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Celso Furtado Artigo
Celso Furtado Artigo
Resumo
Este artigo examina algumas das inovações introduzidas por Celso Furtado no
estudo da evolução da economia brasileira do século XIX, em sua obra, Formação
Econômica do Brasil, parte IV, intitulada: “Economia de transição para o trabalho
assalariado”. Uma das principais inovações é, sem dúvida, a utilização de conceitos
teóricos de Economia e modelos macroeconômicos que levam o autor a interpretações,
em alguns casos, radicalmente opostas àquelas dos historiadores econômicos que o
precederam.
Abstract
This paper identifies some of the innovations introduced by Celso Furtado in the
study of the evolution of the Brazilian economy in the Nineteenth Century in the IV
part of his book, Formação Econômica do Brasil, entitled : “Economia de transição
para o trabalho assalariado.” One of his major innovations was the use of theoretical
concepts of Economics and macroeconomic models that led him to interpretations,
sometimes radically opposed to those previously presented by historians.
1. Introdução
1
Celso Furtado, O Longo Amanhecer, Reflexões sobre a Formação do Brasil, Rio de Janeiro:
Paz e Terra, 1999, p. 75.
2
Celso Furtado, “Introdução”, Formação Econômica do Brasil, São Paulo, 34a. ed. São Paulo:
Companhia das Letras, 2007, p. 22.
3
Celso Furtado, A Economia Brasileira. Rio de Janeiro: Editora A Noite, 1954.
888 EconomiA, Selecta, Brasília (DF), v.10, n.4, p.887–904, dezembro 2009
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2. O Modelo de Furtado 6
4
Celso Furtado, A Economia Brasileira, p. 15.
5
Essa distinção, feita pelo autor, entre período ou era colonial e sistema colonial fica clara, por
exemplo, no último parágrafo do capítulo 16 de Formação Econômica do Brasil, p. 141.
6
Esse modelo, já estava em parte, desenhado por Celso Furtado em A Economia Brasileira,
capítulos II e III.
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com serviços e bens produzidos por seus próprios escravos e parte, por
bens importados. Os gastos com a formação de capital dos exportadores
se resumem, basicamente, a gastos com importações de equipamentos. A
demanda das populações urbanas engajadas, direta ou indiretamente, em
atividades produtoras e atividades de governo não é bastante para provocar
o surgimento de uma produção industrial doméstica. Assim, as populações
urbanas são forçadas a recorrer a importações, exceto no caso daqueles poucos
bens que podiam ser produzidos localmente – alimentos e tecidos produzidos
artesanalmente, por exemplo. Inexistindo, nessa economia, mercado interno
que justifique a busca de um aumento da produtividade física dos setores
produtivos, não é de se esperar que ocorra uma industrialização espontânea
voltada para atender esse mercado.
A criação de um mercado interno se torna, pois, um pré-requisito, se o
objetivo é promover a independência econômica dessa economia. Mas não o
único. Também pré-requisito nesse estágio é uma expansão das exportações
que permita a importação de tecnologia sem grandes sacrifícios da população.
Dada a inelasticidade da demanda por importações nessa economia, o início
do processo de diversificação das atividades produtivas requer, portanto,
um melhor desempenho do setor exportador, que permita financiar as
indispensáveis importações de tecnologia.
Nesse contexto, a introdução do trabalhador livre é, pois, condição necessária
para a criação de um mercado interno. A demanda dos trabalhadores
assalariados é, basicamente, uma demanda por bens de consumo que são
produzidos de forma artesanal pelo setor de subsistência. A expansão
dessa demanda, gerada pela expansão do setor exportador, incentiva um
deslocamento de fatores de produção empregados no setor de subsistência para
a produção para o mercado interno. Considerando que a produtividade do setor
de subsistência é, por definição, baixa, torna-se necessário aumentá-la, já que
a produção doméstica passa a concorrer com bens até então importados. O
aumento dessa produtividade requer, por sua vez, importações de máquinas e
equipamentos dos países industrializados. Para que, em seu estágio inicial, a
indústria emergente obtenha sucesso nessa concorrência, ela necessita, também,
ser protegida de modo a oferecer preços competitivos.
