável auxiliar u = 2 (Eq.4.22), podemos reescrever o integral anterior na
r S
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 15

Q ∞ exp ( − τ ) Q ⎡ ⎛ 1⎞ ⎤
forma h (r , t ) =
4πT ∫
1/ u τ
dτ =
4πT ⎢ − E i ⎜⎝ − u ⎟⎠ ⎥ sendo
⎣ ⎦ Ei a função

exponencial integral, função transcendente não elementar que aparece tabelada. A


função de Theis , W(u), não é mais do que o resultado da parcela dentro de parêntesis
recto na equação anterior:
Q
h (r , t ) = W (u) (Eq.4.23)
4πT
Esta última expressão pode ser aproximada, para valores altos do tempo e
consequentemente da variável u, (u≥100), por um logaritmo:

− Ei ( −1 / u) → ln u − γ , sendo γ a constante de Euler γ = 0.577, eγ = 1718


.
a equação (4.23) passa a assumir a forma simplificada

Q 4 Tt Q 2.25 T t
h(r , t ) = ln γ 2 = ln aproximaçao de Jacob
4πT e Sr 4πT Sr 2
(Eq.4.24)

Na expressão anterior o valor de Q é conhecido, mas os valores de T -


transmissividade do aquífero e de S que aparecem em (4.22) a (4.24) podem ser
desconhecidos à priori; no entanto, se ao longo do ensaio de bombagem formos
tomando nota dos valores que h(r,t) assume, por exemplo medindo no próprio poço a
evolução de h com o tempo, recorrendo a métodos relativamente expeditos é possível
obter aqueles dois parâmetros do aquífero, desde que se aceitem determinadas
hipóteses acerca das condições fronteira, que, até certo ponto, se podem deduzir do
próprio andamento da curva. A figura seguinte mostra três situações típicas de
condições fronteira.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 16

4.7 Outras soluções em regime permanente e transitório

Apresentamos neste capítulo algumas (poucas) soluções analíticas com


interesse histórico e de aplicação. Existem numerosas outras soluções analíticas para
as mais diversas situações com interesse para engenharia sendo sempre possível,
aceitando determinadas hipótese simplificadoras, obter soluções mais ou menos
grosseiramente aproximadas pelo método das imagens.

Vimos, que pelo método da imagens é possível obter aproximações por séries
truncadas para diversas situações com interesse prático. Essas séries, podem ser por
vezes aproximadas por funções polinomiais pouco extensas. Assim é frequente
encontrar na literatura diversas fórmulas simplificadas, que permitem, de uma forma
expedita, encontrar soluções para problemas com interesse em engenharia, com é o
caso de barragens, de valas, de linhas de poços, etc…
Iremos descrever, no fim deste capítulo, um método numérico que permite, até
certo ponto, resolver problemas mais gerais.

4.8 Condições fronteira

Nos problemas anteriores tivemos oportunidade de lidar com diversas condições


fronteira. No problema do poço no meio da ilha tínhamos duas condições fronteira: o
nível da água que cercava a ilha - nível piezométrico imposto, e o caudal de extracção
no poço. Basicamente, em hidráulica subterrânea, existem as seguintes condições
fronteira:

a) Fronteiras com nível piezométrico imposto


Diz-se uma condição fronteira de Dirichlet visto respeitar à variável
dependente h . É o caso de um rio que abastece um aluvião: condição fronteira
segundo uma linha recta. Pode ser o caso de um aquífero confinado aflorante,
sendo a recarga superior à infiltração na zona aflorante, conforme a figura
seguinte. É o caso do poço no meio da ilha, tratado anteriormente.

b) Condição fronteira respeitante à primeira derivada espacial da variável


dependente
Diz-se condição fronteira de von Neumann. Trata-se de uma condição
fronteira de fluxo imposto através de uma superfície. Se impusermos que
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 17

