Você está na página 1de 3

Aprendendo

a
empreender

A iniciativa
profissional,
em qualquer
campo, exige
competências
que precisam
ser
desenvolvida
s

Antonio Carlos
Gomes da
Costa

O homem - segundo a socióloga argentina


Cláudia Jacinto - nasce duas vezes: a
primeira, quando sai de dentro da mãe.
Nesse momento se nasce para a família e
para a população. O segundo nascimento
ocorre na adolescência: a pessoa em
desenvolvimento nasce para si mesma e para
a sociedade. Nesse segundo nascimento, três
instituições emergem como fundamentais: a
família, a escola e o trabalho.

Para os jovens integrados econômica e


socialmente, a família funciona como uma
rede de proteção. Ser que se procura e se
experimenta nos vários domínios da
existência em sua caminhada para o mundo
adulto, este jovem encontra na família um
anteparo efetivo e poderoso. Já com os que
estão excluídos social e economicamente
passa-se o contrário. É o núcleo familiar que
passa a contar com sua ajuda como parte de sua estratégia de sobrevivência.

Com a escola passa-se algo semelhante. Para os que estão mais integrados, ela é o centro, o
eixo estruturador de suas vidas. Para os jovens em desvantagem socioeconômica, a escola é
uma presença secundária, pois, como já vimos, o compromisso principal desses jovens já
não é mais com a atenção e, sim, com a luta pela sobrevivência.

E o trabalho para os jovens integrados é projeto: orientação vocacional, escolha do


vestibular a ser prestado, da carreira a seguir. Para o jovem em desvantagem, não: o
trabalho torna-se o eixo ou o elemento central de sua vida. Se perguntarmos a um officeboy
o que ele é, certamente sua primeira resposta, mesmo que ele estude à noite, não será
estudante.

A adolescência, porém, é uma fase determinante. Nela o jovem avança, aos poucos, sob
duas construções sócio existenciais da maior importância: a da identidade e a de um projeto
de vida. Na formação da identidade, ele deve aceitar a si mesmo e se compreender,
condições vitais para a aquisição de auto-estima, autoconceito, autoconfiança e visão
desejante em face do futuro. Essas conquistas criam as condições básicas para a efetivação
de um projeto de vida, ou seja, do caminho a ser percorrido entre o ser e o querer-ser na
vida de cada pessoa.

A melhor definição do jovem bem-sucedido nisso (identidade e projeto) que encontrei está
na letra do samba "Aquele Abraço", do atual ministro da Cultura, Gilberto Gil: "Meu caminho
pelo mundo eu mesmo traço, a Bahia já me deu, graças a Deus, régua e compasso".

Meu caminho pelo mundo é, justamente, o projeto de vida traçado pelo próprio jovem. A
"Bahia" é a educação que recebeu, as influências construtivas que sobre ele foram exercidas
pela família, a escola, a comunidade e os meios de comunicação. A "régua" é o instrumento
que ajuda a unir dois pontos: o caminho entre o ser e o querer-ser na vida de cada um. E,
finalmente, o "compasso", que desenha a figura de 3600, serve como símbolo de uma visão
do todo. Vê-se, portanto, que o jovem que queremos ver é aquele capaz de fazer escolhas
fundamentadas, analisar situações e tomar decisões diante delas.

A expressão "graças a Deus" funciona como uma abertura à dimensão transcendente da


vida: crenças, princípios, valores, convicções profundas, que servem de bússola ao ser
humano nos momentos difíceis da vida.

Esse é o perfil de um jovem empreendedor. Ser empreendedor - mais do que apenas abrir
um negócio próprio (dimensão muito importante do empreendedorismo, sem dúvida alguma)
- é ter sonhos e ser capaz de trabalhar e lutar para transformá-lo em realidade, quer abrindo
um negócio, construindo uma carreira vitoriosa numa empresa, numa organização pública ou
numa organização social sem fins de lucro. O importante é que o jovem transforme seu
potencial em habilidades, competências e capacidade e as coloque a serviço de sua visão de
si mesmo e do mundo, empenhando-se em concretizar seus sonhos.

Na formação de um jovem empreendedor vale muito mais o que ele é do que o que ele sabe.
Por isso, é importantíssimo construir itinerários formativos capazes de desenvolver
competências em termos de habilidades básicas e de gestão, como:

- analisar uma situação em seus diversos ângulos;


- propor soluções e avaliar soluções propostas por outras pessoas;
- comunicar-se com pessoas e instituições fora de seu mundo cotidiano;
- tomar decisões fundamentadas sobre qual curso de ação seguir em face de uma
determinada situação real;
- planejar e aprender a lidar com pessoas, tempos, materiais e recursos financeiros;
- administrar o próprio tempo, aprendendo a dividir-se entre atividades de natureza distinta;
- dar e receber instruções, ordens e orientações;
- liderar e deixar-se liderar;
- criticar e ser criticado;
- coordenar atividades em grupo;
- aceitar diferentes pontos de vista e interesses;
- improvisar diante de situações imprevistas, agindo de acordo com os princípios, valores e
interesses de seu grupo;
- discernir os valores implicados e vividos em uma determinada situação;
- buscar coerência entre teoria e prática;
- exercitar a transparência no uso dos recursos grupais;
- prestar conta de seus atos ao grupo, aos destinatários de suas ações e a seus educadores;
- assumir as conseqüências de suas ações positivas e negativas;
- desenvolver a tolerância para com as falhar e limitações humanas;
- aprender a lidar com êxitos e fracassos;
- decidir em grupo e de forma democrática;
- desenvolver espírito solidário e ação cooperativa.

Finalmente, a essas habilidades deverão ser acrescentadas aquelas específicas requeridas


para o exercício de uma ocupação, serviço ou profissão no mundo do trabalho. Na medida
em que formos capazes de atuar nesta linha para e com os jovens, estaremos contribuindo
para a formação das pessoas, dos cidadãos e dos profissionais de que o Brasil necessita para
dar certo.
Sobre o autor

Antônio Carlos Gomes da Costa é pedagogo, consultor especialista em juventude,


desenvolvimento social e ação educativa, autor de vários livros sobre esses temas.

Depoimento

"O meu envolvimento com programas como o Escola da Família, da Secretaria de Educação
do Estado de São Paulo que, ao lado de parceiros está desenvolvendo atividades com a
comunidade de Carapicuíba, em escolas da região -, é fruto de experiências anteriores, que
me trouxeram até aqui.

Sou formada em Dança pela Unicamp e, entre 1997 e 2003, criei e implementei um
projeto, chamado Acolhendo a Dança, para profissionalização de filhos de cortadores de
cana-de-açúcar em Cardoso, Paulo de Faria e Orindiúva, municípios no noroeste do estado.
Foram beneficiadas perto de 500 crianças, que aprenderam a redimensionar seus sonhos e
a reorientar o seu destino, o de futuros cortadores de cana como seus avós e seus pais. O
aprendizado da disciplina, a busca do saber e a valorização da ética nos ensinam a ser
criativos com base nos recursos disponíveis."

ANDRÉA CUONO, 32 anos


Coordenadora de Área do Programa Escola da Família em 16 escolas da cidade de
Carapicuíba (SP).

Você também pode gostar