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VITÓRIA DA CONQUISTA E A QUESTÃO URBANA:

CIDADANIA, MEIO-AMBIENTE E GESTÃO.

João Phelipe Santiago1

RESUMO: Este trabalho se destina a análise e discussão da questão urbana em Vitória


da Conquista. Abordando aspectos da epistemologia geográfica e das ciências sociais
aplicadas ao problema da construção da cidadania em meio às lutas pela afirmação do
ser humano por melhores condições de trabalho e existência. Dessa forma articulamos
uma abordagem evidenciando a complexidade como deve ser enfocada a formação do
espaço geográfico conquistense, a evolução da malha urbana, e as conseqüências sobre
o impacto ambiental e social. Alertando os poderes ligados à gestão pública e a iniciativa
privada da importância do geógrafo como profissional que estrategicamente não pode
ser negligenciado no processo de construção de uma cidadania plenamente democrática
e participativa de fato. Para isso um dos papéis da geografia é o desenvolvimento da
consciência espacial da situação geográfica onde nos encontramos.

PALAVRAS-CHAVE: Questão urbana, trabalho, gestão pública, iniciativa privada.

1
Prof. Assistente Ms.DG / UESB – Campus Vitória da Conquista. Mestre em Geografia Humana - UFPE.
Doutorando em Geografia Humana – USP. phelipe@uesb.br .
Geografia, Consciência Espacial e Cultura

