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Olavo de

Carvalho: as mensagens de Sara Winter mostram que, a partir dos Estados Unidos, ele inflamava a militância no
Brasil

O guru incendiário
Em mensagens interceptadas pela polícia com autorização do STF, a militante Sara Winter aponta Olavo de
Carvalho como a mente por trás das ameaças de bolsonaristas radicais às instituições
10.12.21

PAULO CAPPELLI

Guru do bolsonarismo, o astrólogo e escritor Olavo de Carvalho deixou o


Brasil “à francesa”, como ele próprio definiu, no último dia 10 de
novembro. Olavo surpreendeu médicos e enfermeiros da Clínica Sainte-
Marie, em São Paulo, onde esteve internado na última etapa da viagem
que fez ao país, para tratamento médico. Sem receber alta ou mesmo dar
explicações, o guru abandonou o quarto às pressas. Foi visto pela última
vez na garagem da clínica às 16h30. Na fuga, até deixou para trás
pertences que só foram recolhidos no dia seguinte por uma de suas
filhas. Os problemas de saúde que o afligiam de repente ficaram em
segundo plano. Olavo foi embora por medo de, a qualquer momento, ser
alvo de uma ação policial ordenada pelo Supremo Tribunal Federal. Para
não ter que passar pelos controles de praxe realizados nos aeroportos,
encarou uma viagem de 1,4 mil quilômetros (trinta horas de carro) até
Assunção. A passagem para voar da capital do Paraguai para os Estados
Unidos, onde mora, foi comprada em dinheiro vivo.

“Eu não ia ficar sentado esperando que eles me convoquem algum dia. Se
apareceu a oportunidade de ir embora, vamos embora” , disse o guru em
um vídeo publicado dias depois. A preocupação não era desarrazoada.
Mensagens interceptadas pela Polícia Federal e obtidas com exclusividade
por Crusoé indicam que Olavo teve papel preponderante nos atos
antidemocráticos deflagrados por militantes bolsonaristas no ano
passado, para atacar instituições como o próprio Supremo – os
organizadores das manifestações são alvo de duas investigações em curso
na corte.

Diálogos registrados no telefone celular da extremista Sara Fernanda


Giromini, conhecida como Sara Winter, dão a medida do papel do guru. A
suspeita é que ele tenha sido idealizador de manifestações como as
realizadas pelo grupo que ficou conhecido como “300 do Brasil”, liderado
por Sara, que chegou a ficar presa por dez dias por decisão do STF – o
grupo, supostamente armado, organizou um acampamento em Brasília e
marchou com tochas rumo à sede do STF, na Praça dos Três Poderes. Os
diálogos em que a extremista aponta Olavo de Carvalho como uma
espécie de “guia” das ações estão em poder do Supremo e integram o
chamado inquérito das fake news, que investiga desde os baderneiros e
até o próprio presidente.

Em dia 2 de abril de 2020, cerca de um mês antes de os “300 do


Brasil” montarem um acampamento na Esplanada dos Ministérios, Sara
Winter escreveu em um grupo de WhatsApp que havia passado “mais de
uma hora ao telefone com Olavo” e que ele fizera “solicitações SÉRIAS e
até ARRISCADAS”. As letras em caixa alta eram para enfatizar a
importância das orientações. A extremista diz, então, que transmitiria o
recado ao blogueiro Allan dos Santos, outro comandante das franjas mais
radicais do bolsonarismo, que há dois meses teve sua prisão ordenada
pelo ministro Alexandre de Moraes, relator dos inquéritos em andamento
na Suprema Corte. Assim como Olavo, o blogueiro vive nos Estados
Unidos – o STF quer sua extradição, mas até agora ele segue livre, leve e
solto, e dentro do governo Bolsonaro foi deflagrada uma verdadeira
caçada aos funcionários que, obedecendo à ordem expedida pelo
tribunal, atuaram para enviar o processo às autoridades americanas.

Adriano

Machado/Crusoé
Sara Winter na Praça dos Três Poderes na época das manifestações: hoje
ela tenta se descolar do bolsonarismo
A Allan dos Santos, Sara escreveu: “Queria falar contigo. Passei uma hora
com professor Olavo ontem no telefone. Ele me solicitou algumas coisas
sérias e preciso de ajuda. Não confio em qualquer um para falar” .
Dirigindo-se novamente ao grupo de WhatsApp, que àquela altura tinha
mais de 100 participantes, a ativista disse: Vou precisar da ajuda de todos.
Desire (uma das participantes) vai passar algumas coisas pra vocês, estou
indo lá pro Allan falar com ele”. Segundos depois de contar que acabara
de receber orientações “sérias” e “arriscadas” de Olavo, a líder dos 300
afirmou que as informações eram sensíveis e que era preciso buscar um
canal mais seguro para evitar que elas fossem interceptadas. A militante
pede aos companheiros sugestões de plataformas mais seguras para
compartilhar os conselhos do guru. “Alguém sabe se é seguro planejar
coisinhas pelo zap? Melhor Telegram? Sou ANALFABETA DIGITAL” ,
escreveu. “Tenho coisas importantes pra falar sobre desobediêcia civil” ,
adiantou.
Em seguida, a ativista sugere aos demais integrantes que passassem a
conversar por meio do Discord, um aplicativo menos conhecido que
permite a troca de mensagens em texto, áudio e vídeo. O relatório
elaborado pela Polícia Federal com as informações encontradas no
Samsung Galaxy de Sara não traz os diálogos travados na plataforma
alternativa proposta por ela, mas, semanas depois, no próprio WhatsApp,
surgem pistas do que eram, afinal, as tais ideias de Olavo. É quando a
extremista, pela primeira vez, atribui ao guru o plano de montar o
acampamento em Brasília. A meta, diz ela em uma das mensagens,
era “botar medo, humilhar, desmoralizar esse bando de pilantra”
– o “bando de pilantra”, obviamente, eram os inimigos do bolsonarismo,
em especial os ministros do STF e parlamentares cuja atuação
incomodava o governo, como o então presidente da Câmara dos
Deputados, Rodrigo Maia.

Ao tratar dos preparativos para o acampamento, Sara Winter fala em


difundir “técnicas de subversão” entre os interessados em participar dos
atos: “Serão 10 horas de TREINAMENTO gratuito em técnicas de protesto,
técnicas de subversão. Dia 30 começaremos atos coordenados com
estratégia”. O tal acampamento dos “300” estressou as autoridades de
segurança pública de Brasília. Especialmente depois que a própria Sara
declarou publicamente que seus liderados portavam armas – em seguida,
ao se dar conta da gravidade do que disse, ela voltou atrás. Além de
ocupar a Esplanada com barracas de lona, os manifestantes chegaram a
alugar uma propriedade rural nos arredores da capital, para,
supostamente, fazerem seus “treinamentos”.

Em uma das manifestações, ainda em abril de 2020, integrantes do grupo


marcharam à noite em direção ao STF de máscaras e carregando
tochas. A poucos metros da corte, gritando palavras de ordem contra os
ministros, dispararam fogos de artifício contra o prédio. Em linha com o
objetivo de “botar medo”, o ato teve como trilha sonora uma melodia
macabra que, à medida que os militantes avançavam, era amplificada por
um alto-falante. Na época, o governo de Jair Bolsonaro ainda não havia se
rendido ao Centrão. Sob o risco de sofrer um processo de impeachment
pelo Congresso, o presidente vinha sofrendo seguidos reveses impostos
pela mais alta corte judicial do país. O plano dos apoiadores era reagir à
ofensiva. Com aval do próprio presidente, muitos deles sonhavam com o
caos institucional, a ponto de dar condições ao Planalto para acionar as
Forças Armadas, a fim de conter os alegados arroubos dos outros
poderes.

Reprodução A
marcha dos “300 do Brasil” rumo ao STF: mascarados e com tochas
A estratégia era ampla. Coube à própria Sara cuidar para que a iniciativa
dos “300 do Brasil” se integrasse a manifestações de outros grupos que
haviam programado atos em Brasília, no mesmo período, em favor do
governo. Em 21 de abril de 2020, a ativista enviou mensagem a outros
influenciadores bolsonaristas com esse objetivo. De novo, ela mencionou
o papel de “orientador” de Olavo de Carvalho. “Boa noite, Oswaldo
Eustáquio, eu, Fernando Lisboa e outros youtubers, sob a orientação do
professor Olavo de Carvalho estamos organizando um acampamento.
Não definimos data ainda. Faremos a primeira reunião HOJE aqui em casa
em Brasília. O que acha de somarmos os atos. A Marcha pra Brasília com
destino final do Acampamento. Seria fantástico”, escreveu.
A um militante identificado como Giuliano Miotto, organizador de outra
manifestação batizada de “Marcha para Brasília”, ela disse: “Concordamos
em unir os atos. A Marcha para Brasília e o Acampamento dos 300. Vocês
estão seguros para começar essa marcha já dia 26? Porque ainda não
temos barracas, nem refeições, nem banheiro químico, nem nada.
Estamos orçando no dia de hoje para correr atrás de fundos. Pro povo
não chegar aqui e ficar no meio da rua sem banho, sem comida, sem
nada”. “Acho que podemos ir chegando no dia 26. Dar até o dia 28 pro
povo chegar”, emenda. “Excelente”, concorda Miotto.

Recursos para bancar a ação não faltaram. Publicamente, Sara Winter


dizia que os “300” eram financiados por uma vaquinha virtual. A
investigação da Polícia Federal, porém, indica que recursos públicos
podem ter sido usados, indiretamente, na empreitada. Os policiais
suspeitam que a trupe de Sara tenha contado com ajuda financeira de
uma empresa de propriedade de um marqueteiro que atuou para criar a
Aliança pelo Brasil, o malfadado projeto partidário de Jair Bolsonaro. A PF
identificou repasses de 30 mil reais feitos pelos gabinetes dos deputados
bolsonaristas Bia Kicis, Aline Sleutjes, Guiga Peixoto e General Girão à
firma, que por sua vez teria encaminhado os valores ao grupo de Sara. As
mensagens mostram que Sara Winter também procurou contato com o
empresário bolsonarista Luciano Hang, dono da Havan, em busca de
ajuda para o acampamento.

Uma vez reunidos em Brasília, os militantes liderados por Sara seguiram à


risca a ideia de mimetizar um grupo paramilitar na tentativa de assombrar
as instituições – beira o cômico, é verdade, mas a estratégia é ilustrativa
do nível de desenvolvimento cognitivo de muitos dos personagens que
têm dominado a cena política nacional nos últimos tempos. No dia 2 de
maio, com o acampamento já inaugurado, a extremista convocou um
treinamento dos “300” na região central da cidade. Em uma das
mensagens captadas pela PF, ela pediu: “Venha com roupa que você iria
pra guerra”.
Não houve guerra. Mas confusão não faltou. No dia seguinte ao tal
treinamento, depois de o Ministério Público ir à Justiça para pedir a
suspensão do acampamento, policiais militares foram até o local onde os
seguidores de Sara estavam reunidos. Tinham ordens para desmontar as
barracas. O clima esquentou. No Twitter, a própria Sara disse: “Mulheres
de joelhos nos chãos (sic). Que a Polícia Militar não toque em um fio dos
nossos cabelos! Homens em formação pra defender o acampamento.
Peçam à @pmdfoficial (perfil da PM de Brasília na rede) que não
avancem (sic)”. A prometida resistência não ocorreu.

