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Bases Físico –mecânicas do corte

1. Introdução
No tratamento mecânico dos metais, uma camada de material com espessura constante é retirada
da peça através de uma ferramenta em forma de cunha que se desloca paralelamente à superfície
tratada ou bruta da peça.

A velocidade do movimento relativo entre a ferramenta de corte e a peça, conhecida como


velocidade de corte, varia normalmente entre 1 e 10 ms-1. O material removido da peça bruta
forma o que comumente se designa por ápara.

A mecânica de formação da ápara é muito importante no estudo do processo de usinagem já que


determina a potência de corte, as forças de corte e a temperatura da zona de corte, temperatura
que influencia a vida da ferramenta e a precisão de tratamento.

A ápara constitui uma zona da peça bruta que deve ser removida para melhorar tanto a precisão
dimensional como a precisão geométrica. Áparas de diversas formas podem acumular-se na
ponta da ferramenta e causar danos na superfície trabalhada e ainda ameaçar a segurança de
tratamento.

Figura 1- Superfícies durante o tratamento mecânico


Durante o tratamento mecânico, distenguem-se as superfícies trabalhada e não trabalhada (
Fig. 1). A grandeza t é denominada profundidade de corte, e é a distância entre a superficie
trabalhada e não trabalhada, medida perpendicularmente a superfície trabalhada.

2. Formação da ápara

Embora sejam diferentes os parâmetros de maquinagem nos variadíssimos processos


utilizados na obtenção da forma das peças por corte com arranque de ápara, o mecanismo de
corte permanece nos seus princípios comum a todos eles e torna-se assim, necessário estudá-
lo com detalhe. Em primieira aproximação, a formação da ápara nos processos de
maquinagem, com, ferramenta de corte, processa-se em duas fases.

Numa primeira fase, a aresta de corte da ferramenta penetra na peça e provoca o


encalcamento de uma porção de material contra a face de ataque. A acção de encalque, surge
porque o escorregamento da ápara em formação é travado devido ao atrito com a face de
ataque da ferramenta. Empurrada pelo material ainda não trabalhado a ápara sofre, então,
uma deformação plástica que se traduz num aumento da espessura. A força de maquinagem
aumenta, progressivamente, até que as tensões de corte se tornam suficientemente elevadas,
de modo a iniciar um escorregamento sem perda de coesão, entre a porção de material
encalcado e a peça. Esse escorregamento realiza-se segundo os planos de deslizamento dos
cristais constituintes da ápara que estiverem nas imediações do plano de corte ( ou de
escorregamento), Fig. 2a). O plano de corte corresponde à direção para a qual as tensões de
corte são máximas. Os cristais situados na região de corte ( ou de escorregamento) têm os
seus planos de deslizamento com as mais diversas orientações. Os cristais que estivereram
em fase de deformação plástica e cujo plano de deslizamento coincidir com o plano de corte
vão deformar provocando, em consequência, uma distorção angular nos cristais vizinhos
segundo os seus proprios planos, ainda que de orientação diversa do plano de corte.

Numa segunda fase, continuando a penetração da ferramenta de corte em relação à peça,


pode verificar-se a formação de uma fissura na região do corte. Essa fissura pode ser parcial
ou total, dando origem, respectivamente, a uma ápara contínua ou a uma ápara descontínua.
Na sequência do movimento relativo peça/ferramenta, verifica-se, então, um escorregamento
da ápara sobre a face de ataque da ferramenta, ao mesmo tempo que uma nova porção de
material é encalcado sobre a face de ataque. Essa nova porção de material prossegue o ciclo
de corte ( se for o caso) e escorrega sobre a face de ataque da ferramenta.

Do referido, conclui-se que o mecanismo de formação da ápara é um fenómeno periódico,


mesmo no caso de formação de ápara contínua, não existindo uma diferença básica, mas sim
gradual entre esta e a ápara descontínua. Tem-se em qualquer caso, alternadamente, uma
fase de encalque e uma fase de corte, sendo a força de maquinagem, máxima na primeira e
miníma na segunda.

Além da região de corte (escorregamento) ou “região de deformação primária” (I) é


hoje,geralmente, reconhecida uma “região de deformação secundária” (II) devida ao atrito
entre a ápara e a face de ataque da ferramenta de corte (Fig.2b). Uma “ área de extrema
pressão” situa-se ligeiramente àquem da aresta de corte. De facto existe nesta área uma
elevada pressão específica de contacto que em conjunto com a rugosidade da ápara e da face
de ataque determinam um atrito elevado que tende a opôr-se ao escorregamento da ápara e é
a causa daquela deformação secundária.

