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Heaven Lancaster

Martinelli Lamont
01 de janeiro de 1813.

os pensamentos antes, mas a
Eu nunca pensei em escrever
cada dia se torna mais complicado viver nessa casa, por
isso, decidi escrever para você, mamãe. Desde que partiu as
coisas andam fora de ordem, e no fim do dia, tudo sobra
pra mim. Me tratam como se eu fosse simplesmente a
empregada, quando na verdade sou da família. Papai só
me dirige a palavra se for para brigar, e hoje me agrediu
pela primeira vez enquanto os meninos olhavam. Já são
quase sete anos sem você, e agora, perto dos meus dezoito
anos, tudo que consigo pensar é em fugir daqui. Esse
vilarejo é pequeno demais para mim.

Com saudade,
Heaven Lancaster.
10 de Janeiro de 1813.
Não tive tempo de vir escrever, na verdade escondi esse
diário tão bem que me esqueci que ele existia, sendo assim
deixo claro que não virei todos os dias escrever bobagens,
somente quando algo me marcar o suficiente para isso.
Hoje os meus irmãos optaram por me tirar a paciência. Fiz
as coisas que papai deixou descrito em uma lista, saí para
comprar verduras e ao voltar tudo estava bagunçado.
Fizeram de propósito para me ver arrumar de novo. Por que
são cruéis comigo? Era tudo mais fácil quando você estava
aqui…
Sinto falta do seu colo, do carinho e também dos seus
biscoitos. Espero te ver de novo num futuro não tão distante.

Com saudade,
Heaven Lancaster.
17 de fevereiro de 1813.

Faz mais de um mês desde a última vez, perdão. Mas não há


nada de novo, tudo continua a mesma coisa. Mãe, será que em
uma outra vida eu fui alguém ruim? porque não há
justificativa para o que eu tenho que passar. Se existe mesmo
um Deus lá em cima como me disse várias vezes, por que ele te
levou? e por que me deixa viver nesse inferno?
Desculpa, mas já perdi a fé faz tempo. Tentei manter, juro
que tentei, mas você sabe que religião nunca foi meu forte e
depois que você partiu… bom, faltam três meses para meus
dezoito anos, e depois disso buscarei minha própria liberdade,
inclusive, acho que sei como conseguir mas não vou descrever
aqui ainda por ser uma surpresa.

Com muita saudade,


Heaven Lancaster.
25 de fevereiro de 1813.

Eu sei, nós mulheres não somos
Papai não me deixa estudar.
permitidas de ir as escolas, mas pedi a ele que me ensinasse em
casa e a resposta foi um belo “não”. E ok, foi um pouco…
ganancioso da minha parte pedir para ter aulas, mas eu
preciso sentir que minha vida tem algum propósito! Não
aguento mais ter que ficar o dia todo cuidando de afazeres
domésticos. Se não fosse por você, eu nem se quer saberia ler ou
escrever!
Mãe, sua presença me faz tanta falta que mal consigo
descrever. Nada se compara a forma que me tratava. Você
foi o ser humano mais lindo e puro que já tive a honra de
conhecer, tenho sorte de ter sido sua filha.

Com saudade,
Heaven Lancaster.
04 de março de 1813
Dois meses para os
meus dezoito anos. Estou contando os
dias, sabia? Não sei como vou embora daqui, não me deixam
trabalhar e preciso de algum dinheiro para conseguir pelo
menos ir para longe. Será que se eu roubar o cavalo, papai
fica muito bravo? Acho que é a única solução possível.
Hoje pela tarde fiz aqueles biscoitos que me ensinou dias
antes de partir, não chegaram nem aos pés dos seus, mas
consegui comer um antes do meu pai jogar todos no lixo porque
não queria ter lembranças suas. Acho que é por isso que ele me
odeia, sabia? conforme cresci, acabei ficando sua cara, muito
parecida, então talvez ao me ver, ele te veja. Deve ocorrer o
mesmo com os meninos, isso explica o tratamento que recebo.

