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RESUMO
As relações entre saúde e espaço são indissociáveis, pelo que se torna importante discutir o potencial
da ciência geográfica na abordagem da saúde e avaliando-a como mais uma área de estudo na qual o
Geógrafo pode intervir. Por seu turno, o espaço geográfico tem-se revelado como um importante atractivo
para ciências que não o consideravam antes como crucial para a sua análise.
Quando pensamos em planeamento em saúde, a escala local surge, cada vez mais, como um determinante
quando se avalia uma qualquer doença e os Sistemas de Informação Geográfica (S.I.G.) permitem-nos
uma avaliação mais sustentada da realidade. Neste domínio o Geógrafo encontra-se capacitado, para
em equipas multidisciplinares (sobretudo com Médicos, Economistas, Sociólogos), revelar o poder que
tem a sua formação, resultante da capacidade para representar espacialmente e para usar os S.I.G. e,
por outro lado, devido à sua habilidade para analisar simultaneamente a dimensão dinâmica e espacial
de fenómenos como as doenças.
O presente artigo pretende analisar aspectos teóricos e metodológicos deste fecundo campo de estudos
e circunscreve-se à Geografia brasileira e portuguesa.
Palavras-Chaves: Espaço, Saúde, Geografia da Saúde, Aspectos Conceptuais, Brasil, Portugal.
ABSTRACT
The relationship between health and space are inseparable, and it is therefore important to discuss the
potential of geographical science in addressing the health and evaluates it as another area of study in
which the geographer can intervene. For its part, the geographic space has been shown to be an important
attraction for science that he was not thought before how crucial for their analysis.
When we think of health planning, the local scale appears increasingly as a factor when assessing any disease
and Geographic Information Systems (GIS) allow us a more sustained reality. In this area the geographer
is able to in multidisciplinary teams (especially with doctors, economists, sociologists), reveal the power
that has its own training, resulting from the ability to represent spatially and to use the GIS and, secondly,
because of its ability to simultaneously analyze the size and spatial dynamics of phenomena such as disease.
This article analyzes theoretical and methodological aspects of this fruitful
field of study and is limited to the Brazilian Geography and Portuguese.
Key Words: Space, Health, Geography, Health, Conceptual Aspects, Brazil, Portugal.
*Mestrando em geografia área de especialização planejamento e gestão do território pela Universidade do Minho-Portugal. email: dirleygeografia@
hotmail.com
** Professora Doutora Associada e Directora do Núcleo de Investigação em Geografia e Planeamento da Universidade do Minho Portugal. email: pre-
moaldo@geografia.uminho.pt
174 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 30, 2011 VAZ,D. S.; REMOALDO, P. C. A.
Sistema de
Ambiente Saúde
Saúde
Biologia
Estilo de Vida
Humana
que ocorrem ainda hoje em dia em algumas partes redução na quantidade de calorias consumidas
do mundo. e uma consequência directa deste facto seria
As doenças eram tidas como castigo uma baixa resistência imunológica, que deixava
divino cuja causa estaria em algum acto que fosse especialmente a população pobre, sujeita a uma
contra princípios doutrinários. Por exemplo, numa maior pré-disposição à incidência de doenças.
passagem do livro de Samuel menciona-se que (Braudel, 1995, p. 67) alega nas suas
terá Jeová, o Deus dos Hebreus, “mandado” uma citações que a baixa resistência imunológica
doença transmitida por ratos, semelhante à peste estabelecida pela escassez alimentar, influenciava
bubônica, com o intuito de castigar os filisteus na multiplicação de doenças em várias regiões.
por se terem apossado da arca sagrada. Numa
outra passagem da Biblía, a peste é descrita como Diante desses ataques em massa,
uma praga que Deus enviou ao Egipto. A Lepra, pensemos na falta de resistência de populações mal
conhecida como Hanseníase, também é muito nutrida, mal protegidas. Confesso que o provérbio
antiga, pois é mencionada no Livro Pentateuco, toscano: “O melhor remédio contra a malária é
do Velho Testamento. uma panela bem cheia” –que muitas vezes citei,
Esse período da humanidade foi marcado me deixa muito convencido.