A cada dia a Geografia como Ciência Humana, preocupada com os significados e


sentidos da realidade social, compreendida como uma totalidade viva e complexa torna-
se um conhecimento estratégico fundamental para consolidação da cidadania plena. A
questão que se coloca nesta primeira década do século XXI é a concretização do cidadão
poder plenamente usufruir o direito de ter acesso aos bens materiais fundamentais
deixados desde a criação do mundo; ou seja, os recursos naturais. Bem como o acesso
aos bens proporcionados pelo desenvolvimento das forças tecnológicas, no que tange
não necessariamente ao luxo, mas ao aumento de bem estar e conforto, isto é: ao que
promova uma maior e melhor expectativa de qualidade de vida.
A mais importante tarefa concreta é o equacionamento de como nossa sociedade
deveria se organizar para minimizar os desperdícios de tempo e de capital; para uma
melhor equalização/racionalização da utilização dos recursos naturais e da divisão do
trabalho diante das disponibilidades já existentes relativa à infra-estrutura montada.
Objetivando aumentar o potencial da rede geográfica existente, para que assim a
sociedade como um todo possa ter condições de neutralizar as ondas inflacionárias,
provocadas pela estrutura econômica-política-cultural voltada para satisfazer o processo
de acumulação absurdo e sem sentido. Legitimado pelo modelo governamental
dominante, que reproduz a alienação através do processo produtivo subordinado a
cultura decadente de ostentação dos valores do mundo burguês antiquado; que tem
engendrado o complexo de consumo a partir do sofisma da mitificação do consumo sem
consciência crítica da verdadeira importância do quê e de como se está consumindo?
Qual a prioridade de consumir determinados produtos que são questionáveis o real valor
em relação ao que acrescentaria de fato uma melhoria na qualidade de vida? Qual o
sentido de se valorizar um mundo imaginário e artificial de prazeres delegados pela
mídia que cria paisagens virtuais de um suposto paraíso, que tem servido de background
da propaganda dos bens cobiçados pela grande maioria populacional (belos carros,
casas mobiliadas, apartamentos, condomínios, roupas elegantes e sensuais, geladeiras e
armários cheios de comidas industrializadas, viagens de turismo pelas mais fascinantes
paisagens da Terra, “plano de saúde” com cobertura total, serviços de spa, etc.? Em
outras palavras qual a razão de se destruir a natureza, para se criar regiões monocultora
economicamente, engendrando paisagens homogêneas e desequilibrando o ecossistema
gerando um alto custo social e desperdício da vida com qualidade e depois vender a
natureza em pedacinhos para ser consumida de forma inflacionável (ex.: água mineral,
alimentos mais saudáveis e de maior valor nutritivo e vital para o melhor desempenho
do metabolismo, muitos dos quais poderiam ser produzidos no próprio município). Em
outras palavras, qual o sentido de se criar uma anti-natureza no mundo urbano forçando
os habitantes das cidades a consumir os pacotinhos de natureza que normalmente é bem
mais caro; relegando um consumo mais saudável para o horizonte da utopia do mundo
virtual da propaganda e do marketing dos supermercados, shoppings e outras lojas
existentes.
Falo de uma consciência/teoria geográfica capaz de entender o complexo sistema
de circulação e comunicação, por onde trafegam os diversos tipos de mercadorias e
serviços, em meio a que se engendram os domínios de poder e capital. Por onde se
veiculam a grande diversidade das territorialidades, se redefinindo os seus significados e
valores possíveis, engendrando novas formas de realização do capital. Em síntese,
compreender a relação cidade-campo e o município como pertencentes à regionalização
estadual e a rede nacional globalizada.
Assim esta análise busca apreender o processo de urbanização em suas
determinações histórico/territoriais, político-econômicas e sócio-culturais. Verificando-se
como esse processo promoveu a expansão da malha urbana e que conseqüências sociais
e sobre o meio ambiente desencadeou. Uma vez que a lógica espacial pode ser
observada a partir dos seus reflexos na configuração das paisagens; poderemos discutir o
sentido da realidade que está sendo produzida em nosso cotidiano, e as tendências que
normalizam nossas atitudes diante das disponibilidades e legitimações do mercado.
O espaço geográfico é uma “totalidade viva” (SANTOS, 1985) produto do
complexo de relações que engendram as estruturas concretas (os fixos, por ex.: as
construções, estradas) e os movimentos que são intercambiados pelas redes de
comunicação e circulação (os fluxos, por ex.: informações, capital, pessoas, energia).
Todo esse complexo e sua estruturação possuem uma significação dialética que se
explica pela trama de interesses e necessidades que perpassa toda a história da
humanidade.
O espaço geográfico urbano assim concebido poderá ser objeto de uma análise
que questione o sentido e a finalidade real de sua própria produção. Como ele vem
sendo construído e por quem ele é usufruído em função do status quo? Quais são os
agentes que produzem essa realidade e quais são os agentes que ocultam a
compreensão dessa mesma realidade objetiva? Quantos de fato e plenamente
conseguem usufruir das conquistas espirituais, culturais e materiais que a humanidade já
chegou? De que forma se poderia classificar os níveis de usufruto das conquistas
materiais e culturais legadas por nossa sociedade enquanto produto da história de si
mesma, mas que está estruturada em classes? Mas que devido os interesses dos grupos
hegemônicos ligados as determinações do poder econômico e político capitalista
aprisiona/entrava o sentido mais importante e vital do potencial criativo da sociedade,
engenhado paulatinamente, ao longo da evolução da ciência. Provocando uma
conseqüência perversa; ao mesmo tempo em que o sistema de controle dos grandes
capitais se apropria de conquistas técnico-científicas gerando mais vantagens para os que
possuem os maiores estoques de bens (terras, capitais, tecnologia, informação); gera
também mecanismos limitando o acesso a terra e ao emprego digno.
Para responder a isso partimos para entender como o espaço que nos
compreende e perpassa toda a nossa existência é um produto histórico das relações que
se materializaram na construção do território regional e do domínio econômico,
comercial, político, social e cultural. Onde convive cotidianamente toda uma luta
dialética de relações que gera inevitavelmente marcas visíveis na paisagem. Seja por
meio da estruturação da rede geográfica através dos fixos (montanhas, prédios, casas,
estradas, indústrias,...) e da dinâmica dos fluxos (pessoas, transportes, circulação,
comunicação, idéias, valores,...) como pensou Milton Santos (1985, 1996), bem como
em relação ao estado geral da vida social, principalmente as classes baixas e médias,
essencial indicador das conseqüências do desenvolvimento humano nos níveis
local/regional/nacional/mundial.
Da consideração dos nexos entre o particular e o global é que concebemos esse
complexo espaço geográfico vivo planetário. Onde são recriadas novas territorialidades,
e as velhas territorialidades cujos papéis não mais respondem pelos anseios sociais,
funcionam como entraves ao pleno desenvolvimento da humanidade pela construção de
um socialismo/comunismo23. Tal qual na prática cristalize um modo de vida que gere
benefícios sociais duradouros, e que não seja usurpado por interesse algum que
dissimulem sobre os verdadeiros valores dos recursos naturais e como eles são
transformados em mercadorias. As quais, neste país e estado particularmente, na maioria
das vezes não contribuem com a promoção do bem estar concreto, real e saudável, que
possa ser atestado por órgãos de competência médica, jurídica, de defesa do
consumidor, por exemplo.
De forma que a sociedade que habita no espaço onde trabalha, possa no
mínimo, usufruir a riqueza natural, industrial, dos serviços, e cultural que aquela região
possui e que potencialmente pode desenvolver através de uma política direcionada a
satisfação dos direitos básicos: habitação própria, alimentação de boa qualidade,
saneamento urbano que respeite o meio ambiente, garantia de saúde de forma coerente
a respeitar a ética de uma medicina comprometida com a sociedade e não com trustes
de multinacionais de remédios, direito ao trabalho como princípio do desenvolvimento
sustentável e diversificação da economia regional, educação pública competente,
transporte coletivo compatível com o nível mínimo de renda e que haja acordo por lei
municipal que só pode ser reajustado na mesma proporção que o salário mínimo
também o seja, para citar alguns exemplos do patamar básico que deve visar a gestão
estatal e privada que naquela região/município venha a se alocar.
Entretanto, observamos que devido à inserção daquele lugar no processo de
globalização, e é também o caso de Vitória da Conquista, aquele potencial fica tolhido
ou a mercê da ordem a que está sujeito ser subjugado. Claro que, o processo de
globalização induz a desenvolver determinadas potencialidades que necessariamente
não tendem a criar uma organização social que promova como um movimento em
espiral ascendente, que gere um bem estar social urbano como um todo. É o caso da
estrutura agrária dominante pecuarista e cafeicultora, e da rede comercial. Que contribui
para criação de desigualdades sociais e baixos níveis de salários e empregos. E que não
consegue ter consciência, por exemplo, da importância do aumento do poder aquisitivo
individual e do nível de cultural para melhor equalização dos desequilíbrios sociais. Um
outro exemplo importante pode ser demonstrado nesta cidade diz respeito a pouca
importância que a classe dominante econômica não consegue pressionar o poder
estadual, nem o municipal para que sejam efetivamente estabelecidas melhores
condições de trabalho/ensino/pesquisa e salários para os professores. Ratificando ser
uma elite atrasada culturalmente e submissa aos modismos da cultura decadente do
mundo burguês.
Outro exemplo significativo desta consciência depredadora e mercenária se
evidencia na mobilização que tem a sociedade em épocas de micareta (carnaval fora de
época). É o momento mais significativo se compararmos a infra-estrutura envolvida e os
capitais empregados no sentido da criação de todo uma situação urbana adaptada às
necessidades do mercado turístico nesse momento. Mudando rapidamente todo o
cotidiano da cidade, e subordinando as concretas necessidades vitais a esse suporto
portal da alegria e êxtase. Embora a pretexto de que também precisamos de anarquia ao
som do axé.
Para onde vai o capital empregado nessa circunstância? Poderemos questionar
sobre o sentido do entretenimento, quando comparado com a potencialidade do

