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RIOS: TERRITÓRIO DAS ÁGUAS URUAÇUENSES 1


Gercinair Silvério Gandara2

Resumo: Neste texto procuro levantar historicamente os rios Maranhão, Passa Três e o Ribeirão
Machambombo em Uruaçu-GO como um símbolo representativo dos rios brasileiros que se constitui
ingrediente básico para o surgimento das cidades, mas como consequência, de seus crescimentos viram as
costas ao rio. A História Socioambiental se apresentou fundamental para esta análise.

Palavras Chave: História, Rios, Cidades, Território, Espaço Vivido.

Bem recentemente, ali por minha infância e adolescência conheci bem os rios,
ribeirões, córregos e poços3 da cidade Uruaçu e de suas imediações. Era o poço da
usininha4, poço da Tigela e da Bacia no fundo da chácara do Severino Paraíba. O poço da
chácara dos padres... Era o córrego Machambombo onde se buscava alvas areias para
arear o alumínio, catar girino, tomar banho... Rio Passa Três onde nadávamos na prainha
e na ponte velha... rio Maranhão dos piqueniques na cachoeira do Machadinho, mas
também das travessias nas balsas e em canoas ...
Em sentido amplo, os rios são entendidos como um espaço, ou uma porção
do espaço terrestre individualizado, logo identificável. Sei que entender suas histórias
como espaços sociais e ambientais exige conhecer, recuperar e preservar as suas
geograficidades. Por tudo isso estou atenta a um referencial teórico que possa dar conta
de uma compreensão mais elaborada da complexidade que se estabelece em torno dos
espaços vividos sob a perspectiva da História Ambiental.
Quanto aos rios entendo como indicadores da situação espacial, concebido
com base nas relações entre “natureza” e pessoas. Assim sendo, parto do pressuposto de
que a categoria rio tem pertinência histórica como categoria de análise socioambiental.
Algumas categorias e conceitos se apresentam necessárias para reunir aportes mais

