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Energia renovável

em comunidades no Brasil:
conflitos e resistências
Fabrina Furtado
Energia renovável
em comunidades no Brasil:
conflitos e resistências

Fabrina Furtado

2020
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Furtado, Fabrina
Energia renovável em comunidades no Brasil : conflitos e
resistências / Fabrina Furtado. -- 1. ed. -- São Paulo : Fundação
Rosa Luxemburgo, 2021.

Bibliografia
ISBN 978-65-990744-7-9

1. Comunidade - Desenvolvimento 2. Energia - Fontes


alternativas - Brasil 3. Energia elétrica - Brasil 4. Energia solar
5. Meio ambiente - Conservação - Proteção I. Título.

21-56939 CDD-621.47
Índices para catálogo sistemático:
1. Energia renovável : Energia solar : Engenharia
621.47
Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964
Energia renovável
em comunidades no Brasil:
conflitos e resistências

Coordenação geral Elisangela Soldateli Paim


Texto Fabrina Furtado
Edição Patricia Bonilha
Ilustrações e diagramação Dedê Paiva | www.dedepaiva.com.br

Fundação Rosa Luxemburgo


Escritório Brasil – São Paulo
Diretor Torge Löding
Esta publicação foi realizada com apoio da Fundação Rosa Luxemburgo
e fundos do Ministério Federal para a Cooperação Econômica e de
Desenvolvimento da Alemanha (BMZ)
Você tem a liberdade para compartilhar, copiar, distribuir e transmitir esta obra,
desde que citea autoria e não faça uso comercial. Licença Creative Commons
de atribuição, uso não comercial e não a obras derivadas. (BY-NC-ND 2.0 BR)
Sumário
1.Introdução 9

A pesquisa 18

2. Energia no Brasil: expropriação,


desigualdades e conflitos 20

2.1 Expansão da fronteira energética 21


2.2 Desigualdade na produção, na distribuição
e no consumo 33
2.2.1 Micro e minigeração distribuídas 38
2.3 Exclusão energética 47

3. Experiências comunitárias de gestão e


geração de energia renovável 52

3.1 Padaria Solar da Associação de Mulheres


Grupo Bolo das 0liveiras, na Paraíba: “a
sertaneja é um forte” 55
3.2 0 Projeto Alto Uruguai e o Movimento
dos Atingidos por Barragens: construindo um
Projeto Energético Popular 65
3.3 Agroindústria Solar na Comunidade
Surucuá: valorizando a alimentação tradicional
77

4. O que podemos concluir por justiça


ambiental e energética? 89

4.1 0 que é energia renovável 90


4.2 Ausência de políticas para as comunidades
93
4.3 A importância das organizações, dos
movimentos e das articulações: energia não é
um fim, é um meio 96
4.4 0 protagonismo das mulheres 99

Referências 102
1.Introdução

O mundo encontra-se em um estado


de constante crise. Atualmente, vivemos
uma crise sanitária e econômica em
decorrência da pandemia da Covid-19,
uma doença infecciosa amplamente
disseminada pelo coronavírus. Mais de
um 1,3 milhão de vidas já foram perdidas
mundialmente, sendo que apenas no Brasil
já haviam sido registradas mais de 168 mil
mortes até o dia 20 de novembro de 2020.

Outras consequências dessa pandemia


têm sido os preocupantes aumentos do
desemprego, do empobrecimento e da
desassistência. Devido à sobrecarga de
trabalho, por terem menos acesso a um
sistema de saúde de qualidade, pelas
dificuldades em conseguirem empregos
formais e pelas condições precarizadas

9
de suas vidas, as populações negras e as No entanto, a crise que enfrentamos
mulheres são mais vulneráveis ao contágio agora é muito mais antiga. Podemos
da Covid-19. Essa situação evidencia, por até dizer que o coronavírus surgiu como
um lado, o sucateamento dos serviços consequência dessa crise anterior, que é
públicos essenciais, principalmente uma crise do próprio sistema capitalista;
saúde, moradia, educação e assistência mais ainda, é uma crise civilizatória. Isso
social, e, por outro, o caráter desigual e significa que ela tem diversas dimensões:
bastante palpável dessa crise. econômica, social, ambiental, política e
cultural. O próprio modelo de civilização,
No Brasil, o governo liberal-autoritário, o modo como vivemos e como nos
comandado pelo presidente Jair relacionamos, em sociedade e com a
Bolsonaro, não apenas nega a amplitude natureza, estão sendo questionados por
e gravidade dessa pandemia como busca muitos movimentos sociais, organizações,
deslegitimar e proibir políticas e práticas pesquisadoras e pesquisadores.
de isolamento social com a justificativa de
evitar uma crise econômica. Ao mesmo Além da exploração de trabalhadores
tempo, acelera os retrocessos e até a e trabalhadoras, das mulheres, das
eliminação de direitos sociais e ambientais populações negras, indígenas e do
historicamente conquistados e autoriza a campo, de diversos povos tradicionais e
violência contra os povos indígenas e as de suas culturas e seus modos de vida,
comunidades tradicionais. Por lutarem ocorre ainda uma desenfreada exploração
pelos direitos aos seus territórios, estes do meio ambiente, do qual dependemos.
grupos são vistos pelo agronegócio e pelo Esse processo gera inúmeros conflitos
governo como obstáculos ao seu projeto ambientais, ou seja, conflitos relacionados
de desenvolvimento, de progresso e de a como percebemos, acessamos e nos
nação. apropriamos do meio ambiente.

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Atualmente, enfrentamos também as As mudanças verificadas no clima
consequências das mudanças climáticas, evidenciam a importância da urgente
de processos de desertificação, da transformação no modo como
contaminação do ar, das águas, das interagimos com o ambiente, com a
terras e dos alimentos, além do aumento natureza. A principal causa identificada
dos conflitos e das violências praticadas das mudanças climáticas é o modo de
contra as populações e comunidades da produção e consumo capitalista, que
floresta, do campo e da cidade. depende da sobre-exploração dos
combustíveis fósseis, como o petróleo, o
Isso vem ocorrendo porque a terra, as gás e o carvão, e do desmatamento.
águas e a biodiversidade, dentre outros
bens comuns, são sobre-exploradas e as No entanto, as respostas apresentadas
leis ambientais e os direitos das pessoas, pelos governos não nos levam a um
dos povos e das comunidades não são caminho de mudança. A solução
respeitados. Esse contexto tem se dominante apresentada para esse
agravado com o avanço de movimentos e problema se fundamenta no próprio
governos de extrema direita que, através projeto neoliberal que, de maneira
de discursos e políticas, liberam de reducionista, focaliza os esforços em
forma radical a atuação das corporações. diminuir as emissões de Gases de
Eles são mais que antiambientalistas, Efeito Estufa (GEE) apenas com novas
são antipovos; contrários principalmente tecnologias, realizando o que chamamos
àqueles povos que se relacionam de um de “ajustes tecnológicos”, ou através
modo não capitalista com o seu meio, da mercantilização e financeirização da
que priorizam o coletivo, a comunidade. natureza.

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O que são as
mudanças climáticas? nos últimos 150 anos. Parte da radiação
solar é refletida quando chega no nosso
As mudanças climáticas, ou o aquecimento planeta, retornando diretamente para
global, ocorrem porque existe uma o espaço; outra parte é absorvida pelos
pressão na atmosfera à sua capacidade oceanos e pela superfície terrestre; e uma
de reter o calor do sol – que, atualmente, última parte é retida por uma camada de
está além do nível considerado normal gases - gás carbônico (CO²), metano (CH4),
ou suportável. Isso ocorre por causa do N²O (óxido nitroso) e vapor d´água - que
progressivo aumento na concentração de causam o chamado Efeito Estufa.
Gases de Efeito Estufa (GEE) na atmosfera

12
O problema é que essa camada de gases Desse modo, o desmatamento gera um
está ficando cada vez mais grossa pelo aumento na temperatura, tornando as
excesso de liberação dos GEE, retendo secas e inundações mais frequentes e
mais calor na Terra, o que causa um mais graves, e afetando especialmente as
aumento das temperaturas. As emissões populações indígenas e tradicionais, que
excessivas dos gases são decorrentes de vivem de modo mais harmônico com a
atividades humanas, em especial a queima natureza.
de combustíveis fósseis, como petróleo,
carvão e gás, que poluem o ar. A mudança climática causa problemas
na nossa saúde, como doenças
No Brasil, o desmatamento é o maior cardiovasculares e pulmonares, além
responsável pelas emissões de GEE. Esta de facilitar a contaminação de doenças
atividade está diretamente relacionada infecciosas devido ao aumento das
com o modelo de ocupação e uso do temperaturas e às alterações ambientais
solo e a produção do agronegócio, que gera; também impacta negativamente
que desmata extensas áreas e queima a produção de alimentos; e afeta de forma
a vegetação, inicialmente de floresta desigual a vida das mulheres. Na maioria
primária e, posteriormente, também de das famílias e comunidades, as mulheres
pastagem, para o preparo da terra ao são as mais responsabilizadas por garantir
plantio. Esta prática degrada o solo e a alimentação, administrar as casas e cuidar
causa diversos prejuízos ambientais. da saúde de filhas, filhos, idosas e idosos.

13
desenvolvimento baseado na queima de
combustíveis fósseis e no agronegócio,
uma das principais “soluções” proposta
é a chamada mercantilização e/ou
financeirização da natureza.

Como em outros campos da vida - das


finanças domésticas à educação - no
capitalismo financeirizado, vivenciamos
O que é a
também um processo de crescente
financeirização da natureza?
influência de atores, instituições,
mercados e pensamentos financeiros
Apesar da maior causa das mudanças sobre a percepção e abordagem da
climáticas e de outros graves problemas sociedade no que diz respeito à natureza.
socioambientais ser o modelo de A partir de justificativas disfarçadas
de “ambientais”, governos, bancos e
empresas constroem políticas baseadas
na lógica do mercado, atribuindo preço
à natureza e criando ativos financeiros,

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como títulos, ações, obrigações e os povos envolvidos nesses projetos
depósitos bancários, além de produtos e podem, crescentemente, deixar de
serviços ambientais para serem vendidos acessar seus próprios territórios e perder
e comprados. o vínculo com a natureza que mantinham,
e que garantia a sua sobrevivência e
Alguns exemplos desses instrumentos reprodução material e cultural.
são o mercado de carbono, o Pagamento
por Serviços Ambientais (PSA) e os Desse modo, eles têm que recorrer
projetos de Redução das Emissões por cada vez mais ao mercado capitalista,
Desmatamento e Degradação (REDD+) consumindo o que anteriormente não
ou de compensação da biodiversidade. precisavam comprar e fornecendo mão-
A lógica é: “posso destruir aqui, de-obra barata, como anteriormente
compensando ali, plantando árvores ou não necessitavam fazer. Os verdadeiros
colocando recursos em projetos ditos responsáveis pelos problemas ambientais
‘sustentáveis’, como grandes hidrelétricas, mantêm-se ocultos, e a responsabilidade
ou inserindo comunidades em projetos é repassada para os povos das florestas;
onde as mesmas deixam de poder acessar assim, diversos conflitos são gerados e o
seus meios de sobrevivência para manter debate ambiental é despolitizado.
a floresta em pé’”.
Nossa forma de ver a natureza também
O problema não está apenas na criação muda: as empresas capitalistas não só
de uma mercadoria a ser comprada e degradam ou protegem a natureza,
vendida, mas na imposição de limites mas também criam uma outra natureza.
sobre o acesso ao “produto” ou “serviço” Ou seja, criam a noção de uma
criado. Ou seja, as comunidades e natureza externa à sociedade, que é
“fora de controle” e, por isso, exige o

15
conhecimento de especialistas Paralelamente, esse projeto
para dominá-la. Tem-se ainda neoliberal também foca
a construção da noção de uma em propostas no campo
natureza biodiversa, que precisa da energia renovável e
ser protegida e controlada para de energias que utilizam
garantir a sua conservação e bom “recursos que não se
uso, mas não pelos povos que dela e esgotam”, que atendem
nela habitam e que não a percebem aos interesses de grandes
como externa, mas através, por empresas do setor.
exemplo, da lógica dos serviços
ambientais. Este processo também Nesse sentido, temos, por
gera novas territorializações/ um lado, uma expansão
desterritorializações e a criação da fronteira energética
de novas configurações territoriais convencional (dependente
para permitir a intervenção, a de petróleo, gás e outros
apropriação e o uso dos territórios1. combustíveis fósseis),
que se fundamenta em
novas e velhas tecnologias
perigosas e formas de
produção energética que
1 Para mais informações sobre esses projetos
permitem que empresas
e políticas ver: Faustino, Cristiane; Furtado, e Estados consigam
Fabrina. Economia Verde, Povos das Florestas
e Territórios: violações de direitos no estado
explorar amplamente a
do Acre. 2015. Disponível em: https://issuu. natureza e avançar sobre
com/guilhermeresende/docs/economia_verde_
relatorio.
territórios para aumentar
essa produção. Por