3
Ver Löwy (1994), especificamente a parte sobre O marxismo ou o desafio do “princípio da carruagem”,
em que se debatem os limites entre ciência, ideologia, e ponto de vista de classe (p. 126-7).
município em promover o desenvolvimento do bem estar social concreto de sua
população.
A mobilização da sociedade para uma festa efêmera, que se mostra empolgada
em ritmo de mutirão e parcerias proclama o que é capaz de fazer em uma semana.
Preparando suas ruas para o movimento transitório do frenesi alimentado pelos etílicos,
cigarros e outras substâncias entorpecentes, breves “delírios” movidos quimicamente
pelo álcool e associados, além do barulho de endoidecer dos trios que não respeitam os
órgãos auditivos. Para que tanto esparro se as pessoas só estão a uns poucos metros do
trio, haja vista que as próprias ruas e muros funcionam como fixos potencializando ainda
mais o efeito sonoro. Por que a saúde pública não intervém com um decibelímetro? Por
tudo isso, duvidamos que esse tipo de “força musical” consiga por si mesma tanta
euforia? Sobretudo, observamos sempre o poder público e empresarial se mobilizar
como em nenhum outro momento. Mas é porque gera consumo, e simplórios
subempregos para quem, por exemplo, segura as cordas do doido bloco de um trio
elétrico, de um carnaval mercantil, desculpem os chegados, medievalesco. É isso, por
exemplo, o que realmente a sociedade necessita, mesmo ao nível de válvula de escape?
É esse o suposto clímax de alegria, que os organizadores e parceiros consegue produzir!?
Vou repetir, é isso que chamam de alegria contagiante!? Novamente; é essa a
melhor mercadoria que mesmo se legitimando socialmente, produz a mais formidável
liberalização? ... E tudo isso tem um altíssimo custo social e implicações sobre o meio
ambiente. Pois só se vive uma vez. Então vamos arrasar! Será que é por aí! Uma coisa é
promover o entretenimento. Para isso parece sempre haver mais criatividade posta em
prática pelos agentes comerciais neta cidade. Outra coisa é promover o bem estar
legitimamente de forma não inflacionária e saudável.
Quando o poder público vai conseguir mobilizar a sociedade para discutir o
sentido de seu bem estar com o mesmo impacto que mobiliza a festa da micareta?
Certamente o governo estaria cumprindo fielmente o que diz nas suas promessas e na
Constituição Nacional. Tornando o acesso aos direitos sociais um fato consumado.
Consolidando o Estado-nação brasileiro como uma grande potência social mundial.
Porque ele hoje é somente uma potência produtora econômica que não reconhece os
direitos sociais dos seus cidadãos, virtualmente concebidos, mas não materialmente
usufruindo desta cidadania.
Uma perspectiva de análise para ser crítica, necessariamente tem que dar conta
do processo que engendra a problemática social. Por isso, a questão da cidadania vem à
tona, numa época de agravamento da crise mundial, nacional e regional em todos os
setores: economia, política, cultura, cidadania, para citar alguns exemplos.

