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Rev Bras Anestesiol

1996; 46: 3: 152 - 163

Artigo Especial
Anatomia Funcional do Pulmão
João Batista Pereira, TSA 1

Pereira JB - Functional Anatomy of the Lung

KEY WORDS: ANATOMY: lung; CIRCULATION: pulmonary; PHYSIOLOGY: lung

Caixa torácica Os músculos da inspiração são o dia-


fragma, os intercostais externos e a porção in-
A estrutura óssea do tórax humano é tercartilaginosa dos intercostais internos. Como
composta de 12 vértebras torácicas, 12 pares de acessórios citam-se os escalenos que elevam as
costelas e o esterno, os quais são suficiente- duas primeiras costelas, os esternocleido-
mente rígidos para proteger os órgãos contidos mastóideos que elevam o esterno e os serráteis
em seu interior, mas suficientemente elásticos anteriores que elevam muitas das costelas. Os
para permitir aos pulmões atuarem como foles. músculos da expiração são os abdominais, prin-
As costelas devem ser capazes de movimento e, cipalmente os retos, os oblíquos e o transverso,
por esta razão, não podem ser rigidamente li- e os intercostais internos, exclusive sua porção
gadas a seus pontos de articulação sobre os intercartilaginosa.
corpos vertebrais e o esterno. O diafragma é o principal músculo da
O esterno consiste do manúbrio, do inspiração, inserindo-se perifericamente nas
corpo e do processo xifóide, e é o ponto anterior vértebras, nas costelas inferiores e no externo.
mais importante para o suporte da estrutura Apresenta a forma de uma cúpula, com uma área
esquelética do tórax. A fúrcula esternal está no de cerca de 350 cm2. Durante a respiração, em
mesmo plano da porção média da segunda repouso, desloca-se aproximadamente 1,5 cm
vértebra torácica, que é uma importante referên- n a v e rtica l , p o d e n d o , d u ra nte respiração
cia radiológica para localização da porção média forçada, atingir um deslocamento de 6 a 10 cm.
da traquéia, posição adequada para a extremi- Sua contração, rebaixando a cúpula, aumenta o
dade distal de tubos endotraqueais. diâmetro vertical do tórax e, elevando as
Os músculos respiratórios dividem-se costelas inferiores, amplia o diâmetro anteropos-
em músculos da inspiração e da expiração e terior e o transverso. A contração dos músculos
provêm a energia necessária à movimentação intercostais externos eleva as costelas em di-
dos gases entre os pulmões e o meio ambiente. reção cefálica ampliando os diâmetros antero-
posterior e transverso da caixa torácica (Fig 1).
1 Responsável pelo CET/SBA do SANE Porto Alegre, RS, Chefe Em repouso, o diafragma é responsável por
do Serviço de Anestesiologia do Instituto de Cardiologia do Rio cerca de 75% do volume corrente e o restante
Grande do Sul, Fundação Universitária de Cardiologia (IC-FUC).
deriva da atividade dos músculos intercostais
e x te r n o s. A co m b i n a ç ã o d e st e s d ive r so s
Correspondência para João Batista Pereira
Rua Cândido Silveira, 58 - Auxiliadora movimentos expande a caixa torácica e os
90540-010 Porto Alegre, RS pulmões, a pressão dos gases intra-alveolares é
reduzida, gerando um gradiente pressórico ne-
Apresentado em 30 de setembro de 1995 gativo com o ar atmosférico, que se desloca em
Aceito para publicação 06 de dezembro de 1995 direção aos alvéolos.
© 1996, Sociedade Brasileira de Anestesiologia

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Aumento do
diâmetro vertical
Os músculos intercostais são inervados
Aumento do pelos nervos do mesmo nome de T1 a T11.
diâmetro A-P
Devido a seu maior número e à sua menor im-
Intercostais Elevação
externos da caixa portância na respiração, a paralisia desses mús-
contraídos torácica
culos só terá conseqüência significativa quando
Intercostais
internos
atingir a maioria e assim mesmo só na vigência
relaxados de doenças pulmonares ou abdominais que te-
Contração
nham restringido a movimentação diafrag-
Contração
dos diafragmática mática.
abdominais

EXPIRAÇÃO INSPIRAÇÃO
Fig 1 - Ações dos músculos respiratórios. Vias aéreas e parênquima pulmonar

