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DELE

NEGRA
MASCARAS
DANG
RANTZ
ANON

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Falo de milhões de pessoas a quem artificiosamente inculcaram
o medo, o complexo de inferioridade, o estremecimento, a genu
flexão, o desespero, a subserviência.

AIMÉ CÉSAIRE, Discurso sobre o colonialismo

explosão nāo ocorrerá hoje. É muito cedo... ou tarde demais.


Não chego armado de verdades categóricas
Minha consciência não está permeada de fulgurações precípuas.
No entanto, com toda a serenidade, acho que seria bom que
.)
certas coisas fossem ditas.
Essas coisas, eu as direi, não as gritarei. Pois há muito o grito
saiu da minha vida.
E se fez tão distante..
Por que escrever esta obra? Ninguém me pediu que o fizesse.
Muito menos aqueles a quem ela se dirige.
E então? Então respondo calmamente que existem imbecis de-
mais neste mundo. E, tendo dito isso, compete a mim demonstrá-lo.
Rumo a um novo humanismo..
A compreensão entre os homens..
Nossos irmãos decor...
Creio em ti, Homem...
O preconceito de raça...
Compreender e amar..
PROBlEMA
De todo lado me acossam e tentam impor a mim dezenas e
centenas de páginas. Mas bastaria uma só linha. Uma sóresposta, NeGO
e oproblema negro seria despojado de sua gravidade.
O que quer o homem?
O que quer o homem negro?

1 No francês, o uso do termo nègre para se referir a negros se reveste histori-


camente, sobretudo em seu emprego como substantivo, de caráter pejorativo
de extração colonialista e racista, despeito dos esforços de intelectuais da
Negritude para recuperar o vocábulo e promover um uso de dimensão posi
tiva. O termo corrente sem carga depreciativa para se referir a negros é noir.

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Por mais que me exponha ao ressentimento de meus irmãos.
ão
cor, direi que o negro não é um homem.
Existe uma zona donão ser, uma regiao extraordinariamente
estéril e árida, uma encosta perfeitamente nua, de onde
pode bra.
tar uma aparição autêntica. Na maior parte dos casos, o negro não
goza da regalia deempreender essa descida
ao verdadeiro infemn
é
O homemnão só possibilidade de emenda, 10.
de negação. Sede
() a
fato consciência é um ato de transcendėncia,devemos
estar igua
CO mente cientesde que essa transcendência
é assombrada
blema do amor è dacompreensāo)0 pelo pro-
com as harmoniascósmicas.
homem é um siM que
vibra
Desgarrado, disperso,
nado a ver se dissolverem confuso,
conde-
uma a uma as verdades
deixar de projetarno que elaborou, deve
mundo uma antinomia
O negro é um homem que Ihe é concomitante.
negro; isto é,em
série de aberrações
afetivas, ele se
decorrência de uma
do qualserăpreciso instalou no seio
removê-lo. de um universo
O problema
tem sua
do que libertaro homemimportância.
de
Não almejamos
nada menos
tamente, pois cor de si mesmo.
existem doiscampos:o Seguiremos
bem
Interpelaremos branco eo negro. le
que são, amiúde, com tenacidade as
oP bastante dissolventes.duas metafísicas e veremos
Não sentiremos
antigos nenhum pesar
missionários.
pelos antigos
Cquantoquemosexecra. nós, quem adora governantes,pe
Para
os negros é
DIALO6AC tāo "doen
Com
No português
europeu, o
nitidez,provavelmente
M6m BE
caráter
ponente
pejorativo
colonialista em razão de"preto"
do discurso da experiência se evider
porém,essa com naior
carga pejorativa racista colonialı
não dicionarizada
é menos do contexto. recente e do com
renciar os evidente
- e, em decorrência Noportu' brasileire
termos -se não ausente,
"negro',
homogênea,
de
adjetivo, a
quer como caráter pejorativodisso, tradução
ou identitário, optou
de
to
nodo
dife
específica
com exceções
quer como p0
preservanao uso de
exigia pontuais substantivo, O
escolha explicitação em que de
original dos sentidos forma relativamente
uma contraposiçao;
do autor.
[N.T.] ou destaque semá
entre
pilT
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cecA
Em sentido inverso,o negro que deseja branquear sua raça é CISEETAK
tão infeliz quanto aquele que prega o ódio ao branco.
O negro não é de jeito nenhum mais amável que o tcheco, e na avem? UE
DE
verdade o que é necessário é libertar o homem.
UAD
Este livro deveria ter sido escrito há três anos... Mas àquela al-
tura as verdades nos incendiavam. Hoje elas podem ser ditas sem Au (7)
ardor. Tais verdades nāo precisam ser jogadas na cara dos homens.
Elas não buscam gerar entusiasmo. Desconfiamos do entusiasmo.
Toda vez que se viu o entusiasmo eclodir em algum lugar, ele
prenunciava o fogo, a fome e a miséria... E também o desprezo
pelo homem.
é
O entusiasmo por excelência a arma dos impotentes.
Aqueles que esquentamo ferro para logo o malhar. Nós gos-
taríamos de esquentar o lombo do homeme partir. Talvez pudés-
semos obter o seguinte resultado: o Homem mantendo vivo esse
fogo por autocombustão.
DA
LIBEETO
O Homem liberto do trampolim constituído pela resistência
alheia, escavando a própria carne em busca de um sentido. knST
Apenas alguns dos que nos lerāo serão capazes de desvendar as
dificuldades que enfrentamos na redação desta obra.
Num período em que a dúvida cética se arraigou no mundo, em
que, nas palavras de um bando de canalhas, já não se pode discernir
o sensato do absurdo, é difícil descer a um patamar em que as cate
gorias de sensato e absurdo ainda não são empregadas.
O negro quer ser branco. O branco se empenha em atingir
uma condição humana.
Veremos ser elaborada ao longo desta obra uma tentativa de
compreensão dậ relaçāo negro-branco. DA
METAF,
O branco estă encerrado em sua brancura.
O negro, em sua negrura.
CA
NALUIJ
Tentaremos delimitar as tendências desse duplo narcisismoe DURO
as motivações às quais ele remete.

