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1. O CONCEITO DE JUSTIÇA
O que é a Justiça?
O grande C almon de P assos, processualista e filósofo, afirmava que aquele que conseguir
especificar o conceito de justo será um sujeito bastante perigoso, visto que alguém que consiga
trazer um conceito preciso e acabado de justiça somente pode fazê-lo sendo autoritário e
C umpre destacar que Aristóteles escreveu um livro acerca de ética que, na época,
P ode-se falar em justiça como um valor universal, assim como um valor consensual
político. Nesse sentido, por um lado, pode-se falar em justiça como algo dado, algo apriorístico,
universal e, de outro lado, pode-se entender a justiça como algo escolhido, convencional. Desse
O jusnaturalismo trabalha com a noção de que o direito e a justiça são dados apriorísticos
que devem ser buscados pelo homem. Em contrapartida, o positivismo trabalha com a ideia de
que o direito é uma construção social. Assim, são dois sentidos de justiça, de modo que um deles
diz respeito a algo que já existe e o outro diz respeito a uma escolha ou um consenso. Entre um e
O nome "justiça" vem da Deusa romana Iustitia. A figura representa a Deusa cujo olhos
estão vendados, que carrega uma balança em uma mão e uma espada na outra. C om a balança,
a Deusa mede/pesa as situações que são postas. A espada representa a força do Direito,
Desse modo, quem diz o Direito deve ter força para aplicá-lo, o que consiste em um
conceito sociológico.
A correspondente da Deusa Iustitia na Grécia é a Deusa Diké. A palavra Diké tem relação
com divisão de terras, no sentido de limites às terras, mostrando que a justiça tem um sentido,
C umpre salientar que o sentido de justiça como valor universal surge na filosofia clássica,
na Grécia Antiga. Nesse contexto, a Grécia Antiga é o berço da filosofia, visto que os gregos
conseguiram ter tempo livre, pois eram donos do ócio, haja vista que a sociedade grega era uma
sociedade escravista. Assim, os gregos, com o ócio, fizeram a filosofia, ou seja, o tempo livre para
Aristóteles discursa acerca de ética e moral, estas são duas palavras sinônimas. Apenas na
Desse modo, apesar de alguns autores modernos estabelecerem distinção acerca da ética
Ocorre que os antigos entendiam que a ética, a moral, o direito e a política consistem na
mesma coisa, haja vista que todos esses temas estão atrelados à denominada "razão prática", a
qual consiste em uma expressão utilizada por Kant posteriormente referente ao questionamento
acerca do que seria o correto, portanto pensar no Direito é pensar no que é o correto.
é válido e o que é inválido, o que é certo e o que é errado, consistindo, assim, em um campo da
ciência. Desse modo, a razão pura é o campo do conhecimento. Daí pergunta-se: o que pode ser
Dessa forma, o domínio da razão pura diz respeito à observação das coisas e da lógica
Na razão prática, por outro lado, não se pergunta o que é válido e o que é inválido, certo ou
errado, mas pergunta-se o que é bom e o que é mal, que é o domínio da ética, da moral, da
como a moral e a política, a partir de uma visão comunitarista. Assim, não havia uma noção de
liberdade individual na antiguidade, de modo que uma pessoa somente era um cidadão moral se
atuasse no dia a dia de acordo com o interesse da pólis grega, da comunidade grega. Isso é o que
se denomina universalidade nomotética, conforme conceito trazido por P adre Lima Vaz.
P adre Lima Vaz afirmava que, na antiguidade, direito, ética, moral e política eram a
mesma coisa. Tudo existia dentro de uma universalidade nomotética, uma universalidade
conglobante. P ortanto, na antiguidade, pensar na ética, na moral e na política era a mesma coisa.
gregos.
P ara o estoicismo, que tem como marca maior Zenão de Cítio, a justiça se confunde
com "justeza" a um modelo cósmico. É afirmar, para os estoicos, que justo é tudo aquilo que se
"ajusta" ao cosmo.