A via aérea compreende os espaços si-


tuados entre as narinas e os bronquíolos respi-
A inervação do diafragma é feita pelo ratórios. Considerando que não contêm alvéolos
nervo frênico, que se origina de C4, podendo ter e portanto não participam das trocas gasosas,
contribuições de C3 e C5. Devido à importante elas constituem o denominado espaço morto
contribuição desse músculo na respiração, a anatômico, cujo volume é de 150 ml no adulto.
paralisia do frênico, seja qual for a causa, pa- O nariz, a faringe e o laringe, embora
tológica, cirúrgica ou por bloqueio anestésico, façam parte das vias aéreas, não serão abor-
principalmente quando bilateral, pode ocasionar dados no presente texto. Entretanto, devido a
insuficiência respiratória. Os músculos grande importância para a função pulmonar, al-
acessórios da inspiração atuam apenas durante guns pontos devem ser salientados:
a inspiração forçada com a finalidade de elevar
e fixar as primeiras costelas e o esterno. Habi- 1 - O nariz filtra, aquece e umidifica o ar
tualmente são acionados a partir do momento inspirado. A intubação traqueal, reali-
em que o volume minuto respiratório ultrapassa zando um desvio do nariz, torna ne-
40 L/min. cessário a suplência dessas funções. O
A expiração, em repouso, é em sua mesmo é verdadeiro para a resistência
quase totalidade um fenômeno passivo, reali- que o nariz e a laringe opõem à expi-
zado às expensas da retração elástica dos teci- ração. Sua remoção pela intubação
dos do pulmão e da tensão superficial da traqueal favorece o colapso alveolar e
película líquida que reveste os espaços aéreos. deve ser suprida pela adição de pressão
Durante a expiração forçada, são postos em positiva expiratória terminal.
ação os músculos da expiração, particularmente 2 - A língua, na altura do orofaringe, é a
os abdominais. Pelo aumento que causam na principal fonte de obstrução da via aérea
pressão intra-abdominal, rebaixando as costelas neste nível. Isto, habitualmente, deve-se
e elevando a cúpula diafragmática, sua con- à redução do tônus do músculo genio-
tração reduz significativamente o volume da glosso.
caixa torácica. A contração dos intercostais in- 3 - A firme oclusão da laringe, pela aposição
ternos reforça o deslocamento das costelas para de suas estruturas, permite que a con-
baixo. A redução do volume pulmonar aumenta tração dos músculos expiratórios eleve a
a pressão intra-alveolar, gera um gradiente po- pressão intratorácica a até 140-190
sitivo em relação à pressão atmosférica e des- cmH2O. Sua súbita abertura, neste mo-
mento, é parte essencial do mecanismo
loca o ar alveolar para o exterior.
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ANATOMIA FUNCIONAL DO PULMÃO

da tosse. O ponto de menor diâmetro no aumentar seu comprimento em até 25%. Pacien-
adulto situa-se nas cordas vocais e na tes intubados com a cabeça fletida podem, por
criança se encontra na cartilagem essa razão, extubar-se durante hiperextensão
cricóide. da cabeça se o tubo não tiver sido suficiente-
mente introduzido.
A inervação parassimpática é fornecida
Traquéia por ramos diretos dos nervos laríngeos recorren-
tes. Suas funções são estimular as glândulas e
A traquéia origina-se na extremidade in- os músculos lisos. Essa inervação compreende
ferior da laringe, desce verticalmente pene- também fibras sensitivas originadas do vago
trando no mediastino superior, onde se bifurca que, quando estimuladas, dão origem ao reflexo
em brônquios principais direito e esquerdo. da tosse. A inervação simpática deriva de fibras
Estende-se da sexta vértebra cervical até a al- pós-ganglionares oriundas dos gânglios da
tura da quinta ou da sexta vértebra torácica, cadeia paravertebral e tem funções opostas às
mede cerca de 12 a 13 cm de comprimento, tem do parassimpático.
um diâmetro médio de 1,8 cm e bifurca-se na
carina, aproximadamente a 25 cm da arcada
dentária. Brônquios e parênquima pulmonar
Sua estrutura é formada por 16 a 20
anéis cartilaginosos, incompletos em sua parte Os brônquios principais direito e
posterior, que lhe conferem rigidez suficiente esquerdo têm origem na bifurcação da traquéia.
para evitar que se colapse. Entretanto, pressão O direito é de maior diâmetro, mais curto, com
externa equivalente a 70 cmH2O é capaz de cerca de 2,5 cm até a primeira ramificação, e faz
ocluir a traquéia de um adulto. Durante a tosse, ângulo de 25° com o plano sagital. O esquerdo
sua porção intratorácica é comprimida e a re- emite ramificações somente após 4,5 cm de per-
dução de seu diâmetro aumenta a eficiência da curso e faz ângulo de 45° com o plano sagital.
remoção de secreções. Por essas razões, os tubos endotraqueais,
Possui abundância de fibras elásticas quando introduzidos demasiadamente, tendem
longitudinais que lhe conferem elasticidade e a deslizar para o lado direito. Nesta eventuali-
retratibilidade suficientes para que acompan- dade, poderão ficar excluídos o pulmão
hem os hilos pulmonares durante a inspiração e esquerdo e o lobo superior direito. Na criança, o
a expiração. Seu revestimento interno, igual ao ângulo com o plano sagital é idêntico para am-
dos brônquios, é constituído por epitélio cilín- bos os brônquios.
drico ciliado com cerca de 200 cílios por célula. Os brônquios dividem-se em quatro
Estes cílios batem 10 a 20 vezes por segundo, gerações sucessivas destinadas a suprir a via
impulsionando a camada de muco em direção à aérea para os diversos segmentos pulmonares.
faringe, com velocidade aproximada de 1 Constituem tubos aeríferos envolvidos por bai-
cm/min. A atividade dos cílios é modificada por nhas conjuntivo-cartilaginosas ficando, portanto,
alterações do pH, do muco e pela ação de dro- fora do parênquima pulmonar.
gas. O muco é secretado por células caliciformes Devido a orientação de seus brônquios,
e por pequenas glândulas submucosas. A o segmento superior do lobo superior direito e os
atropina e gases secos, causando seu espes- segmentos apicais dos lobos inferiores são
samento, reduzem a atividade ciliar, propiciando aqueles em que ocorrem, no paciente em
a retenção de secreções. decúbito, complicações por deposição de mate-
Durante a inspiração profunda, a rial aspirado ou acumulado por gravidade.
traquéia pode se deslocar caudalmente até 2,5 Da quinta à décima primeira geração for-
cm. A hiperextensão da cabeça e pescoço pode mam-se os pequenos brônquios de lóbulos
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secundários, onde situa-se o ponto de maior


