Ao longo do filme e documentário “O Espírito de 45”, lançado em 2013, são retratadas múltiplas adversidades que surgem no século XX, momento que contou com a ocorrência de duas grandes guerras mundiais, crises de desemprego, diversas epidemias e questões socioeconômicas, isto é, críticas ao liberalismo e a emergência dos ideais socialistas, anarquistas e, principalmente, sufragistas. Há, ademais, uma menção à necessidade de se implementar o modelo de Estado de bem-estar social (Welfare State). Primeiramente, o documentário em questão se passa no Reino Unido, país vencedor da segunda guerra mundial e comandado, durante o mesmo período, pelo ministro conservador Winston Churchill. Após o declínio do nazi-facismo europeu, e a vitória dos Aliados, outra grande questão abrange todo o corpo social: a disputa política entre o partido Conservador e o partido Trabalhista. Trata-se de um marco histórico, não apenas para a Inglaterra, mas também para todo o mundo, visto que a questão da cidadania e seus direitos, implícita nesse conflito de interesses, já iniciava sua trajetória desde o século das luzes, século XVIII. Conforme afirmava a constituição base do partido britânico vitorioso no pós-guerra, os trabalhistas, "Assegurar ao trabalhador o pleno rendimento de seu trabalho tanto manual quanto intelectual, assim como a distribuição mais equitativa possível do mesmo, baseado na propriedade coletiva dos meios de produção, distribuição e comercialização.", fica claro o viés socialista que difundia-se pelas camadas sociais, dando continuidade ao choque de forças entre classes, uma vez mencionado pelo sociólogo Karl Marx. A obra de 2013 conta, também, com uma série de depoimentos de indivíduos que viveram e cultivaram experiências durante aquele momento. A partir dos mesmos, é possível entender que o triunfo do partido trabalhista relaciona-se intrinsecamente com a ampliação do conceito de cidadania na Inglaterra. Embora as lutas burguesas contra o absolutismo evidenciaram, de alguma forma, um movimento contra a servidão e a favor das liberdades de expressão e de ‘ir e vir’, no século retratado no filme, comícios e manifestações contestavam, portanto, a falsa impressão de liberdade em um regime que fundamenta-se na disparidade econômica e concentração de riquezas nas mãos de poucos. Nessa perspectiva, por conta da grave crise econômica estrutural do liberalismo, na década de 1930, a situação de pobreza e exploração de operários e operárias transformou-se em miséria extrema. Como exemplo de medidas do partido dos trabalhadores, para com os miseráveis, está a criação de um sistema de saúde e educação públicas, nacionalizado, e que foi capaz de, gradualmente, atender as demandas do público geral. Em suma, pode se dizer que o ‘espírito’ dos anos de 45 foi o de dezenas de tentativas de universalização, que partiram da insatisfação da população, construída por um sistema que defende fluxos intensos de capital sem considerar a equiparação de direitos, ao passo que eles se relacionam com a condição econômica dos indivíduos. Dentre essas tentativas, observa-se a estatização das redes de transporte, eletricidade, água e outros setores fundamentais que permitiram a desvinculação da condição financeira ao acesso ao bem-estar social. Diante desse cenário, então, como o documentário pode se relacionar com a luta pela cidadania? Isso ocorre porque essas lutas consistem em reivindicações negociadas com o Estado e que passam a compor o conjunto de direitos que definem o conceito de cidadania. Atualmente, na Inglaterra, por exemplo, consoante ao sociólogo T.H. Marshall, existem três tipos de direitos que moldam a cidadania moderna inglesa, sendo que os direitos sociais são os mais recentes e aparecem, de forma contínua, no filme. Por conseguinte, as lutas que marcaram a segunda metade do século XX foram, de fato, protagonizadas por grupos dominados e expandiram as condições para o exercício efetivo da cidadania. Essa e outras interpretações encontram-se na obra de forma didática e fidedigna.