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III-2- valores e cultura

Definição de cultura
As nossas origens não são somente físico- nos então a falar de modelos específicos de
biológicas, mas também histórico-culturais. cultura.
Somos, por natureza, seres culturais. Criamos Cultura refere-se ao “modo de vida de um povo,
cultura e somos o produto dessa cultura que em que se incluem as suas atitudes, valores,
criamos. A natureza humana é pois, bio cultural. crenças, artes, ciências, modos de perceção e
Considera-se cultura o conjunto dos hábitos de pensamento e de ação”. É portanto, o
instrumentos adquiridos após o nascimento, os conjunto dos modos de pensamento,
saberes aprendidos, transmitidos de geração em comportamentos e produções materiais e
geração, através do processo de socialização. A espirituais transmitidos e aprendidos no decurso
cultura fornece os meios de adaptação do ser do processo de socialização.
humano ao seu ambiente e desempenha em papel À forma característica e coletiva de
fundamental na unidade e diversidade da espécie. conduta cultural que uma sociedade estabelece,
Assim, em sentido abstrato, a cultura é universal. transmite e interioriza chama-se padrão de cultura.
Onde quer que existam seres humanos existe Pessoas educadas no mesmo contexto cultural
cultura existe cultura. Mas, com rigor, na cultura partilham valores comuns. Este universo de
não há universalidade, mas antes uma enorme valores, pelo qual os indivíduos orientam a sua
diversidade, que varia no tempo e no espaço. conduta, possibilita a convivência, constrói a
Povos de lugares e/ou épocas distintos têm identidade e define o horizonte de certo ou errado,
culturas diferentes. Estes possuem praticas e de desejável ou indesejável
valores distintos. A pluralidade de culturas obriga-

Etnocentrismo

 o povo a que se pertence com as suas crenças, crenças, tradições e valores, é um modelo absoluto
tradições e valores é um modelo absoluto a que a que tudo o mais deve referir-se. Conduz á
tudo o mais deve referir-se. rejeição do outro, ao racismo, á xenofobia, ao
O etnocentrismo tem por base a convicção chauvinismo, ao fanatismo e, em casos extremos,
de que o povo a que se pertence, com as suas ao etnocídio e ao genocídio.
Relativismo cultural
 não existem critérios universais e justificado do que os outros. Os traços distintivos
independentes de bem e de mal, apenas opiniões e característicos de cada cultura apenas podem ser
que variam de cultura para cultura. validados e explicados a partir do sistema
Contra o etnocentrismo, e em nome da concreto em que aparecem. Uma prática, ou um
riqueza e diversidade de culturas, foi construída ao conjunto de práticas, estará certa se se enquadrar
longo do seculo XX, uma nova perspetiva: o nos costumes e na tradição de uma determinada
relativismo cultural. Este campo de saber tem sido cultura, e estará errada, inversamente, se não fizer
especialmente trabalhado pela antropologia e pela parte ou for contra os costumes dessa cultura
sociologia. particular. Não há, pois, juízos de valor
O relativismo cultural é a doutrina segundo independentes ou absolutos: todos os juízos de
a qual os valores e os códigos morais variam valor são relativos.
consoante os indivíduos e as culturas, o que O argumento das diferenças culturais é o ponto de
resulta em desacordos nas relações entre pessoas e partida da doutrina relativista.
culturas.  Se culturas diferentes têm códigos morais
Os relativistas assentam a sua diferentes (ou culturas diferentes acreditam
argumentação numa conceção subjetiva dos em códigos morais diferentes), então, não
valores. Afirmam que todos os sistemas culturais há uma verdade objetiva na moralidade.
não existindo nenhum código moral que se Certo e errado são questões de opinião e as
destaque como sendo mais verdadeiro ou mais opiniões variam de cultura para cultura.
Críticas ao relativismo
O argumento das diferenças culturais  ficaríamos impedidos de condenar os costumes
encerra fragilidades lógicas, uma vez que a da nossa própria sociedade.
conclusão não se segue necessariamente das De acordo com os relativistas, a distinção entre o
premissas. Pelo simples facto de as pessoas certo e o errado é aquela que os antepassados nos
discordarem quanto a um assunto, não se segue legaram. Assim, se vivêssemos numa sociedade
que não haja uma verdade universal sobre esse onde a perspetiva dominante fosse a de que as
assunto. Deixemos, porem, de parte a forma como mulheres não devem nem estudar nem votar,
os relativistas constroem o seu argumento e qualquer. Pessoa que sugerisse o contrário estaria
concentremo-nos para já no seu conteúdo. a opor-se à norma moral vigente.
As teses do relativismo são: Aceitar normas acriticamente e conformar-se com
 ficaríamos impedidos de condenar os costumes tradições injustas não parece ser um princípio
de outras sociedades: muito esclarecido.
Para um grande número de costumes, este parece  deixaríamos de poder falar em progresso
ser um bom princípio a respeitar. Acontece que o civilizacional.
relativismo não nos diz que devemos respeitar Para ser coerente, o relativista não pode criticar
algumas praticas, mas antes que nos devemos praticas intoleráveis, da sua ou de outras culturas,
abster de comentar todas elas, sejam elas quais nem acreditar no progresso moral das civilizações.
forem. Qualquer uma destas três conclusões implica a
O relativismo cultural pode conduzir ao existência de juízos de valor transculturais, ou
conformismo. seja, absolutos.