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outro lado, a própria produção de energia é responsável pela sua gestão? Quem
renovável também tem ocasionado decide e quem controla o processo? A
problemas socioambientais. Esse é o caso partir de qual visão de mundo, a geração,
das hidrelétricas e dos parques eólicos, a distribuição e o consumo de energia são
por exemplo, que, além de deslocarem pensados e concebidos?
populações dos seus territórios e
privatizarem terras e águas, degradam e Propomos essas perguntas para uma
poluem o meio ambiente. reflexão sobre a transição energética,
sobre como podemos mudar a estrutura
Diante disso, é preciso questionar o atual de produção, distribuição e consumo
próprio conceito de energia e, mais de energia, de forma crítica. Para isso,
especificamente, o de energia renovável. precisamos considerar: as relações de
Precisamos analisar não só o tipo e a poder, trabalhistas, de gênero, raça,
quantidade de energia produzida, mas etnia e geracional; o uso que se faz da
também o modo como esta produção é energia; os impactos que ela gera sobre
feita, as necessidades e possibilidades os territórios e as populações; e a sua
territoriais e os distintos efeitos sobre os relação com outras políticas públicas,
territórios e os seus povos. Assim, mais como as ambientais, sociais e de direitos
que conceitualizar a energia como um humanos. Precisamos disputar os
produto físico, um mero recurso natural a discursos e as políticas em torno do que
ser explorado, o importante é considerar é energia, e em torno do que é renovável.
as relações sociais e os seus efeitos. Ou
seja: por que produzimos energia? Para
quem produzimos energia? Em função de
que necessidades? De que forma? Quem

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São práticas, olhares e valores contra-
hegemônicos que podem disputar a
A pesquisa orientação do sistema energético e o
atual modelo econômico de acumulação

S e produção no seu conjunto. Ao mesmo


abemos que diversas iniciativas tempo, com esses processos, buscamos
anticapitalistas e comunitárias ocorrem, difundir as experiências de autonomia,
historicamente, nos territórios. Por democracia e auto-organização
isso, a Fundação Rosa Luxemburgo comunitária.
realizou, entre os anos de 2018 e 2019,
uma pesquisa para identificar e difundir Em uma primeira análise, encontramos
experiências coletivas de produção de mais de 700 desses projetos nesses oito
energia renovável no Brasil e em outros países da América Latina, e mais de 50
oito países da América Latina – Argentina, somente no Brasil. Posteriormente, visi-
Costa Rica, Equador, Colômbia, Chile, tamos algumas dessas iniciativas para
Guatemala, México e Uruguai.2 entender melhor os sujeitos envolvidos,
como as comunidades pensam e utilizam
Analisamos essas iniciativas consi- a energia, os impactos dos projetos e as
derando o âmbito local - ou seja, as formas de organização e resistência. A es-
comunidades - como espaço privilegiado colha de três casos no Brasil teve como
para discutir as relações de poder e critérios a diversidade regional, os atores
políticas voltadas para o fortalecimento envolvidos, o tipo de energia produzida
de territórios e espaços comunitários. e o fato de serem liderados por mulheres
(em dois casos). Os projetos escolhidos
2 https://rosalux.org.br/livro/energia-en-america-latina-
foram os seguintes:
del-negocio-a-lo-comun/

18
Padaria Solar, na
Comunidade Rural
da Várzea Comprida dos
Oliveiras, em parceria
com o Comitê de Energia
Energia solar em
Renovável do Semiárido
agroindústria de
(Cersa), no município
beneficiamento de polpas
Pombal, Paraíba
oriundas dos Quintais
Agroecológicos da
Comunidade Surucuá, no Projeto Alto Uruguai: cidadania, energia
município de Santarém, e meio ambiente, de instalação de
Pará, gerido pela Associação biodigestores, elaborado pelo Movimento
Comunitária de Moradores dos Atingidos por Barragens (MAB) para ser
Produtores Agroextrativistas implementado em 29 municípios dos estados
da Surucuá (Amprosurt) de Santa Catarina e Rio Grande do Sul

O debate proposto por esta publicação o campo das energias renováveis; e a


é fundamentado nas experiências situação de desigualdade na produção, na
de produção comunitária de energia distribuição e no consumo de energia. Em
realizada nos territórios mencionados, seguida, apresentaremos cada um desses
mas antes vamos analisar alguns projetos, seus desafios e suas fortalezas,
aspectos do contexto energético no e concluiremos com alguns apontamentos
Brasil: o avanço do modelo extrativista para reflexão.
e a expansão da fronteira energética;

19
2. Energia
no Brasil:
expropriação,
desigualdades
e conflitos
A lógica fundamentada na extração e
exportação é uma constante na história do
2.1 Expansão capitalismo. Trata-se de uma modalidade

da fronteira de acumulação em que os países do Sul


global são especializados na extração e
energética produção de matérias-primas destinadas
à exportação para suprirem as demandas
do desenvolvimento industrial e do bem-
estar dos países do Norte Global.

A maior parte dos grandes projetos de

N investimento atuais , do agronegócio


os anos 2000 a América Latina à mineração, passando pelas grandes
se consolidou como uma fronteira hidrelétricas, foi idealizada no período
importante para a intensificação do da ditadura militar3. No entanto, a
extrativismo e da expropriação dos dependência na indústria extrativa se
territórios das comunidades e dos povos ampliou efetivamente no período do
tradicionais com o propósito de garantir neoliberalismo.
a expansão das atividades realizadas por
empresas transnacionais e nacionais. 3 Para mais informações sobre os projetos na
No Brasil, destaca-se, principalmente, ditadura, ver: CAMPOS, Pedro. Estranhas catedrais: as
empreiteiras brasileiras e a ditadura civil-militar, 1964-
a expansão territorial das frentes 1988. EDUFF, 2014; ACSELRAD, Henri. Planejamento
de mineração, do agronegócio, do autoritário e desordem socioambiental na Amazônia:
crônica do deslocamento de populações em Tucuruí.
monocultivo de árvores e da exploração Revista de Administração Pública, v. 25, n. 4, p. 53-68,
de petróleo e gás. 1991; ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Carajás: A
Guerra dos Mapas. Falangola Editora, 1993.

21
A partir do início dos anos
1990, as virtudes e vantagens
do livre mercado e da inserção
internacional do capitalismo
brasileiro e de outros países
da América Latina foram
amplamente promovidas pelos Neoliberalismo:
governos no poder - no caso do ideologia, política
Brasil, por Fernando Henrique econômica ou
Cardoso (FHC) -, seguindo racionalidade
“orientações” e condicionalidades
aos empréstimos de instituições O neoliberalismo foi um
como o Banco Mundial e o Fundo movimento de ruptura
Monetário Internacional (FMI). econômica, política e
Inspirados pelas promessas cultural elaborado pelos
neoliberais, diversos Estados governos dos Estados
se empenharam para atrair Unidos e da Inglaterra
investimentos internacionais a no final dos anos 1970 e
partir de políticas relacionadas início dos anos 1980 com
à flexibilização da legislação a justificativa de superar a
ambiental ou ao descaso em crise econômica capitalista
sua aplicação; ao desmonte nos seus próprios países,
dos órgãos ambientais; e à o que exigia o controle da
criminalização das lutas sociais. classe trabalhadora.

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Esse processo foi imposto aos países da conjunto de políticas. Trata-se de um
América Latina nos anos 1980 através sistema de normas que orienta a atuação
de condicionalidades por meio dos efetiva dos governos, das empresas e de
empréstimos, e rompeu com antigos milhões de pessoas, sem que sejamos
poderes, institucionalidades, relações necessariamente cientes disso. Desse
sociais e trabalhistas que existiam nestes modo, ele se configura como uma
países. Ou seja, ao emprestar dinheiro racionalidade.
para países da América Latina, para que
eles pudessem garantir o pagamento Mas cabe ressaltar que o neoliberalismo
das suas dívidas externas, os países do não é um sistema que tem apenas
Norte impunham a implementação de um caráter destrutivo. Ao causar a
algumas políticas como condicionantes, flexibilização ou até a eliminação de
tais como: privatizações, redução dos leis e direitos ambientais e humanos,
gastos públicos; retirada do Estado de por exemplo, ele evidencia também um
políticas de bem-estar social; liberalização caráter produtivo, já que transforma nossa
comercial e financeira; reforma tributária; própria subjetividade, nossas formas de
direito à propriedade intelectual; e viver e de ver o mundo.
flexibilização das leis trabalhistas.
A característica principal do neoliberalismo
Desse modo, o papel do Estado reduziu- é a generalização do individualismo e da
se a criar e preservar uma estrutura competição como norma de conduta, em
institucional apropriada a essas políticas que a lógica da empresa e as regras do
impostas para assegurar o funcionamento mercado tornam-se a principal referência
apropriado dos mercados. No entanto, não só para governos como também para
o neoliberalismo foi mais do que um as pessoas (Dardot; Lavall, 2016).

23
Essa fase foi chamada de atividades. Nesse sentido, os governos
“neoextrativismo” porque os governos progressistas tentavam justificar e
progressistas que assumiram o poder legitimar o neoextrativismo, afirmando
na América Latina nesse período a sua indispensabilidade para financiar
implementaram algumas mudanças políticas sociais, combater a pobreza e
no modelo tradicional de acumulação promover o desenvolvimento.
extrativa, lançando mão de uma
maior intervenção do Estado. O A conclusão desse debate em diversos
neoextrativismo, portanto, implica na meios, tanto acadêmico como entre as
ampliação da participação de produtos organizações e os movimentos sociais,
primários (como soja, minério e petróleo) no entanto, tem sido que, apesar de
no comércio exterior e na sua priorização algumas mudanças, a modalidade de
como instrumento de crescimento acumulação e a lógica de extração-
econômico e desenvolvimento; sendo exportação, motivada por demandas
que o Estado tem um papel ativo para a externas, de saque e apropriação
promoção dessas atividades, garantindo colonial e neocolonial e de dependência
a infraestrutura e as leis necessárias econômica e política permanecem
(Acosta, 2016; Milanez; Dos Santos, 2014). intactas, mantendo e reproduzindo
elementos-chave do extrativismo
Além da criação de um “ambiente colonial.
de negócios”, com a flexibilização de
leis e direitos, e de assegurar uma Além disso, o neoextrativismo é um
forte presença do setor empresarial setor cuja expansão depende de uma
na esfera política, o Estado também constante pressão pelo uso intensivo
garantiria uma maior captação do e extensivo da terra. O uso extensivo
excedente de recursos gerado por essas leva à compra, apropriação, grilagem ou

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privatização de outras terras; causando empresas mineradoras ou empreiteiras,
a expulsão do campesinato, das por exemplo, e os sujeitos mais
comunidades quilombolas e indígenas impactados – quilombolas, campesinos,
dos seus territórios; ou o uso dessas indígenas, dentre outros –, pelo acesso,
populações como mão de obra barata e uso e apropriação dos territórios.
sobre-explorada. Resulta, portanto, na
concentração de terra. Em termos energéticos, o modelo
primário-exportador representou a
O uso intensivo causa o aumento da intensificação da exploração de
utilização de agrotóxicos, contaminando petróleo, gás e carvão e a instalação
alimentos, terras e águas, e podendo de grandes hidrelétricas. No Brasil, 10o
levar trabalhadores e trabalhadoras à maior produtor de petróleo no mundo,
morte. Além disso, promove uma sobre- a extração de petróleo vem crescendo
exploração do trabalho através do nos últimos anos, e representou 48%
desrespeito à segurança e aos direitos da produção da América Latina em
trabalhistas, gerando mortes, doenças, 2017 (IEA, 2019). Entre 2000 e 2019,
acidentes, baixos salários, terceirização, a produção de petróleo no Brasil
precarização e uso de trabalho aumentou 125% (IBP, 2020).
análogo à escravidão. O uso intensivo
da terra exige ainda o aumento do Até o final de 2019, 380 campos de
desmatamento e de crimes ambientais e petróleo estavam em produção no
a criminalização de povos e comunidades Brasil, sendo que 82,4% deles estavam
tradicionais (Almeida, 2010; Delgado, nos estados da Bahia, Rio Grande do
2012). Todo este processo resulta no Norte, Espírito Santo e Rio de Janeiro;
aprofundamento de conflitos ambientais 96% desse total foi produzido no Rio
entre os donos do capital, ruralistas, de Janeiro, em São Paulo e no Espírito

25
Santo (MME, 2020). Esses dados explicam No caso da energia elétrica,
o aumento do interesse das corporações nos últimos anos, as empresas
estrangeiras nas reservas brasileiras. A lista estrangeiras, em especial as
inclui multinacionais como British Petroleum chinesas, têm sido as principais
(BP), Chevron, ExxonMobil, Shell, Total e compradoras de ativos de geração,
Petronas, além da Petrobras. transmissão, distribuição e
comercialização de energia elétrica.

O avanço da fronteira
A Petrobras é uma empresa estatal de extrativista nesse campo
economia mista, que tem como acionista e, portanto, dos conflitos e
majoritário o governo brasileiro, mas desastres socioambientais levou
também conta com a participação de pesquisadores a chamar esse
capital privado nacional e internacional. processo de “energia extrema”
(Oilwatch, 2017), como será
explicado a seguir.

Hidrocarbonetos são compostos or- Para sustentar a produção


gânicos geralmente obtidos a partir do energética que o atual modelo
petróleo e, por isso, estão presentes na de desenvolvimento capitalista
gasolina, no querosene, no óleo diesel, e neoliberal exige, e a sua
no GLP (Gás Liquefeito de Petróleo), no dependência nos hidrocarbonetos,
gás natural. Eles correspondem a 48% da cada vez mais são utilizadas novas
matriz energética brasileira. tecnologias e complexas formas
de extração, que causam severos
danos ambientais e sociais.

