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CONTRIBUIÇÕES DA ETOLOGIA COMPARADA 223

Contribuições da etologia comparada


para uma nova percepção
da comunicação humana

RAFAEL ARAÚJO
RICARDO PINHEIRO LIMA

Resumo Abstract

A observação dos padrões de comuni- The observation of animal


cação nos animais evidencia a importân- communication patterns evidences the
cia do corpo como forma primária de mí- importance of the body as a primary media
dia. Tendo em vista que, em geral, a estrutu- mode. Knowing that, in general, the
ra e os hábitos de todos os animais evoluí- structure and the habits of all the animals
ram gradativamente, através da seleção na- evolved gradually, through natural
tural, é possível, para as ciências sociais, selection it is possible for the Social
encontrar novos significados para a comu- Sciences to find new meanings to human
nicação humana, através da comparação communication, through the comparison
com padrões de comportamento de outros of behavior patterns in other animals. The
animais. A etologia comparada surge, por- compared etiology appears, therefore, as
tanto, como ferramenta essencial para se an essential tool to understand the relation
pensar a relação entre natureza e cultura. between nature and culture.
Palavras-chave: comunicação; mídia; Key-words: communication; media;
etologia; linguagem; comportamento. ethnology; language; behavior.

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Aos que desprezam o corpo quero dar o cos e, em vez de inscrever imagens em
meu parecer. O que devem fazer não é rochas, o homem passou a sobrescrever
mudar de preceito, mas simplesmente imagens em papéis e tecidos. A imagem
despedirem-se do seu próprio corpo e, por evoluiu para a escrita. Com a criação de
conseguinte, ficarem mudos.
um código capaz de representar sons, a
Nietzsche comunicação ganhou horizontes. Surgi-
ram os livros e a imprensa escrita. Com
a eletricidade, a informação também
As diferentes espécies animais se venceu o tempo, e passou a estar simul-
comunicam através do corpo. O ho- taneamente em vários espaços.
mem, no entanto, ao criar e desenvol- Ao compararmos o homem com
ver meios de comunicação, parece ter outras espécies animais, estamos am-
perdido a consciência de si. A adapta- pliando a possibilidade de encontrar
ção dos padrões de comportamento de novos significados para determinados
um organismo ao seu meio ocorre de comportamentos que, à primeira vista,
maneira análoga à de seus órgãos, ou parecem ter uma origem exclusivamen-
seja, através das informações que a es- te cultural, mas que também podem ser
pécie acumulou, ao longo de sua evolu- hereditários, herdados de um ancestral.
ção, pelo método da seleção natural e Expressões como o arrepiar dos ca-
mutação. Isso quer dizer que alguns belos sob a influência de terror extre-
padrões de comportamentos foram mo ou mostrar os dentes quando em
abandonados ao longo do tempo para estado de fúria, dificilmente, podem ser
ganhar novas formas, mais adaptadas compreendidas sem a crença de que o
ao ambiente. Vale fazer o exercício e homem existiu um dia numa forma mais
retomar, em linhas gerais, a história da inferior e animalesca. A coincidência de
evolução dos padrões de comunicação certas expressões em espécies diferen-
do homem. tes, ainda que próximas, como a con-
O primeiro meio de comunicação foi tração dos mesmos músculos faciais
o corpo, através de gestos, sons e ex- durante o riso pelo homem e por vá-
pressões. Depois, alguns aparatos foram rios grupos de macacos, torna-se mais
adotados para a emissão da informa- inteligível se acreditarmos que ambos
ção. O homem passou a se pintar e a descendem de um ancestral comum. Ao
usar roupas e máscaras que adiciona- admitir que, no geral, a estrutura e os
ram significado à corporeidade. As ima- hábitos de todos os animais foram evo-
gens mentais dos sonhos passaram para luindo gradualmente, a questão da co-
as paredes das cavernas e depois para municação pode ser encarada a partir
cerâmicas, madeiras ou pedaços de pe- de uma perspectiva mais ampla.1
dras, podendo, assim, ser transporta-
das para qualquer lugar. A informação 1. DARWIN, C. (2000), A expressão das emoções no
vencia o espaço. Com o tempo, os su- homem e nos animais. São Paulo, Companhia das
portes se tornaram mais leves e práti- Letras, p. 22.