E o que dizer acerca da tolerância?

Muitas pessoas acreditam que o relativismo e a O filosofo James Rachels propõe um


tolerância andam juntos. Este pressuposto encerra, padrão que pode ser usado para pensar sobre
no entanto, algumas contradições. qualquer tipo de prática social: podemos perguntar
 a defesa do valor da tolerância pressupõe a se a pratica promove ou é um obstáculo ao bem-
existência de pelo menos um valor absoluto: a estar das pessoas cujas vidas são por ela afetadas.
tolerância. Num sistema em que todos os valores Este é um critério culturalmente neutro que
são relativos, não resta espaço para um valor pode ser invocado para todas as práticas em
absoluto. qualquer cultura, incluindo a nossa, e em qualquer
 o valor da tolerância subentende, na sua época. Aplica-lo não significa julgar culturas, no
essência, o contravalor da intolerância. Num seu todo, como desprezíveis, mas somente rejeitar
sistema em que todos os valores são costumes que não se orientem pelos princípios da
intrinsecamente iguais, não resta o que tolerar ou dignidade e da integridade de cada pessoa
não tolerar. individualmente.
 tolerar inclui consentimento discordante em O facto de cada cultura ter os seus valores
relação aos valores e praticas que são toleradas. e os seus valores e os seus costumes é uma
Este é precisamente o tipo de juízo que um evidencia perfeitamente compatível com a de que
sistema relativista não nos autoriza. há, ou deve haver, critérios valorativos universais
A tolerância levada ao limite acaba por onde não cabem relativismos. Trata-se então de
derrotar-se a si mesma. Tolerar praticas que são conceder ao outro o respeito através da nossa
um obstáculo ao bem-estar dos afetados e que melhor invenção civilizacional: a proclamação, o
promovem o sofrimento dos outros, logo não é reconhecimento e a proteção dos direitos
tolerância, mas sim indiferença. humanos.
Parece então que, a par da necessária Em vez da tolerância passiva, o que a
tolerância que todos devemos á especificidade diversidade cultural exige é empenho no diálogo
cultural, são também necessários á humanidade horizontal entre culturas. Isto supõe uma procura
critérios transobjetivos. cooperativa e empenhada de um novo espeço
Entende-se por critério transobjetivo um sociocultural comum, sem renuncia á
padrão neutro que atravesse de modo objetivo e especificidade de cada um. Exige reciprocidade,
universal todas as culturas. intercambio e respeito pelos direitos
fundamentais.

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