pelo pouco conhecimento que se possuía em
relação à transmissão de doenças, bem como,
dos seus vectores de transmissão. A forma de Desde o tempo de Hipócrates (480
armazenagem e estocagem de alimentos não era a.C.), que os factores ambientais passaram a ter
feita de maneira correcta. Esta situação pode ser importância nas observações referentes à saúde
tida em alguns casos como condição necessária e ao ambiente. Nesta perspectiva há estudos que
para o surgimento de epidemias de proporções enfatizaram a relação entre o clima e a influência
significativas, associadas ao surgimento de fungos no surgimento de algumas doenças. Os escritos de
e bactérias que durante muito tempo passaram Hipócrates foram tão relevantes que propiciaram a
despercebidos pelo homem, devido ao pouco sistematização de uma área de estudo da Medicina
desenvolvimento das ciências, em especial das conhecida como Saúde Ambiental (Peiter, 2005;
ciências biológicas. Ribeiro, 2004).
Na Idade Média, a história da humanidade Nos séculos XVIII e XIX, emergem os
demonstra que junto com a emergência do período estudos que mantiveram a forte influência
conhecido como Iluminismo, a ciência ganhou dos escritos de Hipócrates, marcados pelo
importância na sistematização de informações ambientalismo. Estes trabalhos apontam para uma
destinadas à melhoria da qualidade de vida maior presença da perspectiva da Geografia, onde
humana. A busca pela racionalidade conduziu ao a noção espacial começa a destacar-se, aparecendo
colocar de lado alguns paradigmas em relação neste período o aflorar de estudos que acabariam
às doenças. Existia a crença de que as doenças, por ser apelidados de Topografias Médicas.
a fome, a precariedade na forma de vida da (Urteaga, 1980, p. 07), remete-nos para
população, em especial na sociedade europeia, uma reflexão acerca da situação de miséria à qual
tinham explicação divina. Isso reflectia-se na algumas populações estavam submetidas e para a
explicação religiosa de tudo - o teocentrismo. sua relação directa com uma maior susceptibilidade
Outro facto interessante, sobre a de contrair alguma enfermidade.
disseminação de algumas doenças que assolaram Por la misma época en que tienen gran
o continente Europeu entre os séculos XIV e XVII, consideración las doctrinas miasmáticas, se
foi a esporádica falta de alimentos, seguida de originan también aquellas interpretaciones de la
graves epidemias, tal como aponta (Braudel, enfermedad como fenómeno social, que alcanzaron
1995). Segundo este autor, sempre que ocorria una amplia difusión en el siglo pasado. A finales
um período de colheita escassa, em que era del XVIII algunos médicos atribuirán a la pobreza,
deficitária a oferta de alimentos, operava-se uma el exceso de trabajo, la mala alimentación, el
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hacinamiento en barrios insalubres, y otros factores pulmonar), Luís XII (tuberculose intestinal) são a
de tipo económico-social, una gran relevancia para prova disso (1560, 1574, 1643). Mas, com o século
explicar el impacto de determinadas enfermedades. XVII, provavelmente vinda da Índia, instala-se uma
tuberculose que virá a ser a mais virulenta do que
Com o processo de expansão marítima a que até então grassava.
propiciada pelo capitalismo comercial a partir Devido à ocorrência de doenças cada
no século XIV, inicia-se a dispersão de novas vez mais virulentas e maléficas para a sociedade
moléstias entre os europeus e os demais povos europeia observou-se a necessidade de estabelecer
que mantinham relações comerciais com os países medidas de protecção à escala nacional e
europeus. Tal como aponta (Casas, 1998, p. 192): internacional. Estas medidas contribuíram para
a criação de fóruns e organismos de cooperação
Otro ejemplo de la influencia de los à escala mundial. Entre alguns objectivos que
cambios ambientales sobre las enfermedades se tinham equacionado, um deles era criar
ocurrió durante el Renacimiento, cuando los viajes condições para controlar fluxos populacionais e
transcontinentales proporcionaron una nueva de mercadorias originários de outros países, pois,
visión del espacio geográfico y el primer esbozo junto com os imigrantes e mercadorias, vinham
de economía mundial. Los primitivos sistemas também pequenos animais, em especial roedores,
coloniales acrecentaron no sólo el comercio y além de alguns protozoários, que são importantes
la difusión de ideas sino también la de ciertas vectores de transmissão de doenças.