1
Os resultados aqui apresentados são frutos do trabalho de pesquisa desenvolvido e coordenado pela
Profa. Dra. Gercinair Silvério Gandara na Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação da Universidade
Estadual de Goiás com o projeto intitulado “Estudos Socioambientais dos Rios Cidades-Beira do/no
Norte Goiano: Uruaçu e cidades circunvizinhas”.
2
Docente da Universidade Estadual de Goiás. Pós-Doutora em História Universidade Federal de Goiás
(2009-2014). Doutora em História Social pela Universidade de Brasília (2008). Coordenadora Geral do
LHEMA (Laboratório de História e Estudos Multidisciplinares em Ambientes) Líder do Grupo de Pesquisa
História Ambiental: territórios, sociedades e representações e do Grupo de Pesquisa Rios e Cidades na
História do Brasil. E-mail: gercinair@msn.com. gercinair.gandara@ueg.br
3
Poços são trechos de córregos mais profundos no percurso.
4
Uma usina hidrelétrica foi construída no rio Passa Três e distribuía a “força”, a luz da cidade na década
de 1950.
consistentes e fundamentais para minha análise do território das águas. Assim pensado e
no intuito de atingir o propósito da discussão procurarei identificar e qualificar os termos
teóricos básicos que compõem o centro da discussão, com o objetivo de compreender o
sentido destas representações e de suas dinâmicas. Sintetizarei algumas ideias abrindo
caminho para interpretações alternativas sobre o chamado “território das águas”, o rio.
Uma das categorias fundamental para entender os rios como espaço social é
o entendimento do conceito de espaço, pois segundo Henri Lefvre “cada sociedade produz
um espaço, o seu. E esse espaço deve ser pensado a partir do seu conteúdo material e
social, ou seja, como materialização do processo histórico”. (LEFVRE: 1974 p. 48).
Colocamos como premissa, de início, a condição de que o espaço parece ter como
fundamento as coisas. Desta maneira, articula-se ao espaço da prática social sua
materialidade imediata. Contudo, se torna importante entender que na prática espacial, as
representações do espaço e os espaços de representação são diferentes caminhos da
produção do espaço.
Quanto ao conceito de espaço vivido lembro que no final dos anos sessenta
surgiu uma corrente francesa que deu destaque ao espaço vivido. Gallais e Frémont foram
os primeiros a valorizar a "experiência humana dos lugares, das paisagens e dos espaços,
procurando redescobrir uma ‘géographie à visage humain’". Na década de 1970, os
trabalhos de Armand Frémont e Paul Claval questionaram o método utilizado nas
abordagens do espaço vivido e do espaço percebido, contribuindo, assim, com a formação
da Geografia Cultural Francesa, que desde 1981 conta com o laboratório Espace et
Culture – Villes et Civilisations, na U. E. R. De Géographie de l’Université de Paris-
Sorbonne, onde são desenvolvidas pesquisas nesta área. Independentemente dos critérios
que definiram o conceito sabemos que os espaços vividos são o principal suporte dos
processos socioeconômicos e culturais em cada período histórico. Isso significa que eles
são os próprios fundamentos da atividade humana. Destarte, o espaço geográfico se
exprime em relações entre grupos sociais pelos quais se define uma sociedade, sendo,
portanto, um produto social, segundo Isnard (1982).
Propus a noção de território quando evoquei os rios como o “Território das
Águas”. A transformação da categoria espaço em território trata-se de um fenômeno de
representação por meio do qual os grupos humanos constroem sua relação com a
materialidade num ponto em que a natureza e a cultura se fundem. Contudo lembro que
a noção de território trata-se de uma representação coletiva, uma ordenação primeva do
espaço. A implicação temporal-espacial das representações sociais nos remete às relações
de poder que é correlato à noção de apropriação e à definição de papéis sociais
hierarquizados.
Uma das formas concretas de apropriação temporal-espacial mediada pelo
poder é o território. Para Rogério Haesbaert (1998), o território tem uma dupla face. É
um espaço dominado ou apropriado com um sentido político, mas também apropriado
simbolicamente, onde as relações sociais produzem ou fortalecem uma identidade
utilizando-se do espaço como referência. Neste sentido, a dupla dimensão do território,
cultural e sociopolítico-disciplinar pode estar conjugada, reforçada ou ainda contradita,
devendo ser analisada de acordo com as formas e a intensidade com que se apresenta a
relação entre a dimensão material (político-econômico) e a dimensão imaterial
(simbólico-cultural). Entre estas categorias, devemos lembrar, que o território esteve
muito vinculado ao controle do "poder estatal" e à constituição do espaço do Estado-
nação. É claro que esta visão de território é também uma criação cultural, mas estabeleceu
uma certa rigidez de suas fronteiras e uma fixidez temporal do controle do espaço físico.
Muitos autores têm contestado esta simplificação, dando ênfase ao caráter político não-
estatal na construção do território. Outros autores têm priorizado a dimensão simbólico-
cultural na construção do território, considerando-o como uma identificação que
determinados grupos desenvolvem com seus "espaços vividos". Entre eles, Felix Guatari
(1985) entende que,
...o território pode ser relativo tanto a um espaço vivido, quanto a um sistema percebido no
seio do qual um sujeito se sente 'em casa'. O território é sinônimo de apropriação, de
subjetivação fechada sobre si mesma. Ele é o conjunto dos projetos e das representações nos
quais vai desembocar, pragmaticamente, toda uma série de comportamentos, de
investimentos, nos tempos e nos espaços sociais, culturais, estéticos, cognitivos”.
(GUATARI:1985, p.110).

Werther Holzer (1997) constrói outras perspectivas na definição de território.


