Você está na página 1de 3

NARRATIVAS DO PATRIARCADO: QUEM SUSTENTA UMA CASA?

Macia Cristini de A. Bezerra


Mariana Sousa de Oliveira

“Minha mãe sempre me dizia que uma mulher sustentava uma casa, mesmo que um homem
a derrubasse dez vezes”. Isso era trazido como um lugar que a mulher devia ocupar enquanto
asseguramento e continuidade do casamento, e nos revela lugares atribuídos as mulheres no sistema
patriarcado, suas significações do espaço privado e as narrativas co-construídas. Metáforas ao
esforço coletivo de deslegitimação do patriarcado. Construções coletivas, políticas, dialógicas
atravessadas por narrativas, ora públicas ora privadas.
Nesse sentido, devemos compreender a história humana na visão do patriarcado, resguardando
suas especificidades históricas, como a institucionalização da dominação do homem sobre a
mulher, em todos os aspectos da vida em sociedade. E é na família patriarcal o local privilegiado de
dominação de um sexo sobre o outro, de uma geração sobre a outra. É uma instituição
androcêntrica, assentada num padrão hierárquico de relações intersexuais e intergeracionais, que
exige submissão e obediência da mulher e filhos ao “dono da casa”.
Para Flávia Biroli (2018), o debate sobre família pode ser operado com, ao menos, duas
dimensões: a dos “controles” e a dos “privilégios/desigualdades”. A dos controles incide sobre a
vida de mulheres e homens, definindo fronteiras entre, de um lado, formas de vida aceitáveis e
valorizadas e, de outro, formas que, por serem estigmatizadas, são alvo de violência simbólica e de
privações.
Para contextualizar o espaço doméstico, segundo o IBGE, no Brasil, em 2019, as mulheres
dedicaram aos cuidados de pessoas ou afazeres domésticos quase o dobro de tempo que os homens
(21,4 horas semanais contra 11,0 horas). Na Região Sudeste as mulheres dedicassem mais horas a
essas atividades (22,1 horas), embora, a maior desigualdade se encontrava na Região Nordeste.
Mesmo para as mulheres que se encontram ocupadas, o seu maior envolvimento em atividades de
cuidados e/ ou afazeres domésticos tende a impactar na forma de inserção delas no mercado de
trabalho, que é marcada pela necessidade de conciliação da dupla jornada entre trabalho
remunerado e não-remunerado.
Durante a pandemia com o isolamento, o fechamento das creches e escolas acentuou a
1
divisão sexual do trabalho, estudo aponta que 50% das mulheres passaram a se responsabilizar

