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RESUMO
A moradia estudantil é um programa de assistência estudantil que visa
promover a permanência dos discentes no ensino superior. O estudo teve
como objetivo investigar a rede de apoio dos estudantes universitários
residentes em moradia estudantil no que tange às relações interpessoais,
qualidade dos vínculos e a função da rede de apoio. Ademais, buscou-se
analisar as percepções de apoio social e a sua influência na permanência na
universidade. A amostra foi composta por 20 universitários (50%
mulheres), com idades entre 19 e 37 anos (M = 28, DP = 12,73). Os dados
foram coletados por meio do mapa dos cinco campos, definidos como
“família, amigos, moradia estudantil, universidade e colegas de quarto” e
entrevista semiestruturada. Os resultados apontaram 422 contatos, com
destaques para os campos amigos, família e moradia estudantil. A análise
fundamentada nos dados das entrevistas resultou em três categorias:
relações significativas de tutoria; sensação de proteção e despreocupações
Correspondência ao Autor práticas e materiais. Concluiu-se que o papel da rede de apoio,
¹ Izabella Pirro Lacerda destacadamente o suporte da família e dos amigos, são propulsores
E-mail: izabellapirro@id.uff.br relacionais e protetores em diferentes situações. Ademais, a moradia
Universidade Salgado de Oliveira estudantil pode auxiliar na superação das dificuldades encontradas na
São Gonçalo, RJ, Brasil trajetória acadêmica e facilitar a permanência na universidade dos
CV Lattes estudantes residentes.
http://lattes.cnpq.br/6974852893780099
PALAVRAS-CHAVE
Submetido: 26 nov. 2020 Ensino superior. Permanência. Rede de apoio. Moradia estudantil.
Aceito: 19 abr. 2021 Estudante universitário.
Publicado: 17 mai. 2021
10.20396/riesup.v8i0.8663399
e-location: e022004
ISSN 2446-9424
Checagem Antiplagiarismo
Distribuído sobre
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© Rev. Inter. Educ. Sup. Campinas, SP v.8 1-18 e022004 2022
Artigo de Pesquisa
KEYWORDS
Higher education. Permanence. Support network. Student housing. University student.
PALABRAS CLAVE
Educación superior. Permanencia. Red de apoyo. Alojamiento de estudiantes. Estudiante universitario.
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Introdução
O cenário da educação superior no Brasil sofreu várias mudanças nos últimos anos,
especialmente no que tange ao ingresso de estudantes oriundos das classes sociais menos
favorecidas economicamente. Para muitos estudantes, ingressar no ensino superior significa
fazer uma importante transição em suas vidas, ou seja, sair da casa dos pais para residir
próximo à universidade. Essa mudança pode acarretar transformações em sua rede de apoio e
trazer dificuldades de adaptação ao novo contexto (GONÇALVES et al., 2011). Por isso, os
novos estudantes necessitam de políticas de assistência que viabilizem não apenas o ingresso,
mas a permanência na universidade até a conclusão do curso.
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Ressalta-se que na literatura sobre apoio social há diversas formas de tratamento desse
construto, tais como: suporte social, rede de apoio, rede de apoio social e afetivo, entre outras
nomenclaturas identificadas em revisões sobre o tema (MACEDO et al., 2018; ARAGÃO et
al., 2009). Assim, são muitas as perspectivas conceituais sobre apoio social, que mais
frequentemente é compreendido como uma rede de sistemas e de pessoas que formam os
laços de convívio e de relações do indivíduo (BRITO; KOLLER, 1999).
Portanto, cumpre-nos destacar que neste trabalho, o apoio social será definido e
referenciado como um construto ecológico-sistêmico e multidimensional de amplitudes
micro, meso, exo e macrossistêmica. Ou seja, o apoio social apresenta elementos e
características contextuais que podem estar presentes em vários sistemas interrelacionados e
de influência do desenvolvimento humano. Sendo assim, o apoio social refere-se aos
diferentes tipos de suporte que resultam de relações recíprocas e significativas nos contextos
proximais e distais. Este apoio tem raízes em diferentes fontes, como a família, os amigos ou
pessoas da comunidade. Ademais, a rede de apoio se define por formar a trama e o tecido
relacional das interações e vínculos. Estes podem ser mantidos por afetos, proximidade,
parentesco ou convívio cotidiano (MACEDO et al., 2018).
Dessa forma, o papel da rede de apoio social vem sendo pesquisado no âmbito
acadêmico sob o escopo de vários aspectos como o ajuste dos estudantes ao ambiente
universitário e de suas relações interpessoais (LAU, CHAN; LAM, 2018); o engajamento dos
discentes em atividades acadêmicas (XERRI, RADFORD; SHACKLOCK, 2018); e, o
desempenho acadêmico e a exaustão emocional (LI et al., 2018). Além disso, pesquisadores
discutem aspectos conceituais e apresentam instrumentos para mensuração do construto 5
(GONÇALVES et al., 2011).
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Diante do exposto ressaltamos que o presente estudo teve como objetivos investigar a
rede de apoio dos estudantes universitários residentes em moradia estudantil no que tange às
relações interpessoais, qualidade dos vínculos e funções da rede. Ademais, buscou-se analisar
as percepções de apoio social e a sua influência na permanência na universidade.
Método
Participantes
Instrumentos
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com as quais tem ou tiveram relacionamentos no decorrer da vida acadêmica).