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Alguns exemplos são: a extração de ressaltar que essas novas formas de
petróleo bruto pesado e extrapesado extração utilizam as mesmas práticas
(mais difícil de extrair que o petróleo do modelo convencional de expansão
leve, encontrado no mar e em solo da fronteira energética como, por
no Brasil) em rochas sedimentares; as exemplo, a invasão e apropriação
areias betuminosas (depósitos de areia privada de águas e terras campesinas,
que contém hidrocarbonetos, em que de indígenas, afrodescendentes,
a exploração devasta a vegetação e pescadores/as artesanais e de
contamina águas e solos com metais pequenas/os produtoras/es.
pesados); o fraturamento hidráulico
(chamado de fracking, em inglês), que Ou seja, trata-se de um modelo energético
possibilita a extração de combustíveis que destrói ou torna impossível os modos
líquidos e gasosos do subsolo através da de vida tradicionais e comunitários, que
injeção de uma grande quantidade de aprofunda as desigualdades e expulsa
água e solventes químicos comprimidos, as comunidades de seus territórios
causando a contaminação de aquíferos ancestrais, além de gerar a degradação
e do solo, um elevado consumo de ambiental e a destruição de ecossistemas,
água e poluição sonora e do ar, além de e de ser uma das principais causas da
efeitos nocivos à saúde; e a recuperação mudança climática. No entanto, o governo
melhorada de hidrocarbonetos, me- brasileiro, como muitos da América Latina,
diante a aplicação de procedimentos segue apostando nesse modelo.
biotecnológicos em campos já esgotados
e em jazidas no mar, cada vez mais longes Ao mesmo tempo, a partir do debate
da costa, em águas profundas. sobre energia que vem sendo realizado
nos últimos anos no contexto da
Em relação aos impactos sociais, cabe Convenção-Quadro da Organização das

27
Nações Unidas (ONU) sobre Mudanças Representando 2% do consumo de
Climáticas (espaço criado para elaborar energia no Brasil, a mineradora Vale
acordos internacionais sobre a mudança também atua na área energética,
climática) e motivadas, principalmente, produzindo agrocombustíveis e tendo
pelos ganhos políticos e de mercado suas próprias usinas hidrelétricas (como
que poderiam obter, diversas empresas é o caso no Canadá e na Indonésia). Ela,
de petróleo e de energia passaram a inclusive, declarou que planeja atingir
criar setores, departamentos ou filiais 100% de autoprodução a partir de
de energia renovável dentro de suas fontes caracterizadas como limpas no
estruturas; outras prometem utilizar Brasil até 2025, e globalmente até 2030.
apenas energia renovável nas suas cadeias (Vale, 2020).
de produção.

A Petrobras, por exemplo, não é mais Agrocombustível é um combustível


uma empresa de petróleo, mas sim de origem biológica não fóssil,
de energia, cujo propósito é “prover a produzido a partir de cana-de-açúcar,
energia que move pessoas e empresas mamona, soja, canola, babaçu,
a realizarem o seu potencial”. Nessa mandioca, milho, dentre outros.
perspectiva energética, a empresa
atua, principalmente, na geração de
agrocombustíveis. No final de 2018, Outro caso é o da CPFL Energia, que
a Petrobras se uniu com a petroleira criou, em 2011, uma empresa de energia
francesa Total para desenvolver projetos renovável, a CPFL Renováveis, com
solares e eólicos no Brasil. A proposta é projetos que utilizam quatro fontes:
chegar a produzir até 500 Mw em cinco eólica, Pequenas Centrais Hidrelétricas
anos (Folha de S. Paulo, 2018). (PCH), termelétricas movidas a cana-

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de-açúcar e solar. A companhia se O Brasil lidera o mercado de CER
define como líder do setor no Brasil na América Latina (LOPES, 2018).
com 94 ativos, somando mais de 2,1GW Vale ressaltar que também é possível
(gigawats) de capacidade instalada encontrar fundos de investimento
(que significa o limite máximo da sua aplicando em energia renovável no
produção), distribuídos por 58 municípios Brasil. É o caso, por exemplo, do
e oito estados do Brasil. Brookkfield Asset Managemet –
“líder global em gerenciamento de
Nos últimos anos surgiram até projetos ativos alternativos”, que investe em
de compensação neste setor, como o hidrelétricas, eólicas, solar, geração
Certificado de Energia Renovável (CER), distribuída e armazenamento (Junior,
um mecanismo de mercado em que as 2019).
empresas recebem energia produzida
de maneira convencional e compram É, portanto, evidente que as
certificados de energia renovável em um corporações, com apoio e legitimação
volume equivalente ao de seu consumo do Estado, compreenderam e estão
de energia usual. Ou seja, além dessas tirando proveito da lógica das energias
energias envolverem hidroelétricas e renováveis e das possibilidades de
parques eólicos, que causam os impactos mercado. O Brasil tem uma das melhores
negativos já mencionados, com esse matrizes energéticas em termos de
instrumento, as empresas não precisam energia renovável do mundo. Tem,
mudar sua forma de produção ou de inclusive, o potencial de gerar em torno
consumo de energia: elas compram o de 2 a 3 vezes a demanda residencial
direito de seguir poluindo e impactando por consumo energético apenas através
com a energia que produzem ou da produção de energia solar. Trata-se
consomem. de um campo de atuação que cresce

29
tanto em termos de políticas públicas capital/riquezas e para a legitimação
como de atores, em especial com a frente ao debate sobre mudança
participação de atores privados. climática, através da implementação de
hidrelétricas, parques eólicos e, mais
A segunda maior usina fotovoltaica do recentemente, da energia solar.
Brasil e da América Latina, o Parque
Solar Nova Olinda, está localizado no
Energia fotovoltaica é a energia
município de Ribeira do Piauí (PI) e é de
elétrica produzida a partir de luz
propriedade da Enel Green Power Brasil.
solar. Quanto maior for a radiação
As licenças ambientais de operação da
solar maior será a quantidade de
usina e da linha de transmissão foram
eletricidade produzida.
liberadas em apenas três meses, um
tempo recorde, pela Secretaria Estadual
de Meio Ambiente. O parque ocupa uma
área de 690 hectares, com capacidade Os impactos negativos da construção
instalada de 290 MW (megawatt), gerando de hidrelétricas mostram que a energia
600 GW/h (gigawatt por hora) por ano, produzida através delas não pode ser
o que seria suficiente para atender as considerada renovável. Ou seja, a definição
necessidades de consumo de 300 mil de renovável não pode ficar restrita apenas
casas por ano (Brandão, 2018). ao tipo da fonte, e deve considerar os
modos como a energia é extraída, gerada
Assim, percebe-se que o campo da e transmitida, dentre outros fatores. A
produção de energia renovável vem privatização da água, o deslocamento
sendo crescentemente apropriado forçado de populações, o alagamento de
pelos agentes de mercado como um florestas, os efeitos climáticos negativos,
instrumento para a acumulação de os danos à biodiversidade e os severos

30
impactos sociais urbanos estão entre sedimentos, das águas, das paisagens
os principais problemas causados pelas e dos ecossistemas e a privatização
hidrelétricas no Brasil. de áreas comuns, majoritariamente
ocupadas por comunidades tradicionais
No caso dos agrocombustíveis, de pesca.
além da perda de terra, do uso
intensivo de agrotóxicos e de outros As comunidades denunciam ainda a falta
problemas ambientais, os projetos são de informação sobre os empreendimen-
caracterizados pela precarização do tos e os seus impactos; ausência de
trabalho, inclusive com a utilização consulta efetiva, com direito ao veto;
de trabalho análogo à escravidão poluição sonora, que vem causando
contemporânea, e uma permanente problemas de audição, pressão alta,
violação da soberania alimentar das dor de cabeça, estresse e falta de
comunidades afetadas e da sociedade sono; e exploração sexual de crianças e
em geral. adolescentes no período de construção
dos parques. Assim, a privatização dos
Diversos parques eólicos estão sendo territórios e os conflitos provocados
instalados em Áreas de Preservação pela construção dos parques eólicos
Permanente (APP), como campos de evidenciam que os “recursos renováveis”
dunas, lagos, manguezais e faixas de são, na realidade, recursos não renováveis,
praia (Gorayeb; Brannstrom; Meirelles, e também refletem a necessidade não
2019). Imensos parques, instalados em só de questionar a fonte ou a tecnologia
grande parte do litoral nordestino, vêm utilizada na produção de energia, mas,
gerando impactos ambientais bastante principalmente, os processos sociais de
negativos, como a degradação dos produção, apropriação e utilização da
campos de dunas, dos reservatórios de energia.

31
seguido do gás natural (23%)
e dos agrocombustíveis e da
biomassa (21%). Os principais
produtores de energia gerada
na região, em 2017, foram Brasil
(37%), Venezuela, Colômbia,
Argentina, Trinidade e Tobago
e Equador, totalizando 88,8%
(IEA, 2019).

Em termos de consumo,
em 2017, com apenas 4,3%
da população mundial, os

2.2 Desigualdade na Estados Unidos consumiram

produção, na distribuição
e no consumo
Biomassa é toda
matéria orgânica de

G lobalmente, 81,3% da energia mundial


origem vegetal
animal usada com a
ou

é produzida por fontes fósseis (carvão, gás e finalidade de produzir


petróleo), sendo que os maiores produtores são energia, como carvão,
Estados Unidos, Canadá e Coreia do Sul. Na lenha, bagaço de cana-
América Latina, o petróleo continua aportando de-açúcar, entre outros.
a maior proporção de energia produzida (40%),

32
16% de toda a energia produzida no As energias “renováveis” não
mundo. Apesar de contar com 18% da convencionais – ou seja, aquelas que
população mundial, a China consumiu não incluem as usinas hidrelétricas de
22% da energia; a Índia, com a 2ª maior grande porte, como a solar, eólica,
população do mundo, consumiu 6%. biomassa e as Pequenas Centrais
Em seguida, vêm Rússia, com 5,2%, e Hidrelétricas (PCH), representam 0,7%
Japão, com 3,1%. A América Latina e o da matriz energética brasileira. Em
Caribe, a África e o Oriente Médio são 2019 houve um aumento de 2,8% em
as regiões com os menores níveis de relação ao ano anterior em decorrência
consumo total de energia no mundo. da ampliação do uso dos derivados da
cana, das energias eólica e solar e do
No caso do Brasil, seus governos se biodiesel. Ver a seguir a Figura 1, com
orgulham do fato de 46,1% da sua matriz a oferta interna de energia no Brasil por
energética ser de fontes renováveis e fonte (MME, 2020).
de consumir mais energia renovável que
o resto do mundo. Vale ressaltar, no Apesar do Brasil responder por apenas
entanto, que o consumo de energia no 1,3% das emissões de gás carbônico
Brasil ainda é predominantemente não (CO2) no mundo, em 2019 houve um
renovável. Além disso, grande parte aumento nas emissões de CO2 devido à
dessa energia chamada de renovável é produção de energia elétrica, em especial
produzida através da queima de lenha das termoelétricas.
e carvão vegetal (8,7%); de hidrelétricas
(12,4%); de derivados de cana (18%); e
“outros”, como solar, eólica e biomassa.

33
Figura 1: Oferta Interna de Energia no Brasil | 2019 (%)

Fonte: MME, 2020

Figura 2: Emissões de CO2 por Fonte e por Setor (%)

Fonte: MME, 2020

34
Figura 3: Oferta Interna de Energia Elétrica | 2019 (%)

Fonte: MME, 2020

Tabela 1: Geração Eólica, por estado brasileiro (GWh)

ano CE RN BA RS SC PI PB RJ PE SE PR MA total

2018 5.828 14.143 11.822 5.765 191 5.724 569 52 3.265 80 19 1.017 48.475

2019 6.279 14.430 17.412 5.465 368 6.489 554 61 3.224 68 23 1.615 55.986

%n/n-1 7,7 2,0 47,3 -5,2 92,5 13,4 -2,7 17,0 -1,3 -15,2 19,5 58,8 15,5

%n 11,2 25,8 31,1 9,8 0,7 11,6 1,0 0,1 5,8 0,1 0,04 2,9 100,0

Fonte: MME, 2020

35
Em termos de energia elétrica, as de energia elétrica. Já a minigeração
“renováveis” representam 83% da matriz distribuída tem potência instalada superior
brasileira. Grande parte é produzida a a 75 kW e menor ou igual a 3 MW para
partir da construção de hidrelétricas; fontes hídricas ou menor ou igual a 5
em 2019, essa energia hidráulica MW para as demais fontes renováveis de
representou 61,1% do total da energia energia elétrica.
“renovável” produzida no Brasil. No
mesmo ano, a energia eólica teve um Em termos de micro e minigeração
aumento de 15,5%, em decorrência da distribuídas de energia elétrica, em
implementação dos grandes parques 2019 o Brasil ultrapassou a marca de 1
eólicos; o gás natural aumentou 10,7%; GW (gigawatt) de potência instalada.
e a energia solar cresceu 92,2%, embora Esse montante é uma consequência
continue com baixa representatividade da Resolução Normativa 482/2012 da
na produção como um todo. Em termos Agência Nacional de Energia Elétrica
de energia eólica, só o estado da Bahia (Aneel), atualizada em 25 de maio de
contribuiu com 74% e o Piauí com 10%. 2017, que permite a geração de energia
elétrica a partir de fontes renováveis e o
fornecimento do excedente para a rede
de distribuição.

