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FILOSOFIA

DO DIREITO – JOÃ O LORDELO

A ULA 1 - O CONCEITO DE JUSTIÇA

1. O CONCEITO DE JUSTIÇA

O conceito de justiça é o ponto central de toda a filosofia do direito.

O que é a Justiça?

O grande C almon de P assos, processualista e filósofo, afirmava que aquele que conseguir

especificar o conceito de justo será um sujeito bastante perigoso, visto que alguém que consiga

trazer um conceito preciso e acabado de justiça somente pode fazê-lo sendo autoritário e

repelindo todas as outras orientações do mesmo conceito.

As provas de concurso, quando entram no tema da teoria da justiça, comumente fazem

uma retomada do pensamento clássico, do pensamento grego. Os autores mais cobrados em

prova são, principalmente, Aristóteles, sofistas e pré-socráticos.

C umpre destacar que Aristóteles escreveu um livro acerca de ética que, na época,

mesclava-se com o direito, chamado Ética a Nicômaco.

1.1. SENTIDO LATO DE JUSTIÇA COMO VA LOR UNIV ERSA L

P ode-se falar em justiça como um valor universal, assim como um valor consensual

político. Nesse sentido, por um lado, pode-se falar em justiça como algo dado, algo apriorístico,

universal e, de outro lado, pode-se entender a justiça como algo escolhido, convencional. Desse

modo, são duas tensões diferentes existentes entre o jusnaturalismo e o juspositivismo.

O jusnaturalismo trabalha com a noção de que o direito e a justiça são dados apriorísticos

que devem ser buscados pelo homem. Em contrapartida, o positivismo trabalha com a ideia de

que o direito é uma construção social. Assim, são dois sentidos de justiça, de modo que um deles

diz respeito a algo que já existe e o outro diz respeito a uma escolha ou um consenso. Entre um e

outro, há diversas correntes.

O nome "justiça" vem da Deusa romana Iustitia. A figura representa a Deusa cujo olhos

estão vendados, que carrega uma balança em uma mão e uma espada na outra. C om a balança,

a Deusa mede/pesa as situações que são postas. A espada representa a força do Direito,

demonstrando que este existe apenas enquanto violência legítima.

Desse modo, quem diz o Direito deve ter força para aplicá-lo, o que consiste em um

conceito sociológico.

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A correspondente da Deusa Iustitia na Grécia é a Deusa Diké. A palavra Diké tem relação

com divisão de terras, no sentido de limites às terras, mostrando que a justiça tem um sentido,

por vezes, de proteção daquilo que é de cada um.

C umpre salientar que o sentido de justiça como valor universal surge na filosofia clássica,

na Grécia Antiga. Nesse contexto, a Grécia Antiga é o berço da filosofia, visto que os gregos

conseguiram ter tempo livre, pois eram donos do ócio, haja vista que a sociedade grega era uma

sociedade escravista. Assim, os gregos, com o ócio, fizeram a filosofia, ou seja, o tempo livre para

pensar permitiu a produção da filosofia, o que era sustentado pela escravidão.

Na filosofia clássica, direito, ética e política se misturavam, de modo que, quando

Aristóteles discursa acerca de ética e moral, estas são duas palavras sinônimas. Apenas na

modernidade certos autores passaram a traçar distinções acerca da ética e da moral.

Desse modo, apesar de alguns autores modernos estabelecerem distinção acerca da ética

e da moral, estas, na antiguidade e para o professor, possuem o mesmo significado.

Ocorre que os antigos entendiam que a ética, a moral, o direito e a política consistem na

mesma coisa, haja vista que todos esses temas estão atrelados à denominada "razão prática", a

qual consiste em uma expressão utilizada por Kant posteriormente referente ao questionamento

acerca do que seria o correto, portanto pensar no Direito é pensar no que é o correto.

A razão pura é um campo que dá ensejo a pensamentos e questionamentos acerca do que

é válido e o que é inválido, o que é certo e o que é errado, consistindo, assim, em um campo da

ciência. Desse modo, a razão pura é o campo do conhecimento. Daí pergunta-se: o que pode ser

conhecido? O que é verdadeiro e o que é falso?