Isac Nóbrega/PR
Bolsonaro costumava ir até a rampa do Planalto saudar os manifestantes
que montaram acampamento em Brasília para apoiá-lo
Nas redes, àquela altura, Olavo de Carvalho se mostrava afinado com
os “soldados” de Sara. Ele subia o tom contra as instituições e defendia,
sem meias palavras, que as Forças Armadas agissem em favor do governo
Bolsonaro. “Será que devemos pedir ajuda às Forças Armadas americanas
em vez das brasileiras?”, escreveu em 21 de maio. “Ainda há tempo: se os
generais se arrependerem de uma vida de encenações vaidosas e
decidirem agir, ainda podem salvar o Brasil. Mas duvido que tenham fibra
para isso”, prosseguiu no dia seguinte. O Supremo era o alvo dileto do
guru. “O STF atual é apenas um órgão do Foro de São Paulo, nada mais” ,
disse em uma publicação que foi “curtida” por Heloísa Bolsonaro, mulher
do deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho 03 do presidente da
República. Fica evidente que a ideia, no fundo, era criar confusão para,
quem sabe, obrigar os militares a agir. “Só o que os militares têm de fazer
é oferecer apoio armado às iniciativas populares. Patriotismo sem
humildade é loucura”, afirmou o guru bolsonarista em outro post.
Crusoé procurou Olavo de Carvalho para ouvi-lo sobre as mensagens de
Sara Winter interceptadas pela polícia, mas não conseguiu contato. Em
depoimento prestado por videoconferência nos autos do inquérito das
fake news, no mês passado, o guru foi indagado sobre sua relação com a
militante e se mostrou bem cuidadoso nas respostas. Ele disse que teve
contato Sara por meio de um aplicativo de mensagens “em três ou quatro
ocasiões, salvo engano”. Afirmou ainda que, “em 2019, salvo engano”, a
militante o procurou para pedir conselhos sobre se “deveria entrar na
política”.

Sara Winter, também procurada por Crusoé, saiu-se com uma versão um
pouco diferente daquela apresentada por Olavo à PF. Declarou que os
dois “trocavam muitas mensagens sobre o cenário político
brasileiro”, durante o ano de 2020, quando a ideia do acampamento
surgiu. À diferença do que ela própria escreve nas mensagens
interceptadas pelos policiais, agora a extremista afirma que Olavo de
Carvalho não idealizou nem ajudou a organizar o acampamento dos “300
do Brasil”. Indagada sobre quais foram as tais
solicitações “sérias” e “arriscadas” feitas pelo guru, ela deu uma resposta
um tanto inverossímil para o contexto das mensagens: “Catalogar todas
as teses universitárias que tenham como tema a liberdade, a liberdade
religiosa, o direito à propriedade privada etc. Para saber, através de uma
pesquisa estatística, o nível de doutrinamento nos órgãos que concedem
bolsas de estudo para pesquisas acadêmicas. A outra solicitação foi
fazermos uma lista com todos os aliados que a direita tem dentro da
imprensa tradicional, para saber em quem se poderia confiar. Essas coisas
ele (Olavo) pede aos alunos dele há pelo menos uns 15 anos” . Ao ser
confrontada com o teor das mensagens, Sara disse que precisava
encerrar a conversa.
Sara Winter e Olavo de Carvalho seguem falando a mesma língua até
hoje. Sentindo-se abandonados pelo governo, os dois com frequência se
queixam da atenção dispensada por Jair Bolsonaro a seus apoiadores
mais fiéis. Recentemente, o guru criticou o “abandono” de Sara pela
direita. “O abandono em que os tais ‘direitistas’ jogaram a Sara Winter
prova que, moralmente, estão no nível da esquerda” , afirmou.

A julgar pelas mensagens em poder da PF e do Supremo, os dois têm


motivos de sobra para proteger um ao outro.
O presidente disse, ainda em abril 2020, que queria interferir na PF. Depois, ele conseguiu muito mais que isso

Tudo mais do que dominado


Bolsonaro queria, Bolsonaro conseguiu: o governo avança, sem limites, em sua estratégia de dominar os órgãos
de investigação e controle. O plano é se proteger e, agora, também proteger seus aliados enrolados
10.12.21

FABIO LEITE

Dentro do sistema de inteligência brasileiro há um tripé formado por


órgãos de controle que são, de longe, os mais temidos por quem tem ou
pode ter contas a pagar com a Justiça. Dois deles, a Receita Federal e o
Conselho de Controle de Atividades Financeiras, o Coaf, subsidiam com
informações sigilosas o imprescindível trabalho do terceiro, a Polícia
Federal. Para que o Ministério Público consiga reunir provas e denunciar
casos de corrupção e lavagem de dinheiro, esse tripé precisa atuar com
autonomia e sinergia. Nos tempos atuais, essa prática foi criminalizada.
Compartilhar dados bancários e fiscais de políticos e agentes públicos sob
suspeita virou sinônimo de “devassa” e “perseguição”. Enquanto o
Judiciário, liderado pelo Supremo Tribunal Federal, tem se encarregado de
anular investigações que avançaram sobre poderosos, o governo de Jair
Bolsonaro tem defenestrado aqueles que contrariam os interesses do clã
presidencial ou de seus aliados exercendo suas funções.

Há tempos Crusoé vem apontando para o avanço da estratégia do


governo de dominar os órgãos de controle e de investigação. Os últimos
acontecimentos mostram que a interferência já ultrapassou os limites da
Polícia Federal, antiga obsessão de Bolsonaro que rendeu ao presidente
um inquérito no Supremo Tribunal Federal, mas resultou na afinada
gestão do atual diretor-geral, Paulo Maiurino, no cargo desde abril. O alvo
mais recente do açoite foi a Receita Federal. Na última terça-feira, 7, o
ministro da Economia, Paulo Guedes, cumpriu uma ordem de Bolsonaro e
demitiu o secretário especial do Fisco, José Tostes Neto, que há mais de
um ano vinha travando embates com o senador Flávio Bolsonaro por
causa da investigação do suposto esquema de rachid na Assembleia
Legislativa do Rio, recentemente anulada pelo Supremo. Tostes Neto deu
de ombros para uma acusação feita pela defesa do filho 01 do presidente
contra auditores da Receita que teriam acessado ilegalmente dados fiscais
do parlamentar e ignorou uma indicação de Flávio para a corregedoria do
órgão.

O novo chefe da Receita, Julio Cesar Vieira Gomes, é um auditor fiscal de


carreira que trabalhava no Rio de Janeiro, onde já foi oficial da
Marinha. Nos bastidores, a nomeação foi atribuída ao filho 01 do
presidente. Julio Gomes é diretor jurídico do sindicato nacional dos
auditores, que fez pressão pela queda de Tostes Neto e por onde
também passou o auditor aposentado Dagoberto Lemos, nome que Flávio
tenta há meses emplacar na corregedoria da Receita. No sindicato, Lemos
defendeu servidores acusados de enriquecimento ilícito com a mesma
tese de acesso ilegal usada pela defesa do senador no caso do rachid. Foi
essa queixa de suposta arapongagem que as advogadas de Flávio
apresentaram ao presidente Bolsonaro em agosto do ano passado, na
reunião que contou com a participação de Alexandre Ramagem. Depois
do encontro, o diretor-geral da Agência Brasileira de Inteligência, a Abin,
instruiu a defesa do 01 a adotar uma ofensiva contra auditores da Receita
para tentar anular o processo.

Entre os alvos da defesa de Flávio estava o então corregedor da Receita,


José Pereira de Barros Neto, que teria blindado o suposto esquema de
arapongagem. Na última semana, depois de ser comunicado que seria
demitido, Tostes Neto transferiu o ex-corregedor para um cargo no
Ministério da Economia. Já Paulo Guedes ofereceu ao agora ex-chefe da
Receita um cargo no exterior, um mimo típico para evitar que quadros do
alto escalão saiam do governo atirando. Flávio já negou atuar na disputa
dentro da Receita e sua defesa sustenta que não há mais o que falar
sobre o Fisco, depois que o Supremo anulou as provas do rachid. Mas é
fato que as suspeitas sobre transações financeiras do 01 não cessaram. A
maior delas envolve a mal explicada compra da mansão de 6 milhões de
reais em Brasília, revelada por O Antagonista no início do ano. Parte do
valor da compra, segundo o senador, saiu da venda de um apartamento
no Rio — que teria sido produto de lavagem de dinheiro do esquema na
Assembleia Legislativa, de acordo com o MP fluminense.

Marcos Corrêa/PR
Anderson Torres: agora até o Coaf deve voltar para o Ministério da Justiça
Tão sintomático quanto a troca no comando da Receita é o plano do
presidente Jair Bolsonaro de transferir de volta o Coaf do Banco Central
para o Ministério da Justiça, comandado pelo dileto Anderson
Torres. Desde a divulgação do relatório de inteligência financeira
mostrando as movimentações atípicas na conta do notório Fabrício
Queiroz, ainda no período de transição de governo, o Coaf entrou na mira
do clã presidencial. O órgão, que atua na prevenção e combate à lavagem
de dinheiro, comunicando investigadores sobre transações suspeitas
identificadas pelos próprios bancos, como saques e depósitos de altas
quantias em espécie, chegou a ser provisoriamente transferido da pasta
da Economia para a Justiça em 2019, a pedido do então ministro Sergio
Moro. Cinco meses depois, quando o caso Queiroz já desgastava o
Planalto, a Câmara derrubou a medida, em uma votação marcada pela
falta de empenho do governo na articulação junto aos parlamentares.
Defensor de Flávio, o advogado Frederick Wassef, ele próprio também
alvo de comunicações do Coaf que apontam transações financeiras
atípicas em suas contas bancárias, fez uma cruzada na qual conseguiu
não apenas anular na Justiça os relatórios envolvendo o seu nome e o do
01 como também abrir uma investigação contra o órgão de controle,
chamado por ele de “central de espionagem” . A interlocutores, Wassef
tem repetido que o Coaf foi “aparelhado” com pessoas ligadas a
Moro, hoje adversário político de Bolsonaro, e já embutiu isso na cabeça
do presidente. Agora que o Ministério da Justiça está nas mãos de um
aliado, Bolsonaro prepara mais uma ginástica retórica para justificar a
transferência do Coaf para a pasta de Anderson Torres, que tem se
mostrado fiel executor dos desejos do chefe do Planalto em controlar os
órgãos oficiais de investigação e de inteligência.

O episódio envolvendo a extradição do blogueiro Allan dos Santos,


investigado no inquérito que mira a milícia digital bolsonarista, evidenciou
essa atuação. Em depoimentos prestados no mês passado, três
servidores do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação
Internacional, o DRCI, relataram pressão da cúpula do Ministério da
Justiça no procedimento para executar a ordem do ministro Alexandre de
Moraes de extradição e prisão do aliado de Bolsonaro, que está nos
Estados Unidos. Chefe do setor, a delegada Silvia Amélia Fonseca foi
exonerada depois de dar prosseguimento à ordem. À PF, ela disse que o
chefe de gabinete do ministro solicitou cópia do processo do blogueiro, o
que nunca havia ocorrido antes em casos semelhantes. Depoimentos de
outros dois servidores e documentos internos também demonstraram a
insistência do secretário nacional de Justiça, Vicente Santini, para acessar
o processo, alegando que a falta de informação sobre o caso
gerou “desconforto” à cúpula. Anderson Torres afirmou que “nunca houve
pressão” e que o pedido de acesso ao processo foi “legítimo” e “negado
pela sua subordinada” . Os servidores serão investigados por suspeita de
crime de obstrução de Justiça.