2.2.1 Micro e A fonte mais utilizada nesse caso é a


minigeração distribuídas energia solar fotovoltaica, com 82,6 mil
micro e miniusinas, e cerca de 870 MW
Microgeração distribuída é aquela com (megawatts) de potência instalada. Em
potência instalada menor ou igual a 75 kW segundo lugar, em termos de potência
(kilowatt) e que utiliza fontes renováveis instalada, está a produção por Pequenas

36
Centrais Hidrelétricas (PCH), 1. geração compartilhada: reunião de
com 86 usinas, e 81,3 MW consumidores, dentro da mesma área de
de potência. Os estados de concessão ou permissão, por meio de
Minas Gerais e Rio Grande um consórcio ou cooperativa, composta
do Sul se destacam nesta por pessoa física ou jurídica, que possua
produção em decorrência unidade consumidora em local diferente
não apenas da irradiação das unidades consumidoras nas quais a
solar, mas também da energia excedente será compensada (por
legislação, de incentivos e exemplo, uma comunidade gera energia a
isenções fiscais fornecidas mais do que consome, e divide o restante
pelo governo dos estados. com outra comunidade);
De acordo com a Aneel
(2019), esse processo revela
a importância de políticas
públicas para incentivar 2. autoconsumo remoto: unidades
a produção de energia consumidoras de titularidade de uma
renovável de pequeno porte. mesma Pessoa Jurídica ou Pessoa Física
que possua unidade consumidora com
A Resolução da Aneel micro ou minigeração distribuída em local
permite a instalação de diferente das unidades consumidoras,
geração distribuída em um dentro da mesma área de concessão ou
local diferente do ponto permissão, nas quais a energia excedente
de consumo. São três as será compensada (produzir energia em um
possibilidades: local e consumir em outro);

37
3. empreendimento com A Resolução ainda define o
múltiplas unidades consumi- Sistema de Compensação de
doras (condomínios): utilização Energia Elétrica: a energia
da energia elétrica de forma injetada na rede é cedida,
independente, no qual cada fração por meio de empréstimo
com uso individualizado constitua gratuito, à distribuidora local
uma unidade consumidora e as e posteriormente compensada
instalações para atendimento das com o consumo de energia
áreas de uso comum constituam elétrica ativa. Quando a geração
uma unidade consumidora de energia for maior que o
distinta, de responsabilidade do consumo, o saldo positivo de
condomínio, da administração energia poderá ser utilizado para
ou do proprietário do abater o consumo em meses
empreendimento, com micro ou subsequentes. Os créditos de
minigeração distribuída, desde energia gerados continuam
que as unidades consumidoras válidos por 60 meses.
estejam localizadas em uma
mesma propriedade ou em Há ainda a possibilidade do
propriedades contíguas, sendo consumidor utilizar esses créditos
vedada a utilização de vias em outras unidades previamente
públicas, de passagem aérea ou cadastradas dentro da mesma
subterrânea e de propriedades área de concessão e caracterizada
de terceiros não integrantes do como autoconsumo remoto,
empreendimento (ANEEL, 2019). geração compartilhada ou
integrante de empreendimentos
de múltiplas unidades

38
consumidoras (condomínios). Assim, um O que as concessionárias alegam é que
produtor que gera mais energia do que não é justo as unidades consumidoras
consome pode passar os créditos para utilizarem o serviço da rede de distribuição
outro produtor que consome mais do e não pagarem por este serviço. O que
que produz, na mesma comunidade. se busca, portanto, a partir da demanda
das concessionárias de distribuição, é
A atualização da Resolução, em 2017, valorar a energia injetada pelas unidades
alterou os limites de capacidade instalada consumidoras na rede de distribuição de
para micro e minigeração, reduziu a modo que as concessionárias possam
burocracia de conexão dos sistemas, cobrar uma taxa para a devolução dessa
ratificou o “autoconsumo” remoto e criou energia para as unidades consumidoras.
a figura da geração compartilhada. Nesse caso, o custo das comunidades
geradoras de energia aumentaria.
Atualmente, na segunda revisão da
Resolução, está em discussão a chamada As concessionárias também questionam
“valoração da energia” injetada pelas a geração remota, ou seja, a possibilidade
unidades consumidoras na rede de de haver uma unidade de geração em
distribuição da concessionária. A uma localidade que utiliza os créditos
energia que é gerada pelos sistemas de para compensar a energia de outra
geração e não utilizada em determinado unidade que não esteja necessariamente
momento pela unidade consumidora próxima. As concessionárias alegam
é automaticamente injetada na rede que a energia injetada transita
da concessionária. A concessionária pelos sistemas de distribuição –
tem a obrigação de devolver a mesma alimentadores, transformadores –,
quantidade de energia para a unidade gerando componentes tarifários.
consumidora sem custo algum.

39
Na lógica da concessionária, o menor É importante destacar também
custo de utilização do sistema de as Pretendidas Contribuições
distribuição está nas unidades de Nacionalmente Determinadas (iNDC,
geração local. O fluxo de energia fica sigla em inglês), documento do governo
mais concentrado entre o ramal de brasileiro que registra os principais
distribuição e a unidade consumidora. No compromissos e contribuições para o
entanto, nesse caso as concessionárias acordo climático global.
alegam que deveriam cobrar para
simplesmente devolver a energia para Um aumento na geração de energia
essas unidades consumidoras, mesmo renovável está entre os objetivos do
tendo sido gerada pelas mesmas. O governo para atingir a meta de redução
Projeto de Lei 2215/2020 que altera a de emissões de Gases de Efeito Estufa
Lei no 9.074, de 7 de julho de 1995, para (GEE) em 37% até 2025, em relação a
estabelecer o Sistema de Compensação 2005. Este valor é considerado baixo
de Energia Elétrica (SCEE), encontra-se pois, em termos absolutos, representa a
atualmente em processo de aprovação. emissão de 1,2 bilhão de toneladas de
CO2eq4 em 2030, quando em 2017 as
Vale ressaltar que segundo o Plano emissões brasileiras estavam em 2,071
Decenal de Expansão de Energia 2027, bilhões de toneladas (Observatório do
elaborado entre fevereiro e dezembro de Clima, 2018).
2018, mantidas as condições regulatórias
atuais, a micro e minigeração distribuída
de energia poderá atingir a marca de 21 4 Carbono equivalente é um conceito que surgiu para
representar todos os Gases do Efeito Estufa (GEE) em
GW, passando a ter um papel significante uma única unidade, ou seja,  expressa a quantidade de 
no sistema (EPE, 2018). GEE em termos equivalentes da quantidade de dióxido
de carbono (CO2).

40
A proposta do governo brasileiro, GW em sistemas de microgeração solar,
anterior à gestão Bolsonaro, era capacidade equivalente à totalidade do
aumentar a participação da “bioenergia sistema elétrico nacional. Isso significa
sustentável” na matriz energética abastecer 2,3 vezes toda a demanda
brasileira para aproximadamente 18% residencial do país (EPE, 2018).
até 2030, e alcançar uma participação
estimada de 45% de energias renováveis O governo estima que o Brasil poderá
na composição da matriz energética em ter 1,2 milhão de sistemas de geração
2030. O percentual atual, de acordo com distribuída, conectados à rede até 2024,
dados de 2019, está em 42,9%. e um total de 118 GW de potência
instalada em sistemas de geração
Para além da hídrica, inclusive pelo solar distribuída até 2050 (EPE, 2018).
aumento da participação de eólica, Ou seja, o potencial existe, mas o seu
biomassa e solar, a meta é aumentar a cumprimento e efetiva contribuição
participação das renováveis na matriz para o meio ambiente dependerão de
total de energia para entre 28% e 33% como e por quem será implementado
até 2030, e 23% até 2030 na matriz de e dos critérios de financiamento
energia elétrica. Isso é equivalente ao para garantir o acesso por parte de
patamar atual, que já está em cerca comunidades e coletivos às políticas e
de 30,9% e 18,2% no caso da matriz aos financiamentos, que não podem ser
elétrica. Um estudo da Empresa de disponibilizados apenas para empresas
Pesquisa Energética (EPE) vai além, privadas.
apontando que, no Brasil como um
todo, considerando apenas os telhados
residenciais, seria possível instalar 164

41
42
O mapa da exclusão elétrica no
Brasil demonstra que as famílias sem
acesso à energia estão concentradas
nas localidades de menor Índice
de Desenvolvimento Humano (IDH)
e nas famílias de baixa renda.
Aproximadamente 90% delas têm renda
inferior a três salários mínimos. A maioria

2.3. encontra-se no Nordeste e na Amazônia,


destacando-se a Bahia, com 146.047
Exclusão domicílios sem energia, e o Pará, com
energética 138.270. Vale lembrar que o Pará tem a
tarifa de energia mais cara do Brasil.

egundo dados do Censo do Em 2012 o governo brasileiro indicava que


Instituto Brasileiro de Geografia apenas 378 mil residências ainda estavam
e Estatística (IBGE), no ano sem energia elétrica. No entanto, um
2000 havia cerca de 2 milhões levantamento realizado pela Aneel junto
de domicílios no meio rural, com às distribuidoras de energia apontou a
aproximadamente 10 milhões de existência de um milhão de residências
pessoas, sem acesso ao serviço público ainda sem luz, indicando que as metas
de distribuição de energia elétrica. do Programa Luz para Todos estavam
Em 2003 foi lançado o Programa Luz subestimadas. A Bahia e o Pará continuaram
para Todos. No Censo de 2010, o número aparecendo como os estados de maior
de domicílios sem energia elétrica havia concentração de domicílios sem energia.
sido reduzido para 728.512 domicílios.

43
Atualmente, estima-se que cerca de dois todas as famílias, cuida da saúde a
milhões de pessoas no Brasil ainda não partir da medicina tradicional, além
têm acesso constante à eletricidade, de preservar a cultura e identidades
sobretudo na área rural e na região tradicionais.
amazônica (Energia e Comunidades,
2019). Muitas dessas famílias utilizam O acesso à energia também está
geradores a diesel, que além de serem relacionado à ideia de progresso
altamente poluentes, têm alto custo e de desenvolvimento. Assim,
financeiro e, portanto, garantem apenas acredita-se que uma comunidade
um acesso precário, não funcionando de só é “desenvolvida” quando tem
forma contínua. energia. Por outro lado, é também
através da energia que o sistema
O acesso à energia é, sem dúvida, um capitalista chega nas comunidades
direito importante. No entanto, é sempre e se expande, causando diversos
bom questionar certos conceitos que, danos ao modo de vida tradicional
muitas vezes, definem as comunidades e comunitário. Isso não significa
pela “ausência”, ou seja, pelo que elas defender que as comunidades
não têm, em vez de considerar o que elas não devem ter energia, mas é um
têm, a “presença” e, até, abundância. elemento importante para refletir
Nesse caso, a comunidade é definida sobre como nos definimos: menos
como não desenvolvida por ela não ou mais desenvolvidos?; quais
ter acesso à energia, independente de são os custos do “progresso”?;
toda a riqueza que ela possa ter; por o que também chega nas nossas
exemplo, apesar da ausência de energia, comunidades com a energia?
ela produz alimentos saudáveis para

44
O conceito de desenvolvimento sempre
traz, implícito, a ideia de que existem
ganhadores que mostram o caminho
O mito do para os perdedores. Este foi o início da
desenvolvimento corrida do Sul para alcançar o Norte.
E, assim, criou-se um “negócio do
Em 1949, o presidente dos Estados desenvolvimento” que se autoalimenta:
Unidos, Harry Truman, definiu que quando há uma crise, uma nova estratégia
uma parte significativa do mundo de desenvolvimento aparece. Implica
se caracteriza por ser de “áreas também olhar para os outros mundos
subdesenvolvidas”. Com esse conceito, a partir do que falta, das “ausências”;
ele encaixou toda a diversidade dos ao mesmo tempo em que as riquezas
povos do Sul global em uma única contidas nos modos de vida camponesas,
categoria e anunciou uma nova visão, tradicionais e indígenas são consideradas
uma regra universal - a de que todos obstáculos. No entanto, o contrário de
os povos devem seguir a mesma desenvolvimento não é a “ausência”,
trajetória e aspirar uma única meta: o nem é estagnação ou paralisação no
desenvolvimento. tempo, como as comunidades são
frequentemente caracterizadas.
Em outras palavras, o objetivo foi difundir
o modelo estadunidense de sociedade A ideia de “pobreza” foi, inclusive,
como referência para o resto do mundo configurada a nível global depois da
através do aumento da produção e da Segunda Guerra Mundial para definir
intervenção das agências especializadas povos inteiros; não de acordo com o
do Norte, como o Banco Mundial. que são e querem ser, mas a partir de
suas “ausências” e do que se espera que

45
sejam. Mas, o que significa ser pobre? ambientais de projetos no entorno são
Existem diferenças entre simplicidade, tão negativos que as comunidades não
destituição e escassez. conseguem mais produzir ou reproduzir
o seu modo de vida tradicional.
Os modos de vida baseados na
simplicidade estão livres dos desejos A ideia de escassez está relacionada
ilimitados da acumulação, e priorizam as com a sociedade moderna e incide
necessidades de subsistência. Em geral, principalmente nos grupos sociais que são
são comunidades que dependem dos dependentes do mercado, do dinheiro.
campos, rios e das florestas, em que Comunidades e populações passam a
as relações comunitárias são a base ser consideradas pobres pela ausência
da sociedade, preenchem diversas do poder de comprar mercadorias.
necessidades e ninguém passa fome. Assim, a ideia do desenvolvimento e do
São culturas que cultivam a ideia da progresso, que devemos continuamente
suficiência, que só vira pobreza quando buscar alcançar, leva à destruição dos
são pressionadas pela sociedade da modos de vida baseados na simplicidade,
acumulação. na subsistência e ao fim das diversidades.

A destituição ocorre quando essa Ao se tomar como referência as


vida em comunidade é privada das “ausências” dos modos de vida das
suas fundações, dos meios materiais comunidades indígenas, tradicionais ou
– rios, terras, florestas – e das camponesas, em comparação com as
relações comunitárias, que garantem a sociedades dependentes do mercado, elas
subsistência sem recorrer ao mercado. são consideradas um obstáculo ao próprio
Ou seja, quando são expulsas dos desenvolvimento e ao progresso (Sachs,
seus territórios ou quando os efeitos s/d). O que é, então, desenvolvimento?
Outro fator importante é a qualidade do serviço público fornecido. Um
estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), realizado
em 2018 a partir de dados da Aneel, revela que 47% dos consumidores
brasileiros não recebem um serviço de energia elétrica adequado,
sendo que os moradores das regiões Norte e Centro-Oeste são os
mais prejudicados, com índices de 51% e 62%, respectivamente.
Esta análise considerou a quantidade e duração das falhas de
fornecimento de eletricidade em níveis nacional e regional entre
2011 e 2017. Apesar de o Instituto registrar uma melhora de 11%
nos serviços em 2017, em relação a 2011, isso ocorreu praticamente
apenas na região Sudeste (9%), que representa cerca de 45% dos
consumidores. A região Sul teve piora de 60%, o Centro-Oeste de
49% e o Nordeste de 32%.