Dessa forma, o domínio da razão pura diz respeito à observação das coisas e da lógica

para que possa haver a definição do que é válido e inválido.

Na razão prática, por outro lado, não se pergunta o que é válido e o que é inválido, certo ou

errado, mas pergunta-se o que é bom e o que é mal, que é o domínio da ética, da moral, da

política e dos direitos para os gregos, um domínio comum.

Na antiguidade, o direito seria uma forma de regramento da conduta do indivíduo, bem

como a moral e a política, a partir de uma visão comunitarista. Assim, não havia uma noção de

liberdade individual na antiguidade, de modo que uma pessoa somente era um cidadão moral se

atuasse no dia a dia de acordo com o interesse da pólis grega, da comunidade grega. Isso é o que

se denomina universalidade nomotética, conforme conceito trazido por P adre Lima Vaz.

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P adre Lima Vaz afirmava que, na antiguidade, direito, ética, moral e política eram a

mesma coisa. Tudo existia dentro de uma universalidade nomotética, uma universalidade

conglobante. P ortanto, na antiguidade, pensar na ética, na moral e na política era a mesma coisa.

P ara aprofundar a questão acerca do conceito de justiça, analisar-se-á o pensamento dos

gregos.

P ara o estoicismo, que tem como marca maior Zenão de Cítio, a justiça se confunde

com "justeza" a um modelo cósmico. É afirmar, para os estoicos, que justo é tudo aquilo que se

"ajusta" ao cosmo.

OBSERVA ÇÃ O: C omo indicação bibliográfica, o professor indica o livro de Luc Ferry,

" Aprender a Viver: Tratado de filosofia para uso das jovens gerações", bem como o livro de

Michael Sandel, " Justiça: O que é fazer a coisa certa".

C umpre destacar que a natureza era bastante encantadora para os antigos, haja vista que

todos os primeiros deuses, das primeiras civilizações, partiam da natureza, como o Deus Sol.

Existia, portanto, uma contemplação da natureza, com sua deificação.

P artindo dessa premissa, os gregos possuíam uma visão cosmológica, enxergavam o

cosmos com harmonia, pois eles dependiam da agricultura e da natureza, assim como os maias,

que tinham total domínio dos calendários, das estações do ano.

Dessa forma, há uma noção de contemplação da natureza como algo harmônico, do

cosmos. A perfeição diz respeito à natureza, segundo os gregos, de modo que o justo é aquilo que

se adéqua à natureza. Sendo assim, a natureza é o espelho que os orienta, demonstrando,

portanto, que as habilidades dos gregos deveriam ser desenvolvidas a partir da natureza.

ATENÇÃ O: Quanto mais próximo do universo cósmico, mais próximo da justiça universal.

Surge Sócrates, pai da filosofia, (469-399 a.C .), que era considerado desagradável e que

adorava chegar atrasado aos concursos de retórica. C umpre destacar que, em razão dos seus

atrasos, Sócrates tinha o costume de pedir para que os sofistas resumissem seus pensamentos

com o intuito de desconstruir e demonstrar que um pensamento sem floreios argumentativos não

era tão bom assim.

Nesse sentido, Sócrates entendia que a justiça não reside apenas na observância das leis

convencionais., mas também nas leis naturais (e divinas) que regem a vida dos seres humanos.

Quando P latão escreve " A República", ele faz uma introdução acerca do conceito de justiça

a partir de uma discussão de Sócrates com Trasímago. Nessa linha, considera-se que Sócrates não

gostava de trazer conceitos prontos, mas sim de formular perguntas para desconstruir as

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afirmações dos sofistas, haja vista que estes gostavam de enrolar as pessoas com argumentos
retóricos.

A partir dessa construção, Sócrates percebeu que justiça não é apenas observar as leis

criadas pelos homens, embora também faça parte. Nesse sentido, o homem justo é aquele que

cumpre as leis, mas não somente as leis positivadas, as leis da polis, como também as leis

naturais e divinas que regem a vida dos seres humanos.

