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O Veículo Aéreo Não Tripulado, popularmente conhecido como Drone, é um tipo de tecnologia
que se assemelha a uma aeronave com alto grau de automatismo controlado remotamente.
Desde a década de 50, essa tecnologia era usada militarmente, com seu porte pequeno e ágil,
trazendo uma nova perspectiva para o modo de ir à guerra. Uma vez usados para vigilância no
combate e reconhecimento tático, com o avanço da tecnologia, os drones se tornam mais
modernos e hostis.
Entre tantos modelos, o foco deste trabalho estará nos UCAVs (Unmanned Combat Aerial
Vehicle), os drones de combate americanos. Em uma breve apresentação, o mais mencionado
em relatos de ex-pilotos combatentes são os MQ-1 Predator, carregando dois mísseis Hellfire
ar-superfície, para alvos terrestres que podem acertar um tanque de guerra a até 8 km de
distância (ISHIKAWA, 2020). É usado principalmente pela Força Aérea Americana e pela CIA nos
ataques a alvos terroristas em países árabes. Criado para ser um avião de reconhecimento e
observação dentro do território inimigo, teve seu objetivo modificado em meados de 1995 para
carregar armamentos.
Com isso, a nova forma de ir à guerra possibilitada pelos avanços dos drones levanta o debate
sobre “matar à distância”, questão que pode ser olhada de inúmeros ângulos, porém sendo
apresentada aqui sob a luz da psicologia entre a distância física e o processo da tomada de
decisão tática. Diante de um olhar parecido, David Grodin (2012) afirma que um senso de
humanidade compartilhada é perdido para as tecnologias de ver e mirar oferecidas pelo olhar
do drone que enquadra visualmente a exibição de um mundo que está a uma distância remota
e virtual.
A partir da ideia pela qual os drones passaram a ser entendidos como parte de uma estratégia
militar de morte seletiva (GRODIN, 2012), é possível levantar a questão sobre: Matar a uma
vasta distância remota sem risco, influencia a tomada de decisão tática, tornando-a mais
“fácil”, ou não? Diversos trabalhos debatem o motivo pelo qual o aumento da distância deve
estar associado a diferentes propensões para atacar, baseando-se em teorias vindas da
Psicologia e da Psicologia Social. O presente artigo irá apresentar as principais teorias que se
entrelaçam com o fator distância X disposição para matar e relacioná-las com a tecnologia do
drone, dando continuidade ao debate sobre como a vasta distância que separa os operadores
de drones de seus alvos pode alterar o processo de tomada de decisão tática.
Com o advento da tecnologia do drone e sua popularização no uso militar, a pergunta sobre
como a distância que separa os operadores de drones de seus alvos pode alterar o processo de
tomada de decisão tática começou a circular. As consequências já estudadas de matar na
proximidade que soldados matam seus alvos em conflitos onde ambos estão no mesmo campo
abriu margem para um novo questionamento ao que tal proximidade não existia mais, e todo o
contexto pré e pós a ação de tirar uma vida não atingiria mais o soldado ordenado a isso, já
que a visão e experiência com os alvos serão limitadas - como será discutido posteriormente.
Entre o conhecimento existente sobre o papel que a distância desempenha nas decisões
humanas de matar durante a guerra, uma das perspectivas mencionadas afirma que a distância,
de fato, aumenta a probabilidade de uma pessoa usar força mortal. Nela, Powers (2015) aponta
duas teorias essenciais para entender o embasamento psicológico por trás dessa ligação, onde
a primeira argumenta que matar à distância é relativamente fácil e torna-se progressivamente
mais difícil à medida da aproximação da vítima. É menos desafiador psicologicamente para uma
pessoa atirar em alguém com uma arma do que estrangulá-lo ou desferir um golpe mortal
durante um combate cara a cara, o que transforma a proximidade e a interação com a vítima
mais psicologicamente prejudicial.
Pela mesma razão, a outra teoria, sendo diretamente aplicada ao conceito de drone, envolve
como essa tecnologia revoluciona a guerra, tornando possível a ação remota. Levando em
consideração conflitos passados onde mísseis eram acionados por um piloto voando acima de
seu alvo em contrapartida de agora, onde os controles estão nas mãos de equipes de operadores
de UAV que trabalham em locais acerca de milhas de distância do local do ataque aéreo, a
autora defende que tais fatores não apenas isolam o operador do drone do perigo físico, mas
também introduz um nível sem precedentes de separação entre o operador e seu alvo, o que
leva a um alto grau do conceito de distância psicológica.