Um pouco chateada,
Heaven Lancaster.
29 de março de 1813

Odeio o papai. Eu odeio muito ele, muito mesmo. Será que é


pecado dizer uma coisa dessas? não sei, mas não irei retirar o
que foi dito. Ele me bateu de novo, mais uma vez! E foi pior do
que já era antes, se eu contar o resto da história você vai querer
vomitar.
De que adianta ter dois irmãos se eles me viram implorar
para que o nosso pai parasse e não fizeram nada? agora tem um
roxo enorme no meu braço, alguns também na perna. Tudo
porque eu cumprimentei um rapaz enquanto estávamos na rua.
Que mal tem isso? Estava apenas sendo educada!
Eu prometo que vou embora daqui e nunca mais volto. Vou
fazer todos conhecerem meu nome, e juro, que farei o possível e
impossível para conseguir.

Heaven Lancaster.
12 de abril de 1813

Fui prometida à um visconde. Parece até piada, não é? o que


diabos um visconde viu em mim? Aquele cara tem o triplo da
minha idade, disse me amar e comentou sobre uma cerimônia
de noivado!!! Acho que vou surtar, mas não um surto de
felicidade, muito pelo contrário. Não quero me casar, agora
mais do que nunca preciso ir embora desse vilarejo. Mereço
mais do que essa vida miserável.
Papai disse ao velho que eu me casaria de bom grado sem
nem pedir minha opinião! É aquela mania de grandeza
maldita que ele tem, só se importa com o dinheiro e sabe que
com essa união sairíamos ganhando, até porque o visconde tem
bastante grana. Ouvi ele comentando com meu irmão que eu
vou me casar ou ele me põe pra fora de casa. Agora que não
caso mesmo.

Heaven Lancaster.
27 de abril de 1813

Hoje eu descobri uma coisa nova. Não sei bem como chamar,
mas fiquei fascinada. Acho que além do casamento, isso
também vai ser minha porta de saída. Havia um homem na
rua, e de início pensei que ele beijava o pescoço de uma
mulher, mas quando se afastou tinha sangue, muito sangue.
Ok, eu deveria ter me assustado mas não foi assim. Ao me ver,
o rapaz correu. Não era algo humano, sua velocidade era
surpreendente, então amanhã voltarei lá pois preciso saber que
tipo de criatura é aquela.

Heaven Lancaster.
28 de abril de 1813

Vampiros. Foi esse o nome que me disseram, ou melhor, o nome


que o homem me disse. Acredito que ele tenha ficado com medo
de eu espalhar seu segredo, assim como pensei, e usei isso ao
meu favor. Não precisei nem marcar de encontrá-lo no mesmo
lugar de ontem pois ele estava lá pra se certificar de que eu
ficaria calada. Fiz chantagem, era a única esperança que
me restava, e funcionou. Tenho agora seu endereço e já sei o
que fazer.

Heaven Lancaster.
15 de maio de 1813

18 anos, finalmente. Hoje é o dia em que vou embora daqui,


e mesmo com medo não vou mudar de ideia. Não contei a
ninguém e mais tarde quando todos dormirem, planejo
correr e ir para o mais longe possível. Pensei em deixar
uma carta de despedida, mas eles não fariam questão de
ler.
Hoje é oficialmente o primeiro dia do resto da minha vida,
e mal posso esperar para poder realizar meus sonhos.
Sobrevivi a esse lar, e agora só preciso sobreviver ao mundo
real.

Heaven Lancaster.
25 de maio de 1813

Demorei pra voltar, sei disso. Mas é porque muita coisa


aconteceu, mãe! Eu sou incrível! Não tem noção do quanto
minha vida mudou em dez dias! Sabe aquela história do
vampiro? pois bem, eu tive que mexer uns pauzinhos mas
consegui ser transformada. Não por ele, mas por seu “criador”.
É surreal pensar que existem vampiros de verdade e que a
população não tem ideia disso, mas fora a parte da
alimentação, estou gostando da experiência. Sou rápida e forte,
sem contar que fiquei ainda mais bonita! Meu sobrenome
também mudou, por favor não fique brava, estou só seguindo o
que meus colegas disseram.

Heaven M. Lamont.
7 de junho de 1813
Matei uma pessoa.
Pela primeira vez perdi o controle e
matei uma pessoa quando estava no auge da minha ira. Mãe,
não sei se devo continuar escrevendo pra você, não merece as
palavras de uma assassina, acredito que mereça bem mais,
então pode por favor guardar na mente minha versão humana?
Me tornar vampira foi a melhor coisa que já me aconteceu,
mas tudo tem seus prós e contras, matar pessoas é um contra. E
não se preocupe, não vai se repetir, eu posso me alimentar de
animais e assim farei. William está me ajudando a controlar
os instintos e percebeu como fiquei assustada com o que fiz.
Vai dar tudo certo!