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Comportamento animal mesmo, para a evolução das popula-


ções animais, é o aprendizado. Em al-
A comunicação entre dois animais guns animais, muitos comportamentos
pode ser definida como um comporta- são passados de uma geração a outra,
mento de um indivíduo que tem efeito de forma a se tornarem duráveis ou
sobre o comportamento de outro.2 Um permanentes. Tais traços de compor-
determinado comportamento pode ou tamento fixados determinam uma ca-
não ser alterado por outro indivíduo, racterística que se perpetua através da
e apenas pode-se considerar comuni- observação dos indivíduos mais velhos
cação se esse comportamento altera a pelos mais novos. Dethier e Stellar5 fri-
resposta de um outro indivíduo.3 sam que, em muitos casos, o aprendi-
É praticamente impossível imaginar zado pode não estar ligado à observa-
qualquer espécie de animal que não ção, mas sim à maturação orgânica do
estabeleça uma comunicação com ou- indivíduo. Em um experimento com-
tros indivíduos, seja de forma intra- portamental para diferenciar aprendi-
específica (entre indivíduos da mesma zado de maturação,6 dois gêmeos idên-
espécie) ou interespecífica (entre indi- ticos foram separados. Um deles foi
víduos de espécies diferentes). A ne- submetido a uma experiência de subir
cessidade que os animais têm de se escadas, enquanto o outro foi subme-
inter-relacionar para sobreviver torna tido a caminhar apenas por superfícies
impossível que qualquer um deles pos- planas. Sem que um tivesse contato com
sa viver isoladamente. Por isso, quase o outro, as experiências foram inverti-
sempre existe uma interação social en- das, e o segundo gêmeo conseguiu su-
tre os animais.4 bir escadas de forma tão eficiente quan-
Um exemplo da importância da co- to o primeiro. Isso ilustra que a capaci-
municação para a sobrevivência e, até dade de subir escadas não está rela-
cionada com o aprendizado mas, sim,
com a maturação orgânica do indiví-
2. DAWKINS, M. S. (1989), Explicando o compor-
duo. Por isso, há dificuldade para se
tamento animal. São Paulo, Ed. Manole, p. 102;
DEAG, J. M. (1980), Social Behaviour of Animals. definir, em muitos casos, se alguns com-
London, E. Arnold Publishers, p. 1; ALCOCK, J. portamentos são realmente fruto de
(1993), Animal Behavior. Sunderland: Sinauer aprendizado ou se são inerentes à es-
Associates Inc., 1993, pp. 215. pécie.
3. Essa definição de comunicação é contestada
Qualquer espécie animal tem algu-
por alguns autores da semiótica da cultura, que
apostam que ocorre comunicação com a simples ma forma de comunicação, desde um
presença do corpo, uma vez que ele nunca passa simples sinal-estímulo que provoca um
desapercebido a um indivíduo que o nota, cau- padrão de comportamento apenas ins-
sando sempre alguma reação, mesmo que seja a
indiferença.
4. DEAG, J. M., op. cit., p. 2; DETHIER, V. G. e 5. DETHIER, V. G. e STELLAR, E., op. cit., p.
STELLAR, E. (1970), Animal behavior. New Jersey, 105.
Prentice Hall Inc, p. 130. 6. Ibid.

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tintivo, até processos comunicativos extremamente eficiente de se comuni-


extremamente elaborados como a vo- car. Esse tipo de comunicação se tor-
calização. A comunicação pode ser na possível a partir do momento em
uma exibição de saudação, como o ar- que outro indivíduo tem condições de
rulhar de pombos e rolas ou até mes- receber a mensagem. Nos humanos a
mo a redução de sinais agressivos, comunicação química seria extrema-
como a “resposta de rendição” em mente desastrosa, pois seus sentidos
cães, lobos e roedores, por exemplo. não são tão apurados a ponto de ter
Esse comportamento é adotado pelo sucesso como nos cães, sagüis ou in-
animal que, durante uma briga, acaba setos. Entretanto, o homem recém-
por se entregar: deita de bruços dei- nascido pode identificar sua mãe pelo
xando o ventre à mostra ao seu opo- cheiro dos seios. Ao passar uma gaze
nente. Nesses casos, o vencedor não no seio da mãe e dar à criança para
mais ataca, pois parou de ser estimu- cheirar, prontamente ela demonstra
lado pelos sinais que despertaram o reconhecimento. Conforme a criança
ataque. Esse mesmo comportamento vai crescendo, ela vai desenvolvendo
nem sempre pode se aplicar ao homem, seus outros sentidos e o olfato perde
que, dependendo de seu estado psí- importância.
quico ou emocional, pode não parar o Gestos e expressões corporais tam-
ataque quando seu oponente deixa cla- bém são uma importante forma de co-
ro que está vencido. municação para o homem. Na impossi-
A comunicação entre os animais não bilidade de vocalizar ou emitir sinais
é necessariamente visual ou auditiva. químicos precisos, certos animais pro-
Pode ser uma comunicação química. duzem uma variedade tão grande de
Um cão macho demarca seu território expressões corporais que a comunica-
com urina para que, num tempo futu- ção se torna eficiente. Abelhas operá-
ro, um possível intruso se aperceba do rias que localizam alimento avisam suas
aviso. Sagüis fazem o mesmo, esfregan- companheiras através de uma comple-
do as glândulas odoríferas dos genitais xa dança na qual cada movimento tem
em galhos e troncos de árvores. Várias um significado diferente. Usando pon-
espécies de insetos produzem feromô- tos do ambiente como referência, uma
nios como forma de comunicação, como abelha que nunca esteve no local onde
a mariposa da seda; o macho é capaz está o alimento pode encontrá-lo com
de detectar uma fêmea a vários quilô- assustadora exatidão apenas vendo
metros de distância se a concentração outra abelha realizar a dança. Os estí-
do feromônio for de 1 molécula para mulos sonoros também fazem parte
cada 1015 moléculas de ar,7 uma forma dessa composição comunicativa. Segun-
do Dethier e Stellar,8 uma certa cadeia
7. SCHMIDT-NIELSEN, K. (1996), Fisiologia ani-
mal - adaptação e meio ambiente. São Paulo, 8. DETHIER, V. G. e STELLAR, E., op. cit., p. 139.
Santos Editora, p. 526.