Argumenta que o território pode ser visto como um conjunto de lugares, onde se
desenvolvem laços afetivos e de identidade cultural de um determinado grupo social.
Enfatiza “caminhando, estamos no mundo, encontramo-nos num lugar específico e, ao
caminhar nesse espaço, tornamo-lo um lugar, uma moradia ou um território, uma
habitação com um nome”. Neste sentido, "a concepção de território tem como base o
'lugar', este sim um conceito essencial para a formulação de um 'mundo' pessoal ou
intersubjetivo”. (HOLZER: 1997, p. 83 -84).
Neste sentido o território é uma categoria vital, porém não essencial, porque
não é definitiva. Eles são apreendidos em cenários contíguos e alternos, adjacentes e
separados, dependendo às vezes do tipo de interações estabelecidas com as relações de
produção, os repertórios culturais, sociais e os mundos de vida. É, portanto, um dos
aspectos paradoxais da “identidade cultural”, uma vez que supõe a continuidade e a
ruptura de significados, que acontecem no âmago da interação cultura/natureza no
processo de produção/reprodução.
Os rios são o traço mais expressivo de uma paisagem citadina. O território
das águas são pontos de partida que marca e remarca o tempo das/nas cidades. Asseguram
a fenda de prosperidade e a organização do espaço citadino. Nessa medida se apresentam
como espaços de dupla consideração, ou seja, a razão da adaptação humana ao meio físico
para dar respostas às necessidades materiais e outra simbólica que dá vida às
representações. Contudo, mirar os rios citadinos ao longo de seu correr nos oportuniza
vê-los serpenteando sobre o seu próprio destino nos modos de vida de todos os dias. Uns
amados, outros odiados. Uns cantados na poesia, em versos e prosas, outros narrados pela
melancolia ou por seus encantos na literatura. Uns historicizados, outros confinados,
sepultados, esquecidos. Parto, portanto, do pressuposto do historiador Lucien Febvre
quando disse “os rios também têm história”. (FEBVRE: 2000, p.09).
Falar do território das águas e/ou do ambiente citadino é tratar de uma situação
dialética igualmente complexa e inseparável. O ambiente deve ser considerado na sua
existência local e nas suas dimensões no/do espaço e tempo. Por vezes este espaço
geográfico constitui a oportunidade de existência da própria cidade e pode influenciar o
desenvolvimento, os contornos, as condições de vida e as atividades urbanas. Sobre esta
estrutura as sociedades imprimem suas marcas que constituem as bases do
desenvolvimento citadino. São as marcas das transformações cravadas no espaço que
constituem as bases da cidade. Trata-se, portanto, do resultado da ação humana num
determinado espaço. Reafirmo, contudo, que cada sociedade tem uma gramática de
espaços e temporalidades para existir enquanto um todo articulado permitindo
sensibilidade e forma de organização.
No Brasil, a maioria dos surgimentos citadinos teve o rio como o elemento
definidor na história de suas constituições que o tiveram como ponto de partida seguido,
consequentemente, do comércio, muitas vezes, aí viabilizado. De um modo geral, elas
nascem ou são fundadas segundo a representação adequada a uma dominação política,
econômica, religiosa ou militar, mas os rios sempre lhes asseguraram a fenda de
prosperidade e a organização do espaço-cidade. Nas margens dos rios brasileiros se
estabeleceram núcleos, constituíram-se engenhos, fizeram penetrações horizontais e
verticais do território.
À medida que se fez sentir o crescimento demográfico nas cidades e expandia seu
quadro urbano os rios citadinos tornaram-se então uma das principais preocupações. O
ambiente dos rios por onde nasceram às cidades tiveram suas paisagens profundamente
alteradas. Em verdade, estes rios vêm passando por transformações históricas, em
consequência tem suas condições agravadas pela precariedade do saneamento básico,
pela poluição ambiental e pela ocupação irregular das suas margens. Em verdade, tudo
isso resulta num grave conflito em que aponta como causa da degradação, a desordenada
presença humana. A prática de estruturação das cidades e o modo de expansão urbana
utilizou o espaço das águas. As várzeas, espaços úmidos e alagadiços, impróprios para
construção, os chamados “espaços vazios” passam a ser utilizados para construir avenidas
e marginais. Ocorre que a natureza dos rios não muda. E quando a chuva cai é para lá que