De fato, é de se supor que uma indústria emergente em um país exportador de
bens primários opere a custos mais altos do que aquela já em funcionamento nos
países industrializados. Tal proteção pode ser dada por qualquer mecanismo que
aumente o diferencial entre os preços do produto doméstico e o preço interno de
seu similar importado. Tudo o mais constante, tarifas sobre importação assim
como desvalorizações cambiais aumentam esse diferencial. Enquanto o preço
de um determinado produto produzido internamente for superior a seu similar
importado, não há um mercado interno que justifique sua produção.
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3. Periodização
7
Roberto C. Simonsen , História Econômica do Brasil (1500/1820), 6a. ed. São Paulo:
Companhia Editora Nacional, 1969, p. 391.
8
Citação de Southey em Roberto Simonsen, História Econômica do Brasil p. 391.
9
Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil, 30a. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
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10
Alan K. Manchester, British Preëminence in Brazil, Its Rise and Decline, New York: Octagon
Books, 1972, p. 263.
11
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 137.
12
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 138.
13
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 140.
14
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 141.
15
Roberto C. Simonsen, História Econômica do Brasil (1500/1820), p. 364.
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“Portugal conheceu novo período de grandeza entre 1780 e 1806, havendo ali notável
florescimento , baseado principalmente nos produtos brasileiros, que davam, por
igual, vida às indústrias , que a política de Pombal soubera implementar no reino
peninsular”. 16
Caio Prado apresenta uma visão mais otimista do impacto das políticas
joaninas sobre o comércio exterior. Com base em dados sobre a evolução das
exportações e importação nos anos 1812 , 1816 e 1822 – para os quais não cita
as fontes – conclui que tais dados revelam “o estímulo econômico trazido pela
liberdade comercial e demais medidas resultantes da transferência da Corte
para o Brasil”. 17
Segundo Furtado, ao longo da primeira metade do século XIX, e tomando
como base dados publicados por Roberto Simonsen para 1800 e dados do
Anuário Estatístico para 1849-1850 18 “a taxa de crescimento médio anual
do valor em libra das exportações não excedeu 0,8%”. 19 Como nesse mesmo
período, a taxa de crescimento anual da população foi de 1,3% e considerando
que os preços de importação permaneceram relativamente estáveis, Furtado
conclui que: “a renda média real per capita declinou sensivelmente na primeira
metade do século XIX”. 20
A apreciação de Furtado sobre o desenvolvimento da economia brasileira na
metade do século XIX é um resultado lógico do seu modelo: “a causa principal
do grande atraso relativo da economia brasileira na primeira metade do século
XIX foi, portanto o estancamento de suas exportações”. 21
Referindo-se ao período 1775-1850, no capítulo XX:
“Haviam decorrido três quartos de século em que a característica dominante fora a
estagnação ou decadência. Ao rápido crescimento demográfico de base migratória
dos três primeiros quartéis do século XVIII sucedera um crescimento vegetativo
relativamente lento no período subseqüente,. As fases de progresso como a que
conheceu o Maranhão , haviam sido de efeitos locais, sem chegar a afetar o
panorama geral”. 22
16
Ibid.
17
Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil, p. 132
18
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 160, nota de pé de página 96.
19
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 160.
20
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 162.
21
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 160.
22
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 164.
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23
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 142.
24
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 164.
25
Rocha Pombo, História do Brasil, nova edição ilustrada, vol. III, Rio de Janeiro: W. M.
Jackson„ 1935, p. 298.
894 EconomiA, Selecta, Brasília (DF), v.10, n.4, p.887–904, dezembro 2009
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26
Referência em Simonsen, História Econômica do Brasil, p. 393.
27
Luiz Norton, A Corte de Portugal no Brasil, 2a. ed., Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade,
1965. A primeira edição desse livro é de 1938.
28
Caio Prado Júnior, História Econômica do Brasil p. 132.
29
Roberto C. Simonsen, História Econômica do Brasil, p. 395.