A cidadania em Questão

Quanto à questão da construção da cidadania; é preciso situá-la dentro deste


background onde se engendrou a evolução das relações de trabalho em liame à
produção do espaço geográfico atrelado ao processo de formação das regiões brasileiras.
Igualmente se situam a formação do complexo nordestino e do estado baiano. Assim,
Vitória da Conquista e sua configuração espacial como cidade é um capítulo contido no
desenvolvimento da afirmação do Estado-nação, e a conseqüente modernização e
consolidação como potência agrária, urbana e industrial mundial na segunda metade do
século XX. Dessa forma, na transição da existência do primeiro aglomerado de casas à
mudança para arraial e Imperial Vila da Vitória, e a ascensão a categoria de cidade no
período republicano, se caracteriza uma etapa na qual não há o humano e cidadão, mas
o índio e o escravo, e depois o assalariado e o desempregado. O cidadão era quem
tinha o poder territorial, militar ou comercial. Os outros eram passíveis de serem
executados a qualquer momento sem defesa ou justificativa de sua sentença. Nessa
época se estabeleceu uma sociedade de senhores fazendeiros pecuarista numa estrutura
agrária concentradora de terras. Com isso, procuramos primeiramente entender as
circunstâncias regionais de gestação da cidadania entendida através do processo
histórico, político e econômico; como uma construção que busca na sua plenitude
propiciar ao cidadão o gozo de todos os direitos, políticos, sociais e civis (CARVALHO,
2001, p. 219-229). Até hoje não foi concluída uma cidadania plena e democrática, que
garanta de fato o gozo destes direitos. Uma das razões é a própria crise de significação e
sentido da democracia que ainda não resolveu o problema da desigualdade social.
A história mostra que existem vários caminhos para se chegar à cidadania.
Sempre a utilização da força é usada para obtenção de poder. A história da organização
da sociedade por vias democráticas através do sufrágio universal é recente. Mesmo assim
a democracia precisa ser aperfeiçoada para colocar em prática a criatividade mais
essencial que emana de muitos talentos individuais, mas que devido aos mecanismos
concorrenciais estabelecidos, não foi dado ainda a gestão dominante criar formas de
participação que gerem efeitos benéficos e potencializem o bem estar de forma não
inflacionária.
O que precisa mudar para surtir efeitos rápidos e concretos na melhora das
condições de vida e de trabalho da maioria populacional que vem servido como estoque
de mão-de-obra barata e excluída dos fluxos financeiros fundamentais e dos circuitos de
aquisição das mercadorias que geram uma melhor manutenção e aumento de nossa
força vital. Pois viver sob condições não adequadas só subtrai a energia vital; daí ser
necessário sempre se levar em conta o progresso do conhecimento a respeito da
condição da vida humana uma maior e melhor expectativa de vida. Essa atualização
tem que ser permanente, pois a evolução da avaliação do que taticamente é melhor num
determinando momento é também um fator contraditório no mundo das mercadorias.
Contudo, já é comprovado algumas situações que geograficamente fazem sentido seja
em relação a uma melhor habitação e mobília, abastecimento de água e saneamento,
alimentação e vestimenta, educação e cultura, transporte e trabalho, consumo e lazer,
isso para colocar algumas das questões básicas que temos que haver no cotidiano na
luta para uma melhor existência.
Portanto não há como negar a luta para participar na realização da famigerada
mídia da eterna prosperidade capitalista; que tudo promete sobre o “bem viver no
paraíso” dos ricos que praticam a ostentação econômica, criando um mundo à parte,
isolando-se, de forma concreta atrás de grandes muros e todo um sofisticado sistema de
segurança não somente pessoal, mas de manipulação da estrutura social, se organizando
de forma a operar o “ocultamento da divisão social” (CHAUÍ 2001, p. 92). Nesse
sentido abre-se uma discussão importante sobre os significados e sentidos dados a idéia
de concorrência e solidariedade. Nesse universo de valores sobre quem devo
impedir/concorrer/destruir (...) para criar mídia/ibope/posição/poder/prestígio (...)
negando atitudes de solidariedade e competência para resolver os problemas cruciais de
nosso tempo e da humanidade; pode ser ilustrado através do mundo capitalista das
celebridades como um supra-sumo cultural; revelando uma importante dimensão dos
fetiches, e quais caminhos da rede geográfica se articulam engendrando uma estratégia
de valorização de certos produtos e/ou ideologias em liame aos recriados personalismos
das estrelas no cenário do absurdo virtual sensual a que chegou o espaço de areias
movediças ou campo minado da mercadoria. Paralelo a essa nova cultura de consumo
das massas urbanas, situa-se outro aspecto que gerou distorções e crescimento de uma
inflação de modismos através da criação dos templos do consumo como os shoppings
center, e mais recentemente venda de produtos, que prometem tudo, no mercado da TV
sem anuncio de preço.
Muitas definições afirmam que o cidadão é aquele titular dos direitos políticos e
civis. O cidadão incompleto possui somente alguns direitos. Os que assim não se
beneficiam, não possuem os direitos civis essenciais à vida, à liberdade, à igualdade
perante a lei. Os direitos civis, como as liberdades individuais garantiram as “as relações
civilizadas entre as pessoas e a própria existência da sociedade civil surgida com o
desenvolvimento do capitalismo. Sua pedra de toque é a liberdade individual”
(CARVALHO, 2001, p. 09). A ideologia/doutrina/política liberal tem se apegado
essencialmente a ampliação da legitimação desse direito, o qual juntamente com
detenção de certos fatores de produção e armas tem potencializando a arrogância, as
injustiças sociais, e as intervenções bélicas. Como tem sido o caso dos EUA passando
por cima de órgãos de competência mundial como a ONU. Não é necessário no
momento aprofundar essa questão, mas apontemos o comportamento do Estado norte-
americano e sua política expansionista autoritária, e o agravamento da crise no Oriente
Médio, em detrimento dos próprios interesses da sociedade como um todo e do
equilíbrio planetário. O Brasil não se livra destas determinações, internamente produz
uma política cínica de fome zero e sinistra de desarmamento, e externamente exporta
armas bélicas contribuindo diretamente com a manutenção das guerras.
Existe também o direito político referente à participação no governo, limitado
pela capacidade da população se organizar, votar e de ser votado. Nesse sentido o voto
tem servido mais “para justificar governos do que para representar cidadãos. São eles
que conferem legitimidade à organização política da sociedade. Sua essência é a idéia
de autogoverno”. Já os direitos sociais cuja vigência depende da eficiência dos
mecanismos administrativos do Poder Executivo, e incluem: educação, trabalho, salário
justo, saúde, aposentadoria. Contudo, o avanço técnico-científico e das relações de
trabalho vem interferindo de forma não obvia sobre os direitos do homem. Gerando
novas possibilidades de compreensão para a questão de novos tipos de assédio. A
questão da inteligência humana coloca-se como emergente, juntamente com o
agravamento da crise do meio-ambiente.
Etimologicamente o termo cidadão significa o habitante da cidade em oposição
ao habitante do campo. O termo foi ganhando o sentido social e político à medida que o
período feudal foi se extinguindo. Seu significado e sentido tem sido objeto de
aprofundamentos, paralelamente ao agravamento da permanente crise da sociedade e
da política econômica. A construção da cidadania visa garantir e ampliar direitos que
podem ser comuns a toda a humanidade, cujos direitos básicos são àqueles que
garantem a dignidade humana, mas também àqueles que são específicos de
determinados povos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos delegou direitos
comuns a toda a humanidade. Já o Estatuto da Criança e do Adolescente, a
Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor legitimam direitos específicos
de cada país. A construção da cidadania avança na medida da consciência
constitucional e geográfica de como a vida de cada um tem sido apropriada pelo sistema
de produção de mercadorias dominante. É uma luta que se evidencia no conhecimento
sobre o próprio espaço da vida. Por isso é necessário a ampliação do sentimento ético,
para que não deixe passar nada, e o cidadão não abra mão de seu poder de
participação como nos lembrou Herbert de Souza (Betinho).
A consciência sobre os direitos e deveres é crucial. O papel da educação escolar é
fundamental nesse processo de construção da cidadania. A constituição novamente
lembra desse direito e responsabilidade. Com educação o indivíduo aprende a respeitar
o direito dos outros e reivindicar os seus. A escola então tem papel fundamental na
formação do cidadão. É através da educação que o indivíduo mantém suas relações
com o saber, pois é da educação que os conhecimentos acerca da cidadania são
divulgados, pois para reivindicar seus direitos é necessário que elas tenham
conhecimento, assim como cumprir seus deveres. A história mostra que, ao
reivindicarem seus direitos, os indivíduos podem promover mudanças sejam elas de
ampliação dos direitos ou a conquista de outros.
Enquanto o Estado estiver utilizando o Poder Judiciário e Executivo para
defender seus interesses “vitais” da ostentação das classes privilegiadas, em detrimento
do que é “vital” para a cidadania plena e de fato democrática, as desigualdades sociais e
econômicas só tenderão a aumentar. A Constituição Federal reza aos órgãos de
segurança pública e a Justiça funções de preservação da vida, dos patrimônios pessoais
e da ordem pública. Embora haja contradições com relação a conivência com certos
crimes, que o avanço da história tem revelado através do submundo social e das
diversas CPI. O abuso da autoridade é comum no Brasil e na Bahia. Outras formas de
violação são crônicas em nossa história. A fome, a miséria, a falta de condições
sanitárias, a poluição ambiental são formas de desrespeitar o direito a vida sem o uso da
violência direta.
Cremos que uma das responsabilidades a ser estabelecida na luta pelo
estabelecimento da cidadania plena e democrática é a consagração da qualidade de vida
no planeta, e é nesse aspecto que entra as reflexões sobre a problemática do meio
ambiente, já que o futuro da humanidade depende de como o homem fará uso dos
recursos naturais e humanos disponíveis. Lembrado que muitos deles não são
renováveis, como é o caso do petróleo, mas o abuso no uso dos recursos vem sendo tão
intenso que até aqueles ditos renováveis estão sendo ampliados sem o devido uso da
racionalidade e sustentabilidade, pondo em perigo a sua renovação.
Mas, voltemos à formação regional do espaço geográfico e suas implicações
sociais no exemplo de Vitória da Conquista. Fazendo liame com um importante aspecto
a ser destacado e que merece pesquisa posterior é a relação entre os níveis de
complexidade estabelecidos internamente na formação nacional, relativos à “divisão
territorial do trabalho” e a legitimidade entre o poder central, a unidades da federação e
os municípios. Estes níveis dizem respeito aos poderes político e econômico,
substanciados pelas “dialéticas no território” e as instâncias de controle (SANTOS, 1996,
p. 216-8). Daí apresentarmos um breve panorama da evolução do espaço geográfico
relacionado a algumas questões ambientais e do desenvolvimento social e econômico,
contribuindo com o desenvolvimento desta análise e discussão.