enfermedades. La revolución comercial difundió A partir do século XIX, com a Revolução
las enfermedades por todo el planeta; la sífilis Industrial, novos padrões de doenças foram
llegó al Viejo Mundo probablemente desde América emergindo, bem como o agravamento de algumas
(según autores habría sido llevada a Europa por los epidemias já comuns na sociedade. Com a
conquistadores) y la fiebre amarilla llegó a América intensificação do trabalho industrial, a população
probablemente junto con los esclavos africanos. La urbana industrial aumentou consideravelmente. As
viruela y el cólera, endémicos del Extremo Oriente cidades não estavam preparadas para absorverem
y Asia Sudoriental invadieron Europa llevadas todo o contingente populacional que emigrou do
por los barcos. En este período la difusión de las campo para a cidade. Além disso, não se pode
enfermedades transformó las antiguas epidemias ignorar a constituição de uma situação cada vez
en pandemias. mais propícia à poluição ambiental que procedeu da
Revolução Industrial e a sua implicação na causa
de doenças junto da população.
Com o aumento das viagens entre No período da Revolução Industrial,
continentes, a Europa passa a receber doenças ocorreu a proliferação de doenças infecciosas.
de outras regiões do planeta. Segundo (Braudel Este facto pode ser atribuído à criação de
1995, p. 67), por exemplo, a peste inglesa, seguiu condições ambientais favoráveis à disseminação
a mobilidade das navegações mercantilistas de algumas doenças comuns ao meio urbano.
“(…) segundo as lógica do tráfego, (…). Pequeno As condições sanitárias das cidades no período
exemplo, a par desses poderosos movimentos que, da Revolução Industrial eram marcadas pelas
a partir da China e da Índia, passando pelas escalas péssimas condições de vida da população urbana.
sempre ativas de Constantinopla e do Egito, trazem Ressalva-se que o aumento da população urbana
a peste para o Ocidente. nesta época foi rápido e intenso. Nas palavras de
Outro exemplo do intercâmbio de doenças Casas (1998: 192):
que ocorreu entre as diferentes regiões do planeta Durante la Revolución Industrial se
foi a tuberculose. Mais uma vez, (Braudel, 1995, crearon las condiciones ambientales apropiadas
p. 67) menciona que a tuberculose é também para la proliferación de las enfermedades
uma velha freqüentadora da Europa: Francisco II infectocontagiosas. El crecimiento urbano, las
(meningite tuberculosa), Carlos IX (tuberculose condiciones insalubres de las viviendas y el
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hacinamiento en los lugares de trabajo eran e água, antes monopolizadas pelas empresas
apropiados para que el llamado mal del siglo, la privadas. Fazendo uma analogia com a situação
tuberculosis, hiciera estragos en la población. Sin acima descrita na Inglaterra, verifica-se que
embargo, un viejo enemigo, la peste, desapareció ainda hoje, muitos países do terceiro mundo
de Europa, probablemente debido al mismo procuro ficam impossibilitados de tomar medidas de saúde
de urbanización y al cambio en la concepción de las pública nas suas cidades mais importantes. Isso
viviendas (ahora sin granero en la parte inferior) tem sido intensificado pelos interesses económicos
que favoreció el reemplazo de la rata negra por constantes mantidos através da pressão financeira,
la rata gris de Noruega, más adaptada a la vida agora implementada pela globalização. Assim,
urbana. mantém-se o ciclo do caos urbano com moradias
inadequadas, pobreza, má higiene e doenças.