Figura 2 – a) Formação de ápara. Plano e região de corte (escorregamento)

b) I – Região de deformação primária

II – Região de deformação secundária

2.1 Tipos e forma da ápara


A ápara pode apresentar-se, fundamentalmente, sob três tipos, Fig. 3.

 Continua regular, característica de materiais dúcteis e do corte a médias e elevadas


velocidades de corte;
 Contínua irregular ( com aderências), característica de materiais dúcteis maquinadas a
baixas velocidades de corte com e sem lubrificação. Esta ápara aderente é a
consquência mais evidente do atrito na face de ataque da ferramenta e da variação das
propriedades mecânicas dos materiais com a temperatura;
 Descontínua (ou de rotura), característica de materiais frágeis ou de condições de
corte em que a zona de deformação primária se estenda para ângulos de corte
reduzidos ou estado de tensão na raiz da ápara ( eventualmente com tensões de
tracção) facilite a propagação de uma fissura ao longo do plano de corte, como é o
caso de aços macios muito sensíveis ao encruamento e do corte de velocidades
reduzidas.

Figura 3 – Tipos fundamentais de ápara

A modificaçäo dos parâmetros de maquinagem numa operação de corte de um dado material


pode determinar a alteração do tipo de ápara produzida. Assim, se se verificarem vibrações da
ferramenta, uma ápara contínua pode passar a apresentar uma variação sensível de espessura se a
vibração é ligeira, ou transformar-se, mesmo, numa ápara de tipo “descontínua não
fragmentada”, se a vibração é elevada.
Figura 4 – Formas da ápara segundo a ISO 3685

2.2 Ápara aderente ou aresta postiça de corte (APC)

No caso de materiais dúcteis, de ápara contínua, e devido ao atrito na área de extrema pressão, a
ápara tem tendência a soldar à face de ataque da ferramenta de corte. Se o atrito é elevado
verifica-se a formação de uma ápara aderente, também vulgarmente designada por aresta postiça
de corte (APC), ou ainda excrescência. Quando a força de atrito por unidade de área é superior à
resistência ao corte do material da peça, uma porção de ápara, junto da face de ataque da
ferramenta não escorrega ao longo do plano de escorregamento mas adere à face de ataque e
solda-se a ela por acção da pressão de contacto e da temperatura. À medida que este processo
prossegue, a ápara aderente vai crescendo até atingir uma dimensão instável com rotura
subsequente em três pedaços, Fig. 6 um sai agarrado à ápara; outro que fica aderente a superfície
maquinada e, um terceiro, que permanece soldado à face de ataque da ferramenta e que constitui
o núcleo de crescimento de uma nova ápara aderente que por sua vez se romperá atingida a
dimensão de instabilidade e, assim, sucessivamente.

A formação, estabilidade e dimensões da ápara aderente têm um papel fundamental na vida da


ferramenta de corte e no acabamento superficial das peças e, por isso, analisar-se-ão os factores
de que dependem. De facto, enquanto por um lado a ápara aderente oferece certa protecção
contra a formação da cratera na face de ataque da ferramenta, pode causar o desgaste prematuro
da superfície de saída ( folga) devido à acção abrasiva dos fragmentos desagregados que se vão
afastando da zona de corte agarrados à superfície maquinada. Estes fragmentos vão aumentar a
rugosidade da superfície da peça e afectar, portanto, o seu acabamento. Devido à elevada
deformação plástica e consequente encruamento do material da ápara aderente, esta substitui-se à
parte activa, desempenhando a parte frontal o papel de uma aresta deslocada que altera as
relações geométricas de corte da ferramenta. A ápara aderente aparece no corte de materiais de
ápara contínua, pois a pressão específica de corte e a temperatura desenvolvida na área de
extrema pressão são, no caso da ápara descontínua, insuficientes para produzir uma soldadura
forte entre a ápara e a face de ataque da ferramenta.

Figura 6 – Rotura da ápara aderente ou aresta postiça de corte (APC) (excrencência)