Na semana passada, foi a vez da delegada Dominique de Castro Oliveira,


que atuava na Interpol em Brasília e cuidou do procedimento de inclusão
do nome de Allan dos Santos na lista de procurados. Até hoje a inclusão
não foi efetivada. Em mensagem enviada a colegas, a delegada disse que
sua transferência repentina da Interpol para a Superintendência da PF no
Distrito Federal foi justificada pelo argumento de que ela teria
feito “algum comentário que contrariou” o diretor-geral, Paulo Maiurino.
Seja qual for a motivação real da decisão, o pano de fundo não deixa de
ser político. E o episódio de Dominique está longe de ser um caso isolado
dentro da Polícia Federal. Desde a posse de Maiurino, em abril, pelo
menos duas dezenas de delegados foram afastados de cargos de chefia
ou sacados da condução de inquéritos porque, de uma forma ou de
outra, contrariaram os interesses do Planalto ou de seus aliados.
Adriano

Machado/Crusoé
Flávio Bolsonaro, o filho 01 do presidente: ele é apontado como padrinho
do novo chefe da Receita
Isso aconteceu, por exemplo, com o delegado Alexandre Saraiva, que
representou contra ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, por
suposto envolvimento no esquema de extração ilegal de madeira da
Amazônia, e com outros dois delegados que o sucederam na
superintendência da PF no Amazonas e na condução do inquérito. Em
Brasília, o delegado Franco Perazzoni, que pediu busca e apreensão em
endereços de Salles como parte de uma apuração sobre venda ilegal de
madeira, deixou o inquérito e depois teve uma promoção barrada pela
atual cúpula da PF. O mesmo ocorreu com o delegado Thiago Delabary,
que se destacou na condução do inquérito sobre supostas propinas pagas
por empreiteiras ao ex-presidente Michel Temer. Ele deixou a
Coordenação de Repressão à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro, após a
posse de Maiurino, e teve sua nomeação para chefiar a mesma área no
Rio Grande do Sul vetada.
Considerado o setor mais sensível da PF por investigar políticos e
autoridades com foro nos tribunais superiores, o setor de inquéritos
especiais também registrou baixas de delegados que avançaram sobre
poderosos. O antigo chefe, Felipe Leal, conduzia a investigação sobre a
interferência de Bolsonaro na PF e caiu depois de solicitar do Supremo
diligências que investigariam atos do atual diretor-geral da corporação. O
nome do delegado Bernardo Guidali, que pediu a abertura de inquérito
para investigar o ministro Dias Toffoli por suposta venda de sentenças a
partir da delação de Sergio Cabral, também foi rejeitado para assumir
uma coordenação de lavagem de dinheiro. Maiurino foi amigo de infância
de Toffoli em Marília, no interior paulista, e trabalhou com o ministro no
Supremo antes de assumir a PF. Ao menos outros quatro delegados
pediram para deixar o setor de inquéritos especiais, por discordarem dos
métodos de trabalho da atual gestão. Foi o caso da delegada Lauren
Salatino, responsável pela investigação que flagrou o deputado Josimar de
Maranhãozinho, do PL do Maranhão, com maços de dinheiro vivo
desviado de emendas, como mostrou Crusoé em sua última edição. Hoje,
a delegada chefia um setor administrativo da corporação. Vários
delegados experientes que se destacaram na Operação Lava Jato também
estão escanteados – ou “no corredor”, para usar uma expressão do jargão
policial.

Na superintendência da PF no Distrito Federal, onde corre a investigação


sobre suposto tráfico de influência envolvendo Jair Renan, o filho 04 de
Bolsonaro, o delegado Hugo Correia foi exonerado em outubro – ele
comandava o órgão. Assumiu o lugar o delegado Victor Cesar Carvalho
dos Santos, puxado do Rio de Janeiro. Cinco meses antes, Maiurino já
havia demitido a delegada Carla Patrícia da Superintendência de
Pernambuco, onde a PF fez operações contra o líder do governo no
Senado, Fernando Bezerra, e a prefeitura de Petrolina, comandada pelo
filho dele. A interlocutores, Maiurino disse que a delegada tinha uma
relação muito próxima com políticos do PSB que comandam o estado e
fazem oposição a Bolsonaro. Depois que policiais vasculharam órgãos da
administração do filho de Bezerra, por suspeita de desvio de recursos na
compra de material escolar, o ministro Anderson Torres suspendeu a
criação de uma delegacia da PF em Petrolina, quarta maior cidade do
interior nordestino.
O chefe da PF tem afirmado que as mudanças são “medidas naturais” que
ocorrem sempre que há uma troca na cúpula. Ele nega que as decisões
tenham sido tomadas para atender a interesses políticos de Bolsonaro e
de seus aliados. “Não há motivação política para tais mudanças, que
ocorrem por razões de ordem técnica ou por interesse da Administração” ,
afirmou Maiurino, em nota divulgada nesta semana. Apesar das
evidências cristalinas de que o número de operações da PF envolvendo
casos de corrupção caíram e de que os esforços hoje estão centrados em
ações contra o tráfico de drogas, a diretoria da polícia sustenta que o
setor de inquéritos especiais que investiga os poderosos continua
tocando suas apurações sem ingerência externa. Na próxima semana, vão
se completar 600 dias da famosa reunião em que o presidente da
República falou alto e bom som que iria interferir na PF e “ponto final”.
Daqui até o fim do mandato, a PF tem pouco menos de 400 dias para
mostrar que não está sob intervenção. Por ora, tudo aponta para outra
direção: Bolsonaro e o establishment político venceram.
Maranhãozinho com Bolsonaro: o deputado do PL não será o único enrolado a dividir palanque com o
presidente

Maranhãozinho é só o começo
O deputado do PL flagrado pela Polícia Federal com maços de dinheiro nas mãos é apenas um dos muitos
aliados enrolados que estarão no palanque de Jair Bolsonaro durante a campanha do ano que vem. Mostramos
quem são os outros
10.12.21

ANA VIRIATO

Flagras de políticos com as mãos cheias de dinheiro costumam chocar a


população, ainda que as cenas não sejam assim tão raras por aqui. As
razões do choque são óbvias: em geral, o dinheiro é público, fruto de
corrupção, e as notas em profusão contrastam com a dura realidade
vivida pela esmagadora maioria dos brasileiros. Na última semana, o país
foi apresentado a mais um desses casos indecorosos que causam
perplexidade e indignação. Com exclusividade, Crusoé revelou a parte
mais escandalosa de uma investigação que corre no Supremo Tribunal
Federal contra o deputado federal Josimar de Maranhãozinho, do PL. Nas
imagens, ele aparece com grossos maços de dinheiro que, segundo a
Polícia Federal, são produto de um azeitado esquema de corrupção
envolvendo emendas parlamentares.

Há um importante agravante político neste novo leva-e-traz de pacotes de


dinheiro sujo. Apesar de ser pouco conhecido da maioria dos
brasileiros, Josimar de Maranhãozinho é um dos chefes do partido do
notório Valdemar Costa Neto, o PL, sigla que passou a abrigar, desde a
última semana, o presidente Jair Bolsonaro – o que ajuda a explicar o
silêncio eloquente do Planalto sobre o tema. “Conheceis a verdade e a
verdade os libertará. Só falta praticar” , ironizou o ex-ministro da Saúde
Luiz Henrique Mandetta, fazendo menção a um trecho bíblico usado com
frequência por Bolsonaro. “Já vi isso antes. Estava demorando para
aparecer uma imagem que estampasse o que todos alertavam sobre esse
orçamento secreto”, acrescentou, logo após a história vir à tona.

A despeito da clara tentativa do governo e de seus aliados no Congresso


de abafar o escândalo, repetindo o que acontece toda vez que um dos
seus é apanhado praticando algum malfeito, há uma movimentação de
setores da oposição para não deixar o caso cair no
esquecimento. “Bolsonaro não tinha acabado com a corrupção? O lugar
dessa gente não é no poder, é na cadeia” , disparou o deputado Kim
Kataguiri, do DEM, que passou a defender a cassação do colega .
Cleia Viana/Câmara dos

Deputados Marcos
Pereira, que responde a uma investigação pelo recebimento de propina
da Odebrecht, estará junto de Bolsonaro nas eleições de 2022
Na sexta-feira, 3, a Rede Sustentabilidade protocolou uma representação
em favor da perda do mandato de Maranhãozinho. O partido argumenta
que o deputado cometeu “crime de corrupção, apropriando-se de
escassos recursos públicos a que deveria dar destinação adequada”. “O
interesse público passou, literalmente, longe do dinheiro na caixa, o que
naturalmente atenta contra a Constituição e o ordenamento, além de
ofender a própria representatividade parlamentar ”, diz um trecho do
documento. Procurado, Maranhãozinho disse, por meio de sua
assessoria, que “se colocou à disposição dos órgãos investigativos para
esclarecer os pontos que estão sendo equivocadamente veiculados pela
imprensa”.
A representação está nas mãos da equipe jurídica da Câmara e, na
sequência, seguirá para o Conselho de Ética. Mesmo os parlamentares da
Rede, no entanto, creem ser baixas as chances de o processo prosperar.
Para além do inequívoco interesse do Centrão em blindar o deputado, o
histórico do colegiado joga contra. Na última década, das 190
representações examinadas pela comissão, apenas nove resultaram em
perdas de mandato. A avaliação geral é a de que os deputados só cortam
na própria carne em casos extremos – como se o flagrante do dinheiro
não se encaixasse nessa categoria – ou quando estão sob intensa pressão
da opinião pública, como ocorreu no episódio envolvendo a deputada
Flordelis, cassada em agosto, depois de denunciada como mandante do
assassinato do próprio marido. Como uma parcela dos congressistas já se
programa para deixar Brasília na semana que vem, embora o Congresso
entre em recesso apenas em 23 de dezembro, o período de festas de fim
de ano tende a esfriar a reação às acusações.

Diante da apatia do Legislativo e da usual demora para a conclusão de


processos de investigação e julgamento de autoridades com foro
privilegiado, a única forma de nomes envolvidos em corrupção serem
varridos da política é a derrota nas urnas. Para se manter no poder e,
provavelmente, continuar a aprontar das suas, Maranhãozinho conta com
um cabo eleitoral de peso: Jair Bolsonaro. Durante a semana, o deputado
disse, sem ruborizar, que não abre mão da candidatura ao governo do
Maranhão, cargo que pretende disputar com apoio do presidente.

Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência

Brasil
Indissociáveis: Ciro Nogueira e Bolsonaro estarão juntos em Brasília e no
Piauí
O deputado do PL, porém, não é o único político enrolado na Justiça que
abrirá palanque para o presidente em 2022. Ao contrário de 2018,
quando, esgrimindo um discurso anticorrupção, privilegiou o apoio aos
ditos “imaculados” integrantes da “nova política”, no próximo ano
Bolsonaro não se constrangerá em aparecer ao lado de personagens de
escândalos.
A ampla lista dos enrolados na Justiça que estarão no palanque com Jair
Bolsonaro tem, por exemplo, o deputado federal Marcos Pereira,
presidente do Republicanos. Ironicamente, apesar de hoje estar próximo
de Bolsonaro, Pereira responde a uma investigação pelo suposto
recebimento de propina da Odebrecht em troca do apoio de seu partido à
chapa de Dilma Rousseff e Michel Temer nas eleições de 2014. O
inquérito, aberto em 2017, pouco andou, em razão da demora para
definir em que foro deve tramitar a apuração. O processo passou pelo
Supremo Tribunal Federal, pela Justiça Federal em São Paulo e, neste ano,
chegou ao Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Pereira ainda
teve o nome mencionado na delação premiada de Joesley Batista. O dono
da J&F, a holding da JBS, afirmou que ele teria recebido 6 milhões de reais
para aprovar um empréstimo de 2,7 bilhões de reais à companhia,
quando ocupava o posto de ministro da Indústria, Comércio Exterior e
Serviços do governo Temer.