Formação territorial, meio-ambiente e gestão

A questão da formação brasileira e particularmente da localidade de Vitória da


Conquista, remonta ao avanço da colonização desencadeado principalmente a partir do
século XVIII, com a expansão das relações capitalistas e a industrialização na Europa.
Momento em que a região onde seria erigida a cidade de Vitória da Conquista era
atravessada pelo processo de expansão da geopolítica lusitana corroborando com o
aumento da base física brasileira através do movimento das bandeiras. Enquanto a
Europa passava por uma série de revoluções burguesas unificando os grandes Estados-
nações; o Brasil ainda teria o resto do século XIX para se libertar da escravidão e
começar a erigir seu Estado-nação sob o comando de presidentes autoritários, e do
domínio regional e local dos coronéis. A edificação hiper-tardia das relações capitalistas
de produção influenciou o desenvolvimento precário da cidadania.
Assim, o capitalismo vem colocando seus interesses de um lado e os interesses da
sociedade de outro. Adaptando a natureza e a sociedade a sua forme de lucros nem
sempre revertidos para alimentar dignamente os que pelo seu trabalho lhe asseguram
que funcione conforme a ordem estabelecida. Um significado desta crítica mostra que o
capitalismo tem sempre subordinando a natureza e as populações à economia.
Pervertendo/destruindo os ciclos naturais e a biodiversidade, e explorando
desenfreadamente as massas populacionais, ao mesmo tempo em que o processo de
informatização e difusão de alta-tecnologia, cada vez mais tem liberado mão de obra
aumentando os contingentes de desempregados globais.
Ademais a urbanização que vem se desencadeando na América Latina tem
gerado um avanço do desordenamento do tecido habitacional. Vitória da Conquista não
escapa a pressão populacional, e a gestão pública só em dado conta de pequena parcela
dos que reclamam por melhores condições de habitação diante da inflação galopante.
A formação territorial, econômica, política e social da região onde está situada
Vitória da Conquista é resultado de um processo histórico e geopolítico, paralelo à
formação nacional; localizando-se na expansão da geopolítica portuguesa de conquista
dos sertões brasileiros. Nesse sentido as populações encontradas foram exterminadas ou
assimiladas através da miscigenação, e da subordinação do trabalho no processo de
formação das regiões econômicas. Nessa época de expansão da colonização, uma das
referências regionais cartográficas indica o domínio da Capitania dos Ilheos estendendo
os seus domínios até os sertões orientais da bacia do Rio São Francisco. Segundo os
estudos de Ruy Medeiros, as origens de Vitória da Conquista se ligam ao expansionismo
lusitano do século XVIII que partia da região de Minas Novas, onde se desenvolvia a
mineração desde 1720. A geopolítica que levou à vitória da conquista do planalto, que
então era chamado de “Sertão da ressaca”, objetivou equipar a bandeira com o intento
de: apressar índios ou exterminá-los quando necessário, criar fazendas de criação,
destruir possíveis quilombos e encontrar minerais preciosos (esmeraldas, ouro,
diamantes). Buscou tacitamente varrer e ocupar as regiões entre o Rio de Contas, o Rio
Pardo e o norte de Minas Gerais. Interessavam aos administradores da Corte engenhar
um núcleo de povoamento intermediário; e realmente a posição geográfica agrestina de
Vitória da Conquista fica a meio caminho do sertão mais distante.
Aos poucos foi sendo conquistada a grande região que envolvia o planalto de V.
Conquista e as depressões sertanejas adjacentes ao norte desde Jequié até os patamares
do rio Pardo em Potiraguá. Foram necessárias várias táticas de guerras, entre elas as
traições, para invasão e tomada decisiva do planalto conquistense. Existiam as nações
dos Mongoiós (Camacãs), Imborés (Aimorés) e os Pataxós. Que resistiram ao
expansionismo territorial, sendo subjugados os Mongoiós e repelidos os Imborés e
Pataxós que resistiram até a segunda década do século XX na região pastoril de
Itapetinga.
No final dos anos dezoito existia um aglomerado com mais de sessenta pessoas.
No período até 1816-17 o Arraial da Conquista já tinha conquistado a mesma
importância que as vilas do litoral perfazendo, então, 60 casas com cerca de 300
habitantes, situados na área que hoje compreende as praças Tancredo Neves e Barão do
Rio Branco. O comércio do algodão produzido na região e o pousio para os viajantes
que levavam as boiadas em direção a capital Salvador atravessando a Serra do Peri-peri
gerou um desenvolvimento significativo; momento em que houve a necessidade de
estrutura administrativa mais elaborada do recente Império do Brasil, elevando o
distrito/arraial à categoria de vila (Imperial Vila da Vitória), instalada em 9 de novembro
de 1840. Não houve um desenvolvimento econômico expressivo desta vila, visto que
suas vizinhanças permaneceram ocupadas com fazendas de gado, agricultura de
subsistência, algodão e um pequeno engenho de cana-de-açúcar. Certamente sua maior
importância foi política contribuindo com voluntários na luta pela independência da
Bahia. Alcançando a categoria de cidade de Conquista em 1º de julho de 1891. Assim,
no período entre 1840 e o final daquele século surgem às primeiras preocupações com o
“planejamento territorial” (FERRAZ, 2001, p. 30). Através de um arruamento buscou-se
disciplinar a ocupação do solo, facilitando o acesso ao Poço Escuro (fonte natural de
abastecimento d’água), com a estrada geral e com a Estada do Choça (MEDEIROS,
1977; MEDEIROS et al. 1985).
Os fatores geográficos naturais influenciaram desde suas origens o
direcionamento do crescimento urbano, e sua primeira grande vocação regional por está
inserida em antigas rotas de boiadas determinou a estrutura agrária fundamental. A
fonte d’água principal do Poço Escuro e a Serra do Peri-Peri como divisor de águas
entre a bacia do rio Pardo e do rio de Contas representam aspectos explicativos
importantes, condicionadores da expansão da malha urbana.
Em fins do século XIX e primeiro quartel do século XX, o desenvolvimento da
lavoura cacaueira em Ilhéus/Itabuna ajudou o crescimento econômico da cidade e
região, porque se estabeleceu comércio (por tropeiros) entre o sul do estado da Bahia e
o Planalto da Conquista. Até as décadas de 1920 e 30 há a adensamento em torno do
núcleo central da Praça da República/Praça Rio Branco. A construção da ligação com
Jequié em 1926 vai influenciar o efeito da polarização urbana para o norte. A expansão
do comércio e de novas atividades econômicas nos anos 40 e a construção de rodovias
para o sul (Rio-Bahia, BR-116) e para o leste-oeste (Ilhéus-Lapa, BA-415) vão
intensificar a expansão urbana. O surgimento do bairro Brasil paralelo a BR-116 e a BA-
415 gerou uma nova dinâmica da zona urbana conquistense. Aos meados do século XX
com a construção da BA-262 em direção a Brumado intensifica-se a polarização para o