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de sons produzida pela operária que forma impressionante. O osso hióide


achou o local determina a distância a se transformou numa incrível caixa de
que se encontra o alimento. Quando a ressonância que emite sons que alcan-
colméia é importunada, as abelhas que çam até cinco quilômetros de distância
a guardam balançam as pernas emitin- floresta adentro. Nos primatas, além
do sinais a cada intervalo de tempo, o da vocalização, o padrão de cores tam-
que altera o padrão de zumbido da bém é uma importante forma de co-
colméia. Segue-se outro tipo de som municação, haja vista serem animais de
emitido pelas operárias (que é mais fra- visão bem desenvolvida.10
co) até que a agitação diminua. A es- Nas aves canoras, a emissão sono-
pectografia sonora revela que esses ra também tem importante função co-
sons são diferentes em freqüência, in- municativa. Considerando o ambien-
tensidade e padrão, o que pode estar te, esses animais podem ter o som de
relacionado com o comportamento de seu canto distorcido por fatores exter-
defesa das abelhas. nos. Se o som for atenuado, o receptor
Dethier e Stellar9 afirmam que, para pode não detectá-lo por conta dos ruí-
uma comunicação sonora ser conside- dos de fundo; se o som for degradado
rada uma forma de linguagem, é ne- durante a propagação, o receptor pode
cessário que a espécie tenha uma pro- confundi-lo.11 Assim, em uma floresta
dução articulada de sons, uma discri- densa, os sons devem ser de baixa fre-
minação auditiva refinada, capacidade qüência ou terem notas muito bem es-
cerebral para identificar processos sim- paçadas a fim de evitar as reverbera-
bólicos e uma organização social em ções. Em ambientes abertos, o canto
que a linguagem é usada para se co- pode ser mascarado pelo vento, deven-
municar segundo um padrão de regras do ter notas curtas a serem repetidas
que se perpetua. A fantástica articula- rapidamente e poderem ser detectadas
ção vocal do papagaio não é uma for- em pequeno espaço de tempo. Essa ne-
ma de linguagem, pois suas vocaliza- cessidade de se encaixar as notas no
ções não são simbólicas, são apenas curto espaço de tempo entre duas raja-
repetições de sons momentâneos. No das de vento pode ter selecionado fa-
caso de primatas não-humanos, a vo- voravelmente as aves que emitem sons
calização, embora pouco desenvolvida de alta freqüência em hábitats abertos.
se comparada à humana, é dotada de As aves que emitiam sons de baixa fre-
significados. Em verdade, ela tem im- qüência nesse tipo de ambiente podem
portante papel comunicativo em todas ter sido extintas por apresentarem di-
as espécies de primatas, até mesmo nos
lêmures e társios. No bugio-gritador
10. AURICCHIO, P. (1995), Primatas do Brasil.
(Alouatta sp.) a vocalização evoluiu de
São Paulo, Terra Brasilis Editora, p. 31.
11. KREBS, J. R. e DAVIES, N. B. (1993), An
introduction to behavioural ecology. Londres,
9. Ibid., p. 139. Blackwell Science, p. 355.

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ficuldades na comunicação. Com baixa guagem humana seja de todas a mais


