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História da Política Externa Brasileira

Prof. Angelo Santos

Questão 04/01/2021

“Do ponto de vista da diplomacia em sentido estrito, talvez se possa identificar, na fase inicial de
1930 a 1937, um momento de básica continuidade com seu passado recente tanto no conteúdo
da agenda de problemas externos quanto na forma de resolvê-los.”
RICUPERO, R. A diplomacia na construção do Brasil: 1750-
2016. Rio de Janeiro: Versal Editores, 2017, p. 344.

Disserte sobre os desafios externos enfrentados pelo governo de Getúlio Vargas entre 1930 e
1937.
(sugestão – 60 linhas)

Grade de correção

• Chanceleres:
o Afrânio de Mello Franco (1930-1933).
o Félix de Barros Cavalcanti de Lacerda (interino, 1933-34).
o José Carlos de Macedo Soares (1934-1936).
o Mário de Pimentel Brandão (1936-1938).
• Prioridades:
o Questões econômicas.
o Relações hemisféricas.
• Diplomacia econômica – o desenvolvimentismo.
o Impactos da crise de 1929.
§ Café perde 2/3 do valor entre 1929 e 1932.
§ Deterioração dos termos de troca 30%;
§ Redução da capacidade de importar 40%.
o Crise cambial e financeira.
§ Esgotamento das reservas internacionais em 1931.
§ Missão Niemeyer (1931): receituário ortodoxo, condiciona novos
financiamentos à adoção do padrão-ouro (abandonado pela Grã-
Bretanha em set. 1931) e à criação de um Banco Central.
§ Suspensão do pagamento da dívida externa, em set. 1931.
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§ Funding loan de 1931: novo empréstimo de consolidação dos


Rothschilds.
• O empréstimo não estabilizou as finanças brasileiras
§ Esquema Aranha (1934): Brasil negocia com credores a redução
temporária dos juros e a consolidação da dívida, com prioridade
para o pagamento de amortizações.
o Política comercial.
§ Prioridades:
• diversificar a pauta de exportações.
• abrir novos mercados, por meio de acordos bilaterais de
matiz liberal.
§ Plataforma da Aliança Liberal (eleições de 1930) expressamente
propunha a revisão dos tratados já existentes e a celebração de
novos acordos.
§ Discurso de Vargas ao corpo diplomático acreditado no Brasil (jul.
1931): “tratados de comércio sem preferências e inspirados por
normas claras de uma política sincera e leal, norteada no sentido
da garantia e da equidade pela aceitação da cláusula de nação
mais favorecida” como diretriz de governo.
§ Art. 4º. do Decreto 20.380, de 08.09.1931: MRE deve convidar os
países com representação diplomática no Brasil a negociar
acordos comerciais com concessão recíproca e incondicional do
tratamento de NMF.
• Até 1933, 31 acordos firmados com cláusula de NMF
(acordos Melo Franco).
§ Decreto n. 532, de 30/12/1935, determina a revisão dos acordos
de NMF, prevendo a denúncia dos tratados firmados antes de 1º.
de janeiro de 1934.
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• Clodoaldo Bueno vê, nessa medida, uma reação à


constatação de que os parceiros comerciais, sobretudo
europeus, teriam recorrido a artifícios que anulassem a
cláusula de NMF.
§ Criação do Conselho Federal de Comércio Exterior, vinculado à
Presidência da República (1934).
§ Acordos comerciais EUA e Alemanha – “equilíbrio possível”
• EUA: acordo firmado em fev. 1935.
o Natureza ortodoxa; princípios do livre-comércio.
o Concessões tarifárias recíprocas:
§ EUA: livre importação de café e outros
produtos, redução a 50% da taxa sobre
manganês, mamona e castanha-do-pará.
§ Brasil: corte de tarifas para bens de
consumo durável.
o Pagamentos em moeda conversível.
o Oposição de grupos industriais brasileiros x Apoio
de grupos ligados às finanças e a empresas
estrangeiras.
• Alemanha: acordo (modus vivendi) firmado em jun. 1936.
o Natureza heterodoxa.
o Pagamentos em marcos compensáveis, somente
utilizáveis na importação de mercadorias alemãs.
o Alemanha pagava preços melhores do que o
mercado internacional.
o Aumento das exportações de algodão, lã, couros,
peles, tabaco.
o Alemanha torna-se maior fornecedor de
importações brasileiras entre 1936-1938.
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• Sumner Welles visita o Brasil em dez. 1936 para discutir a


concorrência comercial alemã; em jul. 1937, o Ministro da
Fazenda Artur de Souza Costa visita os EUA e obtém a
concordância dos EUA com o comércio compensado com
a Alemanha.
o Brasil promove a Conferência Internacional do Café, em São Paulo (1931).
§ Criação do Bureau Internacional do Café.
• Relações hemisféricas:
o Governo de Washington Luís (chancelaria Otávio Mangabeira) propôs
retomar boas relações com os vizinhos (“de volta à América), mantendo
posição de neutralidade.
§ A demarcação de fronteiras foi usada como demonstração de que
o Brasil não tinha propósitos expansionistas.
o Com o governo Vargas, o Brasil adota postura mais assertiva, de
mediação de conflitos regionais – questão de Letícia e guerra do Chaco.
o Compromisso com os meios pacíficos de solução de controvérsia:
§ Pacto Saavedra-Lamas (Tratado Antibélico de não Agressão e
Conciliação): Brasil, Argentina, Chile, México, Paraguai e Uruguai
(Rio de Janeiro, 1933).
§ Pacto Briand-Kellog, VII Conferência Pan-Americana
(Montevidéu, 1933)
o Questão de Letícia – Colômbia e Peru.
§ 1922 – Tratado de Salomón-Lozano – Peru cede Letícia à
Colômbia.
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§ 1925 – Ata de Washington.