oeste através da Av. Brumado, trecho inicial desta rodovia; fazendo expandir o bairro
Brasil, juntamente com a Patagônia em direção ao setor sul da BR-116, aumentando
futuramente o leque da malha urbana na direção sudoeste entre esta duas rodovias.
Semelhante vai ser o efeito polarizador nas outras direções principais da cidade que
acompanham as rodovias e avenidas instaladas subsequentemente. Como a BA-265 em
direção a Barra do Choça, contribuindo com a expansão para o leste. Que
posteriormente ampliará o leque na direção sudeste, ampliado pelo efeito atrativo da
cafeicultura, de loteamentos habitacionais como a URBIS (FERRAZ, 2001).
Até a chegada do último quartel do século XX, a urbanização vai aos poucos
preenchendo os espaços vazios, novos fatores de atração e polarização interna surgem: o
INOCOOP e a instalação do Campus da UESB na Estrada do Bem-querer Km 3,
prolongamento da Av. Olívia Flores na direção do rio Verruga, intensificando o efeito
polarizador na direção sudeste entre a BR-116 e a BA-265. Ao mesmo tempo em que a
urbanização se intensifica na direção da serra do Peri-peri, aumentando também a
concentração na vertente sul votada para o Verruga; na vertente voltada para o norte em
direção a lagoa da Flores a urbanização propriamente na serra é insignificante, mas
existe o problema sério da depredação da biodiversidade, pois existem pontos de
exploração clandestina de areias. Portanto nesta direção têm se intensificando dois
núcleos: um nas várzeas da lagoa das Flores e outro em torno da implantação do Distrito
Industrial dos Imborés. Acrescente-se finalmente o desenvolvimento de vários
loteamentos habitacionais nas décadas de 80, 90 e início do século XXI, dando à
construção da cidade a configuração que se encontra atualmente.
A cidade de Vitória da conquista vem se destacando como centro, principalmente
devido a sua localização geográfica de entroncamento. O surgimento e o crescimento de
uma cidade estão profundamente relacionados com a posição do seu sítio em relação
aos espaços vizinhos. Quanto mais forem as condições que uma cidade possui para se
articular territorialmente com outras localidades, facilitando os transportes e trocas
comerciais, vem contribuindo para o agravamento das condições de vida das camadas
mais pobres; pois como o modelo de reprodução do capital dominante é excludente e
seletivo, tem sido maiores a chances de continuar a crescer segundo a nova ideologia
neo-liberal que direciona o crescimento econômico como um todo, dificultando as
chances da populações pobres melhor se estabelecer como cidadãos. Dessa forma o
aumento da população na segunda metade do século XX e as conseqüências sociais é
muito significativo como atesta a análise de Ferraz (2001, p. 36-8). Pois, neste período a
população que era predominantemente rural passa a ser predominantemente urbana,
diferença que só tem aumentado. De 1950 a 2000 os respectivos percentuais se
comportam assim sofrendo influência dos fatores novos ligados a política econômica
regional. 1950 (58,4 % pop. rural – 41,6 % pop. urbana); em 1960 a situação se inverte
(39,3 e 60,7); na década de 70 com a implantação do pólo cafeeiro e uma maior
pressão da CLT, juntamente as novas motivações em relação as cidades vizinhas as
desigualdades aumentam; perfazendo no ano 2000 um total de 262.585 habitantes
distribuídos (14,1 % pop. rural – 85,9 % pop. urb.). A partir dos anos 80 a taxa de
crescimento urbano, registrada no período 1980/91 foi de 8,09 % a.a. demonstrando
mais uma vez a importância dos estudos urbanos, populacionais, sociais, históricos,
numa palavra geográficos para a gestão pública e privada.
À medida que o Brasil foi se integrado na economia internacional, consolidando-
se como pólo de atração de investimentos, também houve uma multiplicação de
pobreza e problemas sociais. A deficiência da infra-estrutura e outros serviços sociais
vêm contribuindo para o agravamento das condições de vida das camadas mais pobres.
O planejamento de projetos públicos foi orientado para um tipo de infra-estrutura que
favoreçam a expansão das atividades econômicas e a especulação imobiliária. Nesse
sentido, o planejamento público não tem conseguido reverter de fato a inflação a nível
local; o que demonstra claramente a subordinação do local aos centros de decisão
hegemônicos.
A hidrográfica e o relevo no seu aspecto geomorfológico são condicionantes
significativos que acrescidos das forças polarizadoras do desenvolvimento urbano
nacional e regional explicam o crescimento da configuração da malha urbana local.
Como já foi dito a malha conquistense tem facilitado o impacto das águas pluviais,
provocando conturbações na dinâmica do cotidiano. Este impacto perdura mesmo após
cessar as chuvas, pois o estrago das ruas e avenidas normalmente estende seu conserto
até o final da gestão municipal quando se utilizam estrategicamente verbas para fins
eleitoreiros. A estrada do Bem-Querer que liga a Olívia Flores a UESB e a fazenda Santa
Marta, acompanhando o rio Verruga, se encontra em situação crônica desde a abertura
do Anel Viário, o qual ainda não concluiu seus trabalhos e mesmo assim tem sido usado
para fins eleitoreiros. É preciso ampliar a consciência espacial, compreendendo como se
articulam o nível de desenvolvimento das forças produtivas, a infra-estrutura oferecida
pelo local e o grau de cultura da população que vai se instalando nas diversas posições
urbanas e do município como um todo.
A poluição dos rios, uso de agrotóxicos e o desequilíbrio dos sistemas inteiros de
vida vegetal e animal são exemplos de uso indevido do ambiente que é essencial à vida
do planeta. No momento atual, busca-se promover o desenvolvimento econômico
paralelo com a preservação ambiental. O caso do rio Verruga e das diversas lagoas da
região, como a das Flores e das Bateas, merece atenção prioritária, pois já estão em
curso diversos problemas como o assoreamento e contaminação dos lençóis pondo em
riscos maiores o próprio abastecimento alimentar e de fornecimento de água.
Vitória da Conquista é mais uma das cidades de porte médio que foram
construídas em detrimento das áreas de vegetação primitiva, destruindo-as e
substituindo-as pela expansão agrícola e urbana. Muitas cidades tiveram suas origens a
partir de antigos sítios de nações indígenas. A evolução da rede de estradas foi
influenciada primeiramente pelos antigos caminhos indígenas. Capistrano de Abreu
possui pesquisas abordando os caminhos antigos e o povoamento do Brasil, mostrando
vários exemplos da Bahia. Cidade e campo se articulam dialeticamente no processo de
formação das regiões econômicas, legitimando a estrutura agrária e a expansão do
mercado consumidor. A formação brasileira e baiana está recheada destes exemplos. A
própria toponímia dos lugares é um bom indicador dessas origens.
A Conquista no último quartel do século XX e inicio do século XXI apresenta uma
problemática urbana e social que reflete os resultados do processo de expansão do