∂h
segundo uma normal a uma superfície o gradiente hidráulico assuma
∂n
determinado valor, estamos a impor, segundo a lei de Darcy que o fluxo
∂h
−K assuma determinado valor nessa fronteira. Podemos então impor que
∂n
∂h
através de uma determinada superfície não haja fluxo, = 0 o que
∂n
corresponde a uma condição fronteira impermeável, ou impor que através de
uma determinada superfície, por exemplo a zona aflorante de um aquífero,
haja um determinado fluxo, o que corresponde, neste exemplo, que a recarga
será insuficiente para fazer aflorar a água na superfície do terreno junto ao
afloramento do aquífero da figura anterior.

c) Uma condição fronteira que envolve uma equação em que figura uma combinação
linear da variável dependente com a primeira derivada espacial
Diz-se uma condição fronteira de Fourier. Aplica-se a contactos entre dois
aquíferos de permeabilidade diferente, mas é mais raramente usada que as
duas anteriores.

d) Condição fronteira de superfície livre do aquífero.


É um caso mais difícil. Imaginemos a superfície livre de uma aquífero. O seu
nível piezométrico em cada ponto é a cota piezométrica de cada ponto, ou seja
p
h imposto h = + z , convencionando que a pressão atmosférica igual a
ρg
zero passa a h = z ; mas além dessa imposição há a de através da superfície
∂h
piezométrica não haver fluxo: = 0, ou, no caso de haver recarga, de
∂n
∂h
= a com a positivo ou negativo, conforme haja recarga ou evaporação. O
∂n
problema consiste em encontrar uma cota z em que, simultaneamente, se
∂h
verifique ser = a , h = z , visto à partida não ser conhecida a superfície
∂n
piezométrica.

Existem ainda outras condições fronteira tipo de que referiremos apenas mais
uma: condições fronteira no infinito, situação frequente em soluções analíticas. Nos
problemas em que se estuda a solução em regime transitório, então há que acrescentar
às condições fronteira as condições iniciais, isto é, as condições para t=0.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 18

4.9 Soluções numéricas

Raramente as soluções analíticas conseguem responder a situações específicas, com


condições fronteira arbitrárias. Antes do advento generalizado de computadores as
situações especiais eram aproximadas primeiro por métodos analógicos e mais tarde
por métodos analíticos, por exemplo pelo método das imagens, que requeriam
conhecimentos matemáticos relativamente avançados e exigiam cálculos extensos.
Nos métodos analógicos, baseados por exemplo na passagem de corrente
eléctrica, tirava-se proveito do facto de as equações de Laplace serem lineares,
havendo correspondência entre o campo das tensões de um dispositivo especialmente
concebido para simular uma determinada situação hidrogeológica. Tensão eléctrica e
carga hidráulica, densidade de corrente e velocidade de filtração, condutibilidade
eléctrica e condutividade hidráulica, intensidade de corrente e caudal são os
correspondentes analógicos entre as duas situações eléctrica e hidrogeológica.
Recorrendo a recipientes com água, impunham-se as condições fronteira piezométrica
forçando o potencial eléctrico a assumir determinados valores em pontos no interior
do líquido. As curvas isopiezométricas correspondem assim a curvas isopotenciais,
sendo possível marcá-las num papel através de um sistema de alavanca que torna
solidário o dispositivo de escrita e o dispositivo que segura a sonda eléctrica de
referência. Sistemas baseados em associação de resistências em malhas eram também
utilizados, permitindo configurar situações-tipo. As figuras seguintes mostram alguns
destes dispositivos analógicos.
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 19

Este sistema estava instalado no Instituto Blaise Pascal no C.N.R.S. francês, sendo
constituído por um painel onde se podiam ligar em rede resistências eléctricas com ¼
Watt e 0,5% de tolerância, cujo valor podia variar de alguns ohms a alguns milhões de
ohms. Havia na época, anos cinquenta e sessenta, modelos analógicos a três
dimensões.

Modelo analógico usando uma cuba cheia de água, onde as barreiras impermeáveis
eram simuladas por materiais isoladores e as equipotenciais simuladas por eléctrodos
metálicos em latão ou cobre. As equipotenciais do modelo eram recuperadas através
de um pantógrafo com um eléctrodo mergulhado na água, e uma caneta no lado do
papel, sendo imposta, através de um potenciómetro, uma tensão no eléctrodo
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 20

mergulhado, que se passeava no tanque até, através de um osciloscópio, se detectar


uma tensão nula; nesse ponto traçava-se uma marca no papel, para aquela linha de
potencial; fazendo variar a posição do cursor do potenciómetro, traçavam-se assim as
linhas de igual potencial, que correspondiam a linhas de igual pressão piezométrica. O
traçado de um gráfico como o que se vê na figura anterior demorava
aproximadamente um dia.