Por outro lado, a susceptibilidade do material ao tratamento térmico pela temperatura de corte, é
que determina a desagregação da ápara aderente e, portanto, a sua estabilidade e dimensões. É a
temperatura que, se suficientemente elevada, provoca a recristalização do material encruado da
ápara com o consequente amaciamento. No caso dos aços, este amaciamento é o resultado de
uma mudança de fase (α a γ), pois não se esqueça-se que as temperaturas de corte podem atingir
1000° C ou mais.
No que respeita às condições de corte a que a maior influência exerce na formação da ápara e
dimensões da ápara aderente é a velocidade de corte atingida. Supondo fixadas todas as outras
condições de corte, existe uma velocidade crítica abaixo da qual e para valores bastante
inferiores não se verifica a formação de ápara aderente ou, então, esta apresenta-se com
dimensões reduzidas que todavia vão aumentando à medida que se utilizam velocidades mais
próximas daquela velocidade crítica para a qual a dimensão da ápara aderente é máxima. Para
além deste limite, a velocidade de corte produz temperaturas elevadas que levam a um
amaciamento do material da ápara aderente pelo que esta diminiu de dimensões e, para
velocidades suficientemente elevadas, acaba por desaparecer. É por isso que na gama de
velocidades de utilização dos carbonetos sinterizados se obtêm, geralmente, áparas contínuas
sem formação de ápara aparente. É este o tipo de ápara desejável do ponto de vista de
acabamento superficial da peça, potência de maquinagem e vida da ferramenta. Para avanços
crescentes, a velocidade crítica verifica-se com valores decrescentes. O penetramento (
profundidade de corte) tem uma influência semelhante sobre a velocidade crítica embora de
modo muito menos sensível. A frequência de formação da ápara aparente cresce com o aumento
da velocidade de corte e, enquanto nas baixas velocidades a ápara aderente é estável, nas
velocidades elevadas aparece e desaparece periodicadamente.

No que respeita à geometria da ferramenta de corte o ângulo de ataque é o que maior influência
exerce sobre a formação da ápara aderente. Quanto maior, mais elevada será a velocidade
crítica, porque menor é a pressão entre a ápara e a face de ataque, menor é a temperatura aí
desenvolvida e portanto menor a tendência para a soldadura da ápara à face de ataque da
ferramenta. Uma vez que a maior ou menor resistência ao escorregamento da ápara sobre a
superfície de ataque condiciona as dimensões da ápara aderente, deve ainda referir-se outros
factores, nomeadamente, a microgeometria da superfície de ataque e, em particular a orientação
dos sulcos deixados pela mó abrasiva no momento da afiação da ferramenta. Estes devem
apresentar-se tanto quanto possível na direcção de escoamento da ápara e não transversalmente a
essa direcção. A utilização de fluídos de corte deverá considerar-se.

2.3 Balanço energético

O desenvolvimento de calor no corte por arranque de ápara tem as seguintes origens, Fig.7.
 Na região de escorregamento ou zona de deformação primária (I), devido ao atrito interno
que acompanha a deformação plástica do material e subsequente escorregamento;
 No atrito entre a ápara e a face de ataque da ferramenta na área ou zona de deformação
secundária (II);
 No atrito entre a face de saída ( folga) da ferramenta na área adjacente à aresta de corte e
a superfície maquinada (III).

Foi experimentalmente comprovado que cerca de 90% do trabalho mecânico de maquinagem se


transfoma em calor cuja dissipação se vai fazer através da ápara, da peça, da ferramenta e do
meio ambiente ( onde se considera incluído o fluído de corte).

Sendo:

 QI, o calor produzido na região de escorregamento (I);


 QII, o calor produzido pelo atrito ápara/ferramenta (II);
 QIII, o calor produzido pelo atrito peça/ferramenta (III);
 Qa, o calor dissipado pela ápara;
 Qp, o calor dissipado pela peça;
 Qf, o calor dissipado pela ferramenta;
 Qm, o calor dissipado pelo meio ambiente.

Pode escrever-se a seguinte equação de balanço térmico:

𝒬𝐼 + 𝒬𝐼𝐼 + 𝒬𝐼𝐼𝐼 = 𝒬𝑎 + 𝒬𝑝 + 𝒬𝑓 + 𝒬𝑚 (1)

Os valores numéricos destas quantidades, isto é, a proporção das quantidades de calor gerado nas
áreas I, II e III e a proporção das quantidades de calor dissipadas pela ápara, peça, ferramenta e
meio ambiente, dependem do tipo da operação de corte, do material da peça e da ferramenta, do
parâmetros de maquinagem, da geometria da ferramenta e das características do fluído de corte,
quando presente. Assim, por exemplo, enquanto numa operação de torneamento a maior parte do
calor é dissipado através da ápara, na furação isso acontece através da peça. Enquanto no
torneamento de uma liga de Alumínio, 73% do calor pode ser escoado pela peça, percentagem
semelhante poderá ser escoada pela ápara no caso de um aço. Num aço de construção,
maquinado com uma velocidade de até 50 mmin-1 75% do calor é gerado pela deformação
plástica, esta poderá ser responsável por apenas 25% do total, se o mesmo aço é maquinado a
200 mmin-1.

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