a água vai tomando o espaço que lhe for necessário. Eis as razões das enchentes.
No Brasil, de um modo geral, a relação das cidades com os rios mudou em
consequência dos sistemas hidráulicos de abastecimento e sanitário. Em consequência
disso o rio que foi sua base, a espinha dorsal do surgimento citadino torna-se de acesso
perigoso, contato proibido, água imprópria ao consumo, canal de escoamento de esgotos.
Os territórios das águas se tornaram/tornam palcos dos problemas ambientais citadinos.
Como consequência, as cidades surgidas à margem dos rios invertem. Viram-lhe as
costas. Agora são, rios à margem das cidades.
Mergulhando nas águas uruaçuenses
O município e cidade de Uruaçu se localizam no antigo Médio Norte, hoje
Norte de Goiás. A posição do município de Uruaçu em relação ao Estado de Goiás é norte
e em relação ao Brasil é centro-oeste. Pertence a Micro Região do Alto Tocantins e está
localizado na região Centro-Oeste do Brasil. Sua área territorial é, hoje, de 2.149,7 Km².
Tem como vias de acesso a BR-153, BR-080 e GO-237. Dentro das coordenadas
geográficas, a localização da sede municipal é de Latitude (S) 14° 31’ 30” e Longitude
(W) 49° 04’ 59”. Sua altitude é de 450 metros acima do nível do mar. As partes mais
elevadas do município não ultrapassam a 800 metros. A superfície do território municipal
era de 22.307 quilômetros quadrados antes dos desmembramentos territoriais. Dista do
Distrito Federal, Brasília por 244 Km e da Capital do Estado de Goiás por 269 Km.
A vegetação dominante da região é o cerrado (72%) e as matas (20%) que se
apresentam de forma diversificada em consequência das condições do solo e topografia.
Ao longo dos córregos e rios, a formação vegetal compacta assinala a presença da floresta
tropical, com suas mata-galerias, onde o jatobá, o cedro, a peroba e o tamboril se
desenvolveram ao lado dos bacuris, das guarirobas e de outras palmeiras. Nas cabeceiras
impera o buriti e nas várzeas dominado pelas palmáceas, destaca-se o babaçu pela
quantidade e imponência. A região é bastante acidentada, sendo numerosos os morros e
as serras. A área do município é banhada por dois importantes rios, o Maranhão e o
Tocantins e, ainda, é cortada por uma infinidade de cursos d’água, córregos e ribeirões.
Possui duas estações bem definidas: a estação da seca, que vai de abril a começos de
setembro, e a estação chuvosa ou das águas, “inverno goiano” que se estende de setembro
a março5. Seu clima é considerado Tropical Úmido, com temperatura máxima de 38ºC,
mínima de 18ºC e média de 28ºC, conforme caracterização do município apresentado no
Plano Diretor de Uruaçu de 2000.
A cidade de Uruaçu em nada difere do quadro brasileiro. Ela nasceu às
margens do ribeirão Machambombo, aliás no seu surgimento os rios Maranhão, Passa
Três e o ribeirão Machambombo foram fundamentais e, também, para o seu crescimento.
Ocorre que, como já dissemos, o lugar em que se erigiu a cidade de Uruaçu era um grande
latifúndio adquirido pelo Coronel Gaspar que afrontado por seus adversários políticos em
São José do Tocantins se viu obrigado a migrar. Criou esta cidade como instrumento de
ofuscação daquela e como demonstração de sua força e de seu poder.6 A organização do
pequeno núcleo, localizado numa área cuja topografia facilitava os movimentos terrestres
conferia-lhe excelentes potencialidades para se desenvolver e se afirmar tanto como
centro de paragens quanto de trocas comerciais. Fixaram-se famílias e gerações criando
uma sociedade peculiar na área do latifúndio. A cidade abrangeu um espaço reduzido,
mas bem definido - um quilômetro raio7.
Esse espaço-cidade só poderia ser estudado com referências a matérias ainda
ardentes como são os estudos dos rios. Os rios Maranhão, Passa Três e o ribeirão
Machambombo serão tomados aqui como um símbolo representativo desses tipos de
síntese apreendidas no âmbito de uma sociedade.. Particularmente, nosso sentido de
tempo envolve alguma consciência da duração e também das contingências históricas
entre passado, presente e futuro que exercem pesada presença na vida humana. John
Lewis Gaddis definiu,
...o futuro como uma zona onde contingências e continuidades coexistem independentes
entre si; o passado como o local onde sua relação é inextricavelmente imobilizada; e o
presente como a singularidade que as reúne, fazendo com que elas se cruzem, alternadamente,
e por meio desse processo a história é construída. (GADDIS: 2003, p.47)