Heaven M. Lamont.
10 setembro de 1818

Demorei mais do que o esperado para voltar aqui. Cinco


anos é tempo demais quando se é humano, equivale a quase
nada quando se é vampiro. Lendo a última página cheguei
até a rir, eu disse que daria tudo certo, não foi? pois bem,
deu tudo errado. Sou um monstro.
Não sou mais aquela garotinha que ficou órfã da mãe aos
nove anos, e não sou mais aquela que apanhava do pai e
chorava até dormir. Aprendi como ser letal, manipuladora e
conseguir o que eu bem entender, mas tudo isso bem
carregado de uma culpa. Eu matei várias vezes, e gostei
disso. O quão ruim esse “gostar” pode vir a ser? Não contei a
ninguém, estou com medo e vergonha. Todas as vítimas se
parecem com o papai, me recuso a matar mulheres.
Preciso de ajuda, e o orgulho não me deixa pedir.

Heaven M. Lamont.
16 de setembro de 1818

Me lembro de cada um dos nomes, todo dia antes de dormir


repasso eles na mente, segue aqui todos desde a primeira vez
até hoje em ordem alfabética:

• Aiden Smith • Alaric Collins • Andrew Johnson


• Antony Williams • Brad Davis • Brendon Miller
• Bruce Jones • Caleb Lidell • Carl Wilson
• Cristopher Moore • Damon Campbell • Daniel Thomas
• Derek Barnes • Dylan Jackson • Edward Brooks
• Elijah Reed • Enzo Evans • Ethan White
• Ezra Battley • Frederick Beer

Vinte, isso se eu não esqueci ninguém. Vinte pessoas que


matei de livre e espontânea vontade, pessoas que tinham suas
famílias, filhos.. enfim. Na hora é prazeroso, depois sinto
culpa, monto os corpos e apago os rastros.

Heaven M. Lamont.
01 de janeiro de 1819
Estou me controlando. Desde a última vez, só matei mais
três pessoas, ou melhor, homens.

• Nathan Wright
• Theodore Baker
• Ronald Adams

Todos com a aparência daquele que um dia chamei de pai.


Isso é meio… mórbido, não? A vela ao meu lado está quase se
apagando, isso me lembra das noites em que ele fazia questão
de apagar todas para que os meninos não vissem quando eu
apanhava. De que adiantava? Eles podiam ouvir meus gritos
de qualquer forma

Heaven M. Lamont.
20 de Abril de 1819

pessoa me informou da situação, e
Sou oficialmente 100% órfã. Meus irmãos e também o papai
morreram de gripe. Uma
sinto muito mas não senti um pingo de dó em saber que eles
estavam nos últimos momentos. Porém, agora que recebi a
notícia, estou em prantos.
Não tenho mais ninguém, mamãe. Vivo numa casa cheia de
vampiros mas não são minha família de sangue, aqueles três
por pior que fossem, eram meus únicos parentes restantes. Me
perdoa por não poder continuar com nossa linhagem, não posso
ser mãe então jamais poderei dar seu sobrenome aos meus filhos.
Acho que não sei mais o que quero. Me sinto sozinha, vou
chorar até dormir pois é a última coisa me resta. Estou
olhando um desenho seu, é pequenininho mas é a único que tenho
de seu rosto. Esse é o dia em que estou prometendo a mim mesma
nunca me apaixonar, porque amor não existe mais.

Heaven M. Lamont.
Cada dia sem você, é martírio.
15 de maio de 1819

24 anos. Estou ficando quase uma idosa, apenas na idade,


claro. Sigo com a mesma aparência e cada dia pior por
dentro. Desde a última vez que escrevi, não matei ninguém.
Tenho medo de estarem na minha cola, e digamos que não
quero esse segredo exposto.
Se William um dia perceber o que sou, ou o que faço
quando ninguém está vendo, acho que ele me deserda, ou pior,
me mata. Não quero morrer, passei por tanta coisa para
chegar aqui. Sou uma sobrevivente, e perder o que tenho de
mais precioso não é uma opção.
Vou dar um tempo desse diário, perdão. Volto quando
estiver mais velha, talvez mais madura e decidida. Quando
a vida sorrir pra mim de novo. Quem sabe eu faça algum
amigo.. ou melhor, talvez aprenda a me alimentar de
animais, resolvendo boa parte dos meus problemas. Não sei,
mas estou com esperança de que tudo melhore.