No entanto, os sofistas eram mais relativistas, pensando nas leis convencionais, ao passo

que Sócrates afirmava que o justo não diz respeito ao cumprimento das leis apenas, haja vista

que estas podem ser injustas muitas vezes, de modo que cumprir uma lei injusta não é ser justo.

C om relação a P latão (348-347 a.C .), este foi discípulo de Sócrates e fez com que o

pensamento socrático se publicizasse. P latão entendia a justiça como virtude proeminente ao lado

de outras virtudes humanas, como a coragem e o conhecimento.

A Justiça como virtude, portanto, estaria muito ligada à ideia de ponderação, haja vista que

a justiça organiza as outras potências da alma humana, quais sejam, o lado racional, o lado dos

impulsos e fatos e o lado das necessidades básicas. P ortanto, a justiça é um elemento motor da

alma humana, que organiza o lado racional, os impulsos e necessidades básicas dos seres

humanos, ou seja, é uma virtude que faz a mediação do lado racional e do lado animal.

A ideia de P latão de pensar nas virtudes é abarcada por Aristóteles (384-322 a.C .), que foi

seu discípulo. A visão de Aristóteles orienta todo pensamento filosófico o qual surgiu

posteriormente, pois percebeu-se que existem domínios, campos do conhecimento, os quais

podiam ser tripartidos. Desse modo, haveria o campo das coisas ideias, o campo da ação, da

conduta e o campo da estética.

EXEMPLO: A análise de um objeto pode ser feita através de sua caracterização, como um

objeto quadrilátero e tridimensional, o que corresponderia ao campo do conhecimento puro. Do

mesmo modo, é possível ponderar sobre jogar o objeto em alguém, se isso seria algo bom ou

ruim, e esse seria o campo da conduta, da razão prática, no sentido de ação. Ademais, pode-se

avaliar se o objeto é belo ou se é feio, o que seria o domínio da estética, consistindo em um

domínio opinativo.

No campo da razão prática, Aristóteles entende que a justiça e a ética estão juntas, sendo

a justiça uma virtude. Ocorre que existem diversas formas de pensar justiça, oportunidade em

que Aristóteles faz duas observações importantes a seu respeito:

a) a justiça é teleológica, ou seja, voltada a um propósito;

b) a justiça é honorífica.

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As discussões acerca de justiça são "debates sobre a honra, a virtude e a natureza de uma

vida boa", não existindo uma separação entre o justo e o ético (ou moral). C uida-se, portanto, de

uma concepção, ao mesmo tempo teleológica (por buscar realizar "a vida boa") e honorífica (por

associar a ideia de boa vida às "boas virtudes").

Teleológico significa algo consequencialista, ou seja, para saber se algo é

justo, deve-se saber os seus fins, as suas consequências.

Nessa linha, Aristóteles tem uma passagem abarcada por C lóvis de Barros Filho, na qual

demonstra-se que o valor das coisas, na ótica teleológica, não está nelas, mas sim fora delas. P or

exemplo, o valor do trabalho está em conseguir dinheiro e o valor do dinheiro está em obter bens.

C ontudo, Aristóteles questiona qual é o valor da felicidade.

A felicidade é uma das coisas que têm valor em si mesmo, demonstrando, assim, que esta

é considerada um fim em si mesma.

Aristóteles entende que a felicidade é o ponto buscado pela justiça e que, às vezes,

confunde-se com a "boa vida", no sentido de vida bem vivida, feliz. Felicidade é um sentimento

constante, uma virtude da alma. O ser humano feliz é o ser humano justo, que atinge a felicidade

e proporciona a felicidade aos outros por meio de uma ação justa.

O justo é aquilo que tem o propósito de aumentar a felicidade, de viver a vida que deve ser

vivida (a boa vida). Ademais, a justiça também é honorífica, tendo em vista que é uma virtude, de

modo que o ser humano justo é aquele que tem honra, um ser humano virtuoso.