freqüência e energia concentrada numa complexa, em muitos casos está próxi-
faixa estreita, os cantos na floresta atin- ma à de animais sem muito poder cog-
gem distâncias maiores que os de alta nitivo. Em Andorra, nas Ilhas Canárias
freqüência dos hábitats abertos.12 e em certas regiões do México e da
A linguagem humana, por ter um Turquia, os camponeses desenvolve-
padrão de articulação vocal enorme e ram um sistema de linguagem através
por ser detectada por um cérebro de de assobios, em vez de palavras. 17 Com
poder associativo bastante generoso, um vocabulário relativamente bem ela-
é talvez o mais eficiente sistema de co- borado, tais sistemas foram criados
municação conhecido.13 O chimpanzé para comunicação a longas distâncias,
não possui a capacidade de articular já que essas regiões são montanhosas.
palavras, e por isso se utiliza de gestos Os paredões íngremes, precipícios gi-
para a transmissão de conhecimento e gantescos e vales rochosos existentes
aprendizagem.14 A linguagem humana dificultavam a comunicação verbal
é, sem dúvida, a mais complexa. A ar- quando o receptor se encontrava fora
ticulação das palavras depende de uma do alcance da articulação vocal do emis-
série de fatores, tais como lábios, filei- sor. Por vezes, as distâncias nem são
ras uniformes de dentes, musculatura muito grandes, mas o esforço para
lingual, cordas vocais e câmaras de res- transpô-las é excessivamente alto. Es-
sonância. No homem, todos esses fa- ses padrões de linguagem concentram
tores atingem o grau máximo de espe- a energia sonora do assobio numa fai-
cialização,15 promovendo uma elabora- xa estreita de freqüência e, como nas
ção vocal altamente complexa. A im- aves de floresta, estão aptas a serem
portância da linguagem falada no ho- detectadas a grandes distâncias.
mem é ainda maior se a compararmos
ao padrão de comunicação em outros Homem inserido, homem exclusivo
animais, que produzem apenas silvos
ou rugidos ao expulsar o ar violenta- A comunicação está intimamente
mente através da glote.16 Embora a lin- ligada à produção de cultura, é ela que
distingue o homem dos demais animais
por sua capacidade de vincular o tem-
12. Ibid. p. 355.
13. Lembramos que a precisão da comunicação
po, que somente ocorre através de pro-
humana pode ser questionada por envolver sub- cessos comunicativos.18 Uma vez que
jetividade na recepção e, às vezes, ardileza na
emissão. Nesses casos podem surgir conseqüên-
cias desastrosas. 17. KREBS, J. R. e DAVIES, N. B. op. cit., p. 356.
14. DETHIER, V. G. e STELLAR, E., op. cit., p. 140. 18. “Ashley Montagu entende por cultura o pro-
15. ROMER, A. S. e PARSONS, T. S. (1985), Ana- cesso de criar, transmitir e manter o passado no
tomia comparada dos vertebrados. São Paulo, Atheneu presente — capacidade que o semanticista Alfred
Editora, p. 299. Korzybsky denominou vinculadora do tempo. As
16. Ibid. p. 299. plantas vinculam substâncias químicas, os ani-

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se colocou em dúvida que a produção tração e vinculação do tempo influi


de conhecimento não é exclusividade direta e indiretamente na vida dos ho-
do homem e nem tampouco a passa- mens e oferece uma especificidade no
gem desse conhecimento de indivíduo que diz respeito à sua comunicação.
para indivíduo, notamos uma incessan- Algumas das descobertas científicas
te busca de critérios capazes de dife- proporcionadas pelas ciências aplica-
renciar o homem dos outros animais. das somente foram possíveis com o
Isso revela uma curiosa resistência, es- conhecimento da aceleração, que, por
sencialmente por parte dos chamados sua vez, somente foi possível através
“cientistas moles”,19 em aceitar o ho- do desenvolvimento de um mecanis-
mem como um ser simultaneamente mo de marcação de tempo. Galileu, ao
cultural e biológico. estudar a gravidade, usou madeiras
Macacos abrem frutos duros com polidas e inclinadas, com sulcos por
o auxílio de ferramentas rudimenta- onde deslizavam esferas de metal. Para
res como pedras e madeira. Experiên- medir o tempo em que uma esfera per-
cias, como a realizada com a gorila corria os diversos espaços delimitados
Koko,20 comprovam a capacidade de do plano inclinado, Galileu usou um
antropóides em aprender linguagens balde de água com um furo pelo qual
gestuais e visuais com resultados que se deixava a água escorrer para um
eliminam a hipótese de simples con- recipiente graduado; com isso, pôde
dicionamento. A capacidade de abs- marcar a quantidade de água que es-
corria em cada percurso da esfera. Ao
verificar que ao primeiro trecho do
mais vinculam o espaço, mas somente o homem plano correspondia mais água que ao
seria capaz de vincular o tempo”. (MONTAGU,
segundo de tamanho idêntico, pôde
A. In: BAITELLO JUNIOR, N. (1997), O animal
que parou os relógios. São Paulo, Annablume, concluir que a esfera percorreu o se-
p. 96.) gundo trecho mais rápido que o pri-
19. As ciências humanas são conhecidas por ciên- meiro e, portanto, seguiu em movimen-
cias moles, em oposição às chamadas ciências to acelerado. O dispositivo que quan-
duras. A analogia baseia-se na flexibilidade me-
todológica das ciências humanas ao lidar com
tificava a água permitiu uma abstra-
seus objetos de estudo, ao contrário do que ocorre ção do tempo através de uma demar-
com as ciências exatas e biológicas, que primam cação espacial, assim como ocorre nos
pela precisão e a parecença com o método mate- relógios de ponteiro. A influência di-
mático. Ironicamente, encontramos nas ciências
reta do tempo é sentida pelos homens
humanas a resistência em tratar o homem como
ser cultural e biológico, o que não ocorre com a de diversas formas no controle de suas
biologia. ações, voluntária e involuntariamente.
20. Koko aprendeu uma linguagem de gestos e Essa seria uma importante relação en-
possui um vocabulário bastante extenso, tão com- tre natureza e cultura.21
plexo quanto o de um homem. Resultados como
a expressão de sentimentos e a criação de novas
palavras abalam o antropocentrismo nos estudos 21. Cf. ELIAS, N. (1998), Sobre o tempo. Rio de
de comunicação. Cf. www.koko.org. Janeiro, Jorge Zahar Editor, pp. 85-92.