resistência ao fluxo aéreo. A partir destas, os
bronquíolos, no máximo, possuem placas irregu- Bronquíolo terminal
lares de cartilagem que desaparecem quando Bronquíolo
Respiratório Duto alveolar
seu diâmetro se reduz a 0,6 mm.
Os bronquíolos terminais derivam da Alvéolos

décima segunda à décima sexta geração, não Átrio

possuem cartilagens em suas paredes e, ao


contrário dos brônquios, ficam imersos no parên-
quima pulmonar. Estão presos por todos os
lados ao tecido elástico pulmonar, sendo tra-
cionados radialmente, o que evita seu colapso
durante os movimentos respiratórios. Durante
muito tempo se acreditou que a maior resistência Sacos
Alveolares
ao fluxo aéreo residia neste nível. Entretanto, Fig 2 - Unidade Respiratória Terminal.
determinações recentes permitiram verificar que
a maior queda de pressão entre dois pontos da
árvore traqueobrônquica, indicando maior re-
sistência, se verifica nos brônquios de calibre A camada muscular diminui sua espes-
médio acima da 7ª geração. As vias aéreas com sura absoluta à medida que a árvore traqueo-
diâmetro inferior a 2 mm contribuem com parcela brônquica se ramifica. Entretanto, sua
inferior a 20% para a resistência das vias aéreas. espessura, relativamente à parede, atinge a
Isto decorre do fato de que a área de secção maior proporção no bronquíolo terminal.
transversa aumenta geometricamente à medida D a d é c i m a s é t im a à d é c i m a n o n a
que ocorre maior ramificação, de uma para outra geração originam-se os bronquíolos respi-
geração de brônquios, acarretando uma for- ratórios, os últimos que não possuem alvéolos
midável redução na velocidade do fluxo aéreo em suas paredes.
(Tabela I). A partir do bronquíolo respiratório si-
tuam-se as unidades respiratórias terminais
Tabela I - Dimensões das Vias Aéreas
(URT). Estas URT (Fig 2), baseadas em critérios
Geração Total da área da anatômicos e funcionais, têm cerca de 100 duc-
Nome via aérea Diâmetro (cm) secção transver-
via aérea
sa (cm2) tos alveolares e 2.000 alvéolos por URT. Quando
0 Traquéia 1,80 2,54
o pulmão está em capacidade residual funcional,
cada URT tem 3,5 mm de diâmetro e 0,02 ml de
1 Brônquio principal 1,22 2,33
volume. Existem aproximadamente 150.000
2 Brônquio lobar 0,83 2,13
URT no pulmão adulto, o que permite avaliar em
3 Brônquio segmentar 0,56 2,00 aproximadamente 300 milhões o número total de
* alvéolos. Os gases são trocados pela ventilação
8 Brônquio subsegmentar 0,18 6,95 até nos ductos. A partir deste ponto, as trocas
* ocorrem por difusão, funcionando o gás alveolar
16 Bronquíolo terminal 0,06 180,00
como um tampão para evitar súbitas alterações
no capilar. Devido à pequena distância, essas
17 Bronquíolo respiratório 0,05 300,00
trocas por difusão são tão rápidas que não exis-
*
tem gradientes mensuráveis.
20 Ducto Alveolar 0,045 1.600,00
O septo alveolar, ou membrana respi-
ratória, possui quatro componentes: o epitélio

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ANATOMIA FUNCIONAL DO PULMÃO

Membrana
basal Membrana basal
A inervação simpática da árvore traqueo-
epitelial capilar
brônquica provém dos cinco primeiros gânglios

.
Espaço Endotélio
Epitélio
alveolar
intersticial
.
capilar
torácicos e dos gânglios cervicais inferior e
. .

.
.
. .
.
.
.
.
.
..
.
.
. médio. A ativação do simpático determina o re-
ALVÉOLO
. . .
.
. ..
. laxamento da musculatura brônquica e vaso-
Líquido e
.
.
.
.
.
.. .
eritrócito
constrição arterial. A inervação parassimpática
camada de . . ..
surfactante
.
. .
. CAPILAR
provém do vago que age nos músculos lisos e
.

Difusão de oxigênio
nas glândulas secretoras. O vago mantém nos
.
. bronquíolos um tônus constritor leve, destinado
Difusão de dióxido de carbono
. ..
. a manter um balanço entre a resistência desen-
.
. . . ..
.
. .
.. .
cadeada e o mínimo espaço morto compatível.
.. . .
.
. .
..
.. ...
As fibras de ambas divisões do SNA se unem
.
. . ..
.
. .
formando um plexo que se divide em plexo peri-
brônquico e plexo periarterial.
Fig 3 - Membrana Respiratória