No princípio das nossas reflexões, pareceu-nos inoportuno ex-


plicitar as conclusões a serem lidas.

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Foi unicamente a preocupação de pôr fim a um círculo vicioso


que orientou nossos esforços.
E fato: os brancos se consideram superiores aos negros.
Mais um fato: os negros querem demonstrar aos brancos, custe
que custar, ariqueza de seu pensamento, o poderio equiparável
da sua mente.
IM4aCOmoescapardisso?
tA Utilizamos hápouco otermo narcisismo. De fato, acreditamos
DE
6
)que apenas uma interpretação psicanalíitica da questão negra pode
revelar as anomalias afetivas responsáveis pelo edifício complexual.
Trabalhamos para uma lise completa desse universo mórbido. Con
sideramos que um indivíduo deve se inclinar a assumir o univer
salismo inerente à condição humana. E, ao dizermos isso, contem
P5IC.
plamos sem distinção homens como Gobineau ou mulheres como
UIUEtSM
Mayotte Capécia. Mas, para chegar a essa apreensão, é urgente se
livrar de uma série de taras, sequelas da fase infantil.
A desgraça do homem, dizia Nietzsche, é ter sido criança. No
entanto, não teríamos como esquecer, como dá a entender Char
les Odier, que o destino do neurótico está nas mãos dele.
Por mais penosa que possa nos parecer esta constatação,
somos obrigados a fazê-la: para o negro, existe apenas um destino
E ele é branco.
Antes de abrir o caso, algumas coisas precisam ser ditas. A aná
lise que realizamos é psicológica. Continua a nos parecer evidente,

Renault,"ao que parece, Nietzsche nunca disse aquilo


()2
que
Segundo Matthieu
Fanon o faz dizer. A verdadeira fonte é a obra de Simone de Beauvoir Por uma
moral da ambiguidade [1947] (trad. Marcelo Moraes. Rio de Janeiro: Nova Frot
teira, 2005, p. 35 A infelicidade do homem, disse Descartes, vem do fato de
que ele foi primeiramente uma criança. Essa fórmula tampouco se encontra
em Descartes; é da lavra de Beauvoir, que a repete e a especifica um pouco
mais adiante:'A infelicidade que vem ao homem por ele ter sido uma crian
reside, pois, no fato de que sua liberdade lhe foi primeiramente mascarada e 0e
que por toda a sua vida ele conservará a nostalgia do
tempo em que ignoraa
as exigências dela. (ihid. n. 291" (apud M.
Renault, "Le Genre de la race: Fanon.