Em primeiro plano, é importante definir que distância psicológica se refere a uma experiência
subjetiva de que algo está perto ou longe de si, aqui e agora e descreve distâncias espaciais,
temporais – relacionando-se a quão longe no futuro algo será experimentado, sociais – a
proximidade pessoal sentida em relação a algo, e a hipotética de um evento ou objeto
(POWERS, 2015). Além disso, a distância psicológica tem como ponto de referência o sentimento
difuso da unidade da personalidade no aqui e agora, e as diferentes maneiras pelas quais um
objeto pode ser removido a partir desse ponto constituem diferentes dimensões de distância.
Superar a ideia de indivíduo, o sentimento difuso da unidade da personalidade, no aqui e agora
envolve a interpretação mental, e quanto mais distante um objeto estiver da experiência
direta, mais alto (mais abstrato) será o nível de interpretação desse objeto (LIBERMAN; TROPE,
2010).
Com isso, a Teoria da Distância Psicológica em Nível Construtivo de Liberman e Trope (2010)
(Construal-Level Theory of Psychological Distance/CLT) diz que as pessoas atravessam
diferentes distâncias psicológicas usando processos de construção mental semelhantes. Pelas
várias distâncias terem o mesmo ponto de referência egocêntrico, todas deveriam estar
cognitivamente relacionadas umas às outras, afetando e sendo afetadas pelo nível de
interpretação. À medida que a distância psicológica aumenta, as interpretações se tornam mais
abstratas, e à medida que o nível de abstração aumenta, também aumentam as distâncias
psicológicas que os indivíduos imaginam. Distâncias estas que devem influenciar a ação e, como
para Algom et al., (2007), é considerada um princípio fundamental de processamento que
orienta a cognição e a ação humanas. Em relação aos níveis, Liberman e Trope (2010) explicam
que vemos interpretações de alto nível como representações mentais relativamente abstratas,
coerentes e superordenadas, em comparação com interpretações de baixo nível. Mover-se de
uma representação concreta de um objeto para uma representação mais abstrata envolve reter
características centrais e omitir características que pelo próprio ato de abstração são
consideradas incidentais. A partir disso, a premissa básica da CLT se baseia na ligação
obrigatória entre a distância e o nível de construção mental, de modo que objetos mais
distantes serão interpretados em um nível mais alto, e a construção de alto nível trará à mente
objetos mais distantes.
“A distância psicológica está relacionada à maneira como as pessoas pensam sobre os
estímulos, porque a distância entre o estímulo e a experiência direta do observador afeta a
interpretação do estímulo pelo observador. À medida que os estímulos ficam mais distantes
em qualquer uma dessas dimensões, a quantidade de informações sensoriais e conhecimento
concreto sobre eles tende a diminuir” (ALGOM et al., 2010, p.2, tradução nossa).
Já para Dave Grossman (1995), o psicólogo e ex-militar que elaborou a teoria da repugnância
de matar, a ligação entre distância e facilidade de agressão não é uma descoberta nova. Ele
diz que há muito tempo se entende que existe uma relação direta entre a proximidade empática
e física da vítima e a dificuldade e trauma resultantes da morte, tendo como mecanismo
explicativo um espectro, onde em seu extremo oposto há o bombardeio e a artilharia, que
costumam ser usados para ilustrar a relativa facilidade do assassinato de longo alcance.
Conforme a extremidade mais próxima do espectro se aproxima, começa-se a perceber que a
resistência a matar se torna cada vez mais intensa. Este processo culmina no final do espectro,
quando a resistência a baionetas ou facadas se torna tremendamente intensa, e matar com as
próprias mãos torna-se quase impensável. No entanto, ele inteira que mesmo isso não é o fim,
o espectro continua até uma região delicada ser abordada em seu extremo, onde sexo e
matança se misturam.