Vasos pulmonares

alveolar e o endotélio capilar com suas mem- A artéria pulmonar inicia-se no ven-
branas basais, o espaço intersticial e o revesti- trículo direito e após 5 cm divide-se em ramos
mento tensoativo dos alvéolos (Fig 3). Apesar do principais direito e esquerdo que suprem os res-
grande número de camadas, sua espessura pectivos pulmões. A espessura de sua parede
média é de 0,6 µ. Estima-se que a área total da corresponde a cerca de 35% da parede da aorta.
membrana respiratória seja de aproximada- Seus ramos são curtos, mas com diâmetros bem
mente 80 m2. O epitélio alveolar possui dois superiores aos dos vasos sistêmicos correspon-
tipos de células: os pneumócitos escamosos ou dentes, o que lhes confere elevada complacên-
tipo I, que revestem 95% da superfície alveolar, cia. As a rté rias pulmon ares ramificam-se
e os pneumócitos granulares ou tipo II. Estes sucessivamente acompanhando os brônquios
últimos apresentam corpos de inclusão osmofíli- até o centro dos lóbulos secundários, tão distan-
cos lamelados, provavelmente produto acumu- tes quanto os bronquíolos terminais. Estes ra-
lado de excreção, que uma vez secretado mos são envolvidos por uma adventícia comum
constitui a substância tensoativa. Quando há com brônquios e bronquíolos, constituem os va-
degeneração do epitélio alveolar a reparação sos extra-alveolares e, durante a respiração,
depende dos pneumócitos tipo II que regeneram não estão sujeitos às variações de pressão ocor-
os tipos I e II. ridas nos alvéolos.
Nas paredes alveolares existem canais A partir do bronquíolo respiratório, ocor-
intercomunicantes, denominados poros de rem ramificações mais freqüentes e abruptas,
Kohn, localizados nos espaços intercapilares em ângulos quase retos, originando uma ex-
dos septos alveolares, cujos diâmetros variam tensa rede capilar no septo interalveolar que
de 3 a 13 µ na dependência do grau de distensão entra em íntimo contato com o epitélio do
do pulmão. Comunicações bronquíolo-alveo- alvéolo. Estes vasos são denominados de intra-
lares acessórias, que partindo de bronquíolos alveolares e variações da pressão alveolar
respiratórios ou bronquíolos terminais, denomi- podem interferir significativamente com o fluxo
nadas de canais de Lambert, juntamente com os sangüíneo através deles. Os capilares são rela-
poros de Kohn, permitem a ventilação colateral tivamente extensos e podem cruzar vários
em casos de obstrução das vias aéreas. alvéolos. Desta maneira, o tempo que os eritróci-

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tos ficam expostos às trocas com o ar alveolar é nares, constituindo ponderável parcela da assim
de 0,5 a 1,0 seg. Em condições normais, o chamada mistura venosa. O fluxo restante re-
equilíbrio com os gases alveolares se processa torna para a circulação sistêmica através do
no terço inicial do capilar, fazendo com que, plexo hilar, que drena na veia ázigos. As artérias
raras vezes, a excessiva velocidade do fluxo brônquicas suprem os tecidos de sustentação
possa contribuir para o aparecimento de hipo- dos pulmões, incluindo o tecido conjuntivo, os
xemia. septos, os grandes e pequenos brônquios, irri-
O sangue oxigenado é coletado do leito gando ainda os nervos, as paredes dos vasos
capilar pelas pequenas veias pulmonares. O pulmonares e os gânglios linfáticos traqueobrôn-
sistema venoso de drenagem segue pelos sep- quicos. Além disso, ramos das artérias brônqui-
tos interlobulares até a profundidade do pulmão. cas caminham ao longo dos septos
A seguir, continua-se pelas veias intersegmen- interlobulares e fornecem sangue oxigenado aos
tares, mantendo-se distante e perifericamente capilares da pleura visceral. A nutrição da
ao feixe bronco-arterial. As veias pulmonares traquéia e dos brônquios, até os bronquíolos
não têm válvulas. Como as artérias pulmonares, terminais, é realizada pelas artérias brônquicas
também são curtas, mas suas características de e, a partir desse ponto, pela circulação pul-
distensibilidade são semelhantes às das veias monar.
sistêmicas. Elas coletam não apenas o sangue É importante salientar que quando há
oxigenado, mas também a maior parte do oclusão de um setor (circulação pulmonar) o
sangue de retorno das artérias brônquicas, o outro (circulação brônquica) permite uma su-
que explica parcialmente o fato de a hemoglo- plência através de anastomoses broncopulmo-
bina (Hb) do sangue arterial não ser 100% nares.
saturada.
As artérias brônquicas, em geral em
n ú m e r o d e t r ê s ( u m a à d i re i ta e d u a s à
esquerda), podem nascer da aorta, de alguma Volumes e capacidades pulmonares
das três primeiras intercostais, da subclávia ou
das artérias mamárias internas. Seu fluxo O pulmão normal pesa cerca de 1.000 g,
sangüíneo corresponde a cerca de 1 a 2% do das quais 500 g correspondem ao tecido pul-
débito cardíaco total, dos quais aproximada- monar e 500 g ao sangue nele contido. Sua
mente dois terços retornam pelas veias pulmo- altura é de aproximadamente 30 cm e seu
diâmetro anteroposterior máximo é de 20 cm. Os
gases contidos no pulmão, nos vários estágios
da respiração, têm sido divididos em quatro vo-
lumes e quatro capacidades (Fig 4):
VRI - 3.000 ml
CI - 3.500 ml
CV - 4.600 ml
- Volume residual - VR - (1.200 ml): gás que
VC - 500 ml
permanece nos pulmões ao término de
CPT - 5.800 ml uma expiração forçada;
VRE - 1.100 ml - Volume de reserva expiratória - VRE - (1.100
CFR - 2.300 ml ml): gás residual ainda passível de ser
VR - 1.200 ml expirado ao término de uma expiração
normal;
- Volume corrente - VC - (500 ml ou 6 a 8
Fig 4 - Volumes e capacidades pulmonares.
ml/kg de peso corporal ideal): gás que
é movimentado a cada respiração nor-
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mal; pode reduzi-la em cerca de 400 ml devido ao