Coleta de Dados
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padrão (DP) do número de contatos informados. A estrutura consiste no número total de
pessoas mencionadas, por campo e por nível. A funcionalidade está relacionada ao nível de
proximidade dos contatos em relação ao centro (participante) da rede, por campo e as
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A análise das entrevistas foi realizada com base nos princípios da teoria fundamentada
nos dados – Grounded Theory, (CHARMAZ, 2009), com o objetivo de compreender o
fenômeno pesquisado de acordo com o ponto de vista e experiência dos participantes. Foram
seguidos os passos indicados: 1- leitura atenta e interação com os dados; 2 - processo de
codificação dos dados; 3 – nomeação das categorias; 4 –anotações a partir de insights e ideias
que surgiram a respeito dos códigos, categorias e relações entre as categorias; 5 –
denominação axial, que consiste em agrupar os dados de novas formas, através das conexões
entre as categorias; 6 – ligação e desenvolvimento das categorias. 7 – elaboração de figuras
ilustrativas no processo de codificação; 8 – busca do fenômeno central que estabelece o elo
entre as categorias, ou seja, a integração das categorias identificadas para formar a teoria
fundamentada nos dados.
Resultados
Tabela 1. Número de pessoas citadas (PesCit), média (M), desvio padrão (DP)
Campo PesCit M DP
encontradas categorias que se relacionam diretamente com os dados do mapa dos cinco
campos, os quais sugerem que os laços afetivos da família e dos amigos apresentam força
relacional que dão suporte ao estudante. A moradia estudantil também emerge como
importante fonte de apoio, sugerindo que pode ser um ambiente potencializador de apoio
social em prol do desenvolvimento dos estudantes e da permanência na universidade.
Dessa forma o apoio da família e dos amigos e da moradia estudantil surgem como
elementos profícuos na percepção dos participantes como rede de apoio e de proteção para
os residentes. Os resultados das análises fomentaram três categorias sobre que representam
o papel do apoio social na vida dos estudantes residentes: ‘relações significativas de
tutoria’; ‘sensação de proteção’ e ‘despreocupações práticas e materiais’.
“Minha mãe porque ela sempre foi a principal incentivadora, sempre me dá gás
quando eu passo por situação difícil, de cansaço, de alguma coisa, de perrengue,
eu ligo para ela e ela sempre tenta mostrar o melhor caminho, tenta me
direcionar, me dar uma certa calma, acho que ela é a principal apoiadora
desde o começo da faculdade” (participante 3, masculino). “Os meus amigos
também são pessoas que eu posso contar, ligar para conversar, porque as vezes
a gente tem momentos de tristeza, porque está longe da família e eles dão força
para a gente, dão apoio” (participante 7, masculino).
“Meu pai, ele sabe dar aquele apoio emocional, de mostrar que você é capaz de
fazer as coisas e tal, porque as vezes a gente entra naquela coisa de pensar o que
estou fazendo da minha vida...mas ele sempre fala, qualquer coisa você pode
começar do zero” (participante 6, masculino). “Minha amiga me dá apoio
emocional, aquilo de trazer a gente para ser pé no chão, quando a gente começa
a sonhar muito, a voar muito, ela acaba servindo para me trazer de volta a
realidade, dá um conselho, se eu tiver chorando, precisando conversar com
alguém ela está sempre ali” (participante 13, feminino).
“Eu estou num estado mental não muito bom, que eu estou com ansiedade e
depressão, então eu comecei a tomar medicação. Conto primeiramente com
minha família né? E o meu namorado por questão de proximidade física, ele
está no meu círculo familiar, então é a pessoa que mais me dá apoio aqui dentro,
tanto afetivo, por não conseguir voltar tanto para minha casa, quanto emocional,
psicológico, ele que pagou para eu ir ao psiquiatra, ele sempre se oferece para
comprar meus remédios” (participante 8, feminino).
“Eu tinha muita preocupação, eu achava que não ia conseguir ficar em Niterói,
então eu vinha para faculdade, mas eu não ficava feliz, eu tinha muita
dificuldade porque eu pensava que ia ter que voltar para casa, então eu teria
que desistir do meu sonho, sabe?” (participante 5, feminino). “Muitos
momentos eu pensei que não ia conseguir terminar a faculdade, eu pensei
muitas vezes em desistir, muitas vezes em trancar, mas eu não queria, assim,
eu bati o pé, mas eu não queria. Teve uma época que eu estava sem bolsa, sem
nada e eu estava fazendo faxina, assim. Foi um pouco antes de eu me mudar
para cá, para eu me manter, porque eu não queria desistir. E a moradia ela me
propiciou isso assim, de não precisar desistir.” (participante 12, feminino).
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Discussão
O presente estudo teve como objetivos investigar a rede de apoio dos estudantes
universitários residentes em moradia estudantil no que tange às relações interpessoais,
qualidade dos vínculos e a função da rede de apoio. Ademais, buscou-se analisar as
percepções de apoio social e a sua influência na permanência na universidade.
Nos resultados das entrevistas foram destacados dois tipos de apoios recebidos e
valorizados, o apoio emocional e o instrumental, considerados dentro das definições de
acordo com a literatura (LANGFORD et al., 1997). Nessa perspectiva também, os
participantes reforçam que seus principais vínculos de apoio social são familiares e amigos.
Importante ressaltar que a moradia estudantil também é evidenciada e percebida pela maioria
dos residentes como um ambiente de proteção que pode subsidiar a garantia dos estudos e
permanência na universidade.
Considerações Finais
Como limitação esse estudo apresenta o fato de que a pesquisa foi realizada em uma
única residência estudantil universitária, o que impede a generalização dos resultados para
outros contextos de moradias estudantis. Além disso, estudos longitudinais poderão investigar
a influência do microssistema moradia universitária no desenvolvimento de estudantes em
situação de vulnerabilidade socioeconômica desde seu ingresso até o seu desligamento.
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