binômio pecuária-cafeicultura, do comércio, da prestação de serviços e de seu incipiente
desenvolvimento industrial.
A questão mais abrangente considerada diz respeito à subordinação que a
natureza e a sociedade possuem em relação ao processo de desenvolvimento econômico
regional e nacional, que vem sendo atrelado as necessidades do expansionismo
territorial e do comércio mundial exportador desde o período colonial, e que ainda pode
ser contemplado dentro da perspectiva atual da globalização. Esse desenvolvimento
regional gerou um crescimento urbano desordenado em relação ao quadro natural onde
está encravada esta cidade, gerando também fortes implicações sociais, e sobre o meio
ambiente.
A água é um dos maiores problemas que Conquista precisa enfrentar, tanto a
água para consumo como a água das chuvas. Esta cidade está situada numa região de
planalto a uma altitude de 950m ao nível do mar, no centro da cidade. Seu clima possui
características de semi-árido, sub-úmido e tropical de altitude, aspectos que se
contrastam na translação terrestre. Outra característica importante são as chuvas que
podem ser torrenciais. A estrutura geológica bem atesta esta característica regional.
Algumas providências foram tomadas ao longo das diversas gestões municipais.
Canais e galerias foram construídos para amenizar os impactos causados pelas águas
que descem da serra. É importante lembrar que o horizonte inferior do solo dominante
na região, aparecendo com freqüência uma associação com predomínio dos latossolos
vermelho amarelo distróficos, possuem uma grande concentração de pedras em variados
tamanhos, que têm origem na estrutura quartizítica do subssolo. Esses solos são possíveis
de serem observados, praticamente de qualquer lugar da cidade, pois são dominantes na
região. Como no entrono da cidade há o impacto de seu próprio crescimento
desordenado que expõe o horizonte inferior, sendo arrastado para as partes mais baixas,
ou que estejam nas direções dos fluxos dominantes de água. A isso se somam os
despejos desordenados de lixo resultante de materiais de construção civil. Ambos são
transportados também pelas águas das chuvas.
O Pinicão, que é uma lagoa de tratamento ao longo do rio Verruga, que fica
dentro da área urbana, no bairro do Inoccop I, certamente é uma das áreas de maior
impacto hídrico, pois recebe grande parte dos esgotos urbanos. Um dos impactos pode
ser sentido quando chegamos perto dessa região, tanto pelo enorme mau cheiro, como
saber que ele alimenta o restante de seu curso com essa água. Os produtos químicos
utilizados para amenizar o mau cheiro do lugar, em relação a água, não resolve o
impacto negativo da utilização dessas águas pela população ribeirinha no sentido a
jusante, principalmente nas épocas de estiagem. É importante lembrar que, quanto a
formação geológica do município, existem inúmeras lagoas. Algumas delas estão em
áreas urbanas e foram praticamente assoreados e sofreram aterros devido a expansão
urbana. A lagoa das Bateias, perto da Av. Brumado e do anel viário, é um bom exemplo
desse processo. O crescimento de um núcleo de habitação no meio da lagoa é
preocupante, pois não existe estrutura nas casas para agüentar um impacto maior das
chuvas, e a drenagem da lagoa foi ainda mais prejudicada com a construção do anel
viário. O que indica a importância da necessidade da cidade crescer em harmonia aos
determinantes naturais. Muitas voçorocas, podem ser observadas devido ao crescimento
desordenado da cidade, tudo isso aumento o assoreamento do Verruga, das lagoas, e
das nascentes que restam: a do Poço Escuro mais preservada, mas a do Bebedouro da
Onça nas Vilas Serranas está em estado de fim de vida, mas acreditamos que pode ser
recuperada. Outro impacto causado pelas enxurradas foi no final dos anos oitenta,
quando a população pode presenciar um acidente na atual Praça do Gil, onde um táxi,
com superlotação capotou ao tentar atravessar a avenida que foi tomada pela
enxurrada, ocasionando a morte de seus ocupantes. Esse fato virou notícia na mídia a
nível nacional.
Podemos perceber, nos períodos de chuvas, aspectos de uma verdadeira
catástrofe. Pois a água torrencial arrasta ao longo da serra vários sedimentos, e lixos, de
um modo geral, para as partes mais baixas, principalmente o centro (Lauro de Freitas), e
as avenidas ao longo dessa serra: Olívia Flores, Brumado, e os bairros: Alto Maron,
Guarani, e todos os outros situados na vertente sul da serra e leste. Os simples exemplos
ilustrados neste modesto artigo, sobre alguns aspectos do impacto das chuvas, servem
para ilustrar a importância da geografia para a gestão urbana.
A outra gama de questões trata das implicações sociais da vida urbana da
população, tais como oferta de emprego, habitação, saneamento básico, educação,
alimentação, diversas formas de turismo e entretenimento. Dessas questões, para
qualquer um que circule no centro da cidade, pode observar que os ambulantes
configuram noutro problema refletindo o descaso da gestão. Sem condições apropriadas
de trabalho e higiene, oferecem desde brinquedos até alimentos, os quais muitas vezes
acabam sendo a única opção de refeição do dia, de várias pessoas. Só que isso não é
um problema exclusivo de Conquista é um problema de todo país. Com o número de
desempregados aumentando o cada dia, o serviço autônomo acaba sendo mais uma
alternativa.
Todas essas questões apontadas objetivam através da análise geográfica
pleiteada, contribuir no sentido de melhor compreender as transformações que o espaço
geográfico vem sofrendo ao longo do processo histórico e da formação territorial que
deu origem a esta cidade, e que se acumulou através dos tempos históricos até a atual
organização espacial.
No início do século XXI, a cidade de Conquista polariza uma população em torno
dos dois milhões de habitantes, demonstrando a importância estratégica das suas
diversas territorialidades como valores atrativos. Muitos são os problemas, contudo é
importante lembrarmos a urgência que têm a sociedade de se conscientizar de suas
questões emergentes, além da luta por melhores condições de emprego, moradia e das
relações de trabalho já estabelecidas.
Por isso, a carência de uma educação ambiental e geográfica, nos mostra a
importância e o papel do geógrafo como promotor de uma gestão voltada para melhores
condições de uma vida digna, para que a própria população se interesse em preservar a
sua própria cidade, e saiba como desenvolvê-la tornando a natureza uma aliada para a
construção de uma qualidade total.
Mais uma vez, é preciso atinar para importância estratégica do conhecimento
geográfico na gestão de um país e dos diversos municípios. Pois ele é capaz de discernir
sobre o valor e as qualidades da situação geográfica de cada lugar, e assim não só
subsidiar a gestão do poder da federação, como alertar o cidadão comum sobre este
mesmo valor, promovendo assim uma verdadeira orientação que contribua com a
construção honesta da democracia e da cidadania plena.