- Volume de reserva inspiratória - VRI - (3.000 deslocamento do diafragma em sentido cefálico,
ml): volume máximo que pode ser inspi- à redução de sua tensão e à alteração das pro-
rado após o término de uma inspiração priedades mecânicas da parede torácica, tais
normal; como o desvio da curva pressão/volume para a
- Capacidade pulmonar total - CPT - (5.800 direita.
ml): soma dos volumes contidos no O vo lume da caixa torá cica e dos
pulmão ao término de uma inspiração pulmões é resultante da oposição de suas forças
forçada máxima; elásticas. Em posição de repouso, seus volumes
- Capacidade vital - CV - (4.600 ml ou 60 a 70 se aproximam de 40% daqueles que atingem em
ml/kg de peso corporal ideal): soma dos capacidade pulmonar total. A caixa torácica iso-
volumes de reserva inspiratória e expi- lada, livre da influência da retração elástica dos
ratória com o volume corrente; pulmões, alcança cerca de 70% da capacidade
- Capacidade inspiratória - CI - (3.500 ml): pulmonar total. Os pulmões isolados, não sujei-
soma do volume corrente com o volume
tos à limitação imposta pela elasticidade da
de reserva inspiratória;
ca ixa to rácica, te ndem a volu me zero. A
- Capacidade residual funcional - CRF - (2.300
oposição dessas tendências gera a pressão ne-
ml): volume que permanece no pulmão
gativa no espaço pleural. Essa pressão não é
ao término de uma expiração normal
uniforme, variando dos ápices às bases e com a
(soma do volume de reserva expiratória
posição do indivíduo, em virtude do peso dos
e do volume residual).
próprios pulmões. Em posição vertical e em ca-
pacidade residual funcional, seu valor mínimo é
Os volumes e as capacidades pulmo-
de -10 cmH2O nos ápices e de -2,5 cmH 2O nas
nares, com exceção do volume residual e das
bases. A variação do volume do tórax modifica
capacidades que o incluem, podem ser determi-
significativamente esses valores, assim pois, em
nados por espirometria. A determinação do VR
volume pulmonar residual, a pressão no ápice é
pode ser realizada utilizando um gás diluente.
de -4 cmH2O e na base de +3,5 cmH2O. Estas
Conecta-se o indivíduo, em expiração máxima,
variações de pressão influem significativamente
a um expirômetro com volume conhecido de
na distribuição regional do fluxo aéreo.
gases contendo hélio (gás praticamente in-
solúvel) em concentração determinada. Após al-
gumas respirações a concentração do He no
expirômetro e no pulmão é igual. O He não é Ventilação: como o ar chega aos alvéolos e
perdido e sua quantidade é a mesma do início sua difusão para o sangue
(Q = C1 x V1), sendo agora representada por
uma nova equação: Q = C2 (V1+ VR). Substi- O sistema respiratório tem como objetivo
tuindo Q e rearranjando a fórmula pode-se cal- primordial renovar o ar nas regiões onde ocor-
cular o VR: VR = V 1(C1- C2)/C 2. (Q = quantidade rem as trocas gasosas com o sangue (URT).
de He; C1 = concentração inicial do He; V1 = Com esta finalidade, em condições normais, 500
volume de gases no expirômetro; C2 = concen- ml (VC) de ar penetram nos pulmões 12 vezes
tração de He nos gases do expirômetro e no VR) por minuto. O volume de ar que deixa os
Em anestesia, é de grande valor o co- pulmões é levemente menor porque mais
nhecimento da capacidade residual funcional oxigênio é captado do que CO 2 eliminado. En-
pela importância que suas alterações têm na tretanto, nem todo este ar alcança o comparti-
relação ventilação/perfusão. A passagem da mento onde ocorrem as trocas, cerca de 150 ml
posição vertical para a supina é capaz de reduzi- ocupam o espaço morto anatômico. O volume
la significativamente. A indução da anestesia corrente pode, portanto, ser dividido em volume
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do espaço morto e volume alveolar. Esses vol- muito mais importante. Cerca de 7 a 10% do CO2
umes, quando multiplicados pela freqüência liberado nos pulmões é transportado desta
respiratória, representam, respectivamente, o maneira.
volume minuto, a ventilação do espaço morto e O CO 2 difunde-se para o sangue como
a ventilação alveolar. um gás livre em solução. Por combinação com a
A ventilação alveolar (VA ), principal de- H 2O, a maior parte é convertida em ácido car-
terminante da PO 2 e da PCO2 alveolares, pode bônico. Esta reação é lenta no plasma, mas nos
ser determinada coletando-se o ar expirado e eritrócitos é acelerada cerca de 5.000 vezes, em
medindo sua concentração em CO2. Consi- ambos os sentidos, pela anidrase carbônica
derando que no espaço morto anatômico não se existente em seu interior. O ácido carbônico as-
realizam trocas gasosas, e que todo o CO2 sim formado dissocia-se imediatamente em
provêm do gás alveolar (a concentração do CO2 HCO3- e H+.
no ar atmosférico pode ser considerada igual a Sem passar pela forma de ácido car-
zero), pode-se calcular a ventilação alveolar: bônico, o CO2 combina diretamente com grupos
aminados terminais existentes na parte globina
% CO2 VCO2 x 100 da molécula, formando compostos carbamino-
VCO2 = VA x ∴ VA =
100 % CO2 hemoglobina (Hb.NH2 + CO 2 ∈ Hb.NH.COOH).
Isso ocorre muito rapidamente, não requerendo
ação enzimática.
A relação % CO2/100 é denominada de Independentemente da forma de trans-
concentração fracional (F), razão pela qual porte, a passagem do CO2 dos capilares para os
pode-se determinar a VA dividindo o CO2 elimi- alvéolos se faz por difusão. Devido a sua alta
nado por sua fracional. A pressão parcial do CO2 capacidade de difusão, seu gradiente alvéolo-
é proporcional a sua concentração fracional no capilar é inferior a 1 mmHg.
alvéolo: P CO2 = F CO 2 x K, onde K é uma A concentração do O 2 no ar atmosférico
constante. Em indivíduos normais a PCO2 do é igual a 20,93%, o que corresponde a uma PO2
gás alveolar e do sangue arterial são prati- de 159 mmHg. A pressão do vapor da água, à
camente idênticas e, portanto, a PCO2 arterial pressão barométrica de 760 mmHg e à tempera-
pode ser utilizada para calcular a ventilação al- tura de 37°C, é igual a 47 mmHg. A umidificação
veolar. A V A é a determinante da PCO2 alveolar, do ar nas vias aéreas reduz sua PO2 para 149
e suas alterações para mais ou para menos mmHg (20,93/100) x (760 - 47). Nos alvéolos, a
determinam alterações contrárias na pressão PO 2 é de 100 mmHg, o que se deve ao balanço
parcial deste gás. Normalmente a PCO2 alveolar entre a captação do O2 pelo sangue dos
é de 40 mmHg e a do sangue venoso que chega capilares pulmonares e à oferta pela ventilação
aos capilares pulmonares é de 45 mmHg. alveolar. Aumentos ou diminuições da ventilação
O CO2 produzido pelo metabolismo celu- causam variação de igual sentido na PO2.
lar difunde-se para o sangue nos capilares e é A velocidade de remoção do O2 dos
eliminado nos pulmões. No sangue, seu trans- alvéolos é determinada pelo consumo
porte para os pulmões é realizado sob três for- metabólico. Quanto mais elevado for o metabo-
mas: dissolvido fisicamente, como bicarbonato e lismo, maior será o volume de O2 retirado do
combinado com a Hb, sob a forma de carbami- sangue arterial pelos tecidos e menor a PO 2 do
nohemoglobina. sangue venoso (normal = 40 mmHg). Aumento
O CO2 transportado em solução física no do metabolismo por exercício, hipertermia, ou
plasma e nos glóbulos obedece à lei de Henry. qualquer outra causa, se não for compensada
Sendo muito mais solúvel do que o O 2, seu por aumento da ventilação alveolar, pode causar
transporte em forma dissolvida no sangue é hipóxia. Se a ventilação alveolar estiver fixada,