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A comunicação mais embrionária — Existe, portanto, um constante


e também a mais importante — é a que diálogo entre os corpos biológico, cul-
se dá através do corpo. Partimos aqui tural e social. A interação é sempre
de Harry Pross. 22 O autor confere à múltipla. Em uma comunicação primá-
mídia três classificações: primária, se- ria, está em jogo a memória do indiví-
cundária e terciária. A mídia primária duo, que é um somatório do corpo bio-
corresponde à primeira forma de co- lógico com o cultural, e a memória do
municação — não exclusiva dos homens gesto, que pode ser futura ou passa-
—, que é a comunicação pelo corpo, da, pois pode significar um fato, um
através de gestos, sons ou da simples desejo ou uma intenção, além de um
presença. A mídia secundária é a que significado social específico resultan-
requer um aparato emissor da infor- te de comunicações gestuais que um
mação. Aqui se encontram, por exem- corpo passa a outro de geração para
plo, os livros e jornais impressos. A geração. Quando um indivíduo toca
mídia terciária surge com a eletricida- um objeto, ele o contamina com hu-
de e requer a utilização de um aparato manidade, com complexidade cultu-
codificador emissor e de um aparato ral, com subjetividade. Quando um
decodificador receptor. Aqui se inse- corpo toca ou é tocado, ele é contami-
rem, por exemplo, o telefone e a tele- nado com significados históricos.
visão. Os três tipos de mídia existem Para Norbert Elias,23 o conceito de
segundo duas leis básicas, quais sejam, tempo tal qual o conhecemos hoje re-
a cumulatividade e a retroatividade, de quereu um alto grau de abstração por
modo que a mídia terciária contém a parte da humanidade. O tempo social
secundária e a primária. Assim, para o difere do tempo físico, por conta de
estudo de qualquer meio de comuni- uma série de fatores. O fator crucial
cação de massa, é necessário, antes de de imposição do tempo social é a mídia,
qualquer coisa, o estudo do corpo. Uma principalmente após o advento e a dis-
abordagem biológica é insuficiente para seminação da mídia eletrônica. Nesse
compreender sua complexidade. Uma sentido, sistemas comunicativos têm
vez que o corpo está em sociedade e é uma função ordenadora da sociedade.
comunicativo, muitos fatores são rele- Marcamos encontro após a novela, jan-
vantes para o seu entendimento, como tamos na hora do jornal, dormimos
os significados do movimento desse depois do filme. No limite, podemos
corpo, a sua memória e o seu tempo tomar o exemplo dos reality shows
social. O tempo biológico do corpo é transmitidos em tempo integral – indi-
reprimido pelo tempo social através de víduos que o assistem não têm tempo
sincronizadores como a luz, por exem- para fazer qualquer outra coisa.
plo, e, principalmente, a mídia. A mídia gera e transmite informa-
ções em uma operação sincronizadora.
22. PROSS, H. (1980), Estructura simbólica del
poder. Barcelona, Gustavo Gili. 23. ELIAS, N., op cit.

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Se a cultura é o conjunto das informa- fato é ele mesmo interessante como