Correligionário de Pereira, Silas Câmara, um dos líderes da bancada


evangélica, é outro que aparece na lista. Figurinha carimbada nas rodas
de orações de pastores do Planalto, o deputado, que pretende concorrer
à Câmara mais uma vez, deve ser julgado no ano que vem no STF, por um
esquema operado em seu gabinete que envolveu a contratação de
funcionários fantasmas. Silas é acusado pela Procuradoria-Geral da
República de ter desviado cerca de 145 mil reais dos cofres públicos entre
janeiro de 2000 e dezembro de 2001. Além disso, está na mira de um
inquérito, ao lado de outros nove congressistas, por mau uso da cota
parlamentar. As apurações indicam “fortes indícios de inconsistências ” em
notas fiscais apresentadas por uma empresa de publicidade.
Antonio Cruz/Agência

Brasil Réu por


receber propina de empreiteira, o expoente do Centrão Ricardo Barros é
nome certo na aliança do presidente
No Progressistas, o time de enrolados é extenso – e muito próximo a
Bolsonaro. O ministro da Casa Civil, Ciro Nogueira, puxa o rol. Ele é alvo
de quatro investigações da Lava Jato. O presidente da Câmara, Arthur
Lira, foi denunciado pelo recebimento de propinas pagas pelo ex-
presidente da Companhia Brasileira de Trens Urbanos, a CBTU, e o líder
do governo na Câmara, Ricardo Barros, é réu pelo recebimento de valores
da Galvão Engenharia, para facilitar a compra de parques eólicos pela
Companhia Paranaense de Energia. Em 2022, no vale-tudo pela reeleição,
Bolsonaro subirá nos palanques de todos eles.
O presidente também se comprometeu a estar ao lado da ex-mulher de
Ciro Nogueira, a deputada Iracema Portella, que deve concorrer ao
Senado ou a vice-governadora. Depois de apoiar Lula em 2014, a
parlamentar, filiada ao Progressistas, virou aliada de primeira hora de
Bolsonaro. “Quando o presidente vier ao nosso Piauí, teremos orgulho de
levá-lo no meio de todos, porque o homem público deve ir onde o povo
está”, escreveu ela nas redes sociais. Como seu ex-marido, Iracema tem
contas a prestar na Justiça. Ela responde a uma denúncia apresentada
pela Procuradoria-Geral da República, por associação criminosa e
peculato. De acordo com a PGR, entre 2017 e 2018, ela indicou um amigo
para trabalhar como funcionário fantasma no gabinete do então
deputado distrital Cristiano Araújo. Os dois, diz a denúncia, recolhiam a
maior parte do salário do falso servidor e dividiam o dinheiro. O Supremo
ainda não decidiu se aceita ou rejeita a denúncia.

“Do ponto de vista eleitoral, a relação com esses políticos envolvidos em


escândalos é uma simbiose. Bolsonaro precisa da estrutura dos partidos
que eles representam e, em contrapartida, os partidos conseguem drenar
todas as benesses garantidas pelo governo: orçamento secreto, cargos
em ministérios e agências, atuais alianças locais” , afirma o cientista
político Ranulfo Paranhos, da Universidade Federal de Alagoas.

De fato, não há mais como dissociar o presidente desses personagens


com quem ele dividirá o palanque em 2022. Ao rasgar a fantasia desde
que resolveu escancarar as portas do governo aos principais
representantes do Centrão e, mais recentemente, “ casar” com o PL do ex-
mensaleiro Valdemar Costa Neto e de Josimar de Maranhãozinho,
Bolsonaro escolheu um caminho sem volta. O julgamento caberá ao
eleitor.
Biden na abertura da cúpula: ele disse que a democracia chegou a um ponto de inflexão no mundo

Promessas ao vento
Na Cúpula pela Democracia, organizada pelo presidente americano Joe Biden, discursos de líderes
antidemocráticos como Bolsonaro são recebidos com indiferença. O recado das potências ocidentais contra o
autoritarismo, porém, já está dado
10.12.21

DUDA TEIXEIRA

Com um vídeo gravado de três minutos, o presidente Jair Bolsonaro falou


nesta sexta-feira, 10, na Cúpula pela Democracia, idealizada e organizada
pelo presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. A proposta do americano
era a de que governantes dos 110 países convidados apresentassem
compromissos contra o autoritarismo, a corrupção e em defesa dos
direitos humanos.
Na sua apresentação, Bolsonaro disse que a luta contra a corrupção
constitui “prioridade permanente” do governo brasileiro, a despeito das
notícias comprometedoras envolvendo sua família e toda a politização
dos órgãos policiais e de controle. Ele defendeu a liberdade na internet,
algo que, na concepção bolsonarista, significa impedir a remoção de
conteúdos falsos pelas plataformas digitais. Na frente dos direitos
humanos, o presidente discorreu sobre o Ministério da Mulher, Família e
Direitos Humanos, comandado pela pastora Damares Alves.

Mas o que Bolsonaro falou ou deixou de falar não fará ninguém mudar de
opinião sobre o presidente brasileiro. Tampouco a cobrança externa
promoverá uma alteração no comportamento de Bolsonaro. Ao menos,
uma mensagem já foi dada: a de que as potências ocidentais não
tolerarão transgressões à ordem democrática no Brasil ou em qualquer
outro país.

Fora do Brasil, é difícil encontrar quem considere Bolsonaro um paladino


da democracia ou dos bons hábitos de governança. “ Qualquer promessa
de Bolsonaro não é levada a sério. O mundo todo o ouviu falando no Sete
de Setembro que só deixará o poder preso, morto ou com vitória. As
ameaças que ele fez às instituições pesam muito mais do que eventuais
promessas e não foram esquecidas ”, diz o analista político americano
Peter Hakim, do think tank Diálogo Interamericano, em Washington. A
organização de atos antidemocráticos no Sete de Setembro, aliás, foi um
dos motivos que levaram o governo Biden a adiar o envio do convite a
Bolsonaro para a Cúpula. Às vésperas das manifestações realizadas em
Brasília e em São Paulo, nas quais o presidente fez duros discursos contra
o Supremo Tribunal Federal, Crusoé perguntou se os Estados Unidos o
convidariam para o evento. Em resposta, o Departamento de Estado fez
suspense. E afirmou esperar que os países interessados assumissem
“compromissos significativos”. A participação brasileira não só não estava
garantida como era preciso fazer mais para estar à altura do encontro.
Danilo

Verpa/Folhapress
Bolsonaro no Sete de Setembro: discurso radical e autoritário
No mais, a credibilidade internacional do governo Bolsonaro em outras
áreas está ao rés do chão. No mês passado, na 26ª Conferência entre as
Partes das Nações Unidas, a COP26, representantes do governo
anunciaram que o Brasil estava se esforçando para proteger o meio
ambiente. Seis dias depois, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, o
Inpe, anunciou que houve um aumento anual no desmatamento na
Amazônia da ordem de 22%. Como a nota técnica do Inpe era de 27 de
outubro, ficou claro que a informação foi escondida para não contrariar o
discurso no exterior. A fraude grosseira não foi perdoada pelos
diplomatas de outros países e pelos ambientalistas que participaram da
conferência.
O secretismo com que o governo trata as informações também
predomina na área de direitos humanos. O ministério de Damares Alves
iniciou neste ano uma revisão do Programa Nacional de Direitos
Humanos, que costumava ser elaborado com a participação de milhares
de pessoas do setor público, da área privada e do terceiro setor. Agora,
salvo alguns escolhidos, ninguém sabe o que está acontecendo. O prazo
para a conclusão da revisão do programa foi postergado para o ano que
vem e o resto da sociedade foi totalmente alijado do processo. “ O governo
do Brasil tem conduzido essa revisão de uma forma nada transparente e
tem implementado políticas que flagrantemente violam os direitos
humanos, perseguindo jornalistas e prejudicando pessoas com
deficiências, ao atacar a educação inclusiva”, diz Maria Laura Canineu,
diretora da Human Rights Watch no Brasil. “Se os participantes desta
Cúpula pela Democracia assumirem compromissos que já não cumprem,
então o encontro será um fracasso.”

Adriano

Machado/Crusoé A
ministra Damares Alves: de ouvidos fechados para a sociedade
A despeito das deficiências brasileiras e da falta de confiança, já não era
esperado que a cúpula de Biden trouxesse resultados práticos. Hoje, não
há nenhum mecanismo sendo discutido para fortalecer as democracias
pelo mundo afora. Biden programou para o ano que vem um segundo
encontro, desta vez presencial, em que os chefes de estado e de governo
prestarão contas sobre as promessas feitas no evento desta semana. Mas,
assim como agora, eles estarão livres para dizer o que bem entenderem.
Também não se espera que os governantes de viés autoritário passem a
se comportar adequadamente apenas para ganhar a aprovação de Biden,
cuja reeleição é incerta por causa de sua queda de popularidade. “ Duvido
que a cúpula possa ter algum efeito nas políticas de Bolsonaro ou no
próprio presidente. Sou cético quanto à capacidade dessa iniciativa
transformar populistas e líderes autoritários em democratas
comprometidos”, diz Thomas Pepinsky, professor de políticas públicas na
Universidade Cornell, nos Estados Unidos, e pesquisador da Brookings
Institution. Dos 110 convidados, 52 países são considerados democracias
“parcialmente livres” e três são “não livres”, segundo a Freedom House,
que avalia anualmente o grau de democracia das nações e monta um
ranking. No grupo de “não livres” estão Congo, Iraque e Angola.

O encontro ao menos deixará um recado poderoso. Em um mundo onde


a democracia tem regredido nos últimos 15 anos, com 73 países
registrando erosão das liberdades, os líderes das potências do mundo
ocidental estão chamando a atenção para dizer que valorizam os
princípios democráticos e não estão dispostos a fazer concessões. “Nós
estamos em um ponto de inflexão na história. As escolhas que faremos
neste momento vão determinar a direção que o mundo vai tomar nas
próximas décadas. Nós vamos deixar que a democracia continue em
declínio sem fazer nada? Ou nós vamos, juntos, liderar a marcha do
progresso e da liberdade humana? Acredito que podemos fazer isso e
faremos isso”, disse Biden, na abertura da cúpula, nesta quinta. Bolsonaro
deverá continuar com pouco ou nenhum espaço na agenda dos
governantes democráticos durante o que resta de seu mandato.
"Toda modificação brusca de jurisprudência gera insegurança jurídica. Isso deixa os atores do sistema de Justiça
atordoados"

‘Assim segue o ciclo das nulidades’


Ex-integrante da Lava Jato, o procurador Ronaldo Pinheiro de Queiroz explica o efeito deletério das guinadas de
jurisprudência do STF sobre as ações anticorrupção
10.12.21

FABIO LEITE

Ronaldo Pinheiro de Queiroz integrava o grupo de trabalho da Lava Jato


montado na Procuradoria-Geral da República, para investigar políticos
com foro privilegiado, quando a operação atingiu seu auge, em 2017, com
a megadelação dos executivos da Odebrecht. Naquele período, o
procurador viveu um momento raro no combate à corrupção. Parecia que
o país havia encerrado, finalmente, o histórico ciclo de impunidade
envolvendo crimes do colarinho branco. Era miragem. Hoje, quatro anos
após deixar a equipe de investigadores da PGR, Queiroz se soma a uma
legião de colegas do Ministério Público que, com certa dificuldade, tentam
compreender a avalanche de decisões dos tribunais superiores anulando
apurações importantes que, lá atrás, haviam sido chanceladas por essas
mesmas cortes.

Trata-se de um desafio um tanto diabólico para quem trabalha nos órgãos


de investigação e tem que seguir as regras estabelecidas pelas esferas
mais altas do Judiciário, em especial o Supremo Tribunal Federal. Dias
atrás, o procurador escreveu em sua conta no Twitter: “PF e MPF atuam
na investigação e processo penal seguindo a jurisprudência do STF. STF
muda a sua jurisprudência e anula os processos que se basearam na sua
jurisprudência antiga, então em vigor. E assim segue o ciclo das
nulidades”. Nesta entrevista a Crusoé, ele prossegue no desabafo: “Toda
modificação brusca de jurisprudência gera insegurança jurídica e isso
deixa os atores do sistema de Justiça atordoados “.