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ANATOMIA FUNCIONAL DO PULMÃO

caso de ventilação controlada mecanicamente, um adulto normal em repouso. Assim pois, essa
certamente ocorrerá redução da P AO 2 e ele- fração é importante principalmente por constituir
vação da P ACO 2. a forma de troca imediata.
A difusão através dos tecidos é regida A capacidade máxima de fixação de
pela lei de Fick. Esta lei estabelece que o volume oxigênio pela Hb é de 1,34 ml/g, o que garante,
de gás transferido é proporcional à área, a uma para uma taxa média de 15 g de Hb/dl, o trans-
constante de difusão e à diferença de pressão porte de 20,1 ml%. Entretanto, em condições
parcial, e é inversamente proporcional à espes- normais, se atinge apenas 97,5% de saturação
sura do tecido. A constante é proporcional à da capacidade de transporte de oxigênio da Hb.
solubilidade e inversamente proporcional à raiz O fluxo do oxigênio, transportado pela
quadrada do peso molecular do gás. A área da Hb para os tecidos é resultante do produto da
membrana alvéolo-capilar é de aproximada- capacidade de transporte pelo débito cardíaco.
mente 80 m2 e sua espessura média é de 0,6 µ, A capacidade de transporte é calculada a partir
o que lhe confere ótimas condições para a di- da saturação em O 2 e da concentração de Hb no
fusão. O CO2 é muito mais solúvel que o O2 e sangue. Esses elementos nos permitem esta-
não tem peso molecular muito mais elevado e, belecer a seguinte fórmula:
por estas razões, difunde 20 vezes mais rápido.
Quando a membrana alvéolo-capilar,
saturação % da Hb
devido a doenças, aumenta sua espessura, a Fluxo de O 2 = DC x
100
x 1,34 x concentração da Hb