Com a vulgarização dos computadores e, em particular, com a vulgarização


dos computadores pessoais, passou a ser possível recorrer a programas genéricos, que
se baseiam em métodos numéricos ou numérico-analíticos para resolver as equações
da percolação. Esta situação levou a que nos últimos anos se tenham desenvolvido
numerosos e poderosos “packages” com um conjunto de possibilidades dificilmente
imagináveis há quinze ou vinte anos atrás, agora acessíveis a qualquer gabinete de
projecto, quando, nos anos sessenta e setenta, apenas estavam disponíveis nas grandes
universidades, nos centros de investigação ou nos laboratórios estatais.

4.9.1 Método das diferenças finitas- regime permanente

O método das diferenças finitas tem a vantagem de ser bastante intuitivo e poder
lançar luz sobre a forma como outros programas, nomeadamente o de elementos
finitos, estão organizados. Iremos aqui desenvolver um algoritmo básico de diferenças
finitas.
Reescrevendo a expressão 4.10 para aquíferos confinados em duas dimensões

∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂h
⎜ Txx ⎟ + ⎜ Tyy ⎟ = S +q
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ ∂y ⎠ ∂t

∂h
vamos considerar o caso do regime permanente, ou seja =0
∂t
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 21

A equação anterior passa a ter a forma

∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞
⎜T ⎟ + ⎜T ⎟ =q (Eq.4.24)
∂x ⎝ xx ∂x ⎠ ∂y ⎝ yy ∂y ⎠

O método das diferenças finitas consiste em dividir o espaço bidimensional em


células rectangulares (que seriam paralelipipédicas no caso tridimensional) e
estabelecer a hipótese aproximativa que, dentro de cada célula, são constantes as
propriedades e as variáveis do aquífero ( Txx e Tyy , o nível piezométrico h e o fluxo
q ). Apesar de a hipótese anterior ser uma aproximação, é possível provar que ao
diminuir a dimensão da malha e fazendo-a tender para zero, a aproximação que
obtemos se aproxima da solução. Vamos considerar que as células têm a mesma
dimensão, a .Em seguida passa-se a escrever as equações para uma célula C, que tem
fronteiras com as células W-E-N-S:
y

W C E

x
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 22

∂h Hc − Hw
para as células W-C, ≈
∂x a

∂h HE − HC
para as células C-E, ≈
∂x a

∂h HC − HS
para as células S-C, ≈
∂y a
∂h H N − HC
para as células C-N, ≈
∂y a

Para obter as aproximações de segunda ordem da Eq.4.24,


∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞
⎜ Txx ⎟ e ⎜T ⎟ vai-se considerar que Txx e Tyy são respectivamente
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ yy ∂y ⎠
TWC , TCE , para TXX e TNC , TSC , para Tyy , cujos valores podem ser obtidos facilmente
pela expressão de associação em série referida em 3.5.1., como veremos adiante.

⎡ E C⎤
⎢⎛ ∂h ⎞ - ⎛ ∂h ⎞⎥
⎢⎜ T ⎟ ⎜T ⎟ ⎥ ⎡ H E − HC H − HW ⎤
⎝ ⎠
∂ ⎛ ∂h ⎞ ⎢⎣ ∂x C
⎝ ∂x ⎠ W⎥ ⎢TEC − − TWC C ⎥
⎦ ⎣ a a ⎦
⎜T ⎟≈ = =
∂x ⎝ xx ∂x ⎠ a a
⎡ H E − HC H − HW ⎤
⎢TEC − TWC C ⎥ T (H − H ) T (H − H )
⎣ a a ⎦
= EC E 2 C
+ WC W2 C

a a a

ou seja
∂ ⎛ ∂h ⎞ TEC ( H E − HC ) TWC ( HW − HC )
⎜T ⎟≈ +
∂x ⎝ xx ∂x ⎠ a2 a2

de modo análogo pode obter-se

∂ ⎛ ∂h ⎞ T ( H − HC ) TSC ( HS − HC )
⎜ Tyyx ⎟ ≈ NC N2 +
∂y ⎝ ∂y ⎠ a a2

Substituindo as duas aproximações anteriores em (4.24) obtemos

TNC ( H N − HC ) + TEC ( H E − HC ) + TSC ( HS − HC ) + TWC ( HW − HC ) = a 2qC = QC


(Eq.4.25)

em que qC é o fluxo médio na célula C [LT-1].


PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 23

A equação (4.25) diz respeito à célula C que é uma célula genérica da malha,
com a particularidade de não ser fronteira da malha. Os termos em H são as
incógnitas ou são condições fronteira impostas.

Exemplo
Consideremos a situação mais simples possível: uma malha constituída por 9
células, com condição fronteira :

1 2 3

4 5 6

7 8 9

x
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 24

As células, com excepção da célula 5, são células fronteira. O número total de


incógnitas é 9. Surgem assim 9 equações a 9 incógnitas do tipo da equação
(4.25). Se imaginarmos que na célula 5 existe um poço, a única equação com
termo independente é a correspondente à célula 5. Designando por H(ponto
cardeal)n as condições fronteira obtém-se o seguinte sistema, paras as células 1 a
9, aplicando sucessivamente a Eq.4.25:

TN 1 ( H N 1 − H1 ) + T21 ( H 2 − H1 ) + T41 ( H 4 − H1 ) + TW 1 ( HW 1 − H1 ) = 0

TN 2 ( H N 2 − H 2 ) + T32 ( H 3 − H 2 ) + T52 ( H5 − H 2 ) + T12 ( H1 − H 2 ) = 0

TN 3 ( H N 3 − H 3 ) + TE 3 ( H E 3 − H 3 ) + T63 ( H 6 − H 3 ) + T23 ( H 2 − H 3 ) = 0

T14 ( H1 − H 4 ) + T54 ( H5 − H 4 ) + T74 ( H 7 − H 4 ) + TW 4 ( HW 4 − H 4 ) = 0

T25 ( H 2 − H5 ) + T65 ( H 6 − H5 ) + T85 ( H8 − H5 ) + T45 ( H 4 − H5 ) = Q5


T36 ( H 3 − H 6 ) + TE 6 ( H E 6 − H 6 ) + T96 ( H 9 − H 6 ) + T56 ( H5 − H 6 ) = 0

T47 ( H 4 − H 7 ) + T87 ( H8 − H 7 ) + TS 7 ( H S 7 − H 7 ) + TW 7 ( HW 7 − H 7 ) = 0

T58 ( H5 − H8 ) + T98 ( H 9 − H8 ) + TS 8 ( H S 8 − H8 ) + T78 ( H 7 − H8 ) = 0

T69 ( H 6 − H 9 ) + TE 9 ( H E 9 − H 9 ) + TS 9 ( H S 9 − H 9 ) + T89 ( H8 − H 9 ) = 0

obtém-se um sistema de 9 equações a nove incógnitas H1 a H 9 , com as


transmissividades entre as células a e b segundo xx dadas por:
2Txa Txb
Txab =
Txa + Txb
e expressão idêntica para as transmissividades segundo yy. Para as células
fronteira a transmissividade será o dobro da transmissividade segundo o
respectivo eixo. Os termos fronteira Hxi com x=N,S,E,W e i=1,…,9 serão
dados e, no caso do poço no meio da ilha quadrada, terão o valor do nível da
água que rodeia a ilha. Para cada célula pode-se impor uma condição fronteira
H ou q A a 2 , em que q A é o valor médio do fluxo superficial para a célula em
questão. Uma vez resolvido o sistema anterior, obtém-se, para cada célula, o
respectivo nível piezométrico se qa 2 foi imposto, ou qa 2 se H foi imposto.

