A produção da cidade, local de relações sociais tal como conhecemos, é
uma cadeia de ações geolocalizadas realizadas por agentes sociais. É impossível deslocar os conflitos sociais do espaço e tão pouco o espaço e sua apropriação desses conflitos. Cada grupo social, compreendido pelos mais variados recortes, interfere diretamente em seu meio, colocando em vista seus interesses e objetivos e resultando, consequentemente, em sua emancipação e/ou dominação de outros grupos. As ações sistematizadas de apropriação e de uso dos agentes sociais que produzem o espaço social são feitas de acordo com o poder e autonomia destes dentro do território. Sendo assim, as práticas de uso do espaço social passam por uma peneira de recortes tendo grupos sociais com maior poder e autonomia de interferência socioespacial que outros. Esses conflitos de uso evidenciam a fragmentação do território, algo que podemos observar e exemplificar a partir da trilogia de “Jogos Vorazes”. Nos livros e filmes da saga observamos a fragmentação, estratificação social e como a apropriação do espaço se faz a partir do objetivo de dominação de uma classe sobre as outras. A capital, classe dominante e detentora dos meios de produção e de poder aquisitivo, divide os demais grupos em 12 distritos fragmentados pelo território conforme seus interesses econômicos e produtivos, eximindo-os de sua subjetividade a partir da objetificação do sujeito. A segregação desses grupos em distritos é uma ferramenta fundamental para a manutenção do status quo do sistema. A dificuldade de circulação, comunicação e de acesso aos recursos produzidos entre os grupos dominados enfraquece as chances de resistência e aumenta o controle da Capital, classe dominante. Um destaque nesse jogo de conceitos teóricos e literatura é a percepção de um sistema que dita as regras de como se dá o uso do espaço para os grupos ali presentes. Isso é, em “Jogos Vorazes” temos um sistema de produção, de mercantilização, objetificação da classe trabalhadora, e uma classe dominante a partir da concentração dos meios de produção e da acumulação do capital. Temos o conflito de classes, conceito marxista que conversa diretamente com a discussão de direito a cidade hoje e toda a produção espacial e segregacionista.
2. os conceitos e trabalhos teóricos
Os mais conhecidos autores sobre segregação socioespacial são Flávio
Villaça, Eduardo Marques e Roberto Lobato Corrêa. Eles veem a fragmentação da cidade a partir dos conflitos de classe dentro do sistema econômico e, portanto, a renda e poder aquisitivo como maior fator de ocupação do território. Assim, a segregação pode ser vista como segregação induzida, segregação imposta ou auto segregação, seja voluntária ou involuntária. Os autores apresentam diferentes modos de classificar essas “formas” de produzir o espaço, mas é comum a ideia de que quando um grupo é segregado, outro também acaba por ser. Voltando ao nosso exemplo de “Jogo Vorazes”, quando a população é segregada em distritos a capital acaba por se auto segregar, o que pode ocorrer de modo contrário também, quando a classe dominante ao se segregar define os espaços de outros grupos. De qualquer forma, a apropriação e uso se dá sob os interesses de quem tem maior poder ali. Além disso, a segregação socioespacial é compreendida na cidade a partir de acessos e limitações/restrições. A mobilidade, zoneamento, infraestrutura, segurança são fatores a serem observados e que delimitam a área de circulação e atuação de um grupo social no espaço, bem como seu acesso à cidade. Autoras como Mariana Barbosa De Souza, Tuize Silva Rovere Hoff e Diana Helene Ramos, trabalham com o tema da segregação socioespacial não apenas a partir dos conflitos de classe, mas evidenciando recortes de gênero, raça, orientação sexual, entre outros, que conformam os grupos sociais. Os principais trabalhos usados na apresentação são: “Norma e Território: O Processo De Normatização Dos Condomínios Horizontais Fechados No Litoral Norte Do Rio Grande Do Sul”, “A Cidade E A Mulher: Segregação Urbana Feminina