difusão do O 2 é dificultada e diminui a velocidade


com que a PO 2 aumenta nos eritrócitos. A PO2 Aplicando os valores normais a essa fór-
no sangue, que normalmente atinge valor quase mula obtém-se o valor de 974 ml/min, que é de
idêntico à alveolar no terço inicial do capilar, 3 a 4 vezes o valor do consumo normal.
pode ficar aquém dos valores mínimos ne-
cessários para evitar hipóxia. Nestes casos, o
aumento da velocidade do sangue (exercício) e
97 15
P A O2 reduzida (altitude) certamente desen- Fluxo de O 2 = 5.000 ml/ min x x 1,34 x = 974 ml/ min
100 100
cadearão hipoxemia.
A quantidade de oxigênio dissolvido fisi-
Circulação pulmonar
camente no sangue arterial é determinada pela
lei de Henry e por seu coeficiente de solubili-
A circulação pulmonar normalmente aco-
dade. A lei de Henry estabelece que: A concen-
moda 9% da volemia. Deste volume, cerca de 70
tração de um gás em uma solução em equilíbrio
ml encontram-se nos capilares e o restante dis-
é diretamente proporcional a sua pressão parcial
tribui-se de forma aproximadamente igual entre
na fase gasosa. O coeficiente de solubilidade
as artérias e as veias. O conteúdo de sangue nos
diminui pela presença de sais e outros solutos e
pulmões varia com as modificações posturais e
aumenta com a redução da temperatura.
com alterações forçadas do volume pulmonar
Em condições normais (pH = 7,40;
bem como em diversas condições patológicas:
PaCO2 = 40 mmHg e PaO 2 = 100 mmHg) 100 ml
aumenta na insuficiência cardíaca e diminui no
de sangue arterializado transportam 0,3 ml de
choque. As maiores variações de volume ocor-
oxigênio dissolvido e a cada mmHg de aumento
rem nas pequenas veias pulmonares que res-
da PaO2 corresponderá um acréscimo de 0,003
p ondem por 45% da complacência desse
ml de oxigênio. Tomando como referência um
sistema.
débito cardíaco de 5.000 ml/min, a capacidade
O leito vascular pulmonar é parte do
de transporte seria de 15 ml/min, o que não
sistema de baixa pressão da circulação. Embora
chega a superar 6% do consumo de oxigênio de
o débito na circulação pulmonar seja prati-
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PEREIRA

camente igual ao da circulação sistêmica (1 a 3% vários cmH2O antes de ocorrer fluxo. Esta
a menos, que é o sangue que flui através da pressão tem sido denominada de pressão crítica
circulação brônquica, pleural e pelas veias de de abertura.
Thebesius, sem passar pela circulação pul- A vasomotricidade pode ser alterada por
monar), suas pressões e as resistências aí en- drogas atuando sobre os músculos lisos. Sero-
contradas são muito inferiores às da circulação tonina, histamina e noradrenalina são vasocons-
sistêmica. Essas pressões apresentam impor- t r i t o r a s , a c e t i l c o l i n a e is o p r o te r e n o l sã o
tantes variações com o ciclo cardíaco e com os vasodilatadoras. Dos estímulos fisiológicos, o
movimentos respiratórios. No adulto, a pressão mais importante é a hipóxia alveolar localizada
sistólica na artéria pulmonar é de 20 a 30 mmHg, ou generalizada. Diferentemente do que ocorre
a pressão diastólica de 7 a 12 mmHg, e a na circulação sistêmica, onde a hipóxia causa
pressão média de 12 a 15 mmHg. A pressão no vasodilatação, no pulmão a resposta é vaso-
capilar pulmonar tem sido avaliada em cerca de constrição que, em presença de níveis muito
7 mmHg. baixos de oxigênio alveolar, pode elevar a re-
Considerando que a pressão média no sistência em até cinco vezes. Essa resposta é
átrio esquerdo é de aproximadamente 5 mmHg d e n o m in a d a d e v a s o c o n st r içã o p u l mo n a r
o gradiente pressórico, segundo o qual se pro- hipóxica e tem sido atribuída a sua ação direta
cessa o fluxo, através da circulação pulmonar é sobre os vasos, à liberação de substâncias va-
de cerca de 10 mmHg, que corresponde aproxi- soativas ou provavelmente a ambas. A hipoven-
madamente a 10% do existente na circulação tilação regional (hipóxia), causando aumento da
sistêmica. Esta é uma clara indicação das baixas resistência na área comprometida, desvia o fluxo
resistências vasculares que predominam na cir- para áreas mais ventiladas, melhorando a re-
culação pulmonar. Para um débito cardíaco de 6 lação ventilação/perfusão.
L/min a resistência pode ser calculada como
sendo de 1,7 mmHg/L/min (15 mmHg-5 mmHg/
6 L/min). Relação Ventilação/Perfusão
A resistência vascular pulmonar pode
ser alterada por dilatação dos vasos pulmo- As baixas pressões vigentes na circu-
nares, por recrutamento de novos vasos, pelo lação pulmonar fazem com que ela seja signifi-
volume pulmonar e por vasomotr icidade. cativamente influenciada pela ação da
Quando as pressões se elevam, capilares que gravidade. Em decúbito dorsal, a pressão média
se encontravam fechados passam a conduzir na artéria pulmonar é de 19 cmH2O (14 mmHg)
sangue (recrutamento) ao mesmo tempo que e em posição vertical de apenas 12 cmH2O (9
ocorre distensão dos demais, ambos os fatores mmHg). Essa pressão deverá sobrepujar a ação
causam aumento da secção transversa do leito da gravidade, sempre que o parênquima pul-
vascular, reduzindo significativamente a re- monar a ser perfundido estiver situado em
sistência. Estes mecanismos permitem que o posição superior ao tronco da artéria pulmonar.
fluxo sangüíneo pulmonar possa aumentar em No indivíduo em posição ortostática, a
até três vezes, sem aumento significativo da pressão média de perfusão será reduzida de 1
pressão. cmH2O por cm de altura até o ápice e as porções
Os vasos extra-alveolares são distendi- dependentes terão as pressões médias de per-
dos e a resistência neles é reduzida, quando o fusão aumentadas na mesma proporção pelo
pulmão se expande. Em baixos volumes pulmo- efeito do empuxo da gravidade. Considerando
nares os músculos lisos e a elasticidade tendem os decúbitos dorsal, prono e laterais o mesmo
a reduzir seu calibre. Quando o pulmão colapsa raciocínio será válido para os segmentos pul-
completamente, a pressão deve ser elevada monares situados acima ou abaixo do nível da

