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A Gramática da Moral

Já viveu aqueles momentos em que você tem que tomar uma decisão e

você sente que tem um diabozinho falando em uma orelha, e um anjinho na

outra? Qual é a coisa certa a fazer?

Muitas das decisões que tomamos não são resultados de reflexões, mas

ações automáticas. Não há um diabozinho e um anjinho tentando nos

convencer. Pelo contrário, sabemos exatamente qual a coisa certa a fazer.

Resultado de uma habilidade inata que temos, a chamada Gramática da Moral.

A Gramática da Moral, hipótese conceitualizada pelo professor da

Universidade Harvard Marc Hauser foi divulgada em 2006. De acordo com essa

hipótese, temos em nosso cérebro um sistema que gera comportamentos

morais, resultado na nossa evolução humana. Dr. Hauser argumenta que, por

exemplo, há certas regras morais que são universalmente aceitas em todas as

sociedades, como cuidar das crianças e dos fracos, evitar incesto e não matar.

Para Dr. Hauser, isso não é coincidência, mas fruto da Gramática da Moral que

todos nós possuímos.

O nome Gramática da Moral teve sua origem na linguística. Noam

Chomsky, um renomado linguísta americano, argumenta que todas as crianças

nascem com a capacidade de adquirir uma língua, a chamada Gramática

Universal. Essa gramática é composta de elementos universais, isto é, certas

regras gramaticais que são compartilhados por todas as línguas, chamadas de

princípios (por exemplo, toda as línguas são organizadas de uma forma que

mantém uma relação de dependência entre seu elementos); e também de


elementos específicos de cada língua, chamados parâmetros (algumas línguas

podem omitir o sujeito, enquanto outras devem sempre ter o sujeito expresso).

Dr. Hauser segue a mesma idéia da Gramática Universal. Para ele, a

Gramática da Moral é composta de elementos universais (compartilhados por

todas as sociedades, como ‘não matar’), e de elementos específcios de cada

sociedade (por exemplo, em Nova York é legal fazer aborto nas primeiras 24

semanas de gestação, ou a qualquer tempo para preservar a vida da mãe; no

Brasil, só é permitido em caso de risco à vida da mãe ou estupro).

A hipótese de Dr. Hauser, se for comprovada, pode trazer sérias

implicações. Por exemplo, não é a religião que ensina a moralidade; aliás, não

se aprende moral, já se nasce com a habilidade. A moral que vem da religião

poderia ser vista como uma forma que a sociedade encontrou de justificar aquilo

que é inato a sua natureza.

Recentemente Dr. Hauser voltou a fazer alvoroço na mídia. Ele tem sido

acusado de fraudes em suas pesquisas. Uma acusação no mínimo irônica, já

que Dr. Hauser ficou conhecido por tratar da moral como uma habilidade inata. A

Universidade de Harvard declarou que ele está sendo investigado por oito casos

de conduta imprópria nas pesquisas científicas. Uma bombástica notícia vindo

de uma das mais respeitadas universidades do mundo. Dr. Hauser argumenta

que não fez nada inapropriado. Infelizmente, alguns dados coletados de suas

pesquisas não puderam ser encontrados, tornando impossível checar a

veracidade dos resultados. Oficialmente, a omissão de dados não é considerado

conduta inapropriada em pesquisa, mas também não ajuda Dr. Hauser a limpar
seu nome de vez. Pelo menos até agora as coisas não andam bem para Dr.

Hauser. E me pergunto, onde a Gramática da Moral se encaixa em tudo isso?

Denise M. Osborne é araxaense, doutoranda pela Universidade do Arizona


(USA) em aquisição de segunda língua, e professora de português pela
mesma universidade. dmdcame@yahoo.com

Artigo originalmente publicado pelo Jornal Clarim online (Minas Gerais, Brasil):

Osborne, D. (2011, Abril 28). A Gramática da Moral. Retrieved from

http://clarim.net.br/noticia/coluna/2

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