Tal como aponta (Peiter, 2005), esse (Ribeiro, 2004) usando uma citação de Engels
período da história engendrou na sociedade descreve as características ambientais das cidades
pós-iluminismo novos hábitos. Paralelamente, industriais inglesas da seguinte forma (Engels,
a evolução das ciências ajudaram a amenizar 1986: 38, in Ribeiro, 2004):
algumas enfermidades comuns na sociedade. A Todas as grandes cidades possuem um
medicina sanitária surgiu neste período, usando- ou vários bairros de má reputação - onde se
se a prática de formas de controlo epidemiológico concentra a classe operária (…). Habitualmente, as
simples, tais como, o isolamento de áreas de próprias ruas não são planas nem pavimentadas;
ocorrência de doenças, a quarentena e o maior são sujas, cheias de detritos vegetais e animais,
controlo com viajantes vindos de outras regiões. sem esgotos nem canais de escoamento, mas em
A evolução da ciência acabou por contrapartida semeadas de charcos estagnados e
construir novas formas de estudar as doenças. fétidos. Além disso, a ventilação torna-se difícil,
O desenvolvimento de estudos biológicos mais pela má e confusa construção de todo o bairro, e
profundos orientou o surgimento de estudos de como vivem muitas pessoas num pequeno espaço,
vírus e bactérias que influíram na proliferação de é fácil imaginar o ar que se respira nestes bairros
doenças, bem como, os seus respectivos vectores operários.
de transmissão ajudaram a estabelecer condições
para a prevenção de algumas doenças. A qualidade de vida era precária e a
O período moderno de saúde pública teve esperança de vida era baixa, enquanto as taxas
início nas cidades europeias do século XIX sob as de natalidade e de mortalidade eram elevadas.
forças geradas pelo processo de industrialização. A má qualidade de vida de grande parte da
A Revolução Industrial trouxe consigo a pobreza população foi agravada devido às condições
crescente e o aumento desenfreado da população sanitárias e ambientais originárias das cidades que
proporcionando uma significativa deterioração da não dispunham de infra-estruturas básicas que
vida nas cidades industriais. Situação emblemática proporcionassem cidades saudáveis.
foi a da Inglaterra, onde se notou uma concentração
populacional nas cidades de Manchester e de Sendo assim, até àquele período assistimos
Londres, a par da localização das primeiras à Primeira Era da Saúde Pública, que não
indústrias. Na medida em que aumentava a é mais do que a primeira fase da Teoria da
população aumentavam os problemas relacionados Transição Epidemiológica. Esta caracterizou-
com a saúde dos trabalhadores e estes procuraram se pelo predomínio das doenças infecciosas
abrigos nos arredores das fábricas. Naquela época, e parasitárias (as mais mortíferas eram a
a preocupação financeira de muitos políticos, tuberculose, a pneumonia e o paludismo), das
representantes dessa população, impossibilitou doenças por carência alimentar (desnutrição,
que se aprovassem medidas de higiene pública. deficiências calórico-proteicas, avitaminoses) e
Por volta de 1866, o poder público pela ausência de higienização do meio ambiente
coordenou a construção de redes de esgoto (e.g., saneamento, rede pública de abastecimento
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de água) e dos locais de trabalho. Também não (e.g., poluição, baixos níveis de assepsia)
podemos esquecer o problema das diarreias propiciaram o desencadeamento de epidemias.
infantis, que estavam frequentemente ligadas a Após o período de guerra a sociedade
deficiências nutricionais. contemporânea entrou numa nova fase
De acordo com Pickenhayn (2006), com a epidemiológica e várias doenças foram descobertas.
evolução dos estudos em saúde, no século XIX, foi Em paralelo com a evolução das técnicas, bem
observada uma mudança significativa nos saberes como, de medidas para se evitar a transmissão
em relação às doenças, em especial na relação de doenças, a descoberta de vacinas auxiliou na
meio ambiente e doença. Isto foi caracterizado por extinção de doenças, em várias partes do mundo,
(Pickenhayn, 2006, p. 261) como: tais como, a tuberculose e a febre amarela.