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ANATOMIA FUNCIONAL DO PULMÃO

que a pressão alveolar e esta é menor que a


pressão venosa. Dessa maneira, os capilares
mantêm-se abertos. Conseqüentemente, o
ZONA I
fluxo, que é contínuo, é resultante da diferença
da pressão artério-venosa.
Zona IV, sempre que a pressão venosa
se tornar muito elevada, fluído em excesso
ZONA II
poderá transudar dos capilares pulmonares,
Pa > PA>PV
preenchendo o espaço intersticial. A pressão
negativa existente no espaço intersticial, que
distende os vasos pulmonares, será assim elimi-
ZONA III
nada, o que permitirá a pressão hidrostática in-
Pa > PV>PA
tersticial se tornar positiva, excedendo a pressão
venosa. Quando isso ocorre, o fluxo sangüíneo
ZONA IV
passa a ser determinado pela diferença de
Pa > PI>PV>PA pressão artério-intersticial e o fluxo será menor
que na zona III.
O fluxo sangüíneo pulmonar é igual a
Fig 5 - Zonas de West e Hughes
5.000 ml por minuto e a ventilação pulmonar é
de 4.000 ml por minuto, o que fornece uma
relação ventilação/perfusão igual a 0,8. Nesse
contexto, a PaO2 seria igual a cerca de 100
artéria pulmonar. m m H g e a P a C O2 a aproximadamente 40
Interrelacionando as pressões pulmo- mmHg. Esses dados, entretanto, representam
nares arterial, alveolar e venosa, West (1964) apenas a média dos valores obtidos a partir das
delimitou três zonas com diferentes relações diferentes zonas do pulmão.
pressão/perfusão para o pulmão em posição ver- A ventilação alveolar, assim como a per-
tical. Posteriormente, a essas três zonas, fusão, conforme a zona considerada, sofre al-
Hughes et al (1968) acrescentaram uma quarta terações regionais decorrentes de variações das
zona (Fig 5). pressões transmurais e da complacência a que
Na zona I, a pressão alveolar é maior os alvéolos estão sujeitos.
que a pressão arterial e venosa. Os capilares se A ventilação de um alvéolo não per-
encontram colapsados, não ocorrendo perfusão. fundido tende a elevar a PA O2 e a diminuir a
Na zona II, a pressão arterial é maior que P A CO2 para valores próximos aos que estes
a pressão alveolar que, por sua vez, é maior que gases têm no ar umidificado que é inspirado. A
a venosa. Nessas condições, o fluxo é determi- perfusão de um alvéolo não ventilado desviará
nado pela diferença entre a pressão alveolar e a estes valores no sentido daqueles existentes no
pressão venosa, diferentemente das condições sangue venoso. Entre estas duas situações ex-
habituais em que é determinado pela diferença tremas ocorrem os mais variados graus de al-
artério-venosa. Sendo a pressão alveolar maior terações nas relações ventilação/perfusão
que a venosa, a extremidade capilar venosa As pressões parciais do O2 e do CO2, no
encontra-se colapsada. O fluxo sangüíneo é in- sangue arterial, resultam pois da mistura de
termitente e relacionado à pressão sistólica. Os sangue proveniente das diversas zonas pulmo-
períodos de fluxo tornam-se progressivamente nares com PaO2 e PaCO 2 variáveis de 132 a 89
maiores à medida em que se desce nessa zona. mmHg e de 28 a 42 mmHg respectivamente,
Na zona III, a pressão arterial é maior considerando uma progressão dos ápices para

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PEREIRA

as bases. REFERÊNCIAS

Pereira JB - Anatomia Funcional do 01. Barash PG, Cullen BF, Stoelting RK - Clinical
Pulmão Anesthesia, 2ª Ed, Philadelphia, JB Lippincott Co,
1992; 919-942.
UNITERMOS: ANATOMIA: pulmão; CIRCU- 02. Guyton AC - Tratado de Fisiologia Médica, 8ª Ed,
LAÇÃO: pulmonar; FISIOLOGIA: pulmão Rio de Janeiro, Guanabara Koogan, 1991; 352-
388.
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Physiology, 21ª Ed, Philadelphia, WB Saunders,
1989; 991-1025.
05. Silva LCC - Compêndio de Pneumologia, 2ª Ed,
São Paulo, Fundo Editorial Byk, 1993: 59-89
06. West JB - Respiratory Physiology, 5ª Ed, Baltimore,
Williams & Wilkins, 1995; 1-70.

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