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Carvalho: as mensagens de Sara Winter mostram que, a partir dos Estados Unidos, ele inflamava a militância no
Brasil
O guru incendiário
Em mensagens interceptadas pela polícia com autorização do STF, a militante Sara Winter aponta Olavo de
Carvalho como a mente por trás das ameaças de bolsonaristas radicais às instituições
10.12.21
PAULO CAPPELLI
“Eu não ia ficar sentado esperando que eles me convoquem algum dia. Se
apareceu a oportunidade de ir embora, vamos embora” , disse o guru em
um vídeo publicado dias depois. A preocupação não era desarrazoada.
Mensagens interceptadas pela Polícia Federal e obtidas com exclusividade
por Crusoé indicam que Olavo teve papel preponderante nos atos
antidemocráticos deflagrados por militantes bolsonaristas no ano
passado, para atacar instituições como o próprio Supremo – os
organizadores das manifestações são alvo de duas investigações em curso
na corte.
Adriano
Machado/Crusoé
Sara Winter na Praça dos Três Poderes na época das manifestações: hoje
ela tenta se descolar do bolsonarismo
A Allan dos Santos, Sara escreveu: “Queria falar contigo. Passei uma hora
com professor Olavo ontem no telefone. Ele me solicitou algumas coisas
sérias e preciso de ajuda. Não confio em qualquer um para falar” .
Dirigindo-se novamente ao grupo de WhatsApp, que àquela altura tinha
mais de 100 participantes, a ativista disse: Vou precisar da ajuda de todos.
Desire (uma das participantes) vai passar algumas coisas pra vocês, estou
indo lá pro Allan falar com ele”. Segundos depois de contar que acabara
de receber orientações “sérias” e “arriscadas” de Olavo, a líder dos 300
afirmou que as informações eram sensíveis e que era preciso buscar um
canal mais seguro para evitar que elas fossem interceptadas. A militante
pede aos companheiros sugestões de plataformas mais seguras para
compartilhar os conselhos do guru. “Alguém sabe se é seguro planejar
coisinhas pelo zap? Melhor Telegram? Sou ANALFABETA DIGITAL” ,
escreveu. “Tenho coisas importantes pra falar sobre desobediêcia civil” ,
adiantou.
Em seguida, a ativista sugere aos demais integrantes que passassem a
conversar por meio do Discord, um aplicativo menos conhecido que
permite a troca de mensagens em texto, áudio e vídeo. O relatório
elaborado pela Polícia Federal com as informações encontradas no
Samsung Galaxy de Sara não traz os diálogos travados na plataforma
alternativa proposta por ela, mas, semanas depois, no próprio WhatsApp,
surgem pistas do que eram, afinal, as tais ideias de Olavo. É quando a
extremista, pela primeira vez, atribui ao guru o plano de montar o
acampamento em Brasília. A meta, diz ela em uma das mensagens,
era “botar medo, humilhar, desmoralizar esse bando de pilantra”
– o “bando de pilantra”, obviamente, eram os inimigos do bolsonarismo,
em especial os ministros do STF e parlamentares cuja atuação
incomodava o governo, como o então presidente da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia.
Reprodução A
marcha dos “300 do Brasil” rumo ao STF: mascarados e com tochas
A estratégia era ampla. Coube à própria Sara cuidar para que a iniciativa
dos “300 do Brasil” se integrasse a manifestações de outros grupos que
haviam programado atos em Brasília, no mesmo período, em favor do
governo. Em 21 de abril de 2020, a ativista enviou mensagem a outros
influenciadores bolsonaristas com esse objetivo. De novo, ela mencionou
o papel de “orientador” de Olavo de Carvalho. “Boa noite, Oswaldo
Eustáquio, eu, Fernando Lisboa e outros youtubers, sob a orientação do
professor Olavo de Carvalho estamos organizando um acampamento.
Não definimos data ainda. Faremos a primeira reunião HOJE aqui em casa
em Brasília. O que acha de somarmos os atos. A Marcha pra Brasília com
destino final do Acampamento. Seria fantástico”, escreveu.
A um militante identificado como Giuliano Miotto, organizador de outra
manifestação batizada de “Marcha para Brasília”, ela disse: “Concordamos
em unir os atos. A Marcha para Brasília e o Acampamento dos 300. Vocês
estão seguros para começar essa marcha já dia 26? Porque ainda não
temos barracas, nem refeições, nem banheiro químico, nem nada.