Enfatizou que mesmo que o tempo não seja estruturado dessa forma, para
qualquer entidade aprisionada dentro dele essa distinção entre passado, presente e futuro

5
IBGE: Agência de Uruaçu. Aspectos históricos e geográficos elaborado por Francisco Garcês – Agente
Municipal de Estatística em Uruaçu – Julho 1956. p.04
6
Ver Gandara, Gercinair Silvério. Cadinho do Brasil: Uruaçu... Cida beira, Cidade fronteira nos caminhos
dos Sertão de Goiás (1910-1960) Goiânia: Ed. Espaço Acadêmico, 2016.
7
Doação da família Fernandes de Carvalho à Igreja Católica para a formação da cidade.
é quase universal. Esse sentido de tempo se baseia em fatores psicológicos, mas ele
depende também de influências sociais e culturais. Como disse Braudel, “chegamos assim
a uma decomposição da história em planos sobrepostos: ou, se se quiser, à distinção, no
tempo da história, de um tempo geográfico, de um tempo social e de um tempo individual.
(BRAUDEL, 1983, p.26)
Os rios uruaçuenses, como outros rios brasileiros vêm passando por
transformações históricas conduzida por motivações culturais, econômicas, políticas e
socioambientais. A poluição sistemática dos rios e mananciais pela ação social
compromete a vida citadina, e traz malefícios a sociedade. Eles tiveram/tem suas
condições agravadas pela precariedade do saneamento básico, pela poluição ambiental e
pela ocupação irregular das suas margens. Estes rios perpassaram de águas claras,
límpidas e/ou barrentas para escuras e fétidas. No conjunto há uma pluralidade de tempos
descompassados cujas modalidades de combinação geram mudanças a cada instante.
Aqueles mesmos rios de águas abundantes, claras e doces, as estradas que caminham, o
rio do sustento e meio de vida, dádiva primordial concedida às coletividades humanas
estão hoje degradados, fétidos e de águas inapropriadas.
Ribeirão Machambombo o mais uruaçuense território das águas
O ribeirão/córrego Machambombo divide a cidade de Uruaçu ao meio. Ele
possui uma largura inferior a dez metros. Este ribeirão se tornou o marco da cidade de
Uruaçu. Em sua razão se confere expressões de sinalização devida a topografia tais como,
“de lá” e “de cá”, “do outro lado” e do “lado de cá”, “acolá embaixo”, “lá nos Fernandes”,
entre outras.
A construção da primeira ponte, de madeira, sobre o ribeirão Machambombo
emprestou à Vila as feições que hoje a cidade possui. Esta foi uma das obras de
envergadura na gestão de Enéas Fernandes. Dessa ponte não colhemos nenhuma
impressão, pois foi demolida em 1952. Mais tarde outras pontes foram construídas. A
cidade de Uruaçu daqueles tempos não possuía ruas paralelas ou transversais, com
exceção do Beco da Ponte, calçado de pedras e o beco que fazia esquina com a Casa
Aurora. O núcleo, protegido na fazenda, cujas “ruas” obedeciam a um sistema
radiococêntrico tinha o ribeirão Machambombo como ponto zero tanto a leste quanto a
oeste e, mais tarde a norte e sul com as ruas paralelas que vão surgindo tendo como marco
o ribeirão. No mesmo lugar da antiga ponte de madeira construída por Enéas foi
construída, posteriormente, essa ponte que se mostra na imagem. Ela divide e une a
Avenida Tocantins, antiga estrada cavaleira.
Hoje as margens do ribeirão Machambombo se encontram totalmente
descaracterizada, com ausência de mata ciliar e com presença de imóveis na várzea. O
ribeirão foi canalizado desde a Avenida Tocantins até abaixo da sua primeira paralela, a
Avenida Goiás como se pode ver nas imagens que se
seguem. O ribeirão se encontra confinado na parte
central da cidade até abaixo da Rua Goiás primeira
paralela à Av.Tocantins. Abaixo desse trecho
encontra-se assoreado e contaminado por dejetos de
toda natureza
O que mais me impressionou,
negativamente, no meu retorno a cidade de Uruaçu
foi encontrar uma pracinha na várzea do córrego
Machambombo. Ela está posta logo abaixo da ponte da Avenida Tocantins entre esta e a
Rua Goiás. Certamente essa praça fora feita a título de embelezamento da cidade.

Praça na várzea do Córrego Machambombo.

Rio Passa Três... fonte de abastecimento e folguedos.