, V. 55, n. 1, 2014, p. 36). [N.T.]

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contudo, que a verdadeira desalienação do negro requer um reco-


nhecimento imediato das realidades econômicas e sociais. Se há
um complexo de inferioridade, ele resulta de um duplo processo:
- economico, em primeiro lugar;
em seguida, por interiorização, ou melhor, por epidermiza-
-é,
ção dessa inferioridade.
Em reação àtendência constitucionalizante do final do século
XIx, Freud, por meio da psicanálise, exigiu que se levasse em conta
o fator individual. Ele substituiu uma tese filogenética pela pers-
pectiva ontogenética. Veremos que a alienaçāo do negro não é DIAGNOJTIC
uma questão individual. Além da filogenia e da ontogenia, existe SoaP
a sociogenia. Num certo sentido, em resposta à exortação de
Leconte e Damey digamos que se trata, neste caso, de um socio-
diagnóstico.
Qual é o prognóstico?
A sociedade, ao contrário dos processos bioquímicos, não está
imune à influência humana. O homem é aquilo que faz com que
a sociedade exista. O prognóstico está nas māos daqueles que an-
seiam abalar as carcomidas fundações do ediffcio.
O negro deve travar a luta nos dois níveis: visto que eles, em
termos históricos, se condicionam mutuamente, qualquer liberta-
ção unilateral será imperfeita, e o pior erro seria acreditar numa
interdependência mecânica entre ambos. Além disso, os fatos re-
sistem a uma inclinação sistemática desse tipo, como mostraremos.
A realidade, ao menos desta vez, exige compreensão total. Uma
solução deve ser apresentada tanto no nível objetivo quanto no
subjetivo.
E não adianta vir proclamar com ares de "caranguejo-violinis-

ta que o que é necessário é salvar a alma.


3 Maurice Leconte e Alfred Damey, Essai critique des nosographies psychiatri-
ques actuelles. Paris: Gaston Doin et Cie., 1949.
4 No original, "crabe-c'estma-faute", numa evocaçāão do autor ao caranguejo da
espécie Uca pugilator, típico de manguezais e estuários das zonas costeiras atlân
ticas, que, no Caribe de colonização francesa, é chamado de semafot, cémafaute

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Somente haverá desalienação genuina na medida em
coisas, no sentido mais materialista
possivel, tiverem voltao.
seu lugar. ado:a0
É de bom-tom introduzir uma obra de psicologia
posição da perspectiva metodológica com um
adotada. Fugiremos
PROB Deixamos os métodos aos botänicoS
e aos matemáticos. à rTer.
regra.
AOOpontoemqueosmétodos sofrem Chega
reabsorção. um
Gostaríamos de nos
situar quanto a
diversas posições adotadas isso.Tentaremos descobrir
pelo negro diante as
o'selvagem do mato" da civilização branca.
ele, alguns elementos
nāo será contemplado
ainda carecem aqui. É que, para
Cremos que existe, de importância.
em virtude
branca e negra, da confluência
o acometimento
em massa de umentre as raças
"oestt
coexistencial.
Ao analisá-lo, complexo psi
Muitos negros almejamos sua
não se reconhecerão destruição.
Muitos brancos naslinhasque
tampouco. virão a seguir.
De minha
parte, porém,
do esquizofrênico o fato de
ou me sentir
realidade. do impotente alheio ao mundo
sexual em
As atitudes nada
altera a sua
rei-me que me
com elas proponho
încontáveis descrever
Entre os estudantes, vezes. são verdadeiras.
do Pigalle Depa"
entre os trabalhadores
e deMarselha,
agressividade
e identifiquei
ESta obra depassividade._
e
entre os cafetoe
o mesmo componente
é um
se reconhecerem
estudo
clínico. Acredito ude
terão
nera mais dadoumpasso que aqueles
mão, seja
vigorosa
deincompreensão. adiante. quE nela
possível negro,sejabranco, Desejo ncera-
ou
a deplorável a sacudir ma-
s
Cest
mafaute libré urdida dau
Telação
[aculpa porsEe
éminhal,
e penencia Cia
àsoutras, ao
ou ainda
dando tamanho
05Caranguejos aimpressão
ourealizando decrabe
desproporcional
violiniste
dogenero io-vio-
alexão deque movedeuma
Uca a
doviolinista. de sua
também contra
NoBrasil, o peito num gesto
sãoconheciaos
como Porazões análogas-
chami