Esta mística llegó al siglo XIX, Sendo assim, depois de um longo período
cuando los avances tecnológicos de elevada mortalidade, uma baixa esperança de
ampliaron las fronteras de vida e um predomínio das doenças infecciosas e
la medicina produciendo de nutrição, onde os recém-nascidos, as crianças
resultados importantes. pequenas, as mulheres grávidas e lactentes, os
Micróbios y miasmas, agentes a adultos em profissões de risco e os idosos eram
los que se atribuyeron las causas os mais atingidos passamos para uma nova fase.
de lãs epidemias, difundieron, Nesta segunda fase observa-se o declínio daquele
además de las pestes, una tipo de patologias, um aumento da esperança de
enconada controvérsia entre vida e uma maior frequência das doenças crónico-
los médicos. degenerativas (e.g., os tumores, os acidentes cardio
e cérebro-vasculares - Remoaldo, 2008). Esta
A reforma urbana originária das cidades segunda fase, equivale à transição epidemiológica
européias do século XIX, decorreu, em especial, propriamente dita, e foi apelidada de Segunda Era
da cidade de Paris que serviu de base para uma da Saúde Pública. Iniciou-se após a segunda Guerra
melhoria nos padrões de vida das populações Mundial nos países mais desenvolvidos, mas foi
urbanas do final do século XIX. Entre 1853 e mais evidente a partir da década de sessenta e
1869, o Barão Haussmann, citado por Le Corbusier de setenta, em vários países europeus, tais como
(2000), foi considerado um dos percussores do Portugal. Revela o desenvolvimento de novos
planeamento racional do espaço, tendo na cidade tipos de doenças e de outras existentes, que eram
de Paris uma referência. Tal como aponta Le antes pouco representativas (e.g., a obesidade,
Corbusier (2000), devido aos grandes problemas a diabetes, a hipertensão, as afecções cardio-
que o ambiente urbano propiciava, foi necessária vasculares e cérebro-vasculares, os tumores).
“uma verdadeira cirurgia no espaço”, afim de se O processo de urbanização que ocorreu
mitigar problemas relacionados com a ocupação nos países capitalistas periféricos, a partir da
irregular em diferentes áreas da cidade. O segunda metade do século XX, trouxe impactos
resultado dessas ocupações irregulares era nos perfis de morbimortalidade das populações.
observado, por exemplo, no mau funcionamento Esses impactos colocaram a questão urbana na
do trânsito, espaço com poucas infras-estruturas, agenda da saúde. A cidade tornou-se o local por
precário saneamento, caracterizando-se por serem excelência de desigualdade e pobreza. Como afirma
territórios insalubres à ocupação. (Santos, 2004, p. 10):
No período entre a primeira e segunda
Grandes Guerras Mundiais, ocorreram milhares A cidade em si, como relação
de mortes na Europa. Neste período assistiu-se, social e como materialidade,
sobretudo, à escassez de alimentos e a um elevado tornou-se criadora de
número de vítimas mortais, que associados a fracas pobreza, tanto pelo modelo
infra-esfraestruturas (e.g., saneamento, destruição socioeconômico de que é o
das habitações) e a uma má condição ambiental suporte como por ter sua
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No período contemporâneo percebemos dos anos oitenta do século XX, que se assistiu à
também um aumento nas doenças respiratórias, publicação de vários trabalhos científicos, num
devido ao aumento constante da poluição do período em que a ciência geográfica se abria
ar (Ribeiro, 2004). Nas cidades, o problema do a outras temáticas, tais como, a Geografia do
transporte colectivo agrava esta situação, pois Turismo e a Geografia do Género. São exemplo
quando se tem um deficiente sistema de transporte, disso os estudos de (Simões, 1989); (Santana,
o uso do automóvel torna-se imprescindível, além 1993, 2002, 2005); (Remoaldo, 1993, 1998, 2002,
da poluição originária das grandes indústrias. 2008, 2009); (Nogueira, 2001, 2006, 2008, 2009);
No entanto, em alguns casos, as queimadas que (Nogueira e Remoaldo, 2009).