O método da diferenças finitas pode ser melhorado, para malhas rectangulares


de dimensão fixa, para malhas rectangulares de dimensão desigual, ou mesmo para
malhas poligonais Voronoi-Dirichlet-Thiessen. As malhas de dimensão desigual são
necessárias sempre que se pretende efectuar um “zoom” no cálculo de uma zona
particularmente pormenorizada, bastando para as imediações regionais uma
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 25

representação mais grosseira, sendo os polígonos particularmente adequados para


definir fronteiras genéricas.

Como exemplo do método de diferenças finitas apresenta-se no


Apêndice3 um programa desenvolvido em Matlab DIFIN.M, que integra as
equações em regime permanente num aquífero confinado.

4.9.2 Método das diferenças finitas - regime transitório

A equação 4.10
∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂ ⎛ ∂h ⎞ ∂h
⎜ Txx ⎟ + ⎜ Tyy ⎟ = S +q
∂x ⎝ ∂x ⎠ ∂y ⎝ ∂y ⎠ ∂t
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 26

pode ser resolvida considerando o regime transitório, isto é, obtendo a solução


h( x , y , t ) . Se q (t ) se mantiver constante, então, ao fim de um tempo infinito, para
determinadas condições fronteira, h estabiliza, pelo que a solução coincide com a
encontrada no ponto anterior. Vamos referir muito brevemente um dos métodos que
permite integrar a equação diferencial

∂h 1 ∂ ⎛ ∂h ⎞ 1 ∂ ⎛ ∂h ⎞ q
= ⎜T ⎟+ ⎜T ⎟−
∂t S ∂x ⎝ xx ∂x ⎠ S ∂y ⎝ yy ∂y ⎠ S

Reescrevendo a equação 4.25 para esta nova situação

∂H C
TNC ( H N − H C ) + TEC ( H E − H C ) + TSC ( H S − H C ) + TWC ( HW − H C ) = QC + a 2 S C
∂t
(Eq.4.26)

Para um caso concreto a equação anterior será escrita para cada uma das
células, dando origem a um sistema de tantas equações quantas as células, sejam n
equações a n incógnitas, que representamos de forma compacta
∂H
= S−1MH − S−1Q (Eq.4.27)
∂t
sendo S uma matriz diagonal cujos elementos são a 2 Sc , de dimensão n×n, M a matriz
dos coeficientes das incógnitas H, Q uma matriz coluna com os caudais de recarga
(negativos) ou de bombagem (positivos), H uma matriz coluna das incógnitas dos
níveis piezométricos. Vamos referir apenas um dos (muitos) métodos usados para
integrar 4.27, o método de aproximação diferencial explícita. Para isso consideremos
a aproximação em série de Taylor seguinte
∂H t Δt 2 ∂ 2 H t Δt 3 ∂ 3H t
H t + Δt = H t + + + +...
∂t 2 ∂t 2 3! ∂t 3

que consideramos truncada a partir da segunda derivada inclusivé. Então, o


incremento que cada elemento da matriz H sofre quando há um incremento Δt no
tempo é dado por:

ΔH t = Δt (S−1MH t − S−1Qt )
ficando
H t + Δt = H t + ΔH t
O passo Δt tem que ser escolhido de modo assegurar estabilidade numérica à
(a 2 × Si )
integração numérica. Deverá ser tanto menor quanto o menor .
∑ Ti i

Além do método das diferenças finitas que foi aqui levemente aflorado,
existem métodos mais sofisticados que ultrapassam algumas das limitações deste
método. A malha passa a ser constituída por polígonos, por exemplo triângulos, que
PROTECÇÃO E CONTAMINAÇÃO DE AQUÍFEROS Capítulo IV 27

são dimensionados de acordo com as necessidades de discretização. O tratamento


numérico desta aproximação apesar de ser bastante mais complexo que o apresentado
a propósito das diferenças finitas, conduz, no caso do regime permanente, à resolução
de sistemas de equações lineares.

É fácil entender que qualquer problema pode originar sistemas de equações


bastante extensos; por exemplo uma discretização em diferenças finitas de uma
malha de 50×30 células, conduz à resolução de um sistema de 1500 equações lineares
a 1500 incógnitas; esta a razão porque os métodos de diferenças finitas e de elementos
finitos se têm tornado tanto mais populares quanto mais memória e velocidade de
processamento tem sido posta à disposição dos utilizadores.

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