Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Contribuições Da Etologia Comparada para Uma Nova Percepção Da Comunicação Humana
Contribuições Da Etologia Comparada para Uma Nova Percepção Da Comunicação Humana
RAFAEL ARAÚJO
RICARDO PINHEIRO LIMA
Resumo Abstract
Aos que desprezam o corpo quero dar o cos e, em vez de inscrever imagens em
meu parecer. O que devem fazer não é rochas, o homem passou a sobrescrever
mudar de preceito, mas simplesmente imagens em papéis e tecidos. A imagem
despedirem-se do seu próprio corpo e, por evoluiu para a escrita. Com a criação de
conseguinte, ficarem mudos.
um código capaz de representar sons, a
Nietzsche comunicação ganhou horizontes. Surgi-
ram os livros e a imprensa escrita. Com
a eletricidade, a informação também
As diferentes espécies animais se venceu o tempo, e passou a estar simul-
comunicam através do corpo. O ho- taneamente em vários espaços.
mem, no entanto, ao criar e desenvol- Ao compararmos o homem com
ver meios de comunicação, parece ter outras espécies animais, estamos am-
perdido a consciência de si. A adapta- pliando a possibilidade de encontrar
ção dos padrões de comportamento de novos significados para determinados
um organismo ao seu meio ocorre de comportamentos que, à primeira vista,
maneira análoga à de seus órgãos, ou parecem ter uma origem exclusivamen-
seja, através das informações que a es- te cultural, mas que também podem ser
pécie acumulou, ao longo de sua evolu- hereditários, herdados de um ancestral.
ção, pelo método da seleção natural e Expressões como o arrepiar dos ca-
mutação. Isso quer dizer que alguns belos sob a influência de terror extre-
padrões de comportamentos foram mo ou mostrar os dentes quando em
abandonados ao longo do tempo para estado de fúria, dificilmente, podem ser
ganhar novas formas, mais adaptadas compreendidas sem a crença de que o
ao ambiente. Vale fazer o exercício e homem existiu um dia numa forma mais
retomar, em linhas gerais, a história da inferior e animalesca. A coincidência de
evolução dos padrões de comunicação certas expressões em espécies diferen-
do homem. tes, ainda que próximas, como a con-
O primeiro meio de comunicação foi tração dos mesmos músculos faciais
o corpo, através de gestos, sons e ex- durante o riso pelo homem e por vá-
pressões. Depois, alguns aparatos foram rios grupos de macacos, torna-se mais
adotados para a emissão da informa- inteligível se acreditarmos que ambos
ção. O homem passou a se pintar e a descendem de um ancestral comum. Ao
usar roupas e máscaras que adiciona- admitir que, no geral, a estrutura e os
ram significado à corporeidade. As ima- hábitos de todos os animais foram evo-
gens mentais dos sonhos passaram para luindo gradualmente, a questão da co-
as paredes das cavernas e depois para municação pode ser encarada a partir
cerâmicas, madeiras ou pedaços de pe- de uma perspectiva mais ampla.1
dras, podendo, assim, ser transporta-
das para qualquer lugar. A informação 1. DARWIN, C. (2000), A expressão das emoções no
vencia o espaço. Com o tempo, os su- homem e nos animais. São Paulo, Companhia das
portes se tornaram mais leves e práti- Letras, p. 22.
cia e tensão do grupo. Essa explicação to com a sociedade. Muitas vezes, es-
funcional também pode ser aplicada aos sas particularidades são produto da
homens e coloca a sexualidade também alta capacidade cognitiva humana; ou-
como prática de manutenção de víncu- tras vezes, elas são inatas e podem ser
los sociais. observadas em qualquer grupo social,
A ostentação do pênis é outra for- como pôde constatar Charles Darwin
ma de comunicação bastante freqüen- em sua pesquisa sobre as expressões
te entre os primatas e também nos per- do homem.29 O trabalho para se iden-
mite uma comparação curiosa. Alguns tificar essas características é minucioso
mamíferos demarcam o seu território e delicado, exige a comparação das
através da micção; é o caso, como já observações de distintos indivíduos e
dito, do cão. Nos primatas, essa fun- demanda imensa sensibilidade do ob-
ção é pouco usual porque possuem o servador.
olfato pouco desenvolvido, ao contrá- Para as ciências sociais, a importân-
rio da audição e visão. Somente algu- cia da identificação dos reflexos here-
mas poucas espécies de símios ainda ditários do homem reside na possibili-
utilizam a marcação de território pela dade de se fazer uma arqueologia das
urina. O pênis ganha uma nova função origens de gestos e expressões que hoje
que permite a determinadas espécies possuem funções relevantes, na finali-
uma outra forma de comunicar os li- dade de entendê-los com maior pro-
mites do seu território. O macho esco- fundidade. Para o estudo da comu-
lhe um local alto e visível, agacha-se e, nicação, especificamente, a descoberta
de coxas afastadas, exibe seus órgãos de gestos hereditários e o estudo de
genitais aos possíveis intrusos. Essa é sua função primordial permitem am-
uma típica demonstração de poder que pliar o entendimento de sua significa-
também é muito comum hoje em dia ção. Essa arqueologia é igualmente
entre os homens, veja-se o exemplo de importante para os comportamentos
habituais piadas sobre a sexualidade e culturais.
a comparação dos órgãos genitais como Ao observarmos algumas expres-
símbolo de masculinidade. sões em crianças recém-nascidas, po-
É preciso questionar a diversidade deremos crer que o riso, por exemplo,
dos comportamentos e até que ponto a é uma expressão adquirida por imita-
cultura influencia a aquisição de expres- ção através do trato com outras pes-
sões, gestos e hábitos. Distinguir natu- soas, principalmente com a mãe. Essa
reza e cultura tem causado algumas observação parece óbvia, mas estudos
confusões na apreensão de hábitos que comprovam que uma criança que tenha
parecem ter sua origem exclusivamen- entre 3 e 6 meses sorri para tudo o que
te nas relações sociais. É comum ver- lhe apresentam à frente, e somente com
mos nas ciências sociais o tratamento 7 ou 8 meses é que a criança saberá
de particularidades humanas como fru-
to do aprendizado do indivíduo no tra- 29. DARWIN, C., op. cit.
Recebido em 30/4/2002
Aprovado em 30/6/2002