• Colômbia e Peru reconhecem a linha Apapóris-Tabatinga.
• Brasil cede à Colômbia a livre navegação no Amazonas e
em outros rios comuns.
§ 1928 – Tratado suplementar entre Brasil e Colômbia reconhece a
linha Apapóris-Tabatinga como limite entre os países.
§ Set. 1932 – Peruanos da cidade de Loreto ocupam Letícia.
• Governo do Peru inicialmente nega apoio, atribuindo a
ação a rebeldes apristas.
• Diante das manifestações nacionais, governo peruano
altera posicionamento e opõe-se à intervenção
colombiana para restaurar sua soberania.
§ Fev. 1933 – primeiro embate entre forças dos dois países.
§ Brasil oferece mediação no final de 1932; mantém neutralidade,
permitindo a livre navegação dos rios a ambos os países, mas
impedindo o sobrevoo de aviões sobre território brasileiro.
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§ Mediação da Liga das Nações leva a acordo, em 25/05/1933.


• Comissão Administrativa – Brasil, EUA e Espanha –
administra o território por um ano; retira-se em
19/06/1934.
• Em out. 1933, instala-se conferência diplomática entre os
litigantes, no Rio de Janeiro, sob presidência de Afrânio de
Melo Franco.
• Protocolo do Rio de Janeiro, de 24/05/1934 –
reconhecimento do Tratado de Salomón-Lozano, que só
poderia ser modificado por acordo bilateral ou decisão da
Justiça Internacional.
o Os países comprometeram-se a renunciar aos
métodos violentos e a submeter suas questões à
CPJI.
o Ata adicional regulou a navegação fluvial entre os
dois países, dentre outros temas.
o Guerra do Chaco – Bolívia e Paraguai,
§ Paraguai e Bolívia disputam a soberania do Gran Chaco, onde
suspeitava-se haver reservas de petróleo.
§ Primeiro embate em dez. 1928 – Brasil manteve-se
absolutamente neutro, recusando-se a participar da Conferência
de Conciliação e Arbitragem em Washington.
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§ 15/06/1932 – retomada do conflito, com ataque boliviano à


fortificação paraguaia Carlos Antonio López.
§ Revolução constitucionalista de SP entre jul. e set./1932:
• Vargas trabalha para impedir o reconhecimento do estado
de beligerância e para que vizinhos impeçam a chegada de
armamentos aos rebeldes; também quer impedir que
Buenos Aires vire centro de articulação dos rebeldes.
• Paraguai obsta a entrada no Brasil de aviões adquiridos
pelos paulistas.
§ Brasil mantém-se neutro até 1935, mantendo cautela com
relação às propostas de mediação.
• Condicionantes internas brasileiras.
• Tolerância com Buenos Aires.
• Ausência de interesses econômicos diretos na região.
§ Argentina, formalmente neutra, frustra tentativas de paz da LN e
dos EUA.
• Apoio militar argentino secreto ao PY.
• esforço de liderança na América do Sul.
• Oposição à influência do Chile e dos EUA na questão.
• Manutenção da hegemonia sobre Paraguai.
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• Possível concorrência do petróleo boliviano com a


indústria petrolífera argentina.
§ Em 1935, mudança de postura brasileira, que decide participar
ativamente na solução do conflito.
• Vargas convida (17/04) Paraguai e Bolívia a enviarem
representantes para conferência no RJ, com suspensão
dos combates; Paraguai, em vantagem militar, recusa.
• 27/04 – Nota conjunta dos embaixadores da Argentina,
Chile, EUA e Peru solicitam colaboração brasileira na
construção da paz; Brasil aceita, impondo a presença dos
EUA e Uruguai nas negociações.
• 27/05 – Início de visita de Vargas a Buenos Aires,
retribuindo visita de Justo ao RJ (1933).
o A visita coincide com a conferência de paz no
Chaco; Vargas leva Macedo Soares; antes, visitou
Montevidéu, reforçando as boas relações entre os
BR e UY.
o Vargas e Justo entendem-se, pressionando as
próprias chancelarias e retirando de Paraguai e
Bolívia qualquer respaldo externo.
• 12/06 – Protocolo de Paz garante cessar-fogo,
determinando a desmobilização dos exércitos no Chaco, a
formação de uma comissão militar neutra de supervisão
(presidência AR) e a solução arbitral do litígio territorial,
caso não houvesse acordo entre os litigantes.
• 01/07 – Conferência de Paz tem início, sob presidência de
Saavedra Lamas.
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• Lamas é laureado com Prêmio Nobel da Paz em 1935, sob


a justificativa de ter liderado as negociações que levaram
ao Protocolo de Paz.
• A Conferência de Paz segue até jul. 1938, quando é
assinado Tratado de Paz, Amizade e Limites entre Bolívia
e Paraguai, submetendo cerca de 31.000 km2 a
arbitragem (de cerca de 265 mil km2 em litígio).
• Conclusão:
o Brasil conseguiu manter política assertiva no plano regional, atuando
como mediador de conflitos entre vizinhos e equilibrando o xadrez no
Prata.
§ Início da transição do Paraguai para a influência brasileira e norte-
americana – novo padrão para atuação dos EUA na América do
Sul, alinhando-se ao Brasil e Paraguai, contraposição com
Argentina.
§ Crescente desconfiança no Brasil em relação à Argentina
o Equilíbrio possível entre EUA e Alemanha.
o Recuperação econômica: entre 1934 e 1937 a economia cresceu 8% ao
ano. Porém, ao final de 1937, o BP mostrava-se novamente
desequilibrado, fruto, basicamente, da deterioração dos termos de troca
e do aumento das importações.

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