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Natal, v. 21, n. 36
Jul.-Dez. 2014, p. 121-152
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Subjetidade e subjetividade
Abstract: this text presents and discusses the difference and the
reference between subjectness (subiectität) and subjectivity (subjektivität),
according to the Martin Heidegger's thinking of BEING-as-history. It
exposes the ways how subjectness appears in the age of Metaphysics, from
the beginning, from presence of the theme of “hypokeimenon” (the
subjacent/lie-forth) in the thinking of the first Greek thinkers (especially
Heraclitus and Parmenides) to the conception of Being as “ousia” (state of
being, presence, substance, essence) in Plato and Aristotle. After exposing
the conception of substantiality of the Middle Ages it passed to the
conception of subjectness as subjectivity in the Modernity (Modern Age)
and to Its configuration as system. Finally, it exposes the new truth of
Being in the age of technology and a loss of the sense of objectivity and of
subjectivity in the essence of Being in the way of standing reserve.
1
Como aparecerá adiante neste artigo, os termos “subjetidade” (Subiectität) e
subjetividade (Subjektivität) aparecem como “termos técnicos” num texto de
1941, intitulado “Die Metaphysik als Geschichte des Seins” (“A metafísica
como história do ser”), publicado no volume II do Nietzsche de Heidegger.
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1. pelo modo como o homem é homem e, isto quer dizer, pelo modo
como o homem é si mesmo (selbst) e, nisso, se sabe a si mesmo; 2. pelo
projeto do ente sobre o ser; 3. pela delimitação da essência da verdade
do ente; 4. Pela maneira segundo a qual, a cada vez, o homem toma a
“medida” e dá a medida para a verdade do ente (N II, p. 120)3.
2
Este curso, ministrado no segundo trimestre de 1940, foi publicado
primeiramente em 1961, no segundo volume do livro de Heidegger intitulado
Nietzsche e, posteriormente, foi publicado no volume 48 das suas obras
completas. Seguiremos, aqui, o texto do livro Nietzsche II.
3
Os textos de Heidegger serão indicados por siglas. Cf. as referências
bibliográficas. Quando os textos citados não forem de língua portuguesa a
tradução será do autor deste artigo.
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4
Este texto foi publicado no segundo volume do livro sobre Nietzsche.
Faremos a citação deste texto nesta edição de 1961.
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5
Mente ou ânimo/espírito (em latim) (tradução nossa).
6
Razão (em latim) (tradução nossa).
7
Razão (em alemão) (tradução nossa).
8
Espírito (em alemão) (tradução nossa).
9
Ente em ato (em latim) (tradução nossa).
10
Ato puro, realidade pura (em latim) (tradução nossa).
11
Mundo (em latim) (tradução nossa).
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Ente criado, criatura (em latim) (tradução nossa).
13
Sujeito (em latim: o que está lançado por debaixo) (tradução nossa).
14
Sujeito (em grego: o que subjaz) (tradução nossa).
15
Substância primeira (em grego: aquilo que é vigente e presente em sentido
primordial, o indivíduo, o singular) (tradução nossa).
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Ousía é um substantivo derivado de oûsa, particípio feminino do verbo eînai
(ser). O particípio do verbo ser (no masculino: ôn; no feminino, oûsa; no
neutro, ón) é, para a compreensão da linguagem entre os gregos, a
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A ousía, o ser, é aquilo a partir de onde cada ente surge como tal. É a
proveniência dos entes, génos. É assim que Platão e Aristóteles
caracterizaram o ser em relação ao ente. Porque o ser é a proveniência
graças à qual o ente é, como tal, o ser em relação a cada ente é, para
Platão e Aristóteles, tò koinon – o comum, o em conjunto, kathólou, isto
é, o que toca a totalidade e, sobretudo, cada ente (HER, p. 72).
O que faz alguma coisa ser verdadeira, o que leva uma atividade ou um
processo a ser livre são respectivamente a verdade e a liberdade. O que
faz o justo ser justo é a justiça. Do mesmo modo, o que ser algo que está
sendo é o ser, o que leva um real a realizar-se é a realidade. Aristóteles
forma do particípio presente substantivado, tò ón, o sendo, um
substantivo abstrato, he ousía, para designar o ser e a realidade, onde
provém, em que se funda e fundamenta todo sendo e qualquer real. Por
isso tanto Platão como Aristóteles dizem que o ser é para todos os sendo
tò génos, “a fonte” e “origem”; que a realidade, face e em comparação
com os modos de ser e realizar-se de todo sendo e de qualquer real, é tò
koinón, o único e coincidente, tò kathólou, o todo e a totalidade (Leão,
2010, p. 179).
17
“Eidos” deriva do verbo arcaico e poético “eídomai”: apareço, sou visto.
Significa o aspecto em que algo se faz ver, como também, o brilho, o
esplendor, a beleza que reluz neste fazer-se ver.
18
“Genos” vem do verbo “gígnomai”: nasço, venho a ser. Significava raça,
descendência, proveniência.
19
Cf. Aristóteles, Categorias 5, 2a 11-19.
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Todavia, Aristóteles pôde pensar por sua vez a ousía como a enérgeia
somente como contra-ataque em relação à ousía como idea, de tal
maneira que ele mantém então o eidos como presença subordinada no
patrimônio essencial do ser presente do ente presente em geral. Que
Aristóteles pense nos termos indicados de modo mais grego que Platão
não quer dizer, todavia, que ele chegue, de novo, mais próximo do
pensamento inicial do ser. Entre a enérgeia e a essência inicial do ser
(alétheia – physis) está a idea. Ambos os modos da ousía, a idea e a
enérgeia formam na reciprocidade da sua distinção a estrutura
fundamental de toda metafísica, de toda verdade do ente enquanto tal.