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896 EconomiA, Selecta, Brasília (DF), v.10, n.4, p.887–904, dezembro 2009
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35
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 142.
36
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, pp. 142–143, nota de rodapé 76.
37
Ibid.
38
Alan K. Manchester, British Preëminence in Brazil, Its Rise and Decline.
39
Segundo Oliveira Lima, op. cit. p. 240, essas tarifas teriam sido reduzidas de 48% para 24%.
Em livro publicado recentemente, afirma-se que essa redução teria sido substancialmente menor,
de 30% para 24%, com exceção de vinhos, aguardentes e azeites, que tiveram duplicados os direitos
que pagavam nas Alfândegas. Ver: José Luís Cardoso, “A Transferência da Corte e a Abertura dos
Portos: Portugal e Brasil entre a ilustração e o liberalismo econômico” em Luís Valente de Oliveira
e Rubens Ricupero (organizadores), A Abertura dos Portos, São Paulo: SENAC, 2008, p. 180.
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898 EconomiA, Selecta, Brasília (DF), v.10, n.4, p.887–904, dezembro 2009
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40
Roberto Simonsen, História Econômica do Brasil (1500/1820), p. 375.
41
Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo, 10a. ed. São Paulo: Editora
Brasiliense, 1970, p. 220.
42
Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo, p. 220.
43
Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo, p. 221.
44
O Alvará de 1o de abril de 1808 revogou o Alvará de D.Maria I de 5 de janeiro de 1875, que proibia
a instalação de manufaturas no Brasil e o Alvará de 28 de abril de 1809 concedeu isenção de imposto
de importação às matérias primas importadas nas Alfândegas, como também isentou de quaisquer
impostos que incidissem sobre gêneros adquiridos pelos fabricantes nos Estados Portugueses.
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45
Roberto Simonsen, História Econômica do Brasil, p. 397.
46
Roberto Simonsen, “Evolução Industrial do Brasil” em Evolução Industrial do Brasil e Outros
Estudos, Editora da USP, 1973, p. 14.
47
Caio Prado Júnior, Formação do Brasil Contemporâneo, p. 221.
900 EconomiA, Selecta, Brasília (DF), v.10, n.4, p.887–904, dezembro 2009
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48
Nícia Vilela Luz, A Luta pela Industrialização do Brasil, p. 17.
49
Oliveira Lima , D. João VI no Brasil, p. 258.
50
Transcrito em Oliveira Lima, D. João VI no Brasil, p. 258.
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De acordo com o modelo adotado pelo autor, para que a economia brasileira
crescesse e se diversificasse, “o Brasil necessitava reintegrar-se nas linhas em
expansão do comércio internacional”. Dada a inexistência de um mercado
interno e de uma tecnologia própria, cabia à demanda externa pela produção
de bens primários brasileiros não só propiciar crescimento do produto e da
renda, mas também criar as condições para que capitais formados no setor
exportador fossem transferidos para a produção industrial de manufaturados.
O crescimento da demanda internacional do café na segunda metade do
século XIX e o aumento de sua produção no Brasil teriam criado as bases
para que essa reintegração se desse na segunda metade do século XIX. No
que se refere à industrialização, faltava ainda o surgimento de um mercado
interno. Considerando as baixas taxas de crescimento vegetativo da população
escrava e das crescentes dificuldades de importação de escravos a partir de
1850, os produtores começaram a introduzir o trabalhador livre assalariado,
recorrendo, sobretudo, à imigração europeia, dadas as dificuldades associadas
ao recrutamento de mão de obra no setor de subsistência. A partir da década
dos oitenta, com a Abolição, o trabalho livre passa a predominar, oferecendo
condições para a criação de um mercado interno. Remunerações monetárias
atingem uma classe com alta propensão a consumir produtos de primeira
necessidade, produtos esses que poderiam ser produzidos no país. Assim, os
gastos dos assalariados do setor exportador se transformam em renda de
produtores locais, os quais, por sua vez, têm alta propensão a consumir bens
51
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 151.
52
Celso Furtado, Formação Econômica do Brasil, p. 220
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7. Conclusões
Referências bibliográficas
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