Na próxima seção veremos, em maiores detalhes, a necessidade


de questionar o conceito de energia, de modo geral, e, mais
especificamente, o de energia renovável. A energia não deve ser
avaliada apenas a partir da quantidade produzida ou da sua fonte,
como um recurso a ser explorado. É preciso considerar os atores
envolvidos, suas práticas, as necessidades e possibilidades nos
territórios e os distintos efeitos sobre eles e os seus povos.

47
3. Experiências
comunitárias de
gestão e geração de
energia renovável

48
U ma pesquisa da Fundação Rosa
Luxemburgo realizada em 2018 e
2019, em todas as regiões brasileiras,
identificou mais de 50 iniciativas
comunitárias relacionadas à produção
de energia. Muitas delas envolvem, além
de atividades de formação e incidência
política, a instalação de unidades de
tecnologias sociais nas comunidades.
Grande parte das iniciativas está
sendo implementada pelo Comitê
de Energia Renovável do Semiárido
(Cersa) e pelo Projeto Semiárido Solar,
com o apoio da Frente por uma Nova
Política Energética para o Brasil e do
Fórum Mudanças Climáticas e Justiça
Socioambiental, no sertão nordestino;
e pelo Movimento dos Atingidos
por Barragens (MAB) em todas as
regiões do Brasil, especialmente no
Sul. Esses atores coletivos também
realizam ações de formação sobre
meio ambiente, clima e energia e de
incidência política.

49
Em muitas dessas iniciativas a energia Esse processo de construção de Comitês
renovável é pensada no contexto da luta de Energia Renovável nos moldes
contra os megaprojetos hidrelétricos do Cersa e de centros de pesquisa
e os parques eólicos e, por outro lado, atuando em torno da problemática está
no sentido da construção de um projeto acontecendo em outras regiões, como o
energético popular. estado de Rondônia. Nesse sentido, estão
sendo tomados como referência centros
Na Amazônia, uma parte considerável universitários como o Núcleo de Extensão
dessas iniciativas ocorre pela dificuldade Campo Solar do Instituto Federal da
de acesso à energia por parte das Paraíba (IFPB/Campus Cajazeiras), o
comunidades. São projetos levados Instituto Frei Beda de Desenvolvimento
adiante por organizações ambientalistas Social (que instala e presta assessoria
ou associações comunitárias, como é aos projetos de biodigestores e outras
o caso da Associação Comunitária de estratégias de convivência com o
Moradores Produtores Agroextrativistas semiárido) e o Laboratório Educacional
de Surucuá (Amprosurt), localizada de Tecnologias Sociais e Energia
em Santarém (PA). Nessa região, em Renovável (que desenvolve tecnologias
articulação com o Cersa e espelhado e implementa projetos de geração de
no Projeto Semiárido Solar, foi criado o energia solar e a partir de biomassa de
projeto Tapajós Solar, que é coordenado forma itinerante). A fonte de energia
pelo Movimento Tapajós Vivo em parceria mais utilizada nos projetos mapeados é a
com o Fórum Mudanças Climáticas solar, seguida dos biodigestores. A seguir
e Justiça Socioambiental e a Cáritas vamos analisar três desses projetos.
Brasileira.

50
3.1. Padaria Solar “A sertaneja é antes de tudo
da Associação de um forte […] Nós somos
mulheres empoderadas”.
Mulheres Grupo
Bolo das Oliveiras,
Maria Solange de Oliveira
na Paraíba: Matos
Sertaneja, agricultora, presidenta
“a sertaneja é da Associação dos Moradores
da Comunidade Rural da Várzea

um forte” Comprida dos Oliveiras


“São apenas mulheres neste trabalho
coletivo de produção. Dificilmente a
gente vê numa zona rural, na região
semiárida nordestina brasileira,
uma padaria deste porte, que traz
equipamentos sofisticados, de primeiro
mundo, funcionando com energia solar,
reuso de água, com biodigestor. Ou
seja, onde trabalhamos na questão de
autossustentabilidade. Estamos sempre
contribuindo com o meio em que
vivemos, com o meio ambiente”.

Glaucienne Ferreira Freires


Engenheira agrônoma, mestre
em sistemas agroindustriais pela
Universidade Federal de Campina
Grande, vice-presidenta da Associação
dos Moradores da Comunidade Rural
da Várzea Comprida dos Oliveiras,
presidenta da Associação de Mulheres
Grupo Bolo das Oliveiras, filha natural da
comunidade e produtora agroecológica

A Paraíba é uma região central no


“A energia é tudo. Ela que nos gera
força, ela que nos gera tudo que a debate da produção de energia
gente está envolvida no nosso meio, na renovável no Brasil devido às
nossa volta… Sentimos a necessidade condições ambientais e climáticas do
de transformar esse sol, esse calor, que
estado e à quantidade e qualidade
a gente tem aqui nessa nossa região
semiárida, seca; aproveitar a cada dia e dos projetos de energia renovável
economizar”.

52
em comunidades, construídos e povos e das suas mulheres. Um lugar de
implementados coletivamente por convivência com a seca onde um grupo de
articulações e redes, envolvendo distintos mulheres lidera iniciativas de geração de
aspectos da problemática, em especial renda e de energia; de combate às causas
a formação, a instalação de tecnologias e aos efeitos das mudanças climáticas; e
sociais e a incidência política. em defesa da Caatinga.

Historicamente construído nos nossos As mulheres da Comunidade Várzea


imaginários como um lugar condenado, Comprida dos Oliveiras produziam
do “castigo” e da “ausência”, em que as bolos caseiros, feitos individualmente
políticas devem focar apenas no combate nas suas casas e vendidos na própria
à seca ou na agropecuária e nas mega- comunidade, nas comunidades vizinhas e
obras de infraestrutura, o sertão paraibano em feiras livres. Devido ao bom retorno
não é uma região homogênea e tem uma que obtiveram com esta atividade,
multiplicidade de riquezas e atividades as mulheres começaram a pensar em
econômicas, culturas, povos, conhe- formas de expandir a produção e unificar
cimentos, práticas agrícolas e ambientes. o trabalho, padronizando as receitas,
criando um rótulo, uma tabela nutricional
Apesar das questões climáticas e da e uma logomarca.
extrema desigualdade de acesso à terra, no
“sertão do sertão”, na comunidade Várzea Em 2012, o grupo formado por 16
Comprida dos Oliveiras, localizada na área mulheres, na época, foi convidado pela
rural do município de Pombal, encontramos administração municipal para produzir
um lugar construído a partir das suas bolos para a Política Nacional de
riquezas, das suas comunidades, dos seus Alimentação Escolar (Pnae). Durante

53
os anos de 2012 e 2013 as mulheres dos Oliveiras (ACRVCO), em parceria
continuaram produzindo em suas pró- com o Comitê de Energia Renovável
prias casas, entregando coletivamente do Semiárido (Cersa), aprovou um
de 200 a 300 quilos de bolos por semana financiamento de R$ 30 mil do Fundo
para a Secretaria Municipal de Educação Casa e do Fundo Socioambiental Caixa,
de Pombal. Em 2014, elas acessaram através do programa Fortalecimento
recursos com o propósito de adquirir de Comunidades na Busca pela
equipamentos, montar uma padaria e Sustentabilidade, com o objetivo
comprar um automóvel para garantir a de garantir a inserção da tecnologia
entrega dos produtos. fotovoltaica em sua agroindústria
comunitária.
Em maio de 2015, 21 mulheres passaram
a produzir coletivamente na sede da O projeto Padaria Solar, gerido pela
associação da comunidade. Ainda Associação de Mulheres Grupo Bolo das
em 2015, o projeto de construção da Oliveiras, foi iniciado em maio de 2016
padaria foi aprovado, o que não só através de atividades de formação sobre
facilitou o trabalho delas como também mudança climática, energia renovável
possibilitou a expansão e ampliação da e o potencial solar do semiárido.
produção: após a realização de cursos Essa atividade também contou com
no Serviço Nacional de Aprendizagem capacitação técnica para a instalação e
Industrial (Senai), as mulheres passaram utilização da energia solar pelos membros
a produzir pães e outros produtos. da comunidade, ministrada pelo Cersa,
com apoio do Programa de Ação Social
Em 2016, a Associação dos Moradores da de Políticas Públicas (Paspp), um projeto
Comunidade Rural da Várzea Comprida da Ação Social da Diocese de Cajazeiras

54
(Asdica). Os jovens que fizeram parte O biodigestor garante a produção
da formação foram responsáveis pela equivalente a 7 ou 8 botijões de biogás
instalação das placas solares na padaria. por mês a partir do esterco bovino,
fornecendo metade do gás utilizado
O sistema da Padaria Solar, que hoje nos fornos da padaria e produzindo
funciona com 12 placas, produz 400 Kw/h fertilizante para a produção agrícola.
de energia e tem potência instalada de Assim, o biodigestor gera uma economia
3,2 kWp (kilo watt pico), gerando uma de gás de cozinha e de fertilizante;
reserva de energia. De acordo com melhora a produção de cultivos vegetais;
a Resolução Normativa 687/2017, da elimina o uso de agrotóxicos e da lenha
Aneel, esta reserva é inserida na rede coletada na Caatinga; e ainda evita a
do estado e, como a geração é maior emissão de gás metano que, quando
do que o consumo, o saldo positivo é exposto ao ar livre, contribui para o
utilizado para abater do consumo nos efeito estufa, sendo 21 vezes mais
meses subsequentes ou será mantido prejudicial que o gás carbônico (CO2).
como crédito.
Atualmente, o grupo é formado por 19
Em 2018 um biodigestor foi instalado mulheres que, a partir de uma decisão
na Padaria Solar em parceria com a coletiva, trabalha em uma escala de três
Universidade Federal de Campina equipes semanais, produzindo em torno
Grande (UFCG), campus de Pombal, de 600 quilos de produtos por semana.
e a Incubadora de Agronegócios Desses 600, 400 quilos são entregues
de Cooperativas, Organizações para o município através da Pnae. O
Comunitárias, Associações e restante é vendido na comunidade e em
Assentamentos Rurais da Paraíba (Iacoc). feiras locais.

55
Elas oferecem uma diversidade de Até hoje não houve um mês de déficit,
produtos, como pães, biscoitos, torradas elas têm conseguido pagar os custos
e bolos de milho, cenoura, mandioca e e ter excedente. A energia solar ajuda
leite, muitos dos quais utilizam insumos a reduzir os custos, possibilitando seu
da própria comunidade. A renda obtida funcionamento:
pelas vendas da padaria é utilizada
para cobrir os custos de produção, e o
excedente é dividido, coletivamente,
em partes iguais entre as mulheres.

56
“ […] não poderíamos caminhar como estamos Além da geração de renda,
caminhando hoje se não fosse esse projeto da energia renovável, da
de implantação de energia solar na nossa
economia solidária e dos
padaria. Se a gente fosse pagar pela energia,
considerando o que consumimos, não teríamos outros benefícios para a
condições financeiras de pagar. E como a nossa comunidade, cabe ressaltar
comunidade é muito rica nisso, no sol, o Cersa que este processo é
chegou para nos dar esse apoio e para beneficiar
esse grupo com esse trabalho brilhantíssimo”. liderado, implementado e
gestionado por mulheres.
Maria Solange de Oliveira Matos, Além da carga dos
entrevista em 11 de outubro de 2018
trabalhos domésticos

57
e dos cuidados com filhos, filhas e Os processos de gestão coletiva e
outras pessoas, elas participam de articulação entre as comunidades e as
reuniões, processos de formação diversas parcerias são cruciais para a
e implementam grande parte dos manutenção e o fortalecimento da luta
projetos da comunidade. Como afirmou da comunidade Várzea Comprida dos
Glaucienne Ferreira Freires, quando Oliveiras. Assim, é importante destacar
questionada sobre o o protagonismo o elevado nível de auto-organização
das mulheres: “É muito, a gente não comunitária desse grupo de mulheres
sabe nem expressar o que significa que acredita no seu trabalho e no seu
isso. É muito gratificante. Porque lugar – tanto em termos individuais como
a gente ainda vê muito a mulher da sua comunidade, no sertão.
ser excluída na sociedade, não
ter o direito de ter uma representativi-
dade. A gente vem trabalhando muito
”... somos da agricultura
nisso e quando a gente vê um trabalho familiar, pessoas do
inspirado por mulheres, a gente sabe do campo, de cidades
zelo da mulher, principalmente quando isoladas do alto sertão,
lá longe, que vocês nem
se trata de alimentos. A mulher tem imaginaria estar aqui.
um zelo, tem um cuidado, tem uma Somos pessoas que
curiosidade; a cada dia que tem um temos ideias, projetos e
objetivos”.
curso a mulher tem curiosidade de ir lá
pra saber o que está acontecendo, das Maria Solange de
novidades... por isso que valorizamos Oliveiras Matos,
muito isso, o trabalho da mulher, e 11 de outubro de 2018
estarmos juntas”.