Referências:

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Civilização Brasileira, 2001.
CHAUI, Marilena. Brasil: mito fundador e sociedade autoritária. São Paulo. Editora
Fundação Perseu Abramo. 2001.
FERRAZ, Ana Emília de Q. O urbano em construção Vitória da Conquista: um retrato de
duas décadas. Vitória da Conquista: UESB. 2001.
MATTA, Jana Maruska Buuda da; VEIGA, Artur José Pires; ALVES, Carley Rodrigues.
Precipitação máxima provável em Vitória da Conquista - BA: Por uma drenagem
sustentável. VI COMPEX. Vitória da Conquista: Editora da UESB.
MEDEIROS, Ruy H. de A. “Aspecto Urbano de Vitória da Conquista Através da
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MEDEIROS, Ruy H. de A et al. Revisão do Plano Diretor Urbano de Vitória da
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SANTOS, Milton. Por uma Geografia Nova: da crítica da Geografia uma Geografia
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______. Espaço e Método. São Paulo. Nobel. 1985.
______. Técnica, Espaço, Tempo: globalização e meio técnico-científico informacional.
São Paulo. HUCITEC. 1994.
______. A Natureza do Espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo. 1996.
VEIGA, Artur José Pires. Mapeamento geomorfológico, com uso de sensoriamento remoto
e SIG como subsídio ao planejamento ambiental. 2001. Dissertação (Mestrado) -
Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília,
Brasília, 2001. 130p.

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