Estamos orçando no dia de hoje para correr atrás de fundos. Pro povo
não chegar aqui e ficar no meio da rua sem banho, sem comida, sem
nada”. “Acho que podemos ir chegando no dia 26. Dar até o dia 28 pro
povo chegar”, emenda. “Excelente”, concorda Miotto.
Isac Nóbrega/PR
Bolsonaro costumava ir até a rampa do Planalto saudar os manifestantes
que montaram acampamento em Brasília para apoiá-lo
Nas redes, àquela altura, Olavo de Carvalho se mostrava afinado com
os “soldados” de Sara. Ele subia o tom contra as instituições e defendia,
sem meias palavras, que as Forças Armadas agissem em favor do governo
Bolsonaro. “Será que devemos pedir ajuda às Forças Armadas americanas
em vez das brasileiras?”, escreveu em 21 de maio. “Ainda há tempo: se os
generais se arrependerem de uma vida de encenações vaidosas e
decidirem agir, ainda podem salvar o Brasil. Mas duvido que tenham fibra
para isso”, prosseguiu no dia seguinte. O Supremo era o alvo dileto do
guru. “O STF atual é apenas um órgão do Foro de São Paulo, nada mais” ,
disse em uma publicação que foi “curtida” por Heloísa Bolsonaro, mulher
do deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho 03 do presidente da
República. Fica evidente que a ideia, no fundo, era criar confusão para,
quem sabe, obrigar os militares a agir. “Só o que os militares têm de fazer
é oferecer apoio armado às iniciativas populares. Patriotismo sem
humildade é loucura”, afirmou o guru bolsonarista em outro post.
Crusoé procurou Olavo de Carvalho para ouvi-lo sobre as mensagens de
Sara Winter interceptadas pela polícia, mas não conseguiu contato. Em
depoimento prestado por videoconferência nos autos do inquérito das
fake news, no mês passado, o guru foi indagado sobre sua relação com a
militante e se mostrou bem cuidadoso nas respostas. Ele disse que teve
contato Sara por meio de um aplicativo de mensagens “em três ou quatro
ocasiões, salvo engano”. Afirmou ainda que, “em 2019, salvo engano”, a
militante o procurou para pedir conselhos sobre se “deveria entrar na
política”.
Sara Winter, também procurada por Crusoé, saiu-se com uma versão um
pouco diferente daquela apresentada por Olavo à PF. Declarou que os
dois “trocavam muitas mensagens sobre o cenário político
brasileiro”, durante o ano de 2020, quando a ideia do acampamento
surgiu. À diferença do que ela própria escreve nas mensagens
interceptadas pelos policiais, agora a extremista afirma que Olavo de
Carvalho não idealizou nem ajudou a organizar o acampamento dos “300
do Brasil”. Indagada sobre quais foram as tais
solicitações “sérias” e “arriscadas” feitas pelo guru, ela deu uma resposta
um tanto inverossímil para o contexto das mensagens: “Catalogar todas
as teses universitárias que tenham como tema a liberdade, a liberdade
religiosa, o direito à propriedade privada etc. Para saber, através de uma
pesquisa estatística, o nível de doutrinamento nos órgãos que concedem
bolsas de estudo para pesquisas acadêmicas. A outra solicitação foi
fazermos uma lista com todos os aliados que a direita tem dentro da
imprensa tradicional, para saber em quem se poderia confiar. Essas coisas
ele (Olavo) pede aos alunos dele há pelo menos uns 15 anos” . Ao ser
confrontada com o teor das mensagens, Sara disse que precisava
encerrar a conversa.
Sara Winter e Olavo de Carvalho seguem falando a mesma língua até
hoje. Sentindo-se abandonados pelo governo, os dois com frequência se
queixam da atenção dispensada por Jair Bolsonaro a seus apoiadores
mais fiéis. Recentemente, o guru criticou o “abandono” de Sara pela
direita. “O abandono em que os tais ‘direitistas’ jogaram a Sara Winter
prova que, moralmente, estão no nível da esquerda” , afirmou.
FABIO LEITE
Marcos Corrêa/PR
Anderson Torres: agora até o Coaf deve voltar para o Ministério da Justiça
Tão sintomático quanto a troca no comando da Receita é o plano do
presidente Jair Bolsonaro de transferir de volta o Coaf do Banco Central
para o Ministério da Justiça, comandado pelo dileto Anderson
Torres. Desde a divulgação do relatório de inteligência financeira
mostrando as movimentações atípicas na conta do notório Fabrício
Queiroz, ainda no período de transição de governo, o Coaf entrou na mira
do clã presidencial. O órgão, que atua na prevenção e combate à lavagem
de dinheiro, comunicando investigadores sobre transações suspeitas
identificadas pelos próprios bancos, como saques e depósitos de altas
quantias em espécie, chegou a ser provisoriamente transferido da pasta
da Economia para a Justiça em 2019, a pedido do então ministro Sergio
Moro. Cinco meses depois, quando o caso Queiroz já desgastava o
Planalto, a Câmara derrubou a medida, em uma votação marcada pela
falta de empenho do governo na articulação junto aos parlamentares.