ções não herdadas geneticamente, mas evidência da grande similaridade da
transmitidas socialmente, é possível estrutura corporal e da conformação
encarar a mídia como um exemplo de mental de todas as raças humanas.26
coexistência no homem de aspectos
naturais, porque o corpo é a cellula-mater A criação da linguagem teve im-
da comunicação, e culturais, porque é portância capital para a comunicação
capaz de vincular o tempo, podendo entre os homens. A articulação de sons
criar, transmitir e manter o passado no propiciou, igualmente, um amplo de-
presente.24 senvolvimento na capacidade de enten-
dimento entre os indivíduos. Os mo-
Comportamento humano: entre vimentos expressivos do corpo — prin-
a natureza e a cultura cipalmente da face — tiveram seu pa-
pel primeiro na comunicação, enquan-
A expressão das emoções no homem e nos to ainda não havia um vocabulário so-
animais, de Charles Darwin,25 é o resul- noro; posteriormente, os gestos vieram
tado de uma exaustiva pesquisa reali- a ter o papel de concordar ou negar a
zada sobre as diversas expressões e fala, aumentando as possibilidades de
reações corporais em diferentes gru- comunicação.
pos humanos. A partir das informações Esse código gestual tem uma ori-
que obteve, concluiu gem natural e cultural. Darwin, ao com-
parar as expressões de inúmeros gru-
que um mesmo estado de espírito pos sociais, não só pôde levantar a hi-
exprime-se ao redor do mundo com pótese da existência de um ancestral
impressionante uniformidade; e esse comum entre os primatas como encon-
trar evidências para a hereditarieda-
24. BAITELLO, N. (1997), O animal que parou os de de alguns gestos que se repetem
relógios. São Paulo, Annablume; aqui o autor dis-
tingue três tipos de cultura, de acordo com um
padrão de tempo: a cultura messiânica, que bus-
ca uma sociedade utópica; a cultura tecnicista, 26. Ibid., p. 26. Darwin atribui a certos grupos de
que comemora a superação de uma sociedade de humanos, com traços físicos semelhantes, a cate-
dificuldade, e a cultura heróico-mítica, que é vol- goria taxonômica raça, o que hoje encontra
tada a um tempo passado e estabelece um tempo discordância em diversos cientistas. Uma raça
circular. Segundo ele, em geral, a sociedade da animal pode ser definida por um grupo de
mídia reúne características dos dois primeiros ti- caracteres físicos e comportamentais que não va-
pos. Apregoa um futuro de glórias, conquistas e riam, mas no homem isso não faz o mesmo senti-
facilidades que já se vislumbra nos feitos do pre- do. O conceito de raça pura, tirado de animais
sente. O passado é deixado de lado. No entanto, domésticos, por exemplo, não esclarece a diversi-
quando surgem figuras heróicas, como políticos dade humana. Por isso, muitos cientistas negam
ou esportistas, essas figuras míticas podem ser a existência de raças humanas. Fernando Ortiz,
consideradas fruto de uma exorcização de um em sua obra El engaño de la raza (Habana, Editora
passado, promovido pela própria mídia. Paginas, 1946), é um dos pensadores que nega
25. DARWIN, C., op. cit. veementemente a existência de raças humanas.

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em primatas humanos e não humanos. pode ter se desenvolvido em um an-


Alguns gestos podem ser adquiridos cestral comum.27 Já a expressão de tris-
culturalmente através da imitação teza e ansiedade são características ex-
consciente ou inconsciente. Um indi- clusivamente humanas, que somente
víduo pode criar um gesto a partir de puderam surgir quando nossos ances-
uma necessidade qualquer e a sua con- trais aprenderam a lutar para conter o
tínua repetição poderá perpetuá-lo choro.28
pela imitação e aceitação dos outros A produção de sons não é exclusi-
indivíduos. Algumas expressões po- vidade da espécie humana. Os símios
dem ter sido iniciadas por um único inferiores, por exemplo, também pro-
indivíduo e posteriormente tornadas duzem sons, mas não possuem um vo-
universais através da imitação. Mas cabulário complexo e diversificado co-
essa hipótese não dá conta de algu- mo o homem. Nesse caso, a função do
mas das manifestações mais peculia- som é simplesmente chamar a atenção,
res dos primatas, como o riso e a ex- e a comunicação se completa com ges-
pressão do medo, que coincidem nos tos e expressões. Os gestos são a prin-
homens e nos demais antropóides. cipal forma de comunicação para os
Nesse caso, a origem das expressões antropóides. No chimpanzé, por exem-
encontra-se em um ancestral comum plo, a expressão de hierarquia depen-
a todos os primatas. Outras parecem de de um gesto. Na presença de um
ter uma origem eminentemente huma- indivíduo com posição social superior,
na, como é o caso do derramamento
de lágrimas. Nossos ancestrais de- 27. Segundo o sistema de classificação cladística,
monstravam a fúria e o sofrimento in- a presença de caracteres ancestrais compartilha-
tenso com grunhidos, contorções no dos recebe o nome de simplesiomorfia. O fato de
corpo e o cerrar de dentes, mas não o homem ser capaz de produzir lágrimas, assim
como alguns macacos distantes dele, pode repre-
teriam exibido as feições expressivas sentar uma simplesiomorfia entre eles. Uma
que também estão presentes nos ho- simplesiomorfia não significa nada em termos de
mens porque não teriam o mesmo de- grau de parentesco, mas pode ajudar a esclarecer
senvolvimento dos órgãos circulató- quais caracteres são realmente sinal de proximi-
dade evolutiva, o que se conhece por Lei de Hennig
rios e respiratórios e de alguns mús-
(HENNIG, W. (1966), Phylogenetic systematics.
culos faciais. Essa hipótese é tirada da University of Illinois Press, Urbana).
observação de alguns primatas próxi- 28. Vale lembrar que Darwin está analisando os
mos ao homem, que não produzem lá- animais com bases fisiológicas, identificando, por
grimas, de modo que a origem das lá- exemplo, os músculos responsáveis por cada uma
das expressões que estuda. Assim, não podemos
grimas já estaria num ancestral de li- dizer que um cachorro expressa a tristeza com a
nhagem exclusivamente humana. No face, ainda que esteja triste, porque não possui os
entanto, Darwin alerta que algumas músculos responsáveis por essa expressão. O fato
espécies de macacos distantes do ho- de olharmos para um cachorro e julgarmos sua
aparência estar triste pode ser explicado pela pro-
mem também produzem lágrimas, de
jeção que fazemos de uma interpretação a partir
modo que essa característica também de outros gestos e atitudes do animal.

