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amarelo
assim
rubens akira kuana
shiva press
2020
CAPITULO I
DA INTRODUCÇÃO DE IMMIGRANTES
6
de uma entrevista da minha cabeça
7
MANIFESTO POESIA RESISTÊNCIA
assinado por
137 poetas brancos
do eixo rio-sp
8
O poeta branco escreve
Outro haikai eu solto um
Bocejo e digo bye bye
9
No Instragram no Twitter no Facebook
De samurai malandro a monge
Maluco, o poeta branco
Capricha no look
Abram passagem
É top, é top, mas
Não é samba
É K-pop
Lá vem
O branco
Mais amarelo
Do Brasil
10
O poeta branco medita
E admira a terra do sol nascente
Florestinha, riachinho, borboletinha
Silêncio!
11
o poeta branco veste seu kimono
para falar de coisas místicas
e espirituais
estendam os tapetes
de yoga, sentem
em zazen
12
trabalho de campo
13
seus sentimentos de poeta branco
“oh céus, quem irá cancelar os canceladores?”
estamos na época
de acasalamento
e a fim de atrair
parceiras potenciais
ou no pior dos casos
prêmios e publicações
alguns, isto é,
os mais antenados
de sua raça,
costumam utilizar
a técnica de self
deprecation ou
em português
auto-depreciação
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como ninguém!
pois o mundo
como se sabe
é um lugar
muito difícil
para um poeta branco
por isso eu
–sim, eu!
eu estudo
o poeta branco
antes que ele
seja extinto
assinem a petição!
colaborem na vaquinha!
salvem o poeta branco!
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tá com dó leva pra casa
infelizmente
queridos e queridas
telespectadoras
o poeta branco
está em risco
de extinção
é deus no volante
e um poeta branco
na caçamba
e no carona e no banco
de trás e no porta luvas
e no retrovisor e [...]
oremos
queridos e queridas
telespectadoras
oremos! sangue
de poeta branco
tem poder
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Sete Anos no Tibet
17
O Último Samurai
político
sem mover
um corpo
que não seja
o seu?
18
Karatê Kid
de contatos.
De diz que
me disse.
Me liga aí truta
(41) 9xxxx xxxx
vamo se falando.
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interlúdio
um poeta branco faz uma identidade
eu escrevo sobre
você, mas não
para você
eu escrevo
eu escrevo
eu escrevo
como você
se sente?
21
um poeta branco deseja uma revolução
22
um poeta branco me segue no instagram
e uma semana depois deixa de me seguir
o suficiente
na sua escolha
de palavras
e referências
eu devo sempre
pensar
por dois
por ele
e por mim
e pelo resto
do mundo
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um poeta branco usa alguma dessas palavras em sua bio:
monge, tai chi, tao, budismo, zen, yoga, [...]
eu falo porque
meu avô
nunca teve
a chance
de falar
eu falo porque
meu pai
nunca encontrou
as palavras
para falar
eu falo porque
eu escrevo
eu escrevo porque
eu vivi
sem falar
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parte dois
da lista geral de passageiros do navio itsukushima maru
26
da certidão de óbito do meu avô
28
coisas que já respondi pra gente branca
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sim videogames
ultraman sayonara godzilla
playstation playstation playstation
sim eu tenho parentes lá
não sei eu não falo muito com eles
não eu não conheço essa pessoa asiática
sim os “orientais” tem fama de serem muito pacientes
é eu não sou muito de falar
sim eu acho que você poderia dizer que sou “zen”
eu não sei fazer feng shui
minha casa não é minimalista
eu acho que a palavra “oriental” não significa isso
esse não é meu nome
essa piada não tem graça
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o ano em que eu virei branco
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da mesma maneira com que um prego define um martelo
batendo batendo e batendo
foi só quando eu me mudei para Curitiba uma cidade onde há mais
do que uma
família japonesa (quem diria) é que da noite para o dia as pessoas
que ia conhecendo lá
passaram a me chamar de Rubens e quando eu tentava explicar
para elas
pode me chamar de japa (pois esse era o meu nome até aquele
momento)
elas me olhavam confusas e diziam: mas você nem é japonês
(aparentemente meus olhos não são puxados o suficiente)
foi então que eu soube que podia ser branco isto é meu corpo
continuou o mesmo
mas foi então que passei a ser tratado como um branco e ter direito
a um nome próprio
o ano foi 2010
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corações sujos
eu penso no revólver
que getúlio vargas usou
para se matar e então
eu sou o fogo
que forjou este país.
leia-se país como
os corpos e nomes
que aparecem
em uma terra quando
um governo deseja
que apareçam. leia-se fogo
como aquilo que arde
e todos vêem. eu sou
meu avô paterno cujo pai
veio em um navio e morreu
de câncer. eu sou meu pai
que cresceu longe do pai
em um país que apagou
mais do que uma língua.
meu nome é rubens
pois este foi o homem
que levou meu pai
para um hospital
quando criança.
meu nome é akira
porque uma amiga
dos meus pais sugeriu.
contudo, só minha avó
paterna me chama
assim. minha batchan.
como eu deveria
escrever meu corpo
sem explicar meu nome?
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qual voz chama
meu nome?
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eu não sou daqui
hiroshima e nagasaki
e então
as imagens típicas
de um filme americano
na sessão da tarde
e no intervalo
uma mãe arrancando
outro band-aid, trazendo
o merthiolate que não arde
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eu não sou daqui e não sei
para qual país devo voltar
irrelevante
buracos
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uma armadilha
um espelho
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me nota senpai
eu falo de bombas
e guerras porque
é isso o que vocês
vêem e escutam
eu falo de corpos
e vozes porque
é isso o que na
verdade explode
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harakiri
entre a homenagem
e o fetiche entre o respeito
e a conivência entre o
haxixe e o ópio entre o
aplauso e o pornô
entre o shoyu
e o tempurá
entre a bomba
e o museu entre
o turismo e o anime
entre o meme e a
mesma merda
entre a liberdade
e o pó entre são
paulo e o brasil
entre o convite
e o token entre
o kimono e o véu
entre o o evento
e o rolê entre o
inferno e o céu
entre a pele
e a página
entre o corpo
e o som entre
a espada e a voz
entre o silêncio
e a flor, alguém
digita um comentário
que começa assim:
esses identitários q
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o segredo da longevidade japonesa
como um sísifo
que carrega
um gigantesco
sushi de goiabada
até uma privada
que limpa
automaticamente
seu cu
com um delicado
jato d’água
quente, arigato
gozaimasu
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a minoria modelo