ocorrem próximas a algumas cidades do centro Desde, sobretudo o século XIX, que
oeste brasileiro têm propiciado o surgimento de têm sido realizados vários estudos em ciências
problemas respiratórios à sua população residente sociais e em ciências da saúde onde o espaço
que habita próximo dessas áreas. Estas novas se afigura como uma componente importante
problemáticas vieram ajudar ao desenvolvimento para se perceber a saúde. Os contactos iniciais
da Geografia da Saúde quer no Brasil quer em entre a geografia científica e a epidemiologia,
Portugal. ambas ainda sob a influência predominante da
tradição positivista do século XIX, resultou nos
primeiros trabalhos sistemáticos de Geografia
2-NOVAS PERSPECTIVAS PARA A GEOGRAFIA Médica, voltados para a descrição minuciosa da
DA SAÚDE BRASILEIRA E PORTUGUESA distribuição regional das doenças, empregando
vastos recursos cartográficos. Resultaram deste
2.1-A GEOGRAFIA DA SAÚDE NA ACTUALIDADE contacto monumentais atlas de Geografia Médica
da segunda metade do século XIX, que orientavam
No seio da Geografia contemporânea, a obras de saneamento ambiental e, especialmente,
Geografia da Saúde apresenta-se como um sub- fundamentavam medidas preventivas a serem
ramo que vem cativando cada vez mais novos tomadas pelos exércitos europeus em caso de
pesquisadores, principalmente no Brasil, pois a ocupação militar de territórios insalubres do
pequena comunidade geográfica portuguesa tem mundo tropical. Também na segunda metade do
sido um importante handicap ao desenvolvimento século XIX surgem os tratados de climatologia
deste sub-ramo. Pelo contrário, a extensa médica, elaborados com maior rigor científico,
comunidade geográfica brasileira e com uma mais que procuram correlacionar a ocorrência das
prolongada formação em Matemática no ensino não doenças, directa ou indirectamente, com aspectos
superior, parece permitir uma maior facilidade de da geografia física, em especial com as variações
adesão a este sub-ramo e à utilização dos Sistemas climáticas.
de Informação Geográfica no campo da saúde. Tal como aponta (Edler, 2001), no final do
É perceptível o aflorar de novas discussões século XVIII, percebeu-se o uso de novas práticas
que vêm ganhando importância dentro da ciência higienistas que contribuíram para uma melhoria
geográfica, que devem acontecer no intuito de na qualidade de vida do homem. Segundo (Edler.
primeiro conseguir a afirmação deste sub-ramo 2001, p. 928):
que não é novo, mas que andou esquecido durante Condições naturais
muito tempo pela maioria dos Geógrafos brasileiros podiam ser alteradas
e portugueses. Em Portugal, ainda que tenha sido diretamente por meio,
um médico (Silva Telles) que primeiro assumiu por exemplo, de secagem
uma cátedra de Geografia numa Universidade de pântanos ou abertura
portuguesa (em 1904), tal facto não foi prenúncio de clareiras em florestas,
de um maior desenvolvimento da Geografia da tornando-se tópicos de
Saúde. Pelo contrário, seria apenas a partir dos grande relevância para os
anos setenta e de forma mais consistente a partir higienistas. Além disso,
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(Jésus Pérez) se preocuparam com a evolução da destaca-se, pois, algumas doenças vão ser mais
Geografia da Saúde à escala da Península Ibérica. intensas ou não mediante as características
Claro que o destaque desta Comissão específicas do lugar. Esse argumento ganha
derivou também do facto de estar então a decorrer importância na medida em que temos no espaço a
o United Nations International Year of Planet Earth associação de diversos factores que vão influenciar
e as questões do Global Environmental Change and na maior ou menor pré-disposição de doenças a
Human Health serem determinantes. que um indivíduo pode estar sujeito em função do
Também se observou, derivado dos avanços lugar onde reside (Barcellos e Machado, 1998).