1 Estudo “Sem Parar – O trabalho e a vida das mulheres na Pandemia. Gênero e Número e da
Sempreviva Organização Feminista. Disponível em: https://mulheresnapandemia.sof.org.br/wp-
content/uploads/2020/08/Relatorio_Pesquisa_SemParar.pdf. Acesso: 07 nov, 2021.
pelo cuidado de alguém na pandemia. Entre as que cuidam de crianças, 72% afirmaram que
aumentou a necessidade de monitoramento dentro do domicílio.
O resultado da pesquisa, realizado durante a pandemia, reafirma a desigualdade de gênero
no mercado de trabalho, os lugares atribuído a mulher na organização do trabalho doméstico e na
relação como trabalho remunerado, cujas explorações do trabalho no capitalismo incidem sobre a
vida doméstica. Disto, mulheres e homens experimentariam de formas desiguais; Para os homens
haveriam uma certa mobilidade e flexibilidade garantida e explicita na travessia entre papeis
públicos e privados, sejam nas divisões das tarefas domésticas, no cuidado aos filhos, ou quando
são propostos exercerem cargos altos; Para as mulheres haveriam o exercício sobreposto de um
papel, e sob estes aspectos, nas narrativas não poderiam mais as mulheres evocar uma certa
dependência aos homens, mas uma vulnerabilidade ás condições que se operam e se
instrumentalizam os diversos papeis no sistema capitalista. Neste sentido as mulheres negras e
pobres estariam mais vulneráveis.
Segundo, dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a força feminina
no mercado de trabalho caiu de 53,3% – no terceiro trimestre de 2019 – para 45,8%, no mesmo
período de 2020. Já entre os homens, a participação é mais expressiva e a queda foi menor: de
71,8% para 65,7%. Entretanto, a participação das mulheres sem filhos na força de trabalho é de
35%, maior do que a participação daquelas com filhos.
Neste ponto, no atendimento de balcão do Juizado da Violência Doméstica as narrativas
sobre a retirada da medida revela o lugar que a mulher ocupa no espaço privado, quando a ela se
estende o direito de evocá-lo, ou das motivações de usar ou não a medida protetiva, trazidas aqui
como microrecorte; Nervosa Marta, diz: “minha filha recebi um papel que dizia que era para o
Geraldo sair de casa(...) pode dizer a juíza que não quero isso não...só queria que o Geraldo
deixasse a “ciumeira”, não quero que ele saia de casa. Como vou dar de comer a três crianças.
Quero desistir desse processo.”
Podemos dar vários contornos a problematização do uso das medidas protetivas, e as
políticas públicas nelas envolvidas, principalmente ao pensar que haveriam outros instrumentos de
direito e proteção a esta mulher, mas também podemos pensar segundo Flávia Biroli(2018) aponta,
de uma incapacidade dos indivíduos em decidir a sua própria vida, uma vez que esta dependeria da
posição que ocupam nas relações de poder, inclusive, o gênero, a classe social e a etnia a que
pertencem.
Ainda inferindo a esse respeito, Biroli (2018) destaca que é de uma perspectiva masculina
e heterossexual que família e maternidade podem ser idealizadas e mesmo santificadas, enquanto
continuam sendo definidas de um modo que onera as mulheres e as torna vulneráveis.
Historicamente, arranjos familiares convencionais foram naturalizados e respaldados pelo direito à
privacidade da entidade familiar. Enquanto se firmavam noções contra-hierárquicas de direito
individual, a autoridade do “chefe de família” sobre mulheres e crianças e o livre acesso do marido
ao corpo da esposa seguiram seu curso.
Dadas as desvantagens das mulheres em sociedades organizadas pela divisão sexual do
trabalho e por valores que colaboram para justificar a exploração e a dependência que dela deriva, o
casamento aparece como um destino imposto, mas também pode aparecer como projeto. É, ao
mesmo tempo, opressão e identidade. Biroli (2018) aponta que a maternidade tem sido,
historicamente, definida pela divisão do trabalho, sobrecarregando, assim, as mulheres e
restringindo sua participação em outras esferas da vida.
Entre as camadas mais pobres da população, a maternidade não costuma ser uma
atividade em tempo integral e, quando o é, traz as marcas do desemprego e da precariedade. No
cotidiano dessas mulheres, os desafios para criar os filhos em condições de vulnerabilidade
implicam superação e solidariedade, mas também alto custo e sofrimentos.
Finalmente, essa digressão histórica, descrita na perspectiva patriarcal e machista,
permite inferir que a sociedade foi estruturada, sob um prisma nitidamente androcêntrico, no qual,
em geral, a mulher ocupa uma posição subalterna. Embora consideramos que a casa para a mulher
será sempre uma boa metáfora de potência subversiva, uma vez que submissão e resistência sempre
fizeram parte da história das mulheres na cotidianidade vivida, papéis familiares normatizados e
também subvertidos.

REFERÊNCIA:

BIROLI, Flávia.Gênero e desigualdades: limites da democracia no Brasil.São Paulo:


Editora Boitempo, 2018.
Estudo “Sem Parar – O trabalho e a vida das mulheres na Pandemia. Gênero e
Número e da Sempreviva Organização Feminista. Disponível em:
https://mulheresnapandemia.sof.org.br/wp-
content/uploads/2020/08/Relatorio_Pesquisa_SemParar.pdf. Acesso: 07 nov, 2021.
IBGE – INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Estatística
de Gênero: Indicadores Sociais das Mulheres no Brasil. Rio de Janeiro: IBGE, 2021. Disponível
em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101784_informativo.pdf. Acesso: 07 nov,
2021.

Você também pode gostar