Entre os exemplos dessas mudanças repentinas que têm beneficiado


alvos notórios da Lava Jato, como o ex-presidente Lula, o ex-presidente da
Câmara dos Deputados Eduardo Cunha e o ex-governador do Rio Sérgio
Cabral, estão a revisão da prisão após condenação em segunda instância
e as mudanças de interpretação do STF sobre quais são os juízos
competentes para julgar os processos. Para além das críticas às revisões
de jurisprudência que vêm causando a anulação de processos, Ronaldo
Queiroz, de 45 anos, também virou voz ativa contra outra mudança
tramada em Brasília que vai beneficiar a classe política: a nova Lei de
Improbidade Administrativa, aprovada em outubro pelo Congresso
Nacional, que afrouxa as punições a autoridades que causam prejuízos
aos cofres públicos. A seguir, os principais trechos da entrevista.

O sr. tem chamado atenção para o ciclo de nulidades provocado por


mudanças de jurisprudência no Supremo, destacando que a PF e o MPF
atuam seguindo a jurisprudência em vigor e depois as ações são anuladas
porque o STF decidiu alterá-la. Essas mudanças ocorrem para gerar
nulidades?
Acredito que elas não sejam feitas de propósito para gerar nulidades,
mas, às vezes, em um caso concreto, o Supremo acaba julgando diferente
da jurisprudência e essa decisão vira precedente, que arrasta outros casos
juntos se o Supremo não fizer uma distinção de que está julgando
diferente porque o caso tem peculiaridades. Mas, quando não se faz essa
distinção, há uma mudança na jurisprudência que, a depender do que foi
modificado, tem o efeito de anular casos de processo penal, civil e de
improbidade. Toda modificação brusca de jurisprudência gera
insegurança jurídica. Isso deixa os atores do sistema de Justiça
atordoados e pode acabar cavando nulidades.

Quem mais se beneficia com essas mudanças bruscas?


Sem dúvida, são os réus que estavam sendo processados com base em
uma jurisprudência e, de repente, ela é modificada no meio do jogo. Isso
traz um benefício muito grande para os réus, não porque a Polícia Federal
ou o Ministério Público estavam atuando de maneira errada. E quem é
mais prejudicado com isso é a sociedade, porque o bem jurídico deixa de
ser protegido e a própria sociedade acaba deixando de acreditar nas
instituições, seja o Ministério Público, a polícia ou o próprio Judiciário. Veja
a questão da prisão após condenação em segunda instância. Primeiro, o
Supremo disse que valia. Dois anos depois, mudou a jurisprudência e,
depois, mudou novamente. O Supremo Tribunal Federal é uma corte de
precedentes, que teria de durar por décadas, como ocorre na Suprema
Corte americana. Quando há uma mudança importante na sociedade, na
cultura, na economia ou no direito é que a Suprema Corte americana
começa a pensar em mudar um precedente. E isso é feito aos poucos,
debatendo, analisando. Muitas vezes, há até normas de transição. O
Supremo brasileiro, às vezes, muda um entendimento de forma abrupta,
do dia para a noite.

Qual das mudanças gerou o maior impacto negativo para a sociedade?


De forma geral, quando o Supremo sinaliza de uma forma e as
instituições investem recursos, tempo e energia atuando em um
determinado sentido, e depois o próprio Supremo muda a jurisprudência
e esses casos são perdidos, isso é um grande prejuízo para a sociedade.
Para mim, a revisão da prisão após condenação em segunda instância é
um exemplo. Mudou a estrutura do processo penal. Outro exemplo é a
mudança no entendimento da prerrogativa de foro. O entendimento que
prevalecia era o de que a prerrogativa de foro valia para qualquer tipo de
crime, ainda que sem nexo com o exercício da função. O Supremo, então,
mudou a jurisprudência, dizendo que a prerrogativa de foro só se aplica
quando o crime foi praticado no exercício da função, ou a pretexto dela.
Depois, mudou de novo, permitindo foro privilegiado para supostos
crimes praticados fora do exercício da função. Isso começa a gerar
insegurança. Foro é questão de competência, e competência é absoluta.
As decisões dadas por juízes incompetentes são nulas.

Há alguma outra corte no mundo que também altera com frequência


suas jurisprudências como o Supremo brasileiro?
Pode até haver, mas como a gente costuma estudar direito comparado
para sistemas de boa qualidade, é difícil encontrar. As cortes superiores
no mundo têm como principal função garantir segurança jurídica. Não é
nem ficar julgando caso concreto de A, B ou C. É firmar precedentes e dar
estabilidade a esses precedentes para que haja previsibilidade, para esses
casos serem julgados de forma igual. Certamente, você vai encontrar essa
insegurança em alguns países periféricos da América Latina, mas a gente
não costuma estudar essas cortes. Na Suprema Corte americana, há
precedentes que são do século XIX.

A nova Lei de Improbidade afrouxou a punição para gestores que


causarem prejuízos aos cofres públicos. Qual foi a pior mudança feita pelo
Congresso na lei e por quê?
Essa foi mais uma quebra de segurança jurídica. A gente tinha uma Lei de
Improbidade que ia completar 30 anos, e uma jurisprudência bem
consolidada com relação a essa legislação. Mas Congresso aprova um
texto, que é uma nova lei efetivamente, com 192 alterações que valem
para processos que já estão em curso. Mais uma vez, mudam as regras do
jogo com o jogo sendo jogado. A situação mais preocupante é a das
regras de prescrição que eles criaram. A prescrição da corrupção criminal,
por exemplo, é de 16 anos. Baixaram o prazo da prescrição na Lei de
Improbidade para oito anos e criaram a prescrição intercorrente de
quatro anos. Ou seja, depois que o Ministério Público ajuíza a ação, tem
de ter uma condenação em até quatro anos. Ultrapassado esse prazo,
acabou aquele processo. Se o juiz condena e a defesa entra com recurso,
tem mais quatro anos para julgar. Para se ter uma ideia, uma pesquisa do
CNJ feita em 2015, com base em quase 10 mil ações de improbidade,
identificou que o tempo médio de tramitação dessas ações é de 4,3 anos.
Ou seja, a grande maioria dessas ações tramita por mais de quatro anos
no Poder Judiciário. Isso significa que a maioria dessas ações vai
prescrever por causa da nova regra.

Adriano Machado/

Crusoé “As
mudanças deixam os órgãos de controle perdidos. Hoje está bem mais
desafiador combater a corrupção”
Isso pode fazer com que o Judiciário seja mais rápido no julgamento dos
processos?
Tem gente que vai dizer: “O Judiciário é muito moroso, era preciso
organizar e tornar a tramitação mais célere ”. Mas a lei trouxe mais
obstáculos à tramitação desses processos. Eu até concordo que a Lei de
Improbidade precisava de uma atualização, principalmente depois da
aprovação da Lei Anticorrupção, em 2013. Mas a diferença entre o
remédio e o veneno é a dose. Carregaram muito na mão. Por exemplo, as
improbidades de violação a princípios, que antes tinham um rol bem
aberto, foram reduzidas a oito condutas. Várias condutas relevantes
ficaram de fora. Esvaziaram, por exemplo, a questão do nepotismo, que
vale para um agente concursado, mas não para um agente político. A lei
também exclui os partidos políticos. Antes, um dirigente que desviava
recursos públicos do fundo partidário poderia responder por
improbidade e até perder seu cargo e ter os direitos políticos suspensos.
Agora, eles se submetem à Lei dos Partidos Políticos, que não considera o
dirigente que desvia recursos do fundo como devedor, e o partido paga
multa com desconto dos próximos repasses do fundo. Ou seja, é dinheiro
público ressarcindo o dinheiro público desviado.
A nova lei foi aprovada para autoproteção da própria classe política?
Não sei se foi essa a intenção. Mas agora haverá uma dificuldade muito
grande de conseguir condenações por improbidade administrativa. Se
alguém tinha essa intenção, conseguiu.

Com todas essas mudanças, ficou mais difícil combater e punir casos de
corrupção?
Ficou bastante difícil. Na improbidade, por exemplo, o prazo máximo para
conclusão das investigações é de um ano, e a lei exigiu mais elementos
probatórios, como um dolo específico. Essas mudanças nas
jurisprudências deixam os órgãos de controle perdidos. De fato, hoje está
bem mais desafiador combater a corrupção.

O modelo dos Gaecos, que são grupos especializados no combate ao


crime organizado, pode ser eficiente no enfrentamento da corrupção,
tanto quanto foi o modelo de forças-tarefas utilizado pela Lava Jato e
extinto pelo atual procurador-geral da República, Augusto Aras?
Os Gaecos têm que se provar. A ideia dos Gaecos era dar uma estrutura
permanente e não provisória, como era a das forças-tarefas. Temos que
ver se essas estruturas serão garantidas, se os procuradores vão poder se
dedicar com exclusividade, com uma certa desoneração das atividades
normais, que tomam tempo. Os procuradores do Gaeco precisam atuar
com foco nos grandes casos, como ocorreu nas forças-tarefas. Espero que
esse novo modelo se prove produtivo e eficiente. De qualquer forma,
teremos dificuldades no plano legislativo. Têm vindo muitas leis
dificultando nossa atuação. A Lei de Abuso de Autoridade, por exemplo,
deixou os colegas mais receosos em suas atuações. Tem também a PEC
que busca alterar o Conselho Nacional do Ministério Público, que vai
interferir na autonomia do Ministério Público. Os Gaecos já começam com
muitos desafios.

O sr. enxerga uma ação vingativa dos políticos contra os investigadores,


com essa proposta de emenda constitucional que aumentaria a influência
política no CNMP, órgão que fiscaliza a atuação dos procuradores?
Ela foi, de fato, chamada de PEC da Vingança. Não posso afirmar se essa é
a intenção ou não, porque não posso afiançar o que eles pensam. O fato é
que essa PEC vai atingir diretamente a autonomia do Ministério Público.
Isso é um fato. Se a intenção é se vingar aprovando essa PEC, é uma boa
vingança. É uma PEC deletéria para a independência do Ministério
Público.

Adriano Machado/

Crusoé “Agora
haverá uma dificuldade muito grande de conseguir condenações por
improbidade administrativa”
A polarização política vigente no país também contaminou o Ministério
Público?
Essa polarização exacerbada está evidente na sociedade. E os membros
do Ministério Público, da polícia, do Judiciário, são componentes da
sociedade. Não há dúvida que há uma polarização nas instituições. O que
nos preocupa é a atuação de grupos pró-tratamento preventivo com o
chamado Kit Covid ou pró-vacina, para citar um exemplo, apaixonando o
debate. Muitas vezes os colegas puxam o debate para um viés mais
ideológico do que constitucional ou legal. Isso não é só no Ministério
Público. Mover a sua atuação pautado mais pela sua ideologia do que pela
Constituição é deletério. Os colegas que fazem isso, seja no campo da
direita, seja no campo da esquerda, são iguais. Eles até se odeiam no
plano das ideias, mas fazem a mesma coisa.
Uma crítica frequente feita pela classe política é que o Ministério Público
ganhou poderes demais com a Constituição de 1988. Falta algum controle
para evitar abusos por parte do MP?
Acho que toda instituição que tem uma parcela de poder tem que ter
controle. Não existe poder sem controle. Aí seria um arbítrio. Eu acho que
o MP tem seus controles internos, como as corregedorias, que analisam a
morosidade e a qualidade do nosso trabalho, os desvios de função. Dados
do Conselho Nacional do Ministério Público mostram que o CNMP pune
mais promotores do que o CNJ pune quadros da magistratura. Há, sim,
controle. Agora, eu não sei que controle eles querem. Se é controle
finalístico, ou dos entendimentos que o Ministério Público tem, isso
configura quebra da autonomia do MP. Toda a atuação do Ministério
Público hoje é controlada pelo Poder Judiciário. O MP não prende
ninguém, ele pede. Quem vai decidir a prisão é o Judiciário. Quando falam
que o Ministério Público está abusando demais, nós temos de ver se ele
está afrontando as leis ou incomodando porque alcança alguns setores da
sociedade que não eram alcançados. Na minha opinião, já existem os
controles adequados. Pelo que está sendo proposto na PEC, não se quer
conter abusos, mas ingressar na capacidade funcional dos membros do
Ministério Público, o que é uma garantia constitucional.
Os ataques ao MPF devem se intensificar em 2022, com a provável
candidatura de procuradores da Lava Jato, como Deltan Dallagnol, e até
do ex-juiz Sergio Moro?
Sem dúvida nenhuma, se o ex-juiz Sergio Moro e Deltan Dallagnol
entrarem na disputa política, e tudo indica que entrarão, essas questões
ficarão mais exacerbadas no debate político. Agora, isso também vai
depender do pano de fundo. As eleições de 2018 tinham como principal
mote o combate à corrupção. Vamos ver qual será o mote das eleições de
2022. Se a sociedade tiver ainda esse sentimento de combate à corrupção,
talvez até amenize os ataques. Se a sociedade estiver preocupada com
outras agendas, essa crítica tende a ser maior, e aí não sei onde iremos
parar.