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CONTRIBUIÇÕES DA ETOLOGIA COMPARADA 233

o chimpanzé inferior inclina-se, abaixa de babuínos, nesse período, as mudan-


a cabeça e, algumas vezes, chega a bei- ças comportamentais são tão visíveis
jar a mão do dominante. Quando em que permitem a abolição temporária de
situação de conflito, o apaziguamento qualquer restrição social existente para
se dá através de um abraço seguido de as fêmeas. Essa mudança de tempera-
beijo, na boca ou em qualquer outra mento garante à fêmea uma posição tal
parte do corpo. que ratifica o acasalamento e a conse-
Pela semelhança entre os compor- qüente manutenção da espécie. Pode-
tamentos dos primatas, o estudo com- mos fazer a comparação com as mu-
parado pode fornecer pistas preciosas lheres na busca de uma explicação fun-
para o entendimento das complexas cional para a alteração de temperamen-
relações sociais. A importância dos ges- to durante o ciclo menstrual.
tos para estudos de comunicação, de Sabe-se que o que determina a du-
modo geral, passa desapercebida. A ração e freqüência desse período de
valoração fica restrita aos meios de receptividade das fêmeas são fatores
comunicação de massa, e, mesmo as- hormonais, mas também fatores so-
sim, a idéia de cumulatividade da ges- ciais. Ou seja, quanto mais uma fêmea
tualidade na construção da informação primata estiver inserida em um grupo
é deixada de lado. socialmente equilibrado, cujas fêmeas
Por exemplo, a origem do beijo na se encontram nesse período receptivo,
boca estaria na alimentação. As fême- mais facilmente ela estará apta a apre-
as primatas, na intenção de variar a ali- sentar a mesma condição. É possível
mentação de suas crias durante o des- supor que nossas antepassadas também
mame, usualmente mastigavam alimen- apresentavam um período restrito de
tos e os transferiam aos filhotes pela receptividade ao acasalamento. Daí
boca. Também entre os gregos seme- surgir o questionamento sobre os mo-
lhante alimentação acontecia, e, não tivos que fizeram a seleção natural pro-
raro, encontraremos a prática em ou- piciar às mulheres a extinção da restri-
tras sociedades. Vale fazer a analogia ção do período de receptividade para
da origem do beijo na boca com a fun- as relações sexuais. Uma explicação
ção sexual adquirida em nossa socie- poderia ser encontrada na observação
dade — através do beijo os amantes se do comportamento dos bonobos, es-
alimentam de ternura e desejo. pécie mais semelhante ao homem. As-
Os rituais de acasalamento dos an- sim como as mulheres, as fêmeas bono-
tropóides também trazem semelhanças bo também consentem em relações se-
com os homens. Quando em período xuais fora do período de acasalamento.
de acasalamento, o corpo da fêmea an- Essa característica tem uma função so-
tropóide se modifica — exibe um in- cial de propiciar um pacto entre os in-
chaço em sua zona ano-genital —, além divíduos baseado na sexualidade. A
de apresentar uma alteração nítida de prática sexual constante dos bonobos
comportamento. Em algumas espécies funciona como um redutor de violên-

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cia e tensão do grupo. Essa explicação to com a sociedade. Muitas vezes, es-
funcional também pode ser aplicada aos sas particularidades são produto da
homens e coloca a sexualidade também alta capacidade cognitiva humana; ou-
como prática de manutenção de víncu- tras vezes, elas são inatas e podem ser
los sociais. observadas em qualquer grupo social,
A ostentação do pênis é outra for- como pôde constatar Charles Darwin
ma de comunicação bastante freqüen- em sua pesquisa sobre as expressões
te entre os primatas e também nos per- do homem.29 O trabalho para se iden-
mite uma comparação curiosa. Alguns tificar essas características é minucioso
mamíferos demarcam o seu território e delicado, exige a comparação das
através da micção; é o caso, como já observações de distintos indivíduos e
dito, do cão. Nos primatas, essa fun- demanda imensa sensibilidade do ob-
ção é pouco usual porque possuem o servador.
olfato pouco desenvolvido, ao contrá- Para as ciências sociais, a importân-
rio da audição e visão. Somente algu- cia da identificação dos reflexos here-
mas poucas espécies de símios ainda ditários do homem reside na possibili-
utilizam a marcação de território pela dade de se fazer uma arqueologia das
urina. O pênis ganha uma nova função origens de gestos e expressões que hoje
que permite a determinadas espécies possuem funções relevantes, na finali-
uma outra forma de comunicar os li- dade de entendê-los com maior pro-
mites do seu território. O macho esco- fundidade. Para o estudo da comu-
lhe um local alto e visível, agacha-se e, nicação, especificamente, a descoberta
de coxas afastadas, exibe seus órgãos de gestos hereditários e o estudo de
genitais aos possíveis intrusos. Essa é sua função primordial permitem am-
uma típica demonstração de poder que pliar o entendimento de sua significa-
também é muito comum hoje em dia ção. Essa arqueologia é igualmente
entre os homens, veja-se o exemplo de importante para os comportamentos
habituais piadas sobre a sexualidade e culturais.
a comparação dos órgãos genitais como Ao observarmos algumas expres-
símbolo de masculinidade. sões em crianças recém-nascidas, po-
É preciso questionar a diversidade deremos crer que o riso, por exemplo,
dos comportamentos e até que ponto a é uma expressão adquirida por imita-
cultura influencia a aquisição de expres- ção através do trato com outras pes-
sões, gestos e hábitos. Distinguir natu- soas, principalmente com a mãe. Essa
reza e cultura tem causado algumas observação parece óbvia, mas estudos
confusões na apreensão de hábitos que comprovam que uma criança que tenha
parecem ter sua origem exclusivamen- entre 3 e 6 meses sorri para tudo o que
te nas relações sociais. É comum ver- lhe apresentam à frente, e somente com
mos nas ciências sociais o tratamento 7 ou 8 meses é que a criança saberá
de particularidades humanas como fru-
to do aprendizado do indivíduo no tra- 29. DARWIN, C., op. cit.