Heaven M. Lamont.
Nomes ao longo dos anos
•James Clark • Tyler Murphy
• Nikolai Cooper • Kol Stewart
• Owen Bruce • Mason Worsnop
• Mark Wood • Justin Walker
• Leonard Allen • Stefan Parker
• Nicholas Scott • Zayn Marshall
• Harry Thompson • Nathaniel Grey
• Kyle Ross • John Lee
• Zack Mitchell • Lamar Cox
• Matthew King • Jaxon Lewis
• Louis Young • Luke Hall
• Kai Parker • Russell Turner
• Toby Cassells • Noah Green
• Ian Martinez • Jacob Howard
• Harrison Martin • Luke Price
• Timothy Carter
24 de abril de 1845
vida sorrisse pra mim
de novo, mas não é bem assim. Alguns
Vinte e seis anos depois, voltei. Falei que voltaria quando a

dias atrás fiz uma brincadeira boba com Victoria, uma das
vampiras que mora na casa em que estamos atualmente. Foi um
ato maldoso, admito, mas não esperava que William fosse me
punir por isso.
Fui jogada contra a parede com uma força tão superior a
minha que alguns ossos quebraram, consegui colocar no lugar
por motivos óbvios. Isso me lembrou as coisas que papai fazia
comigo, foi como um flashback das coisas que vivi. Claro que
ele não me jogava na parede, mas o que fazia me doía tanto
quanto. Não posso nem questionar ao meu criador ou lutar de
volta, devo minha vida a esse homem, e por mais que morra de
medo dele, ainda o admiro, em partes. William me olha como se
soubesse cada um dos segredos que carrego, e isso me assusta.
Sinto como se ele fosse onipresente, sabe de tudo e está em todo
lugar.

Heaven M. Lamont.
25 de abril de 1845

isso muito bem. O conheci em uma
Vim falar sobre o Klaus. Ele é alto, bonito pra caramba. É
meio malvado, mas faz
missão que nos foi dada por William, e mesmo sem querer o loiro
me ensinou algumas coisas, além de me dar um beijo muito,
muito bom, em prol da conclusão do que tínhamos que fazer,
somente. Tem algumas coisas nele que admiro, e acabei ficando
inspirada em ser uma pessoa melhor.
É complicado deixar de lado quem sou, mas tivemos uma
conversa juntos porque ele viu quando levei aquele esporro e
bom… eu fiquei com um pouco de vergonha. Enfim, ouvi certas
coisas que me tocaram de algum modo e agora passei a admirá-
lo como pessoa, ou melhor, passei a admirar o pouco que sei sobre
ele.
Nicklaus é nobre, nunca conheci alguém assim. Mesmo
desprezando algumas de minhas atitudes, ainda assim me
aconselhou. Levantei a bandeira branca da paz entre nós, e o
considero meu colega mesmo que não seja recíproco.

Heaven M. Lamont.
27 de abril de 1845.

Me mataram. Um otario literalmente quebrou meu pescoço e


me deixou jogada na escada ao lado de um corpo morto por
mim! Tentei não matá-la, me esforcei tanto para não atacar..
Alec sabia que eu estava fraca, sabia do meu desejo por
sangue e sabia que eu estava me alimentando de animais
justamente para não matar mais! Meu progresso estava vindo
aos poucos, dei dois passos para frente e ele me fez dar trinta
para trás.
Mary, me perdoe. Você não merecia o fim que teve, vou
recomeçar do zero, vou fazer melhor. Irei dedicar a ti minha
trajetória a partir de agora, tirei sua vida num estalar de
dedos, uma vida inocente, e sinto muito por isso. Falo de
coração, e espero que de onde quer que esteja, você consiga me
perdoar. Não posso matar Alecsander, mas irei vingar sua
morte de um jeito ou de outro.

Em memória de Mary Parker,


Heaven M. Lamont.

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