58
O que é economia solidária?

Economia solidária é um modo de produção


caracterizado pela igualdade de direitos em
que os meios de produção são coletivos e
autogestionados, ou seja, geridos pelos próprios
coletivos de trabalhadoras e trabalhadores, de
forma democrática. Tem como fundamento a
solidariedade, a justiça e a autonomia no sistema de
produção. Através da economia solidária, muitas
mulheres conquistam autonomia, reconhecimento
e equidade no mundo do trabalho, ao mesmo
tempo em que distribuem renda (MST, 2020). Trata-
se, portanto, de uma proposta de transformação
individual e social em vários sentidos.

59
60
3.2. O Projeto Alto Uruguai e
o Movimento dos Atingidos
por Barragens: construindo um
Projeto Energético Popular

O “Projeto Alto Uruguai: cidadania, energia e meio ambiente”


surgiu como uma demanda do Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB) e foi construído em parceria com a Eletrobras, Eletrosul,
Universidade Comunitária Regional de Chapecó (Unochapecó),
o Laboratório Estado, Trabalho, Território e Natureza (Ettern) do
Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (Ippur), da
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e com as prefeituras
de 29 municípios da região do Alto Uruguai, no Sul do Brasil, sendo
dez cidades do Rio Grande do Sul e 19 de Santa Catarina.

Iniciado em 2003 e lançado em maio de 2004, o projeto tinha como


objetivo transformar estes 29 municípios em “modelos de produção
e consumo sustentável de energia”, e foi elaborado em torno de
três eixos de ação: conservação da energia elétrica; utilização de
fontes alternativas de energia, com ênfase na proteção ambiental;
e a universalização do acesso à energia elétrica aos habitantes da
região do Alto Uruguai.

61
coordenada pelo MAB, em que todos os
beneficiários estão associados. Outros 25
biodigestores foram instalados em outros
municípios, encerrando o Projeto Alto
Uruguai I.

O MAB vem acompanhando a instalação


e o funcionamento das dez unidades de
biodigestores na comunidade de Santa
Fé Baixa, onde existem 42 famílias e 23
propriedades agrícolas, com produção
de aves, suínos e leite, além das lavouras
para subsistência. Esperava-se que a
segunda fase do projeto, de geração de
energia elétrica, fosse implementada logo
depois da instalação dos biodigestores.
Em 2009 foram instaladas dez unidades
de biodigestores para gerar energia Vale ressaltar, no entanto, que o projeto
a partir de dejetos da suinocultura na foi construído em uma conjuntura política
comunidade de Santa Fé Baixa, em em que predominava uma orientação do
Itapiranga (SC). Também foi assinado um Partido dos Trabalhadores (PT) no governo
termo de compromisso para a geração federal de priorizar as interlocuções com
de energia elétrica entre a Eletrosul e alguns movimentos sociais do campo e,
a Associação de Defesa da Cidadania, portanto, disponibilizar recursos para
Energia e Meio Ambiente - Bioenergia, projetos relacionados às suas pautas.

62
Assim, o MAB aproveitou que políticas O Projeto Alto Uruguai surgiu por dois
públicas, como o Programa Luz para motivos. Primeiro, porque a comunidade
Todos, estavam sendo implementadas de Santa Fé Baixa foi e continua sendo
para pautar as suas demandas no escopo ameaçada pela construção da Usina
do Projeto Alto Uruguai, em que foi Hidrelétrica (UHE) Itapiranga. Ou seja, ele
possível integrar as ações de diferentes nasce como parte da resistência contra
formas de energia. mais um grande projeto de energia na
região. Iniciada em 1934, essa iniciativa
O MAB, portanto, conseguiu cumprir foi retomada na década de 1970. Em
uma pauta histórica, aproveitando 2002, os Estudos de Impacto Ambiental
o momento político em relação ao (EIA) foram refeitos para que, então,
planejamento energético da região: cinco anos depois, a obra fosse incluída
levar luz para a população do campo. As dentro do Programa de Aceleração do
transformações na conjuntura nacional Crescimento (PAC), do governo federal,
assim como as mudanças no próprio PT, sob administração do presidente Lula.
em especial depois do impeachment
parlamentar da presidenta Dilma Esta obra - alvo da resistência do
Rousseff em 2016, foram representando MAB e das aproximadamente 2 mil
maiores obstáculos para a continuidade famílias de pequenos agricultores
do projeto. Atualmente, o movimento potencialmente atingidos - deveria
está articulando a revitalização dos ter sido concluída em 2017, mas sua
biodigestores existentes e a instalação construção foi prorrogada por tempo
de uma central de biodigestores que indefinido. Prevista para ser instalada
resultará na geração e distribuição de no Rio Uruguai, entre os municípios de
energia elétrica para a comunidade. Itapiranga (SC) e Pinheirinho do Vale

63
(RS), a área alagada pela hidrelétrica 54% do rebanho suíno do país) tem
abrangeria seis municípios: Caiçara, uma produção pecuária altamente
Itapiranga, Mondaí, São João do Oeste, industrializada, sendo o estado de Santa
Vicente Dutra e Vista Alegre; sua Catarina um dos principais exportadores
capacidade instalada seria de 724 MW da carne suína. Como afirmou um dos
e a potência prevista 936 MW (MAB, agricultores entrevistado, Lino Mayers:
2013). Vale ressaltar que na Bacia do
Rio Uruguai já existem onze grandes
“Você imagina a qualidade
hidrelétricas construídas.
do ar, você imagina como é
que fica com a suinicultura. Já
O segundo motivo da implementação temos um problema terrível
do Projeto Alto Uruguai era evidenciar do clima e, se aí colocando
uma hidrelétrica, você vai
que existem outras formas de produzir mexer muito com a natureza.
energia, a partir das realidades locais. Vai mexer mais ainda nesse
A produção animal é uma atividade clima. Com os biodigestores
é possível oferecer uma
de alto impacto ambiental, tanto pelo
alternativa de energia. Nesse
grande volume de resíduos gerados sentido, tem uma série de
como pela emissão de gases poluentes, coisas que podem ser feitas.
odores e particulados. A degradação Todo o esterco de porco
se considerava como um
biológica do material orgânico (fezes, problema mas, na verdade,
urina e ração, dentre outros) produz não é problema, é solução.”
gases tóxicos que podem afetar a (entrevista em 8 de janeiro de
2019)
saúde e o bem-estar humano e animal
e gerar um agravamento das mudanças
climáticas. A região Sul (que concentra

64
O MAB é um movimento popular que, além A construção de um Projeto Energético
de atuar junto às populações atingidas por Popular passa por uma discussão que
barragens no Brasil para garantir os seus vai além da questão da matriz e das
direitos, questiona o modelo energético, tecnologias energéticas: trata-se de
“pautando a necessidade de a sociedade construir um projeto de sociedade e um
avançar na transição energética para a modelo de produção de energia voltado
construção de um Projeto Energético para garantir o bem-estar de toda a
Popular” (MAB, 2017:7). A organização humanidade. Ou seja, para o MAB (2017),
questiona o processo através do qual o a construção de uma transição energética
discurso do sustentável, da necessidade deve ser guiada por um projeto de
de reduzir as emissões de Gases de sociedade que fortaleça as experiências
Efeito Estufa (GEE) e da diversificação de resistência das populações nos
da matriz energética vem sendo territórios frente à apropriação e ao
apropriado pelo capital, reproduzindo a controle dos recursos naturais por parte
lógica mercadológica e favorecendo os das grandes corporações. Assim, o
grandes negócios do setor energético. MAB, além de fazer a crítica ao modelo
Fato que evidencia uma contradição com energético dominante, apresenta pautas
a necessidade de criar uma autonomia propositivas de experiências populares e
de produção e consumo de energia, de descentralizadas de geração de energia.
forma sustentável e mais eficiente. O
MAB questiona ainda a definição de que Nesse sentido, as primeiras iniciativas do
energias consideradas “alternativas”, movimento foram em torno da geração
como as hidrelétricas, são limpas, de energia solar, mais especificamente
baratas e renováveis. através de aquecedores solares de baixo
custo, com apoio da equipe SoSol, da

65
Universidade de São Paulo (USP). Até O Projeto Alto Uruguai é a segunda
novembro de 2017, 924 famílias atingidas maior iniciativa do MAB de produção
por barragens, de diversas regiões do de energia alternativa e de geração
Brasil, contavam com placas solares em descentralizada, após a instalação das
suas casas. A proposta de construção de placas solares. Para o movimento (2009),
biodigestores se insere neste contexto de o principal objetivo é “a realização
iniciativas de alternativas na perspectiva de uma experiência em produção e
da transição energética. consumo sustentável de energia elétrica
com responsabilidade socioambiental”,

66
visando “o aproveitamento de energias Planos Municipais de Gestão de Energia
que não geram impactos sociais e Elétrica (Plamges); a capacitação de
ambientais, como as grandes barragens”. administradores de prédios públicos na
área de iluminação; a implementação de
Além disso, busca promover a projetos-piloto de redução de consumo
preservação do meio ambiente, de energia elétrica em prédios públicos,
transformando o que seria um problema indústrias, agroindústrias e comunidades;
– os dejetos dos animais – em fonte e a inclusão do conceito de conservação
de geração de energia, garantindo da energia em disciplinas ministradas
a autossustentação através de uma nas escolas e universidades. Essas ações
alternativa de geração de renda e contaram com o apoio do Programa
reduzindo os impactos ambientais Nacional de Conservação de Energia
negativos. Elétrica, de responsabilidade do Ministério
de Minas e Energia (MME) e da Eletrobras
No eixo de conservação da energia (Projeto Alto Uruguai, 2009).
elétrica, as principais ações do Projeto
Alto Uruguai foram: na área da educação As principais ações do eixo de produção
energética e ambiental, através de alternativa de energia foram: avaliação
capacitações realizadas pela Unochapecó dos impactos da produção de aves
e pelo MAB com 700 professores da e suínos no meio ambiente regional;
rede municipal de catorze municípios implantação de 35 biodigestores para
e 500 lideranças comunitárias dos 29 uso comunitário; instalação de mais de
municípios do projeto, que contam 50 placas solares nos 29 municípios,
com uma população aproximada de para aquecimento de água; avaliação
440 mil habitantes; a elaboração de do potencial de substituição de energia

67
elétrica gerada a partir de usinas hidro da inclusão energética, o objetivo foi
e termelétricas por energia produzida assegurar o acesso de todas as famílias
a partir do biogás e de outras fontes da região à energia elétrica.
alternativas; e utilização do subproduto
dos biodigestores como adubo orgânico. Portanto, o Projeto Alto Uruguai,
concebido pelo MAB, foi elaborado no
De acordo com um dos agricultores contexto da luta contra hidrelétricas,
entrevistados, seria possível fornecer da mercantilização e privatização da
energia para todo o município de energia e da água e da necessidade
Itapiranga, a partir da biodigestão de universalizar o acesso à energia, à
dos dejetos dos animais. No campo autossuficiência energética e à justiça

68
ambiental. Tinha como objetivos, além momentos, tentou negar o saber popular
da instalação de biodigestores (que dos agricultores e das agricultoras e se
transformou o problema ambiental apropriar da iniciativa, o Projeto Alto
em solução), a conservação da energia Uruguai evidenciou que a produção de
elétrica e a universalização do acesso à energia elétrica pode ser feita a partir de
energia elétrica. fontes diferenciadas e regionais.

Apesar de problemas que ocorreram Essa experiência também confirma que a


em decorrência da atuação da Eletrosul, produção energética não precisa estar nas
empresa pública que, além de ter mãos das grandes empresas de energia
cortado o financiamento em distintos elétrica; e que a possibilidade de

69
transformar um problema – a poluição demandas; assim como devem poder
do ar e das águas decorrentes dos decidir, localmente ou regionalmente,
dejetos dos animais – em uma solução quais os problemas socioambientais
ambiental é real, podendo também ser e as possibilidades de produção de
uma importante perspectiva energética energia de uma maneira adequada e
e geradora de renda. diversa. Para o MAB, a prioridade é
garantir um processo de implementação
Outro relevante aprendizado deste e gestão da central de biogás a partir
projeto é a construção coletiva e da comunidade e para a comunidade.
a interação de sujeitos diversos:
empresa pública, movimento popular, Para finalizar, cabe ressaltar que, para o
universidade, prefeituras, escolas movimento, as energias alternativas são
e outros segmentos da sociedade consideradas na perspectiva de uma
civil. O importante dessa articulação transição energética para a construção
é compreendermos a produção de do Projeto Energético Popular e de
energia para além do planejamento uma mudança da política e do modelo
estatal ou como um processo a ser energético. A proposta, portanto, está
implementado somente por entes relacionada com o planejamento, a
públicos ou privados. organização, o controle da produção,
da distribuição de energia e da riqueza
A geração e o consumo de energia gerada e a gestão sobre as reservas
devem ser decisões da sociedade como estratégicas de energia que possuem
um todo. As populações atingidas pela base de elevada produtividade.
produção de energia devem fazer parte
da construção da solução das suas

70
• Deve ser concebido para atender as
demandas presentes e futuras;

• Deve ser elaborado a partir das


necessidades e condições dos territórios;

• As fontes utilizadas devem ser


realmente renováveis;

Bases para o Projeto • Fundamentado na solidariedade e na


Energético Popular equidade;

• Fortalecer o conceito de bens comuns;


• Geração de energia direcionada para
satisfazer as necessidades do povo; • Considerar as diferentes escalas -
internacional, nacional, regional e local
• Apropriação popular em todo o
- e a descentralização da sua produção;
processo, incluindo a decisão sobre as
diferentes tecnologias; • Garantir autonomia, soberania e
diversificação;
• Ambientalmente justo;
• Garantir que a escolha das fontes
• Prioridade ao valor de uso;
seja feita a partir de um processo
• A energia produzida deve ser usada democrático e com participação popular;
de modo racional;
• Garantir que as tecnologias sejam
• O acesso à energia deve ser acessíveis, com investimentos públicos
considerado um direito; de baixo custo.