Em Santa Cruz Do Sul/Rs” e “Preta, Pobre E Puta: a segregação urbana da prostituição em Campinas – Jardim Itatinga”, respectivamente. Cada trabalho aborda um processo de segregação em uma escala de cidade e grupos diferentes e nos levam a discutir o direito à cidade bem como o papel do poder público quanto a formação desses processos segregacionistas. A tese de doutorado da Diana Helene Ramos, ganhadora do prêmio Capes em 2016, fala do bairro Jardim Itatinga, em Campinas, uma das maiores áreas de prostitução da América Latina. Este começou a se formar a partir de 1966 com uma iniciativa do poder público de retirar as prostitutas do centro, bem como da cidade, e realocá-las em um bairro periférico. O discurso de controle e saúde pública, acordos com casas de prostituição e a violência policial foram as estratégias utilizadas pela prefeitura nessa política de higienização social. Além disso, é abordada a experiência das prostitutas que trabalham no centro e sua resistência, assim como a demarcação simbólica entre os grupos sociais nesse espaço em comum e suas performances que os permitem coexistir. Diana, que é arquiteta, também descreve seu percurso desde sua casa em Barão Geraldo, bairro nobre no norte de Campinas, até sua chegada no Jardim Itatinga, no extremo sul. A mudança dos cenários, a forma de circulação e paisagem são descritas e nos colocam como observadores desse espaço. Esse capítulo em particular é essencial para especializar e compreender as dimensões físicas da segregação em Campinas, e enfim como opera a marginalização, a misoginia e a repressão para a população nesse recorte de raça, gênero e classe. Como se compõe os limites e barreiras físicas de mobilidade, zoneamento, infraestrutura e segurança que classificam quem tem e quem não tem acesso a esses espaços.
3. discussões
Por fim, na apresentação trouxemos imagens, exemplos pessoais e de
filmes que conversem sobre o tema. Refletir como a segregação pode estar em pequenas escalas, como desde a planta e organização espacial da casa, como esboço no filme “A Que Horas Ela Volta?”, o quarto da empregada que vem a ser discutido em trabalhos teóricos também. A área vip e as entradas (circulação) de serviço que tem esse mesmo caráter de divisão espacial, mas diferença nos grupos sociais. Outro exemplo, é a segregação a partir da especulação imobiliária que aumenta os preços de uma área e pressiona a saída (expulsa) os moradores locais, e isso evidenciado a partir de recortes de jornal bem como do filme “Aquarius”. Também apontamos as diferentes rotas dentro da cidade em busca de segurança feita por diferentes grupos sociais, como a criação do “vagão rosa” no metrô de São Paulo. Discutimos a privatização do espaço e a formação dos condôminos em busca de exclusividade de serviços. Assim, como há toda uma estrutura social que solidifica e reforça esses processos segregacionistas nas cidades.
REFERÊNCIAS
HOFF, Tuize Silva Rovere. A cidade e a mulher: segregação urbana feminina
em Santa Cruz do Sul/RS. 2018. Dissertação (Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional -Mestrado e Doutorado) -Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul.
RAMOS, Diana Helene. “PRETA, POBRE E PUTA”. 2015. Tese de Doutorado.
Universidade Federal do Rio de janeiro. Disponível em: https://feminismurbana.files.wordpress.com/2017/07/planejamento-urbano- regional-demografia-diana-helene-ramos.pdf , acesso em 20 de abril de 2021.
Souza, M. B. D. Norma e território: o processo de normatização dos
condomínios horizontais fechados no Litoral Norte do Rio Grande do Sul. IV Seminario Latinoamericanode Geografía, Género y Sexualidades, 2019. Disponével em: https://repositorio.unisc.br/jspui/handle/11624/2440, acesso em 20 de abril de 2021.
Souza, M. B. D; ORNAT, M. Segregação urbana, gênero e sexualidades:
caminhos de reflexão em tempos de retrocessos. 2019. Disponével em:https://www.researchgate.net/publication/340388710_Segregacao_urbana_ genero_e_sexualidades_caminhos_de_reflexao_em_tempos_de_retrocessos, acesso em 20 de abril de 2021.