O sr. considera que a sociedade, de forma geral, tem reagido menos aos
recentes retrocessos no enfrentamento da corrupção?
Não tenho como avaliar isso sociologicamente. Sei que a gente enfrenta
outras questões graves, como uma pandemia que tem levado a muitas
mortes, problemas econômicos. Isso entra na agenda da sociedade e no
ranking de preocupação das pessoas. Como o tema da corrupção está há
tanto tempo na pauta, acredito que vai cansando também, e a sociedade
vai elegendo outros temas. Mas é preciso ter em mente que o combate à
corrupção atinge várias áreas, como saúde, educação, segurança pública,
cultura. As cortes internacionais de direitos humanos afirmam que
combater a corrupção é defender os direitos humanos, porque, se o
dinheiro é desviado pela corrupção, esses direitos fundamentais não
conseguem ser garantidos à população.
DIOGOMAINARDINA ILHA DO DESESPERO
Quando Bolsonaro for preso
10.12.21

Alguns dias atrás, enquanto eu escrevia para O Antagonista uma notinha


deprimente sobre uma imbecilidade qualquer vomitada por Jair
Bolsonaro, meu filho mais velho, o célebre Tito, estava em seu quarto, a
apenas 31 passos de mim, assistindo a uma aula online sobre o tratado
de arquitetura de Sebastiano Serlio, o primeiro teórico do classicismo.

Se eu fosse sujeito a abalos de humor, e não tivesse a sensibilidade de um


gnu, estaria agora prostrado em minha cama, tentando entender onde foi
que errei, ao dobrar aquela esquina que, vinte anos atrás, me afastou de
Sebastiano Serlio e me conduziu perversamente até o beco malcheiroso
habitado por Jair Bolsonaro. O esnobismo cultural, que por quatro
décadas me abrigou e me confortou, acabou desmoronando como os
tempos romanos desenhados pelo arquiteto renascentista.

Mas eu tenho um plano. Assim que Jair Bolsonaro for preso, vou retomar
o livro sobre Tiziano que estava escrevendo quando fizemos O
Antagonista, sete anos atrás. O livro teria sido profético, porque um dos
meus protagonistas era o fabricante de vacinas indiano que, em 2020,
vendeu para o governo brasileiro as primeiras doses de imunizante contra
o coronavírus. Sete anos atrás, eu desconhecia a existência de Jair
Bolsonaro e do coronavírus, e faltava um arremate para o livro, capaz de
ligar o fabricante de vacinas indiano, proprietário de um quadro de
Tiziano (que morreu durante a epidemia de peste), à minha vida. A
epidemia causada pelo coronavírus, seguida pelo encarceramento de Jair
Bolsonaro, finalmente podem confeccionar esse arremate perfeito.

É claro que, se Jair Bolsonaro escapar da cadeia, o fio narrativo se


desfaz, como ocorreu com Lula, que também escapou da cadeia. Na
história pessimamente contada por Gilmar Mendes, que rasgou as
melhores páginas jamais escritas no Brasil, acrescentando outras,
porcamente alinhavadas, numa língua primitiva, o epílogo é sempre
inverossímil e grotesco. Nesse caso, terei de inventar outro final, menos
simétrico e harmonioso do que os modelos clássicos copiados por
Sebastiano Serlio – que era amigo de Tiziano, por sinal.

Vou parar por aqui. O Antagonista está berrando na tela do computador,


à espera de mais uma notinha deprimente sobre uma imbecilidade
qualquer de Jair Bolsonaro, e o gnu precisa pastar. Sabe como é: dobrei a
esquina errada vinte anos atrás.
MARIOSABINO
A mendiga e o super-rico
10.12.21

No meio do meu trajeto a pé até a redação, mora uma mendiga faz


tempo. Ela montou uma cabaninha com o plástico preto de sacos de lixo
na esquina de uma igreja. A cabaninha está espremida entre o meio-fio e
um canteiro que a igreja mandou fazer lá, ao redor de uma árvore,
provavelmente para tentar que a mendiga mudasse de endereço. Muito
cristão. Juntamente com ela, moram — se é que o verbo se aplica — dois
cachorros. Na medida do possível, parecem bem cuidados. Outros
mendigos dão as caras no meu trajeto, em especial em frente a um
supermercado chique e à farmácia onde, de vez em quando, faço teste
para Covid. Mas eles não habitam o bairro, ao contrário da mendiga que
tem dois cachorros.

Nunca os mendigos foram tão visíveis em São Paulo. Outro dia, para o
meu espanto, já que havia muito não passava pela Avenida Paulista,
deparei à noite com dezenas de barraquinhas de acampamento no vão do
Masp. Agora, são famílias inteiras que moram nas ruas da cidade mais
rica do Brasil, numa prova inconteste da dramaticidade da crise por que
passamos. O entorno do Parque Trianon também está repleto de
barraquinhas. Uma tristeza.

Voltemos ao meu bairro, onde mora a mendiga na esquina da igreja.


Pipocam nele prédios de luxo — luxo nunca abaixo de 12 milhões de reais
por apartamento — e há muito mais carrões trafegando nas suas ruas do
que, sei lá, nos arredores da Rue Saint-Honoré, em Paris. Em frente a
restaurantes de uma rua que foi praticamente privatizada pelos donos
dos estabelecimentos, há filas duplas de carros dos quais nem imagino o
preço. Os mais baratos parecem ser BMWs. Eu só vi tantas Ferraris e
Lamborghinis em Mônaco. Outro dia, o meu caçula me disse que viu uma
McLaren. Respondi que só existia McLaren em Fórmula 1, mas ele me
informou que não. Já lá perto da Paulista, onde funcionava o hospital
Umberto Primo, estão para inaugurar um complexo de luxo —
“absurdamente francês”, como consta do vídeo de venda dos imóveis —
no qual os apartamentos têm metro quadrado de 50 mil reais. As Ferraris
e Lamborghinis terão outro ponto de desfile, imagino, e absurdamente
francês seria cortar a cabeça dos seus donos.

Não faço essas observações porque sou ressentido. Não sou. Também
não sou socialista, embora haja quem me chame de “socialista
fabiano”. Se não roubaram nem mataram, ricos têm o direito de sê-lo e de
exibir a sua riqueza como quiserem, e não é o dinheiro ou a falta dele que
conferem caráter a uma pessoa. Mas acho que a riqueza relativamente
discreta é sinal de bom gosto e, no caso de países como o Brasil, com
grande desnível social, de sensibilidade. Até em relação a gente como eu,
de classe média. Eu, e talvez você, leitor, estou muito mais próximo
financeiramente da mendiga que mora na esquina da igreja do que de um
rico de McLaren.

Há algumas semanas, estive na casa de um rico. Rico, não, super-rico. A


fortuna pessoal dele, me contaram, é de 2,5 bilhões de dólares. Na sala do
seu apartamento, havia muitas obras de arte, a maioria delas de pintores
que julgo inflacionados. Meus olhos se voltaram logo para um Chagall, de
porte médio, que retratava uma festa de casamento imune à lei da
gravidade (a gravidade não existe nas pinturas de Chagall, as suas figuras
levitam). Pedi a ele para examinar o quadro de perto. O homem de 2,5
bilhões de dólares arregalou os olhos e me disse que eu havia sido o
único a reconhecer o Chagall pendurado na sua sala. Não há nada de
especial em reconhecer um Chagall. Por isso mesmo, fiquei com pena do
sujeito, se é que se pode ter pena de um super-rico. Os seus 2,5 bilhões
de dólares não lhe proporcionaram um amigo que reconhecesse o pintor.
A mendiga que mora na esquina da igreja também não reconheceria,
acho, mas ela nunca teve a chance de admirar um Chagall.

A ignorância nivela ricos e pobres no Brasil, com a diferença de que ricos


poderiam remediá-la, porque têm condição para isso, cultivando o
próprio espírito. Quem sabe assim adquirissem algum bom gosto que não
fosse o dos decoradores e arquitetos — sempre os mesmos — que
enfeitam as suas casas. Quem sabe assim mostrassem sensibilidade para
que a sua exibição de riqueza fosse um pouco — um pouquinho só —
mais discreta. A cultura, em geral, quando não serve ao esnobismo,
aproxima as pessoas, e isso não é ruim, ao contrário do que faz crer o
apartheid social em que vivemos. Aproxima porque boa parte da cultura
— entenda-se, aqui, a alta cultura — é obra de gente pobre ou da classe
média endividada, gente perseguida politicamente ou por pertencer a
minorias, gente com alguma perturbação psicológica, gente que morreu
na miséria ou foi amparada por um mecenas que, admirador do seu
talento, lhe evitou a morte indigente. Gente que transformou em arte
universal as suas dificuldades e enxergou no outro, inclusive em ricos e
poderosos, a sua própria dor.

Além do dinheiro de fim de ano, vou dar de presente de Natal um livro


com obras de Chagall para a mendiga que mora na esquina da igreja. Tão
presa à gravidade, ela talvez levite juntamente com as reproduções das
pinturas. Estamos todos precisando levitar.

PS: a editora Topbooks lançou Me Odeie pelos Motivos Certos, em versão


impressa. Quem quiser adquirir o livro, com desconto, pode clicar neste
link. Obrigado aos que já compraram e agradeço antecipadamente aos
que vierem a comprar. Eu tento me aproximar das pessoas por meio do
que escrevo.
CARLOS FERNANDODOS SANTOS LIMA
O eleitor bolsopetista
10.12.21

“Discutir com uma pessoa que renunciou a lógica é como dar remédio a
um homem morto”. A frase de Thomas Paine, revolucionário britânico e
um dos pais fundadores da democracia americana, resume bem a
impotência que muitos sentem ao tentar abordar racionalmente os
grandes problemas do país com boa parte do eleitorado que apoia um
dos dois candidatos extremistas, Lula e Bolsonaro.

É bem verdade que o homem se guia, mais do que gostaríamos de


admitir, pelas emoções do que pelo pensamento racional. Poucas opções
de abordagem racional são passíveis de serem feitas para convencer
quem acredita que Bolsonaro é um mito ou que Lula é um inocente
perseguido pela CIA. Infelizmente, Nelson Rodrigues estava certo ao
afirmar que “nada mais cretino e mais cretinizante do que a paixão
política. É a única paixão sem grandeza, a única que é capaz de imbecilizar
o homem”.