71
72
3.3. Agroindústria Solar na
Comunidade Surucuá: valorizando a
alimentação tradicional

E sse projeto consiste na implantação de


uma miniusina fotovoltaica para a estruturação
de uma agroindústria de beneficiamento de
polpas oriundas dos quintais agroecológicos da
Comunidade Surucuá, no município de Santarém
(PA). Esta comunidade fica dentro da Reserva
Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, na margem
esquerda do Rio Tapajós, a aproximadamente
6 horas de barco de Santarém, o único
meio de acesso para chegar nela. O projeto
da agroindústria é gerido pela Associação
Comunitária de Moradores Produtores
Agroextrativistas de Surucuá (Amprosurt), em
especial pelo Grupo de Agroecologia, formado
por doze mulheres. Como a comunidade não
está inserida na rede de energia elétrica local, a
implantação da miniusina fotovoltaica viabilizou a
instalação da pequena agroindústria.

73
Como mostram os dados do
Censo Agropecuário (IBGE,
2006), mesmo ocupando apenas
24% das terras, a agricultura
familiar produz cerca de 70% dos
alimentos que chegam à mesa
Agroecologia: da população brasileira, o que
ciência, prática e vivência configura uma produtividade
equivalente ao dobro das áreas
A agroecologia está vinculada a um amplo do agronegócio. Além de
projeto de transformação das formas de propor novas relações com a
produção, processamento, distribuição e natureza e de poder no sistema
consumo do atual sistema agroalimentar. de produção, a agroecologia
Seus princípios e práticas possuem uma também sugere novos conceitos
longa trajetória de enraizamento nos e instrumentos analíticos para
modos de vida de camponeses, povos reconhecer e dar visibilidade ao
indígenas e comunidades tradicionais trabalho das mulheres, bem como
nas mais diferentes partes do mundo. à sua participação na geração e
Ela segue os princípios de justiça social, na apropriação da riqueza social.
justiça ambiental e soberania alimentar, Nesse sentido é que foi criada a
assumindo um compromisso político com mensagem: “sem feminismo, não
a democratização do direito à terra, à há agroecologia” (GT Mulheres
água, aos recursos naturais. da ANA, 2018).

74
A região da Bacia do Rio Tapajós implantação de grandes barragens – há
apresenta uma grande quantidade de evidentes interesses e diversas tentativas
comunidades ribeirinhas e indígenas de construir a usina de São Luiz do Tapajós
que sobrevivem da agricultura e da também na região da Resex.
exploração e do manejo dos “recursos
naturais” dos rios e das matas. A Para agravar a situação, grande
população local convive e depende da parte da energia gerada por esses
natureza para garantir a sua produção e empreendimentos é distribuída para
reprodução material e cultural. Por um outras regiões, mantendo uma ampla
lado, é uma população que convive com população sem acesso à energia.
pressões do agronegócio, da mineração Somente na Resex, por exemplo, vivem
e de megaprojetos de infraestrutura 75 comunidades, totalizando mais de
e, por outro lado, sente os efeitos da 15 mil pessoas de 3.500 famílias.
falta de infraestrutura de saneamento
básico, tratamento de água, coleta de A luz chega a comunidades como
lixo e de energia e precariedades no Surucuá por meio de geradores a
acesso à educação e saúde. diesel, mantidos pelas associações
locais ou por proprietários privados.
Apesar de estar próxima de algumas Nesta comunidade, para ter acesso à
das maiores hidrelétricas do mundo energia do gerador, as famílias pagam
(Tucuruí e Belo Monte), a população da R$ 80 mensais por 4 horas de energia
Resex Tapajós-Arapiuns não tem acesso durante a noite. O diesel também é
à energia elétrica. O Pará é o estado utilizado para o bombeamento da água
com a energia mais cara do país e está para o abastecimento e para o barco
sendo impactado negativamente pela comunitário.

75
A instalação da energia solar na solar vem viabilizando o beneficiamento
agroindústria se deu, portanto, pela e o acondicionamento de grande
ausência de outra fonte de energia quantidade e diversidade de produtos
para o seu funcionamento. O custo oriundos da coleta da floresta e dos
financeiro de um gerador a diesel para quintais cultivados que, pela ausência
a agroindústria tornaria o trabalho do fornecimento de energia elétrica,
inviável. Diante desses desafios, em não eram utilizados.
2015, surgiu o projeto “Implantar uma
miniusina fotovoltaica na comunidade A instalação da agroindústria tem
de Surucuá para a estruturação de também como um de seus objetivos
uma pequena agroindústria para o recuperar e fortalecer a alimentação
aproveitamento e beneficiamento de tradicional dos comunitários, que vem
polpas de frutos provenientes dos se transformando devido à entrada
quintais agroecológicos”, financiado de alimentos industrializados, vindos
pelo Fundo Casa e pelo Fundo de Santarém e outras cidades, na
Socioambiental Caixa, primeiro recurso comunidade. Promover a diversidade
externo acessado pela Amprosurt. de produção nos quintais e nas roças,
a valorização dos produtos nativos da
Através deste projeto foi possível região e uma melhora na qualidade da
construir o prédio da agroindústria, alimentação das famílias são outros
trabalho realizado principalmente propósitos deste projeto.
através de mutirão, comprar
alguns equipamentos (como freezers, Os produtos manufaturados na
liquidificador e despolpadeira) e instalar agroindústria são: polpa de cupuaçu,
a miniusina. Desta forma, a energia polpa de manga, polpa de murici,

76
polpa de caju, polpa de buriti, óleo em decorrência da sua localização, a
de buriti e óleo de pequiá, além do garantia de energia ininterrupta é uma
beneficiamento da castanha de caju reivindicação antiga da comunidade. Ter
e do empacotamento da farinha de energia representa “ter um conforto a
mandioca. mais”; “poder beber uma água gelada,
um suco gelado no verão, que é tão
Mayá Shwade, assessora da quente”; “guardar nossos alimentos...
comunidade, em entrevista concedida porque aqui, quem não tem geladeira
em 26 de janeiro de 2019, levantou uma para guardar, passa sal; tem que
outra questão: a produção de farinha salgar, e isso prejudica a saúde”. Além
de mandioca exigia um trabalho intenso disso, a comunidade gostaria de “ficar
das mulheres e crianças e gerava informada sobre as coisas do mundo,
pouca renda. Após uma capacitação, sobre a atualidade... porque, muitas
as famílias passaram a seguir padrões vezes, as coisas acontecem e a gente
de higiene e qualidade na produção, e nem fica sabendo”.
com o ensacamento na agroindústria
puderam aumentar o valor de venda de A energia também representa
R$ 2 para R$ 3,50 o quilo. Atualmente, possibilidades de melhoria na
catorze famílias produzem cerca de 100 alimentação, na qualidade de vida e na
quilos desta farinha por semana (FBB, renda das famílias. Ao mesmo tempo,
2019). as moradoras e os moradores afirmam
que querem “uma energia limpa, que
Como a população de Surucuá não não prejudique os nossos rios”, pois
é contemplada pelos programas reconhecem que a energia “vai trazer
governamentais de acesso à energia coisas boas, mas vem também as

77
consequências. Por isso que a do sol é também o processo educacional, já que
melhor”. não é possível utilizar ventiladores em
sala de aula no verão ou realizar aulas
A ausência de energia gera diversos noturnas, por exemplo, representando
problemas para as comunidades, como a um obstáculo ao aprendizado.
impossibilidade de otimizar os sistemas
produtivos através do armazenamento A Amprosurt vem desenvolvendo
e, portanto, a comercialização com parcerias importantes para conseguir
melhores preços e renda. Dificulta alcançar os objetivos do projeto.

78
Destaca-se a realização de um curso Nesse processo, o Grupo Agroecologia
sobre processamento de frutas e buscou parceria com a Cooperativa
hortaliças do Programa Nacional dos Produtores Rurais de Santarém
de Acesso ao Ensino Técnico e (Cooprusan), que comercializa polpas
Emprego (Pronatec), do Ministério de frutas e produtos de horti-fruti com
de Educação. Articulado junto ao uma rede de supermercados local e com
Instituto Chico Mendes de Conservação o Programa Nacional de Alimentação
da Biodiversidade (ICMBio), ele foi Escolar (Pnae). A comunidade também
ministrado pelo Serviço Nacional de vem estabelecendo diálogo com a
Aprendizagem Rural (Senar) e realizado secretaria de educação para analisar
nos primeiros meses de 2016. a possibilidade de fornecer alimentos
para o Pnae. Os alimentos da merenda
A partir dessa formação e com outros da escola municipal que fica na
avanços do projeto foi se montando uma comunidade vêm de Santarém.
equipe específica voltada para a gestão
da agroindústria. Inicialmente composto Entrevistas realizadas na comunidade,
por 20 mulheres que participaram em janeiro de 2019, revelam que a
da formação, o Grupo Agroecologia criação desse grupo de mulheres tem
atualmente conta com doze mulheres sido bastante relevante também por
da comunidade diretamente envolvidas, outros motivos, que não estavam
que buscam criar uma cooperativa para no objetivo inicial do projeto. As
comercializar os seus produtos. Um dos integrantes do Grupo Agroecologia
objetivos é a geração de renda, a ser vêm se apropriando da questão
administrada de forma coletiva. de gênero quando percebem, por
exemplo, que é importante “mostrar

79
para a sociedade que as mulheres estão lembra Mayá Schwade, “as mulheres
se capacitando, estão em busca de se preocupam mais com a questão de
melhorias... e que o marido também alimentação; o homem não se preocupa
pode compreender. Foi um grande muito em casa, com os filhos”.
avanço para a nossa comunidade”. Ou
ainda, quando percebem o efeito do Em março do mesmo ano, ela ressaltou
processo de participação das mulheres que “outro fator muito importante é
na sua própria autoestima: “tenho que criou-se uma consciência de grupo
certeza que todas as mulheres que - acreditar em um projeto que não é
estão no grupo estão mais confiantes”; meu, mas é do grupo. Esse grupo criou
“estamos muito empenhadas e unidas isso que vai além do trabalho, tem
e, assim, a coisa anda”. Afinal, como essa coisa de ajuda, de cooperação,

80
de se interessar uma pela outra. É essa Nesse sentido, trata-se de um projeto
consciência de grupo que deu a liga e que colabora com o fortalecimento
continua até hoje”. das comunidades, da sua autonomia
e autodeterminação, com a geração
Outra liderança também afirmou “a de renda e processos de construção,
gente está vindo para cá porque a geração e apropriação coletiva da
gente quer ver a coisa indo para frente. energia. As e os agroextrativistas e
A gente não tá ainda ganhando nada. ribeirinhos da Comunidade de Surucuá
Estamos ganhando experiência e um estão se apropriando coletivamente
dia vai dar certo. Primeiro, precisamos de um “bem” do qual esse grupo
ajeitar – de baixo pra cima, a gente vai”. social, historicamente discriminado e
despossuído, tem sido privado.

81
82
4. O que
podemos
concluir
por justiça
ambiental e
energética?
83
mercadoria a ser comprada e vendida
por grandes empresas? Ou é um direito
individual e coletivo?

É correto dizer que “energia renovável


é a que vem de recursos naturais que
são naturalmente reabastecidos”? Os
governos e as empresas consideram
hidrelétricas como energia renovável
porque a água é naturalmente
reabastecida, ela não acaba. As
eólicas também, já que os ventos não
acabam. Mas essa definição não leva
4.1. O que é em consideração os diversos impactos

energia renovável negativos ambientais e sociais que


estes projetos causam: a perda de

acesso à água limpa, aos peixes, aos

A territórios; da identidade de ribeirinho,


nalisando o contexto energético de camponês; da possibilidade de
brasileiro e os três projetos descritos praticar o agroextrativismo.
nesta publicação, podemos concluir
que existe, antes de tudo, uma disputa Ou seja, não basta a fonte (água,
narrativa em torno do significado de ventos) ser renovável para a energia
energia e de energia renovável. Energia ser renovável se a longo prazo a sua
é um recurso a ser explorado? Uma implementação terá efeitos negativos

84
duradouros, em especial no ar, nas privados de mercado. Neste sentido,
águas, nos territórios e nas populações, o projeto deve ser direcionado para o
que mais conservam e protegem o benefício e a propriedade coletiva e/ou
meio ambiente, e que precisam destes pública, e ser regido por um processo
ambientes para produzir e se reproduzir. democrático e não discriminatório,
tanto entre seus membros como na
Por isso, surgem conceitos como relação com suas comunidades. Esse
“energia renovável justa voltada tipo de projeto está em sintonia com
para as necessidades dos povos e de a perspectiva de soberania, justiça e
comunidades” (Energia e Comunidades, democracia ambiental e energética,
2019). Disputar este conceito é em que energia é um direito, atrelado
importante pois redefine não só a ao benefício coletivo, e produzida de
forma como percebemos a energia, forma justa; além de interagir e dialogar
mas como e para quem as políticas são com outras frentes de luta, como a
elaboradas e legitimadas. soberania alimentar e tecnológica.