tecnológicos da sociedade, um aumento significativo A N.O.B. (Norma Operacional Básica) 96,
dos que trabalham com S.I.G. (Sistemas de apontada nas diretrizes do Sistema Único de Saúde
Informação Geográfica) e em Geografia Cultural, em (S.U.S.) do Brasil, coloca os níveis de gestão a
especial os estudos voltados para a territorialização que estão submetidos Estados e Municípios, de
de algumas religiões, detendo expressão no Brasil. modo a que o processo de gestão possa atender
A Geografia da Saúde, que se afigura mais às características peculiares de cada situação, ou
abrangente do que a designação de Geografia seja, de cada lugar. A progressiva transformação
Médica e que desde 1976 tem adoptado esta do meio natural em meio científico-técnico-
designação à escala internacional, tem tido informacional, agravado pelos meios de produção,
dificuldade em afirmar o seu potencial de estudos tal como aponta Santos (2001, 2004), aumenta
quer no Brasil quer em Portugal. Não obstante, a desarmonia na relação homem-meio, e, entre
há inúmeras áreas que permitem ao Geógrafo a os próprios homens. As deteriorações do espaço,
sistematização de estudos capazes de orientarem das condições de vida, da saúde e do bem-estar,
o planeamento e a gestão de serviços de saúde e forçam a convergência profissional de objectivos
que têm em conta as necessidades locais de uma e enfoques.
determinada população. Tal orientação constitui-se A mobilidade espacial é considerada de grande
de grande valia, principalmente, para países menos relevância, de acordo com (Becker, 1995, p. 319):
desenvolvidos, pois, na maioria das vezes, esses
Os deslocamentos de
países detêm recursos escassos para ofertarem à
populações em contextos
sua população.
variados e envolvendo ao
A intensificação dos fluxos de trocas entre
longo do tempo escalas
regiões impede que estas sejam vistas como
espaciais diferenciadas
autónomas. Para se estudar uma região deve-se
conferiram complexidade
compreender as relações, as formas, as funções,
crescente ao conceito
as organizações e as estruturas, que envolvem
de mobilidade como
necessariamente a inter-relação das forças
expressão de organizações
presentes em diferentes escalas: local, regional,
sociais, situações
nacional e global (Santos, 1988, in Barcellos e
conjunturais e relações
Machado, 1998).
de trabalho particulares.
O lugar permite a compreensão da
passagem da escala macro espacial para a micro, Para a Geografia da Saúde, o conceito
no momento em que se percebem as nuances de mobilidade espacial expressa a deslocação do
específicas do lugar. Numa sociedade tida como indivíduo em relação a um atendimento e isto
global, em que os ditames são impostos de cima decorre de uma escala espaço-temporal a nível
para baixo, faz com que algumas características local. A mobilidade do indivíduo na obtenção de um
sejam corrompidas pela influência externa. Na atendimento médico pode ser associada ao meio de
Geografia, o lugar permite demonstrar aspectos transporte utilizado por ele. Desta forma ressalta-
singulares de um determinado espaço. se a importância dos meios de transporte público
Ao enfatizar tais características em estudos e o benefício que estes podem trazer ao cidadão.
voltados para a Geografia da Saúde, o lugar A mobilidade espacial está associada
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e habilidade para analisar simultaneamente a ramos relacionados com a saúde, como a saúde
dimensão dinâmica e espacial de fenómenos como pública e a epidemiologia. Abriga uma equipa
epidemias (Remoaldo, 2008). interdisciplinar no seu quadro de pesquisadores,
Numa abordagem pautada pela sociologia, formada, entre outros, por médicos, sociólogos,
(Freyre, 1983) abordou questões relacionadas com geógrafos e biólogos. Sobressaem no seio desta
o clima tropical do Brasil, bem como, os aspectos equipa, os professores Christovam Barcellos
de cunho sócio-cultural e histórico para analisar a pesquisador titular Fundação Oswaldo Cruz,
situação da saúde, apontando a urbanização e a (FIOCRUZ/RJ), Brasil. Na mesma instituição
industrialização como causa para o agravamento encontra-se o pesquisador Paulo César Peiter
dos problemas médico-sanitários no Brasil. (vencedor, em 2006, do prémio CAPES de melhor
tese de doutoramento em Geografia), com a tese
No Brasil, a Economia, influenciada pela intitulada “Geografia da saúde na faixa de fronteira
ciência demográfica, é uma das ciências que tem continental do Brasil na passagem do milênio”.