" Aprender a Viver: Tratado de filosofia para uso das jovens gerações", bem como o livro de
C umpre destacar que a natureza era bastante encantadora para os antigos, haja vista que
todos os primeiros deuses, das primeiras civilizações, partiam da natureza, como o Deus Sol.
cosmos com harmonia, pois eles dependiam da agricultura e da natureza, assim como os maias,
cosmos. A perfeição diz respeito à natureza, segundo os gregos, de modo que o justo é aquilo que
portanto, que as habilidades dos gregos deveriam ser desenvolvidas a partir da natureza.
ATENÇÃ O: Quanto mais próximo do universo cósmico, mais próximo da justiça universal.
Surge Sócrates, pai da filosofia, (469-399 a.C .), que era considerado desagradável e que
adorava chegar atrasado aos concursos de retórica. C umpre destacar que, em razão dos seus
atrasos, Sócrates tinha o costume de pedir para que os sofistas resumissem seus pensamentos
com o intuito de desconstruir e demonstrar que um pensamento sem floreios argumentativos não
Nesse sentido, Sócrates entendia que a justiça não reside apenas na observância das leis
convencionais., mas também nas leis naturais (e divinas) que regem a vida dos seres humanos.
Quando P latão escreve " A República", ele faz uma introdução acerca do conceito de justiça
a partir de uma discussão de Sócrates com Trasímago. Nessa linha, considera-se que Sócrates não
gostava de trazer conceitos prontos, mas sim de formular perguntas para desconstruir as
afirmações dos sofistas, haja vista que estes gostavam de enrolar as pessoas com argumentos
retóricos.
A partir dessa construção, Sócrates percebeu que justiça não é apenas observar as leis
criadas pelos homens, embora também faça parte. Nesse sentido, o homem justo é aquele que
cumpre as leis, mas não somente as leis positivadas, as leis da polis, como também as leis
No entanto, os sofistas eram mais relativistas, pensando nas leis convencionais, ao passo
que Sócrates afirmava que o justo não diz respeito ao cumprimento das leis apenas, haja vista
que estas podem ser injustas muitas vezes, de modo que cumprir uma lei injusta não é ser justo.
C om relação a P latão (348-347 a.C .), este foi discípulo de Sócrates e fez com que o
pensamento socrático se publicizasse. P latão entendia a justiça como virtude proeminente ao lado
A Justiça como virtude, portanto, estaria muito ligada à ideia de ponderação, haja vista que
a justiça organiza as outras potências da alma humana, quais sejam, o lado racional, o lado dos
impulsos e fatos e o lado das necessidades básicas. P ortanto, a justiça é um elemento motor da
alma humana, que organiza o lado racional, os impulsos e necessidades básicas dos seres
humanos, ou seja, é uma virtude que faz a mediação do lado racional e do lado animal.
A ideia de P latão de pensar nas virtudes é abarcada por Aristóteles (384-322 a.C .), que foi
seu discípulo. A visão de Aristóteles orienta todo pensamento filosófico o qual surgiu
podiam ser tripartidos. Desse modo, haveria o campo das coisas ideias, o campo da ação, da
EXEMPLO: A análise de um objeto pode ser feita através de sua caracterização, como um
mesmo modo, é possível ponderar sobre jogar o objeto em alguém, se isso seria algo bom ou
ruim, e esse seria o campo da conduta, da razão prática, no sentido de ação. Ademais, pode-se
domínio opinativo.
No campo da razão prática, Aristóteles entende que a justiça e a ética estão juntas, sendo
a justiça uma virtude. Ocorre que existem diversas formas de pensar justiça, oportunidade em
b) a justiça é honorífica.