O rio Passa Três é afluente do rio Maranhão, que por sua vez é afluente do
Rio Tocantins. Ele nasce tímido em uma mina lá na Serra Dourada.
. Os rios que provem destas nascentes passam pelos espaços citadinos. Além
disso, a Serra Dourada, divisora de águas, em vários pontos é acompanhada pela BR-153,
rodovia Belém-Brasília, a qual caso seja duplicada poderá aumentar os impactos
ambientais sobre a áreas das nascentes. Os demais cursos d’água da região de Uruaçu são
de pequeno porte e em geral correm em leitos pedregosos formando encachoeiramentos,
a exemplo do córrego Machambombo. O lago formado pela barragem da usina Serra da
Mesa represou parte do rio Passa Três. Mas não o afetou no trecho a oeste da cidade de
Uruaçu onde há as dragas de abastecimento da cidade. O recuo do lago Serra da Mesa
somado ao assoreamento do rio Passa Três tem prejudicado a captação de água em Uruaçu
que tem sido feita pela metade do que seria necessário para atender a população. Além
disso o rio Passa Três recebe a carga de despejos e dejetos urbanos sem tratamento. Outra
preocupação ambiental que percebemos é a intensa proliferação de algas no rio Passa
Três, que deságua no Lago Serra da Mesa. Em condições naturais, a acumulação de
matéria orgânica contida nas margens desses ribeirões e córregos pode acarretar numa
coloração mais escura de suas águas.
Rio Maranhão... Lago Serra da Mesa
O alto rio Maranhão tem as águas relativamente limpas, embora as atividades
agrícolas e o adensamento populacional estejam contribuindo para sua poluição. Na
região da divisa do Distrito Federal com Goiás sofre também as consequências da
atividade mineradora. Na região de Uruaçu, o rio Maranhão também teve atividades
garimpeiras que foram historicamente de vital importância para o crescimento do
município. Na década de 1980 esta atividade foi considerada uma fonte geradora de
empregos no município que propiciou significativo crescimento demográfico e comercial
da cidade. Hoje, as atividades garimpeiras são praticamente inexistentes, porém, um
grande percentual da população - migrante - permaneceu na cidade e município exercendo
outras atividades.
Entre Uruaçu e o município de Niquelândia se fazia a travessia do rio
Maranhão por balsas e canoas. As balsas tinham como força motriz o braço humano para
pegar impulso e depois deslizava no cabo de aço. A força braçal somada à musculatura
do peito que desempenhavam maior função, pois servia de apoio a uma extremidade do
varão pesado para empurrar a embarcação.

As enchentes do rio Maranhão eram violentas. No período das travessias de


balsas ocorriam muitos acidentes com mortes de permeio. Tornava-se um rio de águas
muito violentas e traiçoeiras nas cheias. Dessas enchentes registrou-se, já com a ponte
sobre o rio, a de março de 1983. De longe se ouvia o latejar da água ao produzir certos
movimentos com sons intermitentes arrastando paus e barrancos.

Na década de 1970 se construiu uma ponte sobre o rio Maranhão. Ela foi
construída exatamente no local de travessia das balsas. Mais tarde, com a abertura das
comportas da Hidrelétrica da Serra da Mesa fora totalmente coberta/inundada submersa
pelas águas que formaram o Lago Serra da Mesa. A foto mostra a inundação da ponte
sobre o rio Maranhão e a sociedade em última visita à ponte.
Inundação da antiga Ponte sobre o rio Maranhão com a abertura das comportas da |Hidrelétrica
Serra da Mesa para Criação do lago de Serra da Mesa

As águas barrentas do rio Maranhão deram lugar às aguas claras e azuladas


do lago artificial da Usina Serra da Mesa. O Lago Serra da Mesa é o quinto maior do
Brasil. Está totalmente localizado no Noroeste de Goiás com 1784 km² de área inundada.
Sua elevação é de 460m em relação ao nível do mar. Com 54,4 bilhões de metros cúbicos
é o primeiro em volume de água. Formou-se, principalmente, pelos rios Tocantins, rio
das Almas e rio Maranhão.Uma Nova Ponte fora construída ligando Uruaçu e o município
de Niquelândia como obra de relocação na área que foi tomada pelo lago de Serra da
Mesa, no trecho da rodovia GO-237,
com 585 m de extensão. Pela
primeira vez no Brasil, o concreto de
alto desempenho foi usado na
construção de uma ponte. Ela faz
parte do conjunto de obras na bacia
de inundação da Hidrelétrica de
Serra da Mesa, em Goiás.