apresentado vários estudos em Economia da O CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de
Saúde. Esses estudos têm levado em consideração Pessoal de Nível Superior), é um orgão do governo
temas, tais como, a fecundidade, a esperança brasileiro que visa a melhoria da pós-graduação
de vida, a tipologia socioeconómica e as suas brasileira, através de avaliação, divulgação,
implicações nas condições de acesso a serviços formação de recursos e promoção da cooperação
de saúde, a distribuição geográficas de serviços científica internacional.
de saúde, a desigualdade social sobre os serviços
de saúde (consultar publicações da A.B.E.P. - Outra fonte importante de dados é
Associação Brasileira de Estudos Populacionais disponibilizada pelo I.B.G.E. (Instituto Brasileiro
- disponíveis em www.abep.br, e CEDEPLAR, de Geografia e Estatística), que produz relatórios
textos para discussão, disponíveis em www. a nível nacional referentes à saúde da população
cedeplar.br). A produção científica apresentada brasileira.
nos eventos realizados pela Associação Brasileira
de Estudos Populacionais, bem como, por Segundo (Guimarães, 2001), no encontro
alguns departamentos de Economia de algumas da Associação dos Geógrafos Brasileiros (A.G.B.),
universidades federais têm contribuído, de realizado em Julho de 2000, em Florianópolis, em
sobremaneira para uma melhor avaliação da Santa Catarina, foi promovida uma mesa redonda
acessibilidade aos serviços de saúde. Também em que foi privilegiada a discussão da Geografia
a produção científica do CEDEPLAR (Centro de e Saúde. Destacam-se estudos de autores, antes
Desenvolvimento de Planejamento Regional da desta fase, não só de Geógrafos como também de
Universidade Federal de Minas Gerais), tem sido economistas, Sociólogos, Médicos que já tinham
significativa e sustentada pela apresentação de nos seus estudos a preocupação da análise da
dissertações e teses em Economia da Saúde. saúde em relação ao espaço.
da obesidade continuarão a atrair jovens vertentes da Educação para a Saúde, bem como,
investigadores, pelos motivos que já invocámos. As na abordagem das políticas públicas e seus
questões epistemológicas da Geografia da Saúde impactos socioespaciais. O futuro dirá se estas
à escala da Península Ibérica também parecem novas temáticas irão possibilitar a sistematização
começar a preocupar alguns investigadores e de estudos que abrangem a realidade espacial e
alguns deles estão a começar a trabalhar em se irão contribuir para a melhoria da qualidade de
equipa (Remoaldo, Nogueira e Pérez, 2010). E têm vida da população por meio da promoção da saúde.
emergido cada vez mais trabalhos que avaliam a
influência do lugar (place) nos comportamentos 3-CONCLUSÕES
alimentares dos indivíduos, facto que segue
algumas das tendências da investigação à escala Na nossa análise tentámos demonstrar
internacional. Preocupam-se, por exemplo, com o que a Geografia representa para a sociedade,
a avaliação do local de residência das crianças, ou seja, a sua importância como ciência social,
em termos de condições para a realização de ganhando um novo élan quando trazemos para
actividade física (envolvente da residência), quer a sua abordagem a questão da doença e da
sejam institucionalizadas ou não (e.g., ginásios, saúde. Infelizmente, só nas últimas décadas
campos de futebol, caminhos pedestres, ciclovias, emergiu como sub-ramo no seio da Geografia,
existência de passeios nas vias). Centram-se, e recentemente passou a agregar cada vez mais
por outro lado, na avaliação dos equipamentos pesquisadores interessados em desenvolverem
existentes e na identificação dos espaços mais estudos ligados à saúde.
deficitários. Por último, tentam propor áreas de No âmbito desta ascensão fica a
intervenção a curto prazo, no sentido de melhorar necessidade de rever questões de cunho teórico-
a rede de equipamentos e infra-estruturas que metodológico