As discussões acerca de justiça são "debates sobre a honra, a virtude e a natureza de uma
vida boa", não existindo uma separação entre o justo e o ético (ou moral). C uida-se, portanto, de
uma concepção, ao mesmo tempo teleológica (por buscar realizar "a vida boa") e honorífica (por
Nessa linha, Aristóteles tem uma passagem abarcada por C lóvis de Barros Filho, na qual
demonstra-se que o valor das coisas, na ótica teleológica, não está nelas, mas sim fora delas. P or
exemplo, o valor do trabalho está em conseguir dinheiro e o valor do dinheiro está em obter bens.
A felicidade é uma das coisas que têm valor em si mesmo, demonstrando, assim, que esta
Aristóteles entende que a felicidade é o ponto buscado pela justiça e que, às vezes,
confunde-se com a "boa vida", no sentido de vida bem vivida, feliz. Felicidade é um sentimento
constante, uma virtude da alma. O ser humano feliz é o ser humano justo, que atinge a felicidade
O justo é aquilo que tem o propósito de aumentar a felicidade, de viver a vida que deve ser
vivida (a boa vida). Ademais, a justiça também é honorífica, tendo em vista que é uma virtude, de
modo que o ser humano justo é aquele que tem honra, um ser humano virtuoso.
A justiça geral (ou total) é a soma de todas as virtudes, assim como o respeito às leis
morais e às leis do Estado. Um ser humano justo, no aspecto geral ou total, é um ser humano
P ara os gregos, o ser humano honrado é aquele que exerce a função para a qual ele
nasceu. P or exemplo, aquele que nasceu para ser carpinteiro deve ser o melhor carpinteiro, em
C umpre destacar que Aristóteles considerava que a escravidão deveria existir, porque
seria a forma de organização do cosmos, das leis divinas, que escolheram que aquela pessoa
fosse escravo.
conforme o caso concreto, que gera a justiça distributiva (a "justa medida") e a justiça
corretiva.
A justiça distributiva é aquela que tem por objetivo distribuir bens ou posições sociais entre
as pessoas. Nesse sentido, a justiça distributiva significa dar a cada pessoa o que ela merece
(mérito), inaugurando uma espécie de isonomia proporcional, de forma que deve-se tratar os
Importante notar que, atualmente, a máxima de Rui Barbosa é utilizada para justificar
ações afirmativas. C ontudo, tal máxima vem de Aristóteles que a utilizava de forma perversa, por
exemplo, para justificar o tratamento diferenciado aos escravos, os quais não seriam tratados
iguais ao cidadão grego. Isto é, a justiça distributiva estava atrelada à posição que cada um
A justiça corretiva, por sua vez, tem por objetivo o "restabelecimento do equilíbrio rompido
entre os particulares: a igualdade aritmética". Ocorre, por exemplo, quando uma pessoa deve
Nesse contexto, a justiça corretiva, como o próprio nome já diz, serve para corrigir o
equilíbrio que foi rompido, ao passo que a justiça distributiva serve para atribuir direitos e posições
para as pessoas.
A ideia de justiça como valor universal avança da antiguidade para a idade média, que
continua com o pensamento de justiça universal, ou seja, não positivada, haja vista que a justiça é
Destaca-se que P latão possuía uma visão transcendental (transmundanos, que transcendem o
elementos mundanos).
religiosos, haja vista que o cristianismo subverte tudo o que fora falado até o momento.
as quais foram destinados desde o nascimento, faz a revolução dos escravos, afirmando que o
justo é conceber todos como irmãos, os quais devem se amar independentemente da classe
social.
daquele que agrediu, enquanto o pensamento cristão afirmava que se alguém viesse agredir,
dever-se-ia oferecer a outra face. A grande descrição da filosofia cristã está no Sermão da
Montanha.
Essa perspectiva do cristianismo consiste em uma revolução moral, que afetará o direito
fazendo com que os direitos humanos surjam, visto que inicia, pela primeira vez na história, a ideia
de empatia. P orém, ainda assim, na idade média, a justiça era observada como valor universal