Eu só não diria que a política é a única paixão emburrecedora, pois o ser


humano tem a propensão à evangelização seja para sua religião, paixão
política ou time de futebol – deixando qualquer racionalidade de lado. Em
certa medida, boa parte de problemas atuais da irracionalidade, do
obscurantismo e da intolerância decorrem da ascensão das redes sociais,
pois esse fenômeno permitiu que aqueles seguidores apaixonados de
mitos e mentiras encontrassem na internet a bolha de pessoas que
partilham do mesmo pensamento, passando a crer que essa pequena
caixa de repercussão de suas próprias vozes seja igual à verdade.

Não que eu discorde que a inteligência de Bolsonaro seja um


mito. Realmente a capacidade intelectual do atual presidente é tão real
quanto um saci-pererê ou o curupira. Além disso, Jair Bolsonaro é um
mitô…mano, mentiroso compulsivo e orgulhoso de sua ignorância e falta
de estudo. Se fosse apenas um capitão do Exército reformado
desonrosamente a vomitar equívocos em uma mesa de bar, bastaria
virarmos as costas e o deixarmos falando sozinho. Entretanto, como
presidente, sua compulsão pela mentira, especialmente em relação ao
combate à pandemia, transcende a irresponsabilidade de um incapaz.
Trata-se, isto sim, de um ato criminoso de desinformação que leva
pessoas à morte.

Por outro lado, os extremos se tocam, pelo menos nos métodos. Não é à
toa que dizem que, se caminharmos muito para oeste, chegaremos ao
leste. Aqui, o apelo à paixão política, o uso da mentira e o populismo
unem Bolsonaro a Lula. Este último, envelhecido e com as mãos sujas da
corrupção escancarada em seu governo, também apela a mecanismos de
mentiras semelhantes aos de Bolsonaro, para unir sua base de apoio. Os
grupos de aficionados e simpatizantes do PT, entretanto, terão dificuldade
de fazer a sociedade crer novamente na esperança que um dia Lula
encarnou. Luiz Inácio Lula da Silva, por suas próprias decisões, optou por
jogar no lixo o patrimônio ético que um dia o Partido dos Trabalhadores, e
de roldão a esquerda em geral, representou – verdadeiramente ou não.

Assim, dificilmente os adversários de Lula deixarão de transformar o


antigo jingle do “Lula-lá” em uma nova versão “Lula-drão”, assim como os
adversários de Bolsonaro não esquecerão a rachadinha nos gabinetes
parlamentares da família, a gestão criminosa do combate à pandemia e a
péssima condução da economia. A única vantagem de Lula é que seus
erros estão mais no passado dos que o de Bolsonaro, fazendo com que o
pensamento maniqueísta e a pouca memória de boa parte da população
acabe beneficiando a extrema-esquerda.
Entretanto, nenhum dos dois possui mais que 20% de seguidores
realmente fanáticos. Considerando o número, é muito triste o simples
fato de estarmos falando que 40% dos eleitores é incapaz de estabelecer
um diálogo minimamente positivo sobre o país e seu futuro sem cair na
radicalização política. Entretanto, devemos comemorar que é possível
conversar com os outros 60%, pois essa maioria dos brasileiros
compreende, mesmo que ainda não de forma totalmente consciente, que
precisamos de soluções e paz, coisas que nem Lula, nem Bolsonaro são
capazes de fornecer.

A abordagem, portanto, da terceira via deve ser pragmática e não


ideológica. O convencimento dos eleitores que se encontram na centro-
direita ou centro-esquerda se dará não pela radicalização política, mas
por propostas para a solução dos problemas do dia-a-dia, como a
inflação, a oferta de saúde pública, a escola para os filhos, a segurança
pública e o trabalho digno. E aqui, é bom lembrarmos, pouco importa a
cor do gato, mas sim se ele caça os ratos. Novamente, o que as pessoas
desejam é voltar a trabalhar, com saúde, educação e comida dentro de
suas casas, e não de discussões ideológicas ou guerras culturais.

Além disso, nenhum nome, nem mesmo o de Sergio Moro – pessoa que
conheço há mais de vinte anos — é merecedor de qualquer
endeusamento. A condução da Lava Jato, assim como o Mensalão, o
Petrolão, a compra das Olimpíadas, as obras da Copa, as rachadinhas, o
enriquecimento de familiares, a compra de mansões ou o recebimento do
tríplex, tudo, enfim, deverá ser ampla e abertamente discutido na
campanha eleitoral, inclusive em debates públicos. O combate à
corrupção terá um papel secundário nesta eleição, mas o passado dos
candidatos deve ser objeto de amplo escrutínio público.

Também será importante, mesmo diante de todas as dificuldades, que os


eleitores da terceira via encontrem meios de buscar o eleitorado de Lula e
Bolsonaro, para colocá-los diante de novas perspectivas políticas que
permitam o avanço do país. A campanha não será desta vez decidida por
propaganda ou desinformação, mas pelo debate na sociedade acerca do
que cada um realmente espera para sua vida. Não se deve esperar,
contudo, a adesão imediata e pública dessas pessoas à terceira via. Mas a
abordagem racional e propositiva certamente fará com que muitos,
especialmente aqueles que intimamente sabem que tanto Bolsonaro
quanto Lula são um beco sem saída, além de incapazes de restabelecer a
paz social e organizar a economia, abandonem silenciosamente esses dois
populistas.

O importante, portanto, apesar de todas as dificuldades, é não deixarmos


o campo da educação, da racionalidade, das propostas e da lucidez.
Qualquer um que defenda uma candidatura da terceira via se sente
tentado a responder aos comentários ultrajantes que são diariamente
lançados em redes sociais, e até mesmo na imprensa, com agressividade
e sarcasmo, mas aí jogaremos o jogo em que Lula e Bolsonaro são
profissionais. O que fará a terceira via merecedora de alcançar o poder
será justamente a superação desse modo de fazer política.

Isso não significa ser tolerante com a intolerância, com a mentira ou com
a agressão aos valores que embasam a nossa sociedade. Entretanto, a
resposta a essas violações deve se dar dentro da lei e pelas autoridades.
O respeito, a busca pela paz e a capacidade de se colocar na posição do
outro devem retornar à nossa democracia. E a oportunidade para isso
começa exatamente agora.
ALEXANDRESOARES SILVA
Os caça-wokes
10.12.21

Todos os dias acordamos, nós que acordamos, e vamos para a internet


começar o jogo diário de “Você viu isso?”, “Você viu aquilo?”. Mandamos os
links de notícias absurdas para os amigos, para não nos irritarmos
sozinhos. Os absurdos de sempre, que parecem se multiplicar em
ubiquidade e absurdidade: estátuas sendo derrubadas, boicotes contra
empresas cujos donos são brancos, carros matando gente por vontade
própria porque as pessoas que estavam dirigindo pertencem a um grupo
protegido etc.

Mas estamos errados. Temos que parar de bufar, e de revirar os olhos, e


de nos irritar, e de sofrer. Temos que começar a nos divertir com isso
tudo. O movimento woke é uma das coisas mais divertidas que
aconteceram na história — a coisa mais divertida desde a dança de São
Guido. Ou aprendemos a rir da nossa própria destruição, e da destruição
de tudo o que amamos, ou vamos acabar com gastrite. Se não podemos
preservar o mundo, podemos pelo menos preservar a nossa digestão.

É claro, eu sei: em todas as épocas os velhos diziam “Onde isso vai parar?”.
Mas esta é a primeira em que isso é dito várias vezes por dia por pessoas
com 40, 30, e mesmo 20 anos. Não se trata mais de velhos querendo
preservar os costumes da sua juventude: agora são pessoas de todas as
idades tentando preservar os costumes de dois anos atrás.
Para um conservador, a história às vezes parece um pêndulo que só vai
para um lado – e, o que deveria ser fisicamente impossível, esse pêndulo
parece ir eternamente para esse lado, de um jeito acelerado ainda por
cima. Scott Adams, o criador do Dilbert e analista político (ou “ analista
político” se você o odiar, porque sempre colocamos aspas na profissão
das pessoas de que não gostamos) é o primeiro que vejo dizer que esse
pêndulo já está começando a voltar.

Ele escreveu isto no Twitter, no início de dezembro:

“A indústria do cinema está condicionada a esperar finais surpreendentes.


Talvez seja por isso que ela parece estar acordando mais rápido que as
outras indústrias com tendência à esquerda.”

Os sinais apresentados eram só algumas figuras isoladas de esquerda que


recentemente disseram coisas levemente anti-woke (Debra Messing,
Trevor Noah, Jon Stewart). Mas, pelo que conheço de executivos de
cinema, faz sentido. Eles não são pessoas de muitas ideias. As poucas que
têm são banais. Uma ideia banal que os domina é que, de tantos em
tantos anos, precisam mudar de caminho, “ inovar”, “pensar fora da caixa”.
Como passaram os últimos anos fazendo propaganda, obviamente algum
executivo com poder, em algum momento, vai declarar que chega de
filmes com propaganda política (“Isso é tãão 2020/2021!”). Logo depois
todos o seguirão; e, depois de seis ou sete anos, isso vai acabar chegando
ao Brasil também.

Um pequeno sinal disso, se formos tão otimistas quanto Scott Adams, é o


filme Ghostbusters – Mais Além. Depois do fracasso da versão
inteiramente feminina de 2016, o diretor e roteirista Jason Reitman, o filho
do diretor do filme original, disse em um podcast que iria ignorar o filme
de 2016 e “devolver o filme para os fãs”. Isso causou a ira da imprensa. Ou
talvez “ira” seja uma palavra mais adequada para um herói de Homero
que para críticos de cinema – isso causou a raiva da imprensa. “Devolver
Ghostbusters ‘De Volta aos Fãs’ Encoraja os Fãs Tóxicos” é o título de uma
das matérias mais calminhas.
O resultado é um filme divertido, um pouco no tom de Stranger
Things. Não é politicamente incorreto – é inocente demais pra isso. Mas é
um filme que poderia ter sido feito se o movimento woke nunca tivesse
existido, e o mundo tivesse continuado no caminho em que estava indo
até alguns anos atrás – ficando gradualmente menos e menos racista,
menos e menos sexista. Afinal, o movimento woke surgiu quando tanto o
racismo quanto o sexismo estavam no seu ponto mais baixo na história
do Ocidente.

O novo Ghostbusters tem uma personagem negra, ninguém verbaliza que


é negra, não se fala uma sílaba sobre racismo, e o resultado é que ela
parece (que choque!) um ser humano como qualquer outro. A menina
científica e nerd é a heroína, mas não é (que frisson artístico, em 2021!)
irritante nem por um segundo. Tudo se encaixa de um jeito natural, nada
é um panfleto. É como eu gostaria que todos os filmes fossem, cá entre
nós. E é (mas lamento se com isso ofendo alguma memória da sua
infância) melhor que o original.

Enfim, talvez eu esteja errado em ser tão otimista. Mas quando foi que eu
estive errado antes?

