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parte do próprio DNA do Estado brasileiro. só os homens de bem…”, esse tipo de fala é muito
Quero citar outro autor, também pouco co- presente no discurso das pessoas, demonstrando
Queria agradecer, em nome de vários mili- Professor Dennis, quer dizer, o Estado brasileiro
tantes negros e negras do Brasil inteiro, a opor- foi construído sobre uma violência que não tem
tunidade de estar aqui, sendo tratado de forma tamanho, não tem registro nas historia, foram 6
tão boa, de forma tão fortalecedora para minha milhões de pessoas sequestradas, arrancadas de
humanidade e para a humanidade coletiva, por- vários lugares da África, para serem colocadas
que, para falar com psicólogos sobre genocídio, como coisas que poderiam ser vendidas, e isso há
é sobre isso que a gente vem falar, sobre a nossa muito pouco tempo sob o ponto de vista históri-
humanidade. co. Doze pessoas negras é o primeiro registro que
Queria fazer um comentário, que é um comen- se tem, doze pessoas negras foram arrancadas da
tário muito pessoal, mas é muito importante. On- África e entregues de presente a um determinado
tem, eu arrastei mala por toda a rua Oscar Freire rei de Portugal. O fato é que nós ainda hoje, te-
e aí, quando eu cheguei na Avenida Rebouças, eu mos a prática odiosa do Estado brasileiro de tra-
entendi o texto do intelectual, que eu considero tar as pessoas como coisas, nós vamos tratar do
um dos mais importantes do país, que é o Mano sistema prisional, dessa situação do sistema pri-
Brown. Ele fala o seguinte: “Avenida Rebouças, sional que é um grande negócio em que a merca-
dinheiro, não tive pai, não sou herdeiro”. Só vou doria principal são pessoas. Vejam, no Estado da
dizer essa parte, porque eu vi o que significa o Bahia, que é um estado democrático popular, go-
ódio das periferias de São Paulo contra a elite vernado por forças políticas democráticas, quer
branca paulista, eu percebi porque existe esse dizer, de partidos democráticos, foram usados
ódio. Na verdade, esse ódio é um espelho refleti- contêineres para prender presos. Ora, container
do, porque existe muito ódio da elite paulista con- guarda mercadoria, e nós viemos para esse terri-
tra nós, negros e negras, e eu vi esse ódio na car- tório dentro de contêineres, conhecidos como na-
ne, sabe por quê? Porque nós não estamos a salvo vios negreiros. Parece que aquele governador, de
das sequelas que o racismo provoca em qualquer algum modo, olha para os negros do seu partido
negro dentro dessa sociedade, não importa se e para os negros da sociedade de um modo geral
você é conselheiro do CRP, não importa se você é e diz assim: “Eu vou sacanear com vocês, eu vou
advogado, se você é médico, não importa se você colocar pessoas em contêineres, eu vou colocar
é ministro do STF, você vai receber as sequelas pessoas em navios negreiros, como a gente fez
do racismo dentro dessa sociedade. Não é a toa para trazer vocês aqui”.
que a gente recebe aí, acho que pela primeira vez Mas vamos falar de genocídio, do termo ge-
na história, uma denuncia de um Ministro do STF nocídio. Nós fomos muito atacados em 2005 por
e, olhe que na perspectiva da Campanha Reaja, setores do Movimento Negro, setores da intelec-
da nossa perspectiva, nós não homenageamos tualidade, da academia, dizendo que estávamos
nenhum político, por mais gostoso que ele seja, fazendo um reboliço intelectual, que aquilo era
mas também, nós não podemos assistir calados a um artefato político sem nenhuma noção cien-
um baile de racismo que é jogado para qualquer tífica, porque não se tratava de genocídio dentro
negro dessa sociedade, a gente tem que reagir. do Estado brasileiro, um estado em que todas as
Eu queria começar a falar aqui de um tema pessoas eram brasileiras. Genocídio dizia respeito
que nós da Campanha Reja temos tratado, que a a um ataque de determinada nação contra outra
gente tem levantado. Em 2005, nós tomamos as nação e que não poderia ser considerada dentro
ruas de Salvador no momento em que se celebra- do perfil do Estado brasileiro. Na verdade, o que
vam muitos avanços da política racial com uma era era extermínio, e algumas organizações do
nomenclatura, que para a gente era nova, que era Movimento Negro criavam inclusive teses, que
de Promoção da Igualdade. Era nova para a nos- diziam: “É extermínio programado”, mas a gente
sa luta cotidiana histórica do Movimento Negro, dizia: “É genocídio, os números e as condições
porque o que nós temos, efetivamente, que fazer, em que nós estamos morrendo, em que as nossas
é combater o racismo. O racismo é a contradição vidas estão desprotegidas e disponíveis para que
principal do Estado brasileiro, como bem disse o o Senhor, o mandatário, possa fazer o que quiser
da nossa vida, matar ou deixar viver”, era uma si- Outra diáspora, uma diáspora violenta, é o 13
tuação de genocídio. O genocídio, efetivamente, processo de escravização. Nós ocupamos a Pe-
é o assassinato deliberado de pessoas motivadas nínsula Ibérica e ficamos lá quase 400 anos, in-