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identificar e corresponder apenas aos bitos e atitudes dos outros animais


rostos sorridentes.30 Outro indício de pode ser de grande utilidade para o
que o riso é uma expressão inata é a entendimento da comunicação entre os
constatação de sua presença em crian- homens.
ças cegas e surdas. Somente conforme Nosso comportamento não é, por-
vão crescendo é que as crianças porta- tanto, somente fruto de aprendizagem.
doras dessas deficiências começam a É também a resultante de instintos na-
sorrir com menor freqüência. Essa com- turais. O conhecimento de códigos uni-
paração permite atestar a origem na- versais de comunicação representa um
tural dessa expressão e também a in- instrumento potencial de poder. As
fluência do ambiente e da cultura em agências de propaganda podem confe-
seu desenvolvimento. rir a um produto uma visualidade tal
que instigará uma reação desejada, que
Os movimentos expressivos do rosto e por sua vez vai gerar o desejo de con-
do corpo, qualquer que seja sua origem, sumo. Um político em campanha po-
são por si mesmos muito importantes derá usar determinado tom de voz
para o nosso bem-estar. Eles são o pri- para provocar comoção em uma pla-
meiro meio de comunicação entre a mãe
téia de eleitores. Um pai poderá ele-
e seu bebê; sorrindo, ela encoraja seu
filho quando está no bom caminho; se
var sua voz e tensionar sua face para
não, ela franze o semblante em sinal desaprovar uma postura de seu filho.
de desaprovação. Nós facilmente per- Esses são alguns exemplos de atitudes
cebemos simpatia nos outros por sua de poder que podem ser verificados
expressão; nossos sofrimentos são as- em diferentes sociedades.
sim mitigados e os prazeres, aumenta- Não queremos com isso dizer que
dos, o que reforça um sentimento mú- a importância da etologia comparada
tuo positivo. Os movimentos expressi- está eminentemente nas possibilidades
vos conferem vivacidade e energia às
que o conhecimento de códigos gestuais
nossas palavras. Eles revelam os pen-
traz para a práxis. Pelo contrário, sua
samentos e as intenções alheios melhor
do que as palavras, que podem ser fal- relevância está principalmente na iden-
sas. 31 tificação de novas pistas para a inves-
tigação e o entendimento das ações
O comportamento do homem mo- humanas.
derno é a culminância do comporta- Os padrões de comunicação animal
mento de milhares de gerações. Ao são os mais diversos possíveis. Todos
constatar a importância da expressão e eles evoluem conjuntamente com o
da gestualidade, a observação dos há- ambiente e com os animais que os pro-
duzem, porque a sobrevivência de
qualquer espécie animal se baseia mui-
30. SPITZ, R. A. e WOLF, K. M. (1946), “The
smiling response: a contribution to the ontogenesis to na sua capacidade de se comunicar,
of social relations” in Gen. Psychol. Monogr. nº 34. seja prevendo um perigo, avisando
31. DARWIN, C., op. cit., p. 339. como encontrar recursos, localizando

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parceiros para acasalamento ou, no


caso do homem, articulando conheci-
mento e desenvolvendo tecnologias.
De uma forma ou de outra, não há am-
biente que proporcione uma sobrevi-
vência segura e a possibilidade de per-
petuação da espécie a animais que
não se comuniquem.

Recebido em 30/4/2002
Aprovado em 30/6/2002

Rafael Araújo, cientista social, pesquisador do


Núcleo de Estudos em Arte, Mídia e Política.
E-mail: rafa77@uol.com.br

Ricardo Pinheiro Lima, biólogo e analista


ambiental do Ibama.

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