Em consequência da
formação do lago em terras uruaçuenses percebemos um crescimento, retomado, rumo a
Leste, ou seja rumo ao Lago Serra da Mesa. Muitas chácaras de lazer se formaram,
flutuantes e bares na orla movimentou o beira-lago. Mas veio a estiagem e as aguas
baixaram. Não chegou ao que era como rio, mas também deixou o aspecto majestoso do
grande Lago. Das aguas profundas do Lago Serra da Mesa vimos emergir a antiga ponte
do rio Maranhão. Acompanhei e registrei seu emergir por meio de fotografias, as quais
aqui socializamos.
.

Esta ponte após a sua submersão reapareceu na seca de 2001 e pela segunda
vez emerge neste ano de 2016. Segundo notícia veiculada no Jornal O Popular de
11.10.2016 “o volume de água chegou a 9,91%, segundo os dados do Operador Nacional
do Sistema (ONS). O pior patamar dos últimos quinze anos ficando atrás justamente do
mês de novembro de 2001 quanto o nível atingiu 9,12%”. Hoje o grande lago se encontra
assim com as águas baixas e com as margens desnudas.

A transformação do rio Maranhão em Lago Serra da Mesa, embora tenha se


formado o quinto maior lago do Brasil, causou sérios problemas socioambientais para a
região de Uruaçu. Com a formação do lago inundou uma vasta extensão do bioma
cerrado, relativamente preservada. Causou fortes impactos à flora e à fauna. Há, também,
questões de alterações climáticas. Acredita-se, ainda, que tenham ficado submersas
reservas minerais de ouro, nióbio, estanho, chumbo, zinco, e manganês Outro problema
detectado é a ocorrência de dolinamentos, pois a principal ocorrência se deu em fazendas
no município de Uruaçu, onde houve formação de dolinas de até trinta metros de
diâmetro. Outra grave consequência são as famílias ribeirinhas atingidas pela barragem
com a perda de suas propriedades na área de inundação e, muitas delas, sem indenizações.
Como se vê o território das águas por onde nasceu a cidade de Uruaçu teve
sua paisagem profundamente alterada. Ocorre que comumente, no Brasil, as cidades que
surgiram face a face aos rios viraram-lhes as costas. Os rios de águas doces perderam seu
encanto. Muitos cederam espaço para as reformas urbanas, são canais. A relação das
cidades com os rios mudou como já disse, em consequência dos sistemas hidráulicos de
abastecimento e sanitário. Mudaram o rio a seu modo. As cidades viraram-lhes as costas.
Uruaçu bem se insere nesse quadro, pois surgiu face a face ao ribeirão Machambombo,
e, no entanto, lhe virou as costas. O rio Machambombo foi canalizado na parte central à
medida de um quarteirão. Paredes verticais de concreto o demarcou. Em sua várzea
ergueram uma praça. Bloquetes cobriram sua várzea que recebeu bancos de concreto. Por
outro lado, nas mediações de Uruaçu, parte do rio Passa três e o rio Maranhão com suas
várzeas verdejantes foram engolidos pelas águas do Lago Serra da Mesa.
Tendo como referência o agravamento dos problemas, a crescente poluição
dos rios citadinos enfatizo que o desafio socioambiental da cidade Uruaçu e, quiçá, da
maioria das cidades brasileiras se centra em ações governamentais que dinamizem a
consciência dos citadinos pautados pela adoção dos princípios de sustentabilidade
ambiental conjugada a resultados na esfera do desenvolvimento econômico e social e, na
importância de se preservar o território das águas, ou seja, os rios, as várzeas e o vale.
Poderíamos aqui evocar centenas de outras solidariedades espaciais bem como outras
soluções ambientais, mas deixarei manifesto que os valores permanecerão latentes na
força e na presença dos rios citadinos correndo e, às vezes, transbordando sobre as suas
margens ou por meio daqueles sintomas perturbadores dados pela poluição de suas aguas.
Afinal, os modos de representar pertencimento aumentam em complexidade no tempo
por meio dos processos de integração das pessoas com seus territórios.
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