Ou seja, quanto mais próximo o alvo humano, maior a resistência inicial a ser vencida para
matar, e quanto maior a distância, menos difícil se tornaria o ato, como é exemplificado no
diagrama dos diferentes tipos de armas (CHAMAYOU, 2015).
Com isso, é importante contextualizar, como ressalta Powers (2015), que o pessoal de drones
encarregado de realizar ataques contra suspeitos de terrorismo no exterior é separado do local
de sua operação sem precedentes. E que embora um atirador possa estar a metros de seu alvo
em bombardeios aéreos muito acima de suas zonas de ataque pretendidas, a separação espacial
entre os operadores de drones e a localização do alvo do míssil é muito mais drástica. Além
disso, os operadores de drones também podem estar mais distantes socialmente, já que
operando do conforto de uma base da força aérea, eles se distanciam do combatente inimigo
e da experiência geral de ser “parte da ação” no solo ou no ar. Então, não apenas isolando o
operador do drone do perigo físico, esses fatores combinados fazem com que a natureza da
guerra de drones crie um grau de distância psicológica extraordinário
Já que, teoricamente, de acordo com a CLT, uma grande distância de um objeto ativaria uma
interpretação de alto nível do objeto, mesmo quando os detalhes de baixo nível não são
particularmente prováveis de mudar com a distância, e o alto nível de interpretação de um
objeto produziria uma sensação de distância do objeto mesmo quando tal interpretação não
permite a recuperação de exemplares particularmente distais do objeto (LIBERMAN; TROPE,
2010) Logo, Se a distância reduz as barreiras para matar, a tecnologia de drones pode criar
condições ideais para facilitar o uso de força letal. Ele remove os operadores suficientemente
longe do local do ataque para que eles abstraiam as pessoas dos contextos, reduzindo assim a
variação, a diferença e o ruído que podem impedir a ação ou introduzir ambiguidade moral
(POWERS, 2015).
“A ligação entre ambos é a imagem na tela, que mais que uma representação figurativa é uma
figuração operativa. Pode-se clicar, e quando se clica, mata-se. Mas o ato de matar se reduz
aqui concretamente a situar o cursor ou flecha em cima de pequenas “imagens acionáveis”,
figurinhas que tomaram o lugar do velho corpo em carne e osso do inimigo” (CHAMAYOU, 2015,
P. 78)
Nesse caso, pelas definições de Grossman (1995), os alvos pela mira de um drone estão em
alcance máximo, o que é definido como um alcance em que o assassino é incapaz de perceber
suas vítimas individuais sem usar alguma forma de assistência mecânica, e que em distâncias
assim, os militares podem fingir que não estão matando seres humanos.
Percebe-se que o Drone, por seu dispositivo de visão, se encaixaria mais perto do extremo
“próximo” do espectro da agressão de Grossman (1995), porém a visão dos operados e tal
proximidade perceptiva é parcial. Chamayou (2015) explica que essa visão é filtrada pela
interface e além da gama sensorial se ver reduzida à dimensão óptica, a resolução é
suficientemente detalhada para poder mirar, mas não o bastante para poder distinguir os
rostos. Sendo assim, uma visão degradada, fazendo com que tudo o que os operadores
discernem sejam pequenos avatares sem rosto.
Imagem 1 - Exemplos de imagens de um ataque de drone.
Isso se torna evidente quando se analisa alguns aspectos, desde o nome atribuído ao drone à
condecoração por bravura aos seus manipuladores.
Quanto ao termo escolhido para nomear esse artefato, Mori (2020), em texto disponibilizado
pela BBC News Brasil, compilou o histórico estadunidense sobre o emprego de drones armados.
Fez o destaque, dentre outras curiosidades, da mudança do termo “...Predator, usado na
década passada,... para o drone usado hoje, que foi chamado de Reaper — em inglês, a palavra
se refere à figura da morte encapuzada”. Significativa alteração de uma palavra que diz
respeito àquele que caça para matar para outra que se refere ao curso inevitável da vida, que
é a morte que chega para todos sem data, local ou hora marcados.
