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Inclui bibliografia.
ISBN: 978-65-5939-319-0 (eBook)
CDU: 340
CDD: 340
DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.190
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Capítulo 6
ELEMENTOS PARA
(RE)INTERPRETAR
A EDUCAÇÃO
JURÍDICA A PARTIR
DA DESCOLONIZAÇÃO
E DA LUTA ANTIRRACISTA
DOI: 10.31560/pimentacultural/2022.190.95-109
INTRODUÇÃO
Brasil, meu nego
Deixa eu te contar
A história que a história não conta
O avesso do mesmo lugar
Na luta é que a gente se encontra
(Mangueira, “História Pra Ninar Gente Grande”)
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ferramentas para enfrentarmos as múltiplas formas de colonialismo,
que devem ser confrontadas a partir de uma pedagogia jurídica crítica.
Em termos metodológicos, o trabalho se utilizou de revisão bibliográfi-
ca e análise sociojurídica da temática.
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Mas, não bastasse a própria escravização em si, a figura do
negro foi vilipendiada de diversas outras formas. Um ato emblemá-
tico para o fortalecimento da narrativa da classe dominante, tentan-
do apagar a “mancha negra” do Brasil, foi feito pelo ministro das
Finanças, Rui Barbosa, em 1890; o qual assinou um despacho que
ordenava a incineração de todos os documentos relacionados à
escravidão no país (LACOMBE, 1988). A ordem teve como objetivo
dificultar futuros debates e reflexões sobre as consequências da
escravidão e deslegitimar o seu peso.
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Em observância ao paradigma basilar do Brasil em não re-
conhecer as relações raciais e afunilar todos em “brasileiros”, é im-
portante reconhecer que, em consequência, houve, no debate he-
gemônico, um afastamento da discussão racial. É estampado que
o preceito que nega a raça se torna algo operativo, ou seja, é uma
ferramenta usada convenientemente por classes dominantes para
manter as estruturas de poder estagnadas na desigualdade e, ao
mesmo tempo, desarticular e ameaçar os afro-brasileiros (NASCI-
MENTO, 1978; MOREIRA, 2019a).
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A (IN)EXISTÊNCIA DA DISCUSSÃO DA RAÇA
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um preconceito direto e individual, mas ocorre que há regras e pa-
drões que direta ou indiretamente dificultam a ascensão de negros;
ademais, há inexistência de espaços em que se discuta a desigual-
dade racial, naturalizando, assim, o domínio do grupo formado por
homens brancos (MOREIRA, 2020).
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Alude-se isso partindo do debate decolonial proposto por Aní-
bal Quijano, que perfilha a ideia de colonialidade de poder, ao qual a
matriz racional dominante hierarquizou socialmente as pessoas ba-
seando-se em suas raças. Anote-se, por derradeiro, que nos séculos
subsequentes à colonização nasce o pensamento e a prática capi-
talista, fruto da expansão colonial europeia, que força as pessoas a
assumirem diferentes papéis sociais de acordo com sua raça. Esse
eixo de dominação baseado na exploração e opressão de culturas do
Sul Global, criou um terreno fértil para semear a ideia supremacista
do europeu branco (QUIJANO, 2010).
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Nesse compasso, a descolonização vem como fenômeno para
valorizar a cultura dos povos do Sul Global, ao passo que constante-
mente nutre a sociedade para promover diálogos de resistência entre
os povos (LAPOUJADE, 2005; MIGNOLO, 2008). O projeto de descolo-
nizar o direito também parte de um contexto que precisa ser estrutura-
do juntamente com o ensino jurídico, pois é através de uma liberdade
epistêmica que podemos remodelar essa pedagogia, dando espaço
para pensamentos e histórias insurgentes, que outrora foram silencia-
dos pela colonização (GROSFOGUEL, 2008).
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dizagem. Esse desafio prega que devemos aprender a desaprender,
para, após isso, voltar a aprender de outra maneira (FREIRE, 1981;
WALSH, 2009; BORSANI; QUINTERO, 2014).
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culturais. Assim como Walsh, hooks constrói a produção de uma pe-
dagogia crítica e emancipatória, que engloba lutas sociais, e, em espe-
cial, a luta antirracista. É no fazer teórico e prático da educação que se
criam fissuras para romper com a estrutura europeia e etnocêntrica que
domina a base de conhecimento do ensino. Vê-se, assim, a necessida-
de de uma construção de um ensino plural o qual possa compreender
a dinâmica e as lutas sociais, com vistas à consciência coletiva. Nesta
toada, a educadora aponta que, no sistema educacional, mesmo com
o debate do multiculturalismo, a prática pedagógica tradicional resis-
te e contribui para a manutenção dos princípios coloniais. Portanto,
determinadas situações de produção de conhecimento evidenciam o
empecilho para a aplicação de um ensino que seja conduzido com
vistas que rompem com as raízes da herança colonial (HOOKS, 2013).
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CONCLUSÃO
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sigualmente as pessoas. A colonialidade jurídica mostra como isso se
reproduz dentro do debate do direito e o ato de descolonizar o direito
exsurge justamente para permitir que haja uma coalizão de conheci-
mentos entre subalternizados, criando competências interculturais.
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