A verdade é que o mundo vai ficar mais sadio quando o movimento woke
finalmente desaparecer, mas também vai ficar bem menos
engraçado. Isso é um fato. Vou ter menos notícias ridículas para
compartilhar com os meus amigos. Mas tudo bem: as gerações futuras
vão poder ler a respeito nos livros de história, quando quiserem rir dos
seus antepassados.
As mensagens trocadas entre
Maranhãozinho e Valdemar
10.12.21

Odeputado Josimar de Maranhãozinho, flagrado pela Polícia Federal com


maços de dinheiro nas mãos, falava com certa frequência com o
presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Em um dos relatórios da
apuração, os investigadores registram o momento em que ele recebe
mensagens do chefe-mor do partido de Jair Bolsonaro. Antes,
Maranhãozinho tinha enviado fotos para Valdemar – não fica claro o que
havia exatamente nas imagens. Sem saber que estava sendo gravado em
áudio e vídeo, o deputado lê em voz alta uma mensagem enviada pelo
presidente do PL comentando o fato de Maranhãozinho se gabar de ter o
controle do município de Zé Doca, um dos muitos para os quais
costumava enviar dinheiro de emendas. Diz Valdemar, de acordo com os
policiais federais: “Zé Doca não vale, você é o dono de lá” .
Reprodução A dupla
Maranhãozinho e Valdemar: parceria de sucesso
Ciro nem sabe se será candidato, mas já
tem ‘perfil ideal’ para vice
10.12.21

Existe hoje entre os principais pré-candidatos ao Planalto uma verdadeira


corrida para encontrar uma mulher para ocupar a vaga de vice em suas
chapas. Ciro Gomes, que ainda nem sabe ao certo se sua candidatura
vingará, já tem o que considera ser o perfil ideal para a vaga. Aconselhado
pelo marqueteiro João Santana, o presidenciável do PDT acrescentou
outros dois requisitos: a vice tem de ser preferencialmente negra e da
região Sudeste. A explicação está em pesquisas encomendadas pelo
partido. Nos levantamentos, Ciro foi associado a comportamentos
preconceituosos e machistas. Não é difícil entender os motivos. Ainda está
vivo na memória de parte do eleitorado feminino o episódio ocorrido
durante as eleições de 2002, no qual o pedetista disse que o papel de sua
então mulher, a atriz Patrícia Pillar, era “dormir” com ele.

Adriano

Machado/Crusoé
Ciro quer como vice uma mulher negra da região Sudeste
Candidato a suceder Maiurino, delegado
exibe currículo
10.12.21

Cotado para suceder Paulo Maiurino como diretor-geral da Polícia


Federal, o delegado Rodrigo Bartolamei, atual superintendente em São
Paulo, distribuiu uma extensa mensagem a colegas nesta semana que, se
bem lida, pode ser entendida como uma manifestação de que ele
preenche, sim, os requisitos para assumir o posto máximo da corporação.
O texto foi enviado por Bartolamei para se defender de críticas segundo
as quais ele, filho de coronel e ex-assessor do Gabinete de Segurança
Institucional da Presidência da República, seria inexperiente para chefiar a
maior superintendência da PF do país. Na mensagem, ao mesmo tempo
que não deixa de fazer afagos a Maiurino, o delegado lembra que atuou
na linha de frente em várias operações pelo interior do país, além de ter
chefiado delegacias, coordenado a segurança de altas autoridades
estrangeiras na Olimpíada de 2016 e comandado a Divisão Antiterrorismo
da PF e o braço da Interpol no Brasil. “Será que isso seria insuficiente para
assumir a SR/SP (Superintendência Regional em São Paulo) ?”, indaga. Em
conversas com colegas, o delegado também se defendeu de outra crítica
recorrente, a de que entrou numa favela no Rio de Janeiro para resgatar
um telefone celular que o então advogado-geral da União, André
Mendonça, hoje em vias de assumir uma cadeira no STF, havia esquecido
em um carro do Uber. Bartolamei diz que executou a missão após receber
ordens do gabinete do então chefe da PF em Brasília, Maurício Valeixo.
Reprodução/Facebook/Interpol

O delegado
Bartolamei estava antes no GSI, com Augusto Heleno
A exigência de Michelle a Bolsonaro
10.12.21

Michelle Bolsonaro exigiu que o marido, Jair Bolsonaro, a defenda


publicamente das críticas que recebeu depois de aparecer em um vídeo
comemorando efusivamente a aprovação de André Mendonça para o
Supremo Tribunal Federal. Durante a celebração, a primeira-dama
manifesta o que os pentecostais chamam de “dom das línguas” – eles
dizem tratar-se de um sinal do Espírito Santo. Atacada, Michelle reagiu nas
redes. Disse ter sido alvo de “intolerância religiosa”. Nos últimos dias, o
próprio Bolsonaro confidenciou a integrantes do primeiro escalão do
governo que, agora, ela quer que ele fale sobre o assunto. A exigência de
Michelle foi bem recebida pelos conselheiros políticos do Planalto. Eles até
disseram a Bolsonaro que a iniciativa poderá lhe render dividendos
eleitorais junto ao público evangélico.

Michelle
comemora no Senado a aprovação de Mendonça
Lula acusa a OAS de ocultar patrimônio
10.12.21

Ganhou um novo capítulo a saga de Lula para receber de volta o dinheiro


que a ex-primeira-dama Marisa Letícia pagou à falida Bancoop, para ter
um apartamento que, depois, como mostrou a Lava Jato, foi convertido no
famoso tríplex do Guarujá, graças à bondade extrema da OAS para com
os poderosos. Como Crusoé informou em outubro, a Justiça de São Paulo
ordenou que a empreiteira de Léo Pinheiro, a qual “ herdou” as obras da
Bancoop, pagasse 662,5 mil reais ao espólio de Marisa. A OAS, porém, não
cumpriu a decisão. A pedido do advogado Cristiano Zanin, que receberá
10% do valor a ser pago à família do ex-presidente, o juiz do caso
determinou o bloqueio do dinheiro na matriz da empreiteira em São
Paulo. Ocorre que os bancos informaram que as contas da companhia,
hoje em recuperação judicial, estão no vermelho. A defesa do petista ficou
furiosa. Na semana passada, acusou a OAS de ocultar patrimônio e pediu
a penhora do valor nas contas da filial de Salvador. “Não é factível que
uma empresa deste porte, que permanece em plena atividade, com
diversos empreendimentos em andamento, não tenha 1 real em suas
contas”, protestou Zanin. Sim, Lula quer dinheiro.

Adriano Machado/Crusoé Comentado [R1]:

Lula: à
espera
de uns

cascalhos da OAS
Professor da faculdade de Gilmar fez
parecer pró-Cabral
10.12.21

Ohabeas corpus que levou a Segunda Turma do STF a declarar nesta


semana a incompetência do juiz federal Marcelo Bretas, da Lava Jato do
Rio, para julgar denúncias de corrupção na área da saúde no governo de
Sergio Cabral foi ancorado em um extenso parecer jurídico redigido por
um advogado que entrou neste ano para o quadro de professores da
faculdade do ministro Gilmar Mendes. No parecer de 59 páginas, o
advogado Ademar Borges argumentou que, como o braço fluminense da
operação começou investigando corrupção na secretaria de obras, os
casos envolvendo desvios na saúde não poderiam ter sido distribuídos a
Bretas por conexão. A tese, como era de se imaginar, foi acolhida pelo
relator, o próprio Gilmar. Seguiram o mesmo entendimento os ministros
Ricardo Lewandowski e Kassio Marques. Ao final, Borges defendeu ainda
a nulidade das condenações impostas a Cabral e outros réus. A decisão
caberá ao novo juiz que receberá o caso.

Adriano

Machado/Crusoé A
sede do IDP, conhecida na vizinhança como o “templo de Gilmar”
RUYGOIABA
Steve Buscemi de boné contra o Vovô
Simpson
10.12.21

Uma regra tradicional da internet (que tem até número, 34) estabelece
que, se alguma coisa existe, necessariamente existirá sua versão pornô.
Não sei se é verdade e não pretendo fazer o fact-checking dessa
afirmação (Deus me livre), mas posso assegurar que, se algo existe,
alguém em algum canto das redes sociais já produziu um meme sobre o
assunto. Existem dois memes que exprimem perfeitamente o que é ser
velho — ou seja, ter idade suficiente para se lembrar de uma época em
que a internet ainda não existia — e estar nas redes: o Steve Buscemi de
boné para trás e o Vovô Simpson gritando com as nuvens.
O segundo meme nem precisa de muito contexto: é um trecho de Os
Simpsons que mostra uma página de jornal com a foto de Abe, o Vovô
Simpson, erguendo o punho com uma expressão raivosa, sob a
manchete “old man yells at cloud” . O primeiro reproduz uma passagem da
série 30 Rock em que o personagem de Buscemi, um detetive, conta
como “se infiltrou” entre alunos do ensino médio: boné para trás e
camiseta genérica de banda de rock, carregando um skate nas costas e
dizendo “como vão, colegas crianças?” (“how do you do, fellow kids?”).

E essas são as duas atitudes básicas do velho nas redes sociais: ou é o


sujeito que reclama do céu, da terra e de tudo que há entre um e outra,
ou é o tiozão/a tiazona que tenta se enturmar com os XÓVENS — no
mínimo, quer muito mostrar que também é fluente no dialeto
deles. Políticos são um caso clássico do segundo grupo, porque sempre
tem um marqueteiro dizendo que eles “precisam falar ao eleitor jovem”: o
resultado é Fernando Haddad escrevendo “mano” num tuíte
transbordante de naturalidade, Ciro Gomes batizando sua live de “Ciro
Games” ou todos eles indo ao podcast daquele cara com nome de
bicicleta que parece permanentemente emaconhado. Tudo Steve Buscemi
de boné para trás.

(Se vocês preferirem uma citação mais erudita e trágica, troquem o


Buscemi de boné pelo professor Gustav von Aschenbach moribundo, com
a tintura de cabelo escorrendo pela testa, na cena final de Morte em
Veneza — o filme de Luchino Visconti, não a novela de Thomas Mann. E,
sim, dei spoiler, porque vocês não vão ver mesmo: só gente velha assiste
a esse tipo de filme. Fecha parêntese.)

Claro, há os velhotes que habitam as redes e fazem isso não por cálculo
político, mas porque se esforçam bastante para parecer gente com
colágeno a mais e muitos pontos de QI a menos: o jornalista que
escreve “eles que lutem” — e continuará escrevendo muito depois que
essa expressão se mudar para o cemitério dos memes, como “sem tempo,
irmão” e “é verdade esse bilete” — ou os bobalhões de variadas categorias
profissionais que, não contentes com “endereçar um problema”, agora
também “entregam uma performance”, sem trabalhar para o Mercado
Livre nem para o iFood (suspeito que os culpados originais sejam
publicitários ou farialimers, esses seres que acham traduzir errado do
inglês é mais chique e diferenciado do que escrever em português).

Não é preciso ter lido esta coluna até aqui (nem qualquer texto meu:
basta me conhecer pessoalmente) para saber que sou 100% team Abe
Simpson gritando com a nuvem. Velho e rabugento desde que nasci, aos
poucos sinto minha idade física se aproximando da mental, o que se
consumará quando eu enfim estiver de bengala e puder usá-la como um
bastão de beisebol na orelha de gente burra. Enquanto esses prazeres
da “melhor idade” não chegam, vou vivendo outro meme: aquele em que
o Vovô Simpson entra em casa, pendura o chapéu, dá uma volta em torno
de si mesmo, põe o chapéu de novo na cabeça e sai meio segundo depois.
É minha exata reação às redes neste ano pré-eleitoral — e elas prometem
ficar muito piores no ano que vem. Vocês que lutem, fellow kids.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Não é exatamente “da semana”, mas achei a história boa demais para não
registrar aqui: na Itália, conta o Corriere della Sera, uma mulher
processou a gravadora Sony — e ganhou a causa — por ter aparecido sem
consentimento em um clipe do cantor Gigi D’Alessio. No vídeo, filmado
nas ruas de Nápoles em 2012, ela aparecia de mãos dadas com o amante.
É uma modalidade de “último a saber” que só o século 21 pode nos
propiciar: torço para que o marido, que não foi indenizado, pelo menos
more em uma boa casa de pé-direito alto.
Reprodução/Instagram

Gigi D’Alessio,
cantor italiano que entregou (sem querer) a pulada de cerca alheia

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