“Para mostrar aos operadores de drones o rosto real das crianças que eles podem acabar
bombardeando - em vez de um ponto desumanizado em uma tela - gostaríamos de imprimir
retratos em escala extremamente grande das crianças que vivem na área onde os drones são
operados. Esses retratos serão colocados no chão voltados para cima, de forma que uma câmera
drone os capture, transmitindo-os para a tela do operador do drone.” (INSIDE OUT, 2014, on-
line )
Para Marcelo Jesus (2019, p.87), em sua tese doutoral acerca das formas de comunicação e
relacionamentos entre quem filma, quem faz o filme e quem o assiste, analisa que, até na arte
cinematográfica, a imagem veiculada dos pilotos de drones ”... atua essencialmente por
segregação, ela institui uma separação com os sujeitos que figuram nela, agindo por
eliminação.”
CONCLUSÃO
Com o avanço tecnológico que vem sendo promulgado na área militar, é formada uma diferente
perspectiva para as formas de combate. Os Drones UCAVs utilizados principalmente nos
combates norte-americanos, reafirmam que tais tecnologias contribuem para a perda do senso
de humanidade. Isso ocorre devido ao fato da câmera de baixa resolução deste modelo
favorecer a criação da distância psicológica para além da distância física entre o operador do
drone e o alvo. Ambas, em unidade e consonância, favorecem o amortecedor moral que
aumenta a probabilidade de uma pessoa usar força mortal, tornando essa decisão relativamente
fácil.
Este estudo buscou delinear os mecanismos psicológicos acerca das motivações humanas para
desenvolver as conexões teóricas entre a distância física, psicológica e a decisão de uma pessoa
de lançar um ataque de drones em face de potenciais vítimas civis. Apesar da grande
disponibilidade de estudos e evidências científicas para com estes argumentos, o debate ainda
é aberto, contendo perspectivas alternativas que sugerem o oposto e mostrando que os estudos
devem continuar sendo aprofundados cada vez mais na experiência pessoal dos combatentes e
na psicologia humana, expandindo seu alcance para além dos ramos de estratégia e defesa.
Referências
CHAMAYOU, Grégoire. Teoria do drone. Trad. Célia Euvaldo. São Paulo: Cosac Naify, 2015, p.
77-83
GRONDIN, David. The study of drones as objects of security: Targeted killing as military
strategy. Research Methods in Critical Security Studies, Londres, p. 1-2, 2012.
GROSSMAN, Dave. On Killing: The Psychological Cost of Learning to Kill in War and Society. 1.
ed. Nova York: Back Bay Books, 1995. p. 59-118.
GROSSMAN, Dave. Matar: um estudo sobre o ato de matar; tradução Ulisses Lisboa Perazzo
Lannes. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 2007.
MORI, Letícia. De balões bombardeiros no século 19 às máquinas mortais usadas hoje pelos EUA:
a história dos drones na guerra. BBC News Brasil, janeiro de 2021. Disponível
em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-51111636 Acesso em: 17 junho 2021
NOT A Bug Splat Khyber Pakhtunkhwa, Pakistan April 2014.Inside out project. Disponível
em: https://www.insideoutproject.net/en/explore/group-action/not-a-bug-splat#section-
statement. Acesso em: 17 de junho de 2021.
STAHL, Roger. What the drone saw: the cultural optics of the unmanned war. Australian Journal
of International Affairs, S.L, v. 67, n. 5, p. 659-674, 2013.
Sandra Maria Becker Tavares possui graduação em Enfermagem pela Universidade Federal
do Rio de Janeiro (1988), mestrado em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro (1995), doutorado em Bioética, Ética Aplicada e Saúde Coletiva pela Fundação Oswaldo
Cruz (2014). É professora Adjunta 3 da Universidade Federal do Rio de Janeiro, coordenou o
Curso de Graduação em Defesa e Gestão Estratégica Internacional onde também integra o
Laboratório de Estudos de Segurança e Defesa (LESD). Exerce atualmente a Coordenação
Adjunta (vice-diretora) do Instituto de Relações Internacionais e Defesa (IRID/UFRJ) e a
Coordenação de Extensão da Decania do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas
(CCJE/UFRJ). É membro titular do Conselho de Extensão Universitária da UFRJ. Tem
experiência nas áreas de Defesa Nacional, Saúde Coletiva e Extensão Universitária atuando
principalmente em Bioética, Aprimoramento Humano, Segurança Humana, Logística e
Mobilização Nacional
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