Aristóteles divide a justiça em justiça geral e justiça particular:

A justiça geral (ou total) é a soma de todas as virtudes, assim como o respeito às leis

morais e às leis do Estado. Um ser humano justo, no aspecto geral ou total, é um ser humano

virtuoso, que respeita as leis morais e as leis do Estado.

P ara os gregos, o ser humano honrado é aquele que exerce a função para a qual ele

nasceu. P or exemplo, aquele que nasceu para ser carpinteiro deve ser o melhor carpinteiro, em

razão da sua destinação para exercer essa atividade.

C umpre destacar que Aristóteles considerava que a escravidão deveria existir, porque

seria a forma de organização do cosmos, das leis divinas, que escolheram que aquela pessoa

fosse escravo.

A justiça particular (ou parcial) consiste na expressão da igualdade (ou isonomia),

conforme o caso concreto, que gera a justiça distributiva (a "justa medida") e a justiça

corretiva.

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A justiça distributiva é aquela que tem por objetivo distribuir bens ou posições sociais entre

as pessoas. Nesse sentido, a justiça distributiva significa dar a cada pessoa o que ela merece

(mérito), inaugurando uma espécie de isonomia proporcional, de forma que deve-se tratar os

iguais igualmente e os desiguais desigualmente.

Importante notar que, atualmente, a máxima de Rui Barbosa é utilizada para justificar

ações afirmativas. C ontudo, tal máxima vem de Aristóteles que a utilizava de forma perversa, por

exemplo, para justificar o tratamento diferenciado aos escravos, os quais não seriam tratados

iguais ao cidadão grego. Isto é, a justiça distributiva estava atrelada à posição que cada um

exercia dentro da polis, atribuindo direitos e posições.

A justiça corretiva, por sua vez, tem por objetivo o "restabelecimento do equilíbrio rompido

entre os particulares: a igualdade aritmética". Ocorre, por exemplo, quando uma pessoa deve

dinheiro à outra ou quando alguém comete um ilícito e sofre uma sanção.

Nesse contexto, a justiça corretiva, como o próprio nome já diz, serve para corrigir o

equilíbrio que foi rompido, ao passo que a justiça distributiva serve para atribuir direitos e posições

para as pessoas.

IMPORTA NTE: Essa era a ideia de justiça como um valor universal.

A ideia de justiça como valor universal avança da antiguidade para a idade média, que

continua com o pensamento de justiça universal, ou seja, não positivada, haja vista que a justiça é

um valor que o ser humano deve atingir.

Na idade média, o valor da justiça como universal terá um elemento transcendental.

Destaca-se que P latão possuía uma visão transcendental (transmundanos, que transcendem o

mundo), enquanto Aristóteles apresentava um ponto de vista mais imanente (pensando em

elementos mundanos).

Nesse sentido, na idade média, o valor de justiça universal é acrescentado de valores

religiosos, haja vista que o cristianismo subverte tudo o que fora falado até o momento.

O cristianismo, a despeito da ideia de que os humanos devem exercer as atividades para

as quais foram destinados desde o nascimento, faz a revolução dos escravos, afirmando que o

justo é conceber todos como irmãos, os quais devem se amar independentemente da classe

social.

P ara os espartanos, caso houvesse uma agressão, dever-se-ia conquistar o território

daquele que agrediu, enquanto o pensamento cristão afirmava que se alguém viesse agredir,

dever-se-ia oferecer a outra face. A grande descrição da filosofia cristã está no Sermão da

Montanha.

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Essa perspectiva do cristianismo consiste em uma revolução moral, que afetará o direito

fazendo com que os direitos humanos surjam, visto que inicia, pela primeira vez na história, a ideia

de empatia. P orém, ainda assim, na idade média, a justiça era observada como valor universal

jusnaturalista, no sentido de algo que não se confundia com a lei escrita.

Ocorre que a diferença é que, na idade média, a justiça se tornará transcendental e

religiosa, diferentemente do mundo grego.

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