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nltado
que as
ao A arquitetura do presente trabalho se situa ná temporalidade.
sceroK
Todo problema humano exige ser considerado a partir do tempo. 0
umaex 5
shega
ideal seria que o presente sempre servisse para construir o futuro.
à regra. futuro não é o do cosmos, mas sim o do meu século, do
E esse

um meu país, da minha existência. De modo algum devo me propor


preparar o mundo que me sucederá. Pertenço irredutivelmente
scobrir as à minha época.
E é para ela que devo viver. O futuro deve ser uma construção
iobranca. constante do homem existente. Essa edificação se vincula ao pre
que, para
sente, na medida em que o considero algo aser superado.
Os três primeiros capítulos tratam do negro moderno.jCon
as raças templo o negro atual e tento determinar suas atitudes no mundo
plexo psi- branco. Os dois últimos são dedicados a uma tentativa de explica-
ção psicopatológica e filosófica do existir do negro.
o a segui. A análise é sobretudo regressiva.
O quarto e o quinto capítulos se situam num plano fundamen

o mundo talmente distinto.


era a sua No quarto capítulo, critico um trabalho que a meu ver é peri-
goso. O autor, Octave Mannoni, tem, de resto, consciência da am-

ras. Depa biguidade da sua posição. Nisso talvez resida um dos méritos de
seu testemunho. Ele tentou expor uma situação. Temos o direito
de declarar nossa insatisfação. Temos o dever de mostrar ao autor
scafetões em que nos distanciamos dele.
nente de O quinto capítulo, que intitulei "A experiência vivida do negro',
é importante em mais de um aspecto. Ele mostra o negro con-
que nela
frontado à sua raça. Ficará evidente que não há nada em conmum
o sincera entre o negro desse capítulo e aquele que busca se deitar com a
da ma
iir
orséculos
branca. Neste último se percebia o desejo de ser branco. Uma sede
de vingança, em todo caso. Ali, pelo contrário, observamos os es
forços desesperados de um negro que se empenha em descobrir o (!
sentido da identidade negra. A civilização branca e a cultura euro-
anguejo-vio-
s pinças em
peia impuseram ao negro um desvio existencial. Mostraremos em DUTIDAOE
num gesto wE6ØA
Des análogas,
5 Octave Mannoni, Psychologie de la colonisation. Paris: Seuil, 1950.

maré. [N.T.

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frequência, aquilo que é chamado de ai.


outra parte que, com
negra é uma construção do branco.
O negro evoluído, escravo do mito negro, espontaneo
e cósmi.
nico,
num dado momento sente que sua raça já nāão o compreende.
Ou que ele já não a compreende.
Ele então se congratula por isso e, ampliando essa diferene:
nça,
essa incompreensão, essa desarmonia,
nela encontra o sentido de
sua verdadeira humanidade. Ou, mais
raramente, ele quer perten
cer a seu povo. E é com
raiva nos lábios e vertigem no
mergulha no grande buraco negro. coração que
Veremos que essa atitude,
plenamente bela, tão
rejeita a atualidade e o
passado místico. futuro em nome de um
Tendo em vista nossa
origem antilhana,
conclusões
valem apenas paraas nossas observações
e
refere ao negro em Antilhas - ao menos
seu
cação das divergências lar. Um estudo deveria
no que se
ser dedicado
o façamos algum entre antilhanos
e africanos.
à expli-
dia. Pode ser Pode ser que
sário,o que só nos também que
daria
motivo de ele se
torne desneces
satisfação.

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