O ser manifesta a sua essência nestes dois modos: o ser é presença
enquanto manter-se do aspecto. O ser é o perdurar daquilo que é a cada vez
em tal aspecto. Esta dupla presença subsiste com base no ser presente e
é, por isso, presença como constância, viger duradouramente, demorar
(N II, p. 373; grifo de Heidegger).
20
“Objectum” é particípio passivo neutro do verbo objicere: jogar em face de,
diante de. Objectum seria, portanto, o que está jogado em face, lançado diante
de [...]. Grosso modo, esta palavra latina corresponde ao termo grego
“antikeímenon”. Com este termo Aristóteles designava os correlatos das
faculdades da alma (De Anima, 402b, 415a).
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“Adeo ut, omnibus satis superque pensitatis, denique statuendum sit hoc
pronunciatum, Ego sum, ego existo, quoties a me profertur, vel mente concipitur,
necessário esse verum” – “Assim, portanto, depois de ter ponderado tudo mais
do que o bastante, pode ser estatuído que isto que é pronunciado: eu sou, eu
existo, é necessariamente verdadeiro, toda a vez que for proferido por mim ou
que for concebido pela mente” (Descartes, 1641/1998, p. 162 – tradução
nossa, grifo do próprio texto editado).
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“Quare jam denuo meditabor quidnam me olim esse crediderim, priusquam in
has cogitationes incidissem; ex quo deinde subducam quidquid allatis rationibus
vel minimum potuit infirmari, ut ita tandem praecise remaneat illud tantum
quod certum est & inconcussum” – “Por isso eu agora vou meditar de novo
sobre o que eu antes acreditava ser, antes de cair nestas cogitações; disso eu,
então, irei subtrair o que quer que possa ser infirmado ainda que
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pode ser imperfeito e confuso, como era antes, ou claro e distinto, como é
agora, à medida que eu preste atenção mais ou menos àquilo de que é
constituída” (Descartes, 1641/1998, p. 174).
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Em grego há a palavra “synthema”, que remete ao verbo “syntíthemi”, que é:
pôr junto, recolher, reunir, combinar, associar, urdir, enredar, tramar,
maquinar, organizar, dispor, fazer um acordo. “Synthema” tinha, pois, o
sentido de uma combinação, tanto no sentido de uma convenção ou acordo,
quanto no sentido de conexão. Heidegger, porém, aqui, remete à palavra
grega “systasis”. “Systasis” vem de “Synístemi”, que significa: a) como verbo
transitivo: pôr junto, compor, combinar, conjugar, condensar, tornar
consistente, constituir, instituir, fundar, estabelecer, decidir, organizar,
recomendar, compor; b) como verbo intransitivo: unir-se, juntar-se, constituir-
se, tomar forma ou corpo e vir a existir; o assumir consistência ou compacidade
(o tornar-se compacto) de uma obra; tratando-se de pessoas, o verbo significa
tornar-se e manter-se unidas. O verbo pode ter também um sentido hostil de
chocar-se num encontrão, de vir a combater-se, de ser envolvido numa
batalha. “Systasis” significa, pois, em sentido transitivo, o pôr em relação, a
apresentação e recomendação de alguém, proteção, comunicação com a
divindade; em sentido intransitivo, reunião, assembleia, união política,
aliança, concurso, confluência; constituição, composição, estrutura;
consistência, densidade, substância, existência.
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Galileu Galilei (1564-1642), René Descartes (1596-1650), Christian
Huygens (1629-1695) e Isaac Newton (1642-1727).
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8. Da objetividade à disponibilidade.
Fim da subjetividade e da subjetidade?
Esta consumação continua acontecendo no mundo
contemporâneo com a transformação da lógica em logística28 e com
o surgimento da cibernética como uma ciência que mantém numa
unidade rigorosamente técnica a diversidade dos conhecimentos.
Num texto intitulado “Das Ende der Philosophie und die Aufgabe
des Denkens” (“O fim da filosofia e a tarefa do pensar”), cuja
tradução francesa, feita por Jean Beaufret, que foi publicada em
1964 numa coletânea de textos reunida pela Unesco, Heidegger
assim indicava o papel da cibernética:
28
Toma-se aqui a palavra “logística” em seu sentido contemporâneo, ou seja,
como “lógica algorítmica”. Segundo o Vocabulário Técnico e Crítico da
Filosofia, de Lalande, a lógica algorítmica é um “sistema de notações e de
regras de cálculo, análogas às da álgebra, que permite quer somente
representar operações da lógica clássica de maneira mais condensada e mais
rigorosa, quer alargá-la e definir operações novas, p. ex. as que concernem às
funções lógicas, à lógica das relações, etc.” (Lalande, 1999, p. 43). Em sentido
diverso, a palavra é bem antiga. Já Platão, com efeito, usava a expressão
“logistikè tekhné” (Górgias 450 d, República, 525 b, etc.) para designar a
“aritmética prática” (Cf. Lalande, 1999, p. 636).
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Deste texto só dispomos de uma versão italiana. Cf. Referências
Bibliográficas.
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Referências
DESCARTES, R. (1641). Meditationes de prima philosophia / Meditazioni
metafisiche. Milano: Rusconi, 1998.