Assim, podemos afirmar que energia O conceito de justiça e democracia


renovável não se traduz em democracia ambiental tem como perspectiva que
energética; não significa acesso a degradação ambiental e outros
igualitário e justo à energia. É preciso efeitos da lógica de desenvolvimento
que o projeto energético respeite o não atingem a população de forma
meio ambiente e contribua para garantir igual. O desenvolvimento, baseado
o acesso da energia à população, de nas indústrias extrativas, no petróleo,
forma universal e justa, e sem que isso na mineração, no agronegócio e nos
seja feito apenas através de mecanismos megaprojetos de infraestrutura, é

85
viável porque os impactos negativos naqueles territórios e um tratamento
são distribuídos de forma desigual, justo – isso significa que nenhum
afetando, principalmente, as populações grupo, seja ele definido por raça,
historicamente vulnerabilizadas. etnia ou classe social, deverá arcar
de maneira desproporcional com as
Populações negras, indígenas, consequências ambientais negativas
tradicionais, do campo e a classe de uma determinada obra, política
trabalhadora dispõem de menos ou projeto (Mello; Bezerra; Acselrad,
recursos políticos e financeiros e têm 2009). Afinal, é no território desses
menos acesso aos processos decisórios grupos sociais que se conserva a
para se protegerem e garantirem que biodiversidade, as águas e os solos,
seus direitos, demandas e necessidades contribuindo para a manutenção dos
sejam respeitados. É nos territórios microclimas e, portanto, atuando como
dessas populações que os grandes um freio às mudanças climáticas (Leroy,
projetos de energia são, com maior 2016).
frequência, instalados, e onde causam
mais impactos. Nesse sentido, existe também a
necessidade de realizar o debate
Diante dessas realidades, os sobre como deixar novas fontes de
movimentos por justiça ambiental gás, petróleo e carvão no subsolo,
defendem que, em todas as etapas do descentralizando e diversificando a
processo de decisão sobre o acesso produção de energia, principalmente,
e o uso dado aos recursos naturais, das empresas privadas, em um cenário
haja um envolvimento efetivo das de controle geopolítico dos recursos
populações potencialmente atingidas naturais e da lógica global capitalista

86
de maximização e legitimação dos
lucros.

Outro desafio é a construção de


alternativas socioeconômicas nos
locais de extração de combustíveis
fósseis que possam oferecer trabalhos
dignos em atividades mais harmônicas
com as vocações produtivas e os
ecossistemas dos territórios afetados
pela indústria extrativa.

Assim, por democracia energética


compreendemos o acesso universal
à energia, suficiente para a produção
e reprodução das comunidades e po- 4.2. Ausência de
vos, sem poluição ou impactos nega-
tivos para as populações. A produção políticas para
de energia deve ser socializada e de-
as comunidades
mocratizada, levando a uma transfor-
mação da forma como concebemos e

S
produzimos energia (Angel, 2016).
e, por um lado, existem diversas
políticas para incentivar a atuação
de grandes empresas nos setores da

87
indústria extrativa, do agronegócio, utilizam energia a diesel, que promove
da mineração, do petróleo e dos amplas emissões de gases de efeito
megaprojetos de infraestrutura, existem estufa, e é cara, o que causa impactos
poucas políticas para promover a no orçamento familiar.
energia renovável em comunidades.
Os governos legitimam a indústria Essa exclusão também gera processos
extrativa como fundamental para o de desigualdades dentro da comunidade,
desenvolvimento nacional ao mesmo entre aqueles que podem pagar e os que
tempo em que destroem as leis não podem. No Nordeste, apesar das
ambientais e violam direitos humanos. comunidades terem acesso à energia, elas
Há uma evidente orientação no não poderiam cobrir o seu custo nas suas
sentido de políticas que permitem o agroindústrias. A região Sul demonstra os
avanço da fronteira energética e da efeitos ambientais e de renda não gerada
energia extrema, em um contexto de devido à falta de continuidade de um
intensificação da desigualdade e da projeto/uma política relacionada ao uso
“exclusão” energética. de biodigestores a partir dos resíduos
sólidos dos animais.
Na Amazônia, por exemplo, milhares
de povoados e comunidades indígenas, A Resolução nº 482/2012 da Aneel,
ribeirinhas e tradicionais, especialmente que regulamenta a microgeração e
em regiões remotas, não têm acesso minigeração distribuída de energia
à energia, nem são atendidas pelo no Brasil, está em constante disputa.
Sistema Interligado Nacional (SIN). Em Apesar dos avanços conquistados,
decorrência dessa exclusão energética, trata-se de uma política que está na

88
mão das grandes corporações e das processo burocrático acabam limitando
concessionárias (que controlam a essas iniciativas a projetos de médio e
entrada e saída de energia nas suas grande porte ou a empresas.
redes), mas que, mesmo assim, não se
dão por satisfeitas e, constantemente, A exclusão energética dificulta o acesso
pressionam por mudanças ainda mais à informação, o trabalho realizado nas
benéficas para o setor. comunidades, em especial das mulheres
(historicamente responsabilizadas
Há também a hegemonia de uma pelos cuidados), e prejudica a expansão
perspectiva individualizada que e o fortalecimento da produção
estrutura e sustenta as políticas agroecológica. É por isso que muitas
dominantes e a atuação do Estado, das comunidades percebem a energia
que destrói o que é comunitário, como um direito coletivo, já que ela é
torna estes modos de vida inviáveis necessária para garantir a reprodução
ou dificulta o acesso às políticas por digna da vida, tanto como um meio,
parte de comunidades que objetivam para o acesso à água e à alimentação,
o fortalecimento de lógicas coletivas, como um fim, em termos de trabalho e
comunitárias. O vínculo entre geração de renda.
tecnologia-poder-capital é central
quando consideramos que, apesar da
existência de linhas de financiamento,
por exemplo, as comunidades
encontram muitos obstáculos para
acessá-las. As condições, os critérios e o

89
4.3. A importância das organizações,
dos movimentos e das articulações:
energia não é um fim, é um meio

O A principal exceção neste caso é o


tema da energia renovável vem Comitê de Energia Renovável do
cada vez mais sendo de interesse das Semiárido que, além de instalar
organizações da sociedade civil. Na tecnologias sociais relacionadas com a
maioria dos casos elas não têm suas energia solar em comunidades, realiza
atuações direcionadas especificamente também atividades de formação e de
para essa questão, mas contam com incidência. Esta é uma iniciativa que
projetos específicos para fortalecer organizações e articulações de outros
outras iniciativas, como agroindústrias. estados buscam replicar.

90
O projeto “fortalecimento de alternati- técnica-política para as comunidades ser
vas em áreas vulneráveis aos efeitos um desafio a ser enfrentado, em especial
negativos das mudanças climáticas no na Amazônia onde o acesso às mesmas
semiárido paraibano” (Semiárido Solar), é difícil, existem importantes centros de
da Cáritas e do Fórum de Mudanças pesquisa sobre energia renovável focados
Climáticas e Justiça Socioambiental, no trabalho comunitário, principalmente
também é uma referência nesta área. no Nordeste. São assessorias realizadas
Além destes, o MAB também se destaca por organizações não governamentais
pois, além de implementar diversos ou centros de pesquisa, envolvidos nas
projetos de energia renovável, tem lutas das comunidades e que participam
investido muito esforço na construção de diferentes articulações sobre temas
de um Projeto Energético Popular. relacionados, regionais, nacionais e, em
alguns casos, internacionais. Quando
Há, ainda, organizações que assessoram essas assessorias não existem, percebe-
comunidades na implantação de projetos se a ocorrência de diferentes problemas
de energia solar como parte de uma - não só técnicos, mas também de
iniciativa maior, e que também instalaram participação e continuidade. Muitos
o sistema na sede da organização. projetos foram interrompidos porque
Este é o caso do Instituto Terramar, no tinham como objetivo a geração de
Ceará, que vem inserindo a produção de energia mas não contavam com coletivos
energia solar em ações relacionadas ao de apoio, atividades de formação nem
turismo comunitário desenvolvidas pela de incidência política.
organização com comunidades costeiras.
Ao mesmo tempo, articulações
Nesse sentido, apesar da assessoria nacionais têm tido um papel relevante

91
na incidência e formação sobre mudança de disseminação e aprofundamento
climática e política energética, como do debate sobre desenvolvimento,
também no apoio a iniciativas locais meio ambiente, mudança climática e
de tecnologias sociais. Este é caso do energia, para além do fortalecimento
Fórum de Mudança Climática e Justiça do protagonismo das mulheres, que
Socioambiental e da Frente por uma também é algo que se busca. Com uma
Nova Política Energética para o Brasil. perspectiva mais ampla, portanto, pode
se dizer que a luta por energia renovável
Na maioria dos casos, a energia gerada possibilita instrumentos de resistência,
está ligada a processos de geração de renda, mobilização e formação.
renda, de produção agroecológica e
de outras frentes de luta, por exemplo, São processos coletivos que
contra hidrelétricas e parques eólicos buscam demonstrar que os projetos
e pela convivência com o território. Ou hegemônicos de energia não são
seja, as comunidades, os movimentos necessários, causam conflitos e impactos
e as organizações utilizam a pauta da ambientais irreversíveis e privatizam os
energia renovável como um instrumento lucros, enquanto socializam os custos
de luta, de energia, de renda e de econômicos, sociais e ambientais.
mobilização e formação. Demonstram ainda que é possível
produzir energia de outra forma,
A energia não é o fim em si mesma. concebendo-a como um direito, a
Assim sendo, os casos destacados partir das demandas e potencialidades
nesta publicação podem não produzir locais, da transformação de problemas
grandes quantidades de energia, mas ambientais em soluções e da construção
estão colaborando com um processo de metodologias de trabalho coletivas.

92
4.4. O protagonismo das mulheres

O s impactos dos projetos da da falta de saneamento e de alimentos,


indústria extrativa e de infraestrutura que resultam em uma sobrecarga de
são sentidos de forma distinta por trabalho das mulheres, e em especial
mulheres e por homens. Trata-se de das mulheres negras e indígenas.
empreendimentos que destroem, direta
e indiretamente, os modos de vida das Em decorrência da histórica divisão
comunidades através da contaminação sexual do trabalho, ou seja, da atribuição
do ar, da água e da terra, da propagação de tarefas e responsabilidades
de doenças, do uso excessivo de água e diferentes para homens e mulheres

93
construída através dos séculos, são Desse modo, os projetos de
as mulheres que assumem uma carga infraestrutura violam a autonomia das
maior com o cuidado das pessoas mulheres, tanto a financeira como a de
doentes, das crianças, dos idosos, além decidir sobre o que e como produzir.
de terem que garantir a alimentação e Também geram severos impactos
a manutenção das inúmeras atividades sobre os territórios coletivos, rompem
domésticas, muitas vezes em contextos o tecido comunitário e ameaçam as
de contaminação dos seus territórios. relações comunitárias e de bem-estar
Em diversas situações, as mulheres são das mulheres com seus territórios e
responsabilizadas ainda por satisfazer a própria promoção da vida. Ou seja,
as necessidades das famílias, um colocam em risco a existência de
trabalho que é bastante invisibilizado. espaços que dignificam a existência
das mulheres (Cabnal, 2010). Como
Portanto, esses projetos causam um agravante, elas também são expostas à
aumento das demandas relacionadas às exploração sexual e enfrentam maiores
atividades de cuidado e de manutenção obstáculos para reconstruir seus meios
da vida, contaminada e precarizada. de vida. Além dos impactos sofridos,
Quando não perdem diretamente precisam reivindicar seu direito de
seus territórios, as mulheres ficam serem reconhecidas como afetadas.
sem tempo para realizar atividades
relacionadas à agroecologia, produzir No caso da produção de energia re-
em seus quintais e suas roças e fabricar novável em comunidades, encontramos
seus artesanatos. diversas experiências lideradas
por mulheres, especialmente nos
projetos em que a geração de energia

94
está relacionada com a produção mulheres afirmam que são elas que
agroecológica. lideram os processos porque são mais
preocupadas com a alimentação das
Apesar desta publicação não apre- suas famílias e das comunidades; e
sentar experiências de outros países, revelam que, em alguns casos, precisam
vale a pena destacar um sistema de enfrentar resistências na própria
abastecimento solar para um viveiro comunidade para que possam ocupar
comunitário que é liderado pela esses espaços de liderança.
Associação Municipal de Mulheres
Campesinas de Lebrija, na cidade No entanto, apesar dessa resistência,
de Santander, na Colômbia. Trata- é bastante evidente a importância
se de uma iniciativa comparável com da participação das mulheres nesses
a da Padaria Solar, na Paraíba, e a da projetos, já que é a partir deles que
agroindústria na comunidade Surucuá, elas passam a realizar atividades
no Pará, já que são projetos que buscam organizativas e participar das tomadas
gerar renda, mas também melhorar a de decisões, além de passarem a
alimentação e qualidade de vida das questionar as desiguais relações de
comunidades, além de proporcionarem gênero na sociedade, de forma coletiva
maior autonomia às mulheres. e pública. A participação nos projetos
de produção energética oferece novas
Percebemos que a gestão, sempre formas de restabelecer sua posição
coletiva, dos projetos é determinada social dentro da comunidade, suas
pelo tempo das mulheres, já que elas identidades, assim como de desafiar as
também são responsabilizadas pelo estruturas de dominação na sociedade
trabalho doméstico e de cuidados. As como um todo.

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100
Anotações
106
Fabrina Furtado é professora do Departamento de
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (DDAS) e do
Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais em
Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade (CPDA) da
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). É
pesquisadora do Laboratório Estado, Trabalho, Território
e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento
Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (Ettern/Ippur/UFRJ) e do Grupo de Estudos
sobre Mudanças Sociais, Agronegócio e Políticas Públicas
(Gemap/CPDA/UFRRJ). Atua sobre diversos temas, como
conflitos ambientais decorrentes de megaprojetos de
desenvolvimento, capitalização corporativa da questão
ambiental e feminismos. Antes de ingressar como
professora na universidade, atuou em organizações como
a Rede Jubileu Sul e a Rede Brasil sobre Instituições
Financeiras Multilaterais. Atualmente colabora com
diferentes instituições e movimentos sociais em projetos
de extensão e atividades de pesquisa e formação.

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