Defensor de Flávio, o advogado Frederick Wassef, ele próprio também
alvo de comunicações do Coaf que apontam transações financeiras
atípicas em suas contas bancárias, fez uma cruzada na qual conseguiu
não apenas anular na Justiça os relatórios envolvendo o seu nome e o do
01 como também abrir uma investigação contra o órgão de controle,
chamado por ele de “central de espionagem” . A interlocutores, Wassef
tem repetido que o Coaf foi “aparelhado” com pessoas ligadas a
Moro, hoje adversário político de Bolsonaro, e já embutiu isso na cabeça
do presidente. Agora que o Ministério da Justiça está nas mãos de um
aliado, Bolsonaro prepara mais uma ginástica retórica para justificar a
transferência do Coaf para a pasta de Anderson Torres, que tem se
mostrado fiel executor dos desejos do chefe do Planalto em controlar os
órgãos oficiais de investigação e de inteligência.
Machado/Crusoé
Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente: ele é apontado como padrinho
do novo chefe da Receita
Isso aconteceu, por exemplo, com o delegado Alexandre Saraiva, que
representou contra ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, por
suposto envolvimento no esquema de extração ilegal de madeira da
Amazônia, e com outros dois delegados que o sucederam na
superintendência da PF no Amazonas e na condução do inquérito. Em
Brasília, o delegado Franco Perazzoni, que pediu busca e apreensão em
endereços de Salles como parte de uma apuração sobre venda ilegal de
madeira, deixou o inquérito e depois teve uma promoção barrada pela
atual cúpula da PF. O mesmo ocorreu com o delegado Thiago Delabary,
que se destacou na condução do inquérito sobre supostas propinas pagas
por empreiteiras ao ex-presidente Michel Temer. Ele deixou a
Coordenação de Repressão à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, após a
posse de Maiurino, e teve sua nomeação para chefiar a mesma área no
Rio Grande do Sul vetada.
Considerado o setor mais sensível da PF por investigar políticos e
autoridades com foro nos tribunais superiores, o setor de inquéritos
especiais também registrou baixas de delegados que avançaram sobre
poderosos. O antigo chefe, Felipe Leal, conduzia a investigação sobre a
interferência de Bolsonaro na PF e caiu depois de solicitar do Supremo
diligências que investigariam atos do atual diretor-geral da corporação. O
nome do delegado Bernardo Guidali, que pediu a abertura de inquérito
para investigar o ministro Dias Toffoli por suposta venda de sentenças a
partir da delação de Sergio Cabral, também foi rejeitado para assumir
uma coordenação de lavagem de dinheiro. Maiurino foi amigo de infância
de Toffoli em Marília, no interior paulista, e trabalhou com o ministro no
Supremo antes de assumir a PF. Ao menos outros quatro delegados
pediram para deixar o setor de inquéritos especiais, por discordarem dos
métodos de trabalho da atual gestão. Foi o caso da delegada Lauren
Salatino, responsável pela investigação que flagrou o deputado Josimar de
Maranhãozinho, do PL do Maranhão, com maços de dinheiro vivo
desviado de emendas, como mostrou Crusoé em sua última edição. Hoje,
a delegada chefia um setor administrativo da corporação. Vários
delegados experientes que se destacaram na Operação Lava Jato também
estão escanteados – ou “no corredor”, para usar uma expressão do jargão
policial.
Maranhãozinho é só o começo
O deputado do PL flagrado pela Polícia Federal com maços de dinheiro nas mãos é apenas um dos muitos
aliados enrolados que estarão no palanque de Jair Bolsonaro durante a campanha do ano que vem. Mostramos
quem são os outros
10.12.21
ANA VIRIATO
Deputados Marcos
Pereira, que responde a uma investigação pelo recebimento de propina
da Odebrecht, estará junto de Bolsonaro nas eleições de 2022
Na sexta-feira, 3, a Rede Sustentabilidade protocolou uma representação
em favor da perda do mandato de Maranhãozinho. O partido argumenta
que o deputado cometeu “crime de corrupção, apropriando-se de
escassos recursos públicos a que deveria dar destinação adequada”. “O
interesse público passou, literalmente, longe do dinheiro na caixa, o que
naturalmente atenta contra a Constituição e o ordenamento, além de
ofender a própria representatividade parlamentar ”, diz um trecho do
documento. Procurado, Maranhãozinho disse, por meio de sua
assessoria, que “se colocou à disposição dos órgãos investigativos para
esclarecer os pontos que estão sendo equivocadamente veiculados pela
imprensa”.
A representação está nas mãos da equipe jurídica da Câmara e, na
sequência, seguirá para o Conselho de Ética. Mesmo os parlamentares da
Rede, no entanto, creem ser baixas as chances de o processo prosperar.
Para além do inequívoco interesse do Centrão em blindar o deputado, o
histórico do colegiado joga contra. Na última década, das 190
representações examinadas pela comissão, apenas nove resultaram em
perdas de mandato. A avaliação geral é a de que os deputados só cortam
na própria carne em casos extremos – como se o flagrante do dinheiro
não se encaixasse nessa categoria – ou quando estão sob intensa pressão
da opinião pública, como ocorreu no episódio envolvendo a deputada
Flordelis, cassada em agosto, depois de denunciada como mandante do
assassinato do próprio marido. Como uma parcela dos congressistas já se
programa para deixar Brasília na semana que vem, embora o Congresso
entre em recesso apenas em 23 de dezembro, o período de festas de fim
de ano tende a esfriar a reação às acusações.
Brasil
Indissociáveis: Ciro Nogueira e Bolsonaro estarão juntos em Brasília e no
Piauí
O deputado do PL, porém, não é o único político enrolado na Justiça que
abrirá palanque para o presidente em 2022. Ao contrário de 2018,
quando, esgrimindo um discurso anticorrupção, privilegiou o apoio aos
ditos “imaculados” integrantes da “nova política”, no próximo ano
Bolsonaro não se constrangerá em aparecer ao lado de personagens de
escândalos.
A ampla lista dos enrolados na Justiça que estarão no palanque com Jair
Bolsonaro tem, por exemplo, o deputado federal Marcos Pereira,
presidente do Republicanos. Ironicamente, apesar de hoje estar próximo
de Bolsonaro, Pereira responde a uma investigação pelo suposto
recebimento de propina da Odebrecht em troca do apoio de seu partido à
chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer nas eleições de 2014. O
inquérito, aberto em 2017, pouco andou, em razão da demora para
definir em que foro deve tramitar a apuração. O processo passou pelo
Supremo Tribunal Federal, pela Justiça Federal em São Paulo e, neste ano,
chegou ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Pereira ainda
teve o nome mencionado na delação premiada de Joesley Batista. O dono
da J&F, a holding da JBS, afirmou que ele teria recebido 6 milhões de reais
para aprovar um empréstimo de 2,7 bilhões de reais à companhia,
quando ocupava o posto de ministro da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços do governo Temer.
Promessas ao vento
Na Cúpula pela Democracia, organizada pelo presidente americano Joe Biden, discursos de líderes
antidemocráticos como Bolsonaro são recebidos com indiferença. O recado das potências ocidentais contra o
autoritarismo, porém, já está dado
10.12.21
DUDA TEIXEIRA
Mas o que Bolsonaro falou ou deixou de falar não fará ninguém mudar de
opinião sobre o presidente brasileiro. Tampouco a cobrança externa
promoverá uma alteração no comportamento de Bolsonaro. Ao menos,
uma mensagem já foi dada: a de que as potências ocidentais não
tolerarão transgressões à ordem democrática no Brasil ou em qualquer
outro país.
Verpa/Folhapress
Bolsonaro no Sete de Setembro: discurso radical e autoritário
No mais, a credibilidade internacional do governo Bolsonaro em outras
áreas está ao rés do chão. No mês passado, na 26ª Conferência entre as
Partes das Nações Unidas, a COP26, representantes do governo
anunciaram que o Brasil estava se esforçando para proteger o meio
ambiente. Seis dias depois, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o
Inpe, anunciou que houve um aumento anual no desmatamento na
Amazônia da ordem de 22%. Como a nota técnica do Inpe era de 27 de
outubro, ficou claro que a informação foi escondida para não contrariar o
discurso no exterior. A fraude grosseira não foi perdoada pelos
diplomatas de outros países e pelos ambientalistas que participaram da
conferência.
O secretismo com que o governo trata as informações também
predomina na área de direitos humanos. O ministério de Damares Alves
iniciou neste ano uma revisão do Programa Nacional de Direitos
Humanos, que costumava ser elaborado com a participação de milhares
de pessoas do setor público, da área privada e do terceiro setor. Agora,
salvo alguns escolhidos, ninguém sabe o que está acontecendo. O prazo
para a conclusão da revisão do programa foi postergado para o ano que
vem e o resto da sociedade foi totalmente alijado do processo. “ O governo
do Brasil tem conduzido essa revisão de uma forma nada transparente e
tem implementado políticas que flagrantemente violam os direitos
humanos, perseguindo jornalistas e prejudicando pessoas com
deficiências, ao atacar a educação inclusiva”, diz Maria Laura Canineu,
diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Se os participantes desta
Cúpula pela Democracia assumirem compromissos que já não cumprem,
então o encontro será um fracasso.”
Adriano
Machado/Crusoé A
ministra Damares Alves: de ouvidos fechados para a sociedade
A despeito das deficiências brasileiras e da falta de confiança, já não era
esperado que a cúpula de Biden trouxesse resultados práticos. Hoje, não
há nenhum mecanismo sendo discutido para fortalecer as democracias
pelo mundo afora. Biden programou para o ano que vem um segundo
encontro, desta vez presencial, em que os chefes de estado e de governo
prestarão contas sobre as promessas feitas no evento desta semana. Mas,
assim como agora, eles estarão livres para dizer o que bem entenderem.
Também não se espera que os governantes de viés autoritário passem a
se comportar adequadamente apenas para ganhar a aprovação de Biden,
cuja reeleição é incerta por causa de sua queda de popularidade. “ Duvido
que a cúpula possa ter algum efeito nas políticas de Bolsonaro ou no
próprio presidente. Sou cético quanto à capacidade dessa iniciativa
transformar populistas e líderes autoritários em democratas
comprometidos”, diz Thomas Pepinsky, professor de políticas públicas na
Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e pesquisador da Brookings
Institution. Dos 110 convidados, 52 países são considerados democracias
“parcialmente livres” e três são “não livres”, segundo a Freedom House,
que avalia anualmente o grau de democracia das nações e monta um
ranking. No grupo de “não livres” estão Congo, Iraque e Angola.
FABIO LEITE
Adriano Machado/
Crusoé “As
mudanças deixam os órgãos de controle perdidos. Hoje está bem mais
desafiador combater a corrupção”
Isso pode fazer com que o Judiciário seja mais rápido no julgamento dos
processos?
Tem gente que vai dizer: “O Judiciário é muito moroso, era preciso
organizar e tornar a tramitação mais célere ”. Mas a lei trouxe mais
obstáculos à tramitação desses processos. Eu até concordo que a Lei de
Improbidade precisava de uma atualização, principalmente depois da
aprovação da Lei Anticorrupção, em 2013. Mas a diferença entre o
remédio e o veneno é a dose. Carregaram muito na mão. Por exemplo, as
improbidades de violação a princípios, que antes tinham um rol bem
aberto, foram reduzidas a oito condutas. Várias condutas relevantes
ficaram de fora. Esvaziaram, por exemplo, a questão do nepotismo, que
vale para um agente concursado, mas não para um agente político. A lei
também exclui os partidos políticos. Antes, um dirigente que desviava
recursos públicos do fundo partidário poderia responder por
improbidade e até perder seu cargo e ter os direitos políticos suspensos.
Agora, eles se submetem à Lei dos Partidos Políticos, que não considera o
dirigente que desvia recursos do fundo como devedor, e o partido paga
multa com desconto dos próximos repasses do fundo. Ou seja, é dinheiro
público ressarcindo o dinheiro público desviado.
A nova lei foi aprovada para autoproteção da própria classe política?
Não sei se foi essa a intenção. Mas agora haverá uma dificuldade muito
grande de conseguir condenações por improbidade administrativa. Se
alguém tinha essa intenção, conseguiu.
Com todas essas mudanças, ficou mais difícil combater e punir casos de
corrupção?
Ficou bastante difícil. Na improbidade, por exemplo, o prazo máximo para
conclusão das investigações é de um ano, e a lei exigiu mais elementos
probatórios, como um dolo específico. Essas mudanças nas
jurisprudências deixam os órgãos de controle perdidos. De fato, hoje está
bem mais desafiador combater a corrupção.
Adriano Machado/
Crusoé “Agora
haverá uma dificuldade muito grande de conseguir condenações por
improbidade administrativa”
A polarização política vigente no país também contaminou o Ministério
Público?
Essa polarização exacerbada está evidente na sociedade. E os membros
do Ministério Público, da polícia, do Judiciário, são componentes da
sociedade. Não há dúvida que há uma polarização nas instituições. O que
nos preocupa é a atuação de grupos pró-tratamento preventivo com o
chamado Kit Covid ou pró-vacina, para citar um exemplo, apaixonando o
debate. Muitas vezes os colegas puxam o debate para um viés mais
ideológico do que constitucional ou legal. Isso não é só no Ministério
Público. Mover a sua atuação pautado mais pela sua ideologia do que pela
Constituição é deletério. Os colegas que fazem isso, seja no campo da
direita, seja no campo da esquerda, são iguais. Eles até se odeiam no
plano das ideias, mas fazem a mesma coisa.
Uma crítica frequente feita pela classe política é que o Ministério Público
ganhou poderes demais com a Constituição de 1988. Falta algum controle
para evitar abusos por parte do MP?
Acho que toda instituição que tem uma parcela de poder tem que ter
controle. Não existe poder sem controle. Aí seria um arbítrio. Eu acho que
o MP tem seus controles internos, como as corregedorias, que analisam a
morosidade e a qualidade do nosso trabalho, os desvios de função. Dados
do Conselho Nacional do Ministério Público mostram que o CNMP pune
mais promotores do que o CNJ pune quadros da magistratura. Há, sim,
controle. Agora, eu não sei que controle eles querem. Se é controle
finalístico, ou dos entendimentos que o Ministério Público tem, isso
configura quebra da autonomia do MP. Toda a atuação do Ministério
Público hoje é controlada pelo Poder Judiciário. O MP não prende
ninguém, ele pede. Quem vai decidir a prisão é o Judiciário. Quando falam
que o Ministério Público está abusando demais, nós temos de ver se ele
está afrontando as leis ou incomodando porque alcança alguns setores da
sociedade que não eram alcançados. Na minha opinião, já existem os
controles adequados. Pelo que está sendo proposto na PEC, não se quer
conter abusos, mas ingressar na capacidade funcional dos membros do
Ministério Público, o que é uma garantia constitucional.
Os ataques ao MPF devem se intensificar em 2022, com a provável
candidatura de procuradores da Lava Jato, como Deltan Dallagnol, e até
do ex-juiz Sergio Moro?
Sem dúvida nenhuma, se o ex-juiz Sergio Moro e Deltan Dallagnol
entrarem na disputa política, e tudo indica que entrarão, essas questões
ficarão mais exacerbadas no debate político. Agora, isso também vai
depender do pano de fundo. As eleições de 2018 tinham como principal
mote o combate à corrupção. Vamos ver qual será o mote das eleições de
2022. Se a sociedade tiver ainda esse sentimento de combate à corrupção,
talvez até amenize os ataques. Se a sociedade estiver preocupada com
outras agendas, essa crítica tende a ser maior, e aí não sei onde iremos
parar.
O sr. considera que a sociedade, de forma geral, tem reagido menos aos
recentes retrocessos no enfrentamento da corrupção?
Não tenho como avaliar isso sociologicamente. Sei que a gente enfrenta
outras questões graves, como uma pandemia que tem levado a muitas
mortes, problemas econômicos. Isso entra na agenda da sociedade e no
ranking de preocupação das pessoas. Como o tema da corrupção está há
tanto tempo na pauta, acredito que vai cansando também, e a sociedade
vai elegendo outros temas. Mas é preciso ter em mente que o combate à
corrupção atinge várias áreas, como saúde, educação, segurança pública,
cultura. As cortes internacionais de direitos humanos afirmam que
combater a corrupção é defender os direitos humanos, porque, se o
dinheiro é desviado pela corrupção, esses direitos fundamentais não
conseguem ser garantidos à população.
DIOGOMAINARDINA ILHA DO DESESPERO
Quando Bolsonaro for preso
10.12.21
Mas eu tenho um plano. Assim que Jair Bolsonaro for preso, vou retomar
o livro sobre Tiziano que estava escrevendo quando fizemos O
Antagonista, sete anos atrás. O livro teria sido profético, porque um dos
meus protagonistas era o fabricante de vacinas indiano que, em 2020,
vendeu para o governo brasileiro as primeiras doses de imunizante contra
o coronavírus. Sete anos atrás, eu desconhecia a existência de Jair
Bolsonaro e do coronavírus, e faltava um arremate para o livro, capaz de
ligar o fabricante de vacinas indiano, proprietário de um quadro de
Tiziano (que morreu durante a epidemia de peste), à minha vida. A
epidemia causada pelo coronavírus, seguida pelo encarceramento de Jair
Bolsonaro, finalmente podem confeccionar esse arremate perfeito.
Nunca os mendigos foram tão visíveis em São Paulo. Outro dia, para o
meu espanto, já que havia muito não passava pela Avenida Paulista,
deparei à noite com dezenas de barraquinhas de acampamento no vão do
Masp. Agora, são famílias inteiras que moram nas ruas da cidade mais
rica do Brasil, numa prova inconteste da dramaticidade da crise por que
passamos. O entorno do Parque Trianon também está repleto de
barraquinhas. Uma tristeza.
Não faço essas observações porque sou ressentido. Não sou. Também
não sou socialista, embora haja quem me chame de “socialista
fabiano”. Se não roubaram nem mataram, ricos têm o direito de sê-lo e de
exibir a sua riqueza como quiserem, e não é o dinheiro ou a falta dele que
conferem caráter a uma pessoa. Mas acho que a riqueza relativamente
discreta é sinal de bom gosto e, no caso de países como o Brasil, com
grande desnível social, de sensibilidade. Até em relação a gente como eu,
de classe média. Eu, e talvez você, leitor, estou muito mais próximo
financeiramente da mendiga que mora na esquina da igreja do que de um
rico de McLaren.
“Discutir com uma pessoa que renunciou a lógica é como dar remédio a
um homem morto”. A frase de Thomas Paine, revolucionário britânico e
um dos pais fundadores da democracia americana, resume bem a
impotência que muitos sentem ao tentar abordar racionalmente os
grandes problemas do país com boa parte do eleitorado que apoia um
dos dois candidatos extremistas, Lula e Bolsonaro.
Por outro lado, os extremos se tocam, pelo menos nos métodos. Não é à
toa que dizem que, se caminharmos muito para oeste, chegaremos ao
leste. Aqui, o apelo à paixão política, o uso da mentira e o populismo
unem Bolsonaro a Lula. Este último, envelhecido e com as mãos sujas da
corrupção escancarada em seu governo, também apela a mecanismos de
mentiras semelhantes aos de Bolsonaro, para unir sua base de apoio. Os
grupos de aficionados e simpatizantes do PT, entretanto, terão dificuldade
de fazer a sociedade crer novamente na esperança que um dia Lula
encarnou. Luiz Inácio Lula da Silva, por suas próprias decisões, optou por
jogar no lixo o patrimônio ético que um dia o Partido dos Trabalhadores, e
de roldão a esquerda em geral, representou – verdadeiramente ou não.
Além disso, nenhum nome, nem mesmo o de Sergio Moro – pessoa que
conheço há mais de vinte anos — é merecedor de qualquer
endeusamento. A condução da Lava Jato, assim como o Mensalão, o
Petrolão, a compra das Olimpíadas, as obras da Copa, as rachadinhas, o
enriquecimento de familiares, a compra de mansões ou o recebimento do
tríplex, tudo, enfim, deverá ser ampla e abertamente discutido na
campanha eleitoral, inclusive em debates públicos. O combate à
corrupção terá um papel secundário nesta eleição, mas o passado dos
candidatos deve ser objeto de amplo escrutínio público.
Isso não significa ser tolerante com a intolerância, com a mentira ou com
a agressão aos valores que embasam a nossa sociedade. Entretanto, a
resposta a essas violações deve se dar dentro da lei e pelas autoridades.
O respeito, a busca pela paz e a capacidade de se colocar na posição do
outro devem retornar à nossa democracia. E a oportunidade para isso
começa exatamente agora.
ALEXANDRESOARES SILVA
Os caça-wokes
10.12.21
É claro, eu sei: em todas as épocas os velhos diziam “Onde isso vai parar?”.
Mas esta é a primeira em que isso é dito várias vezes por dia por pessoas
com 40, 30, e mesmo 20 anos. Não se trata mais de velhos querendo
preservar os costumes da sua juventude: agora são pessoas de todas as
idades tentando preservar os costumes de dois anos atrás.
Para um conservador, a história às vezes parece um pêndulo que só vai
para um lado – e, o que deveria ser fisicamente impossível, esse pêndulo
parece ir eternamente para esse lado, de um jeito acelerado ainda por
cima. Scott Adams, o criador do Dilbert e analista político (ou “ analista
político” se você o odiar, porque sempre colocamos aspas na profissão
das pessoas de que não gostamos) é o primeiro que vejo dizer que esse
pêndulo já está começando a voltar.
Enfim, talvez eu esteja errado em ser tão otimista. Mas quando foi que eu
estive errado antes?
A verdade é que o mundo vai ficar mais sadio quando o movimento woke
finalmente desaparecer, mas também vai ficar bem menos
engraçado. Isso é um fato. Vou ter menos notícias ridículas para
compartilhar com os meus amigos. Mas tudo bem: as gerações futuras
vão poder ler a respeito nos livros de história, quando quiserem rir dos
seus antepassados.
As mensagens trocadas entre
Maranhãozinho e Valdemar
10.12.21
Adriano
Machado/Crusoé
Ciro quer como vice uma mulher negra da região Sudeste
Candidato a suceder Maiurino, delegado
exibe currículo
10.12.21
O delegado
Bartolamei estava antes no GSI, com Augusto Heleno
A exigência de Michelle a Bolsonaro
10.12.21
Michelle
comemora no Senado a aprovação de Mendonça
Lula acusa a OAS de ocultar patrimônio
10.12.21
Lula: à
espera
de uns
cascalhos da OAS
Professor da faculdade de Gilmar fez
parecer pró-Cabral
10.12.21
Adriano
Machado/Crusoé A
sede do IDP, conhecida na vizinhança como o “templo de Gilmar”
RUYGOIABA
Steve Buscemi de boné contra o Vovô
Simpson
10.12.21
Uma regra tradicional da internet (que tem até número, 34) estabelece
que, se alguma coisa existe, necessariamente existirá sua versão pornô.
Não sei se é verdade e não pretendo fazer o fact-checking dessa
afirmação (Deus me livre), mas posso assegurar que, se algo existe,
alguém em algum canto das redes sociais já produziu um meme sobre o
assunto. Existem dois memes que exprimem perfeitamente o que é ser
velho — ou seja, ter idade suficiente para se lembrar de uma época em
que a internet ainda não existia — e estar nas redes: o Steve Buscemi de
boné para trás e o Vovô Simpson gritando com as nuvens.
O segundo meme nem precisa de muito contexto: é um trecho de Os
Simpsons que mostra uma página de jornal com a foto de Abe, o Vovô
Simpson, erguendo o punho com uma expressão raivosa, sob a
manchete “old man yells at cloud” . O primeiro reproduz uma passagem da
série 30 Rock em que o personagem de Buscemi, um detetive, conta
como “se infiltrou” entre alunos do ensino médio: boné para trás e
camiseta genérica de banda de rock, carregando um skate nas costas e
dizendo “como vão, colegas crianças?” (“how do you do, fellow kids?”).
Claro, há os velhotes que habitam as redes e fazem isso não por cálculo
político, mas porque se esforçam bastante para parecer gente com
colágeno a mais e muitos pontos de QI a menos: o jornalista que
escreve “eles que lutem” — e continuará escrevendo muito depois que
essa expressão se mudar para o cemitério dos memes, como “sem tempo,
irmão” e “é verdade esse bilete” — ou os bobalhões de variadas categorias
profissionais que, não contentes com “endereçar um problema”, agora
também “entregam uma performance”, sem trabalhar para o Mercado
Livre nem para o iFood (suspeito que os culpados originais sejam
publicitários ou farialimers, esses seres que acham traduzir errado do
inglês é mais chique e diferenciado do que escrever em português).
Não é preciso ter lido esta coluna até aqui (nem qualquer texto meu:
basta me conhecer pessoalmente) para saber que sou 100% team Abe
Simpson gritando com a nuvem. Velho e rabugento desde que nasci, aos
poucos sinto minha idade física se aproximando da mental, o que se
consumará quando eu enfim estiver de bengala e puder usá-la como um
bastão de beisebol na orelha de gente burra. Enquanto esses prazeres
da “melhor idade” não chegam, vou vivendo outro meme: aquele em que
o Vovô Simpson entra em casa, pendura o chapéu, dá uma volta em torno
de si mesmo, põe o chapéu de novo na cabeça e sai meio segundo depois.
É minha exata reação às redes neste ano pré-eleitoral — e elas prometem
ficar muito piores no ano que vem. Vocês que lutem, fellow kids.
***
A GOIABICE DA SEMANA
Não é exatamente “da semana”, mas achei a história boa demais para não
registrar aqui: na Itália, conta o Corriere della Sera, uma mulher
processou a gravadora Sony — e ganhou a causa — por ter aparecido sem
consentimento em um clipe do cantor Gigi D’Alessio. No vídeo, filmado
nas ruas de Nápoles em 2012, ela aparecia de mãos dadas com o amante.
É uma modalidade de “último a saber” que só o século 21 pode nos
propiciar: torço para que o marido, que não foi indenizado, pelo menos
more em uma boa casa de pé-direito alto.
Reprodução/Instagram
Gigi D’Alessio,
cantor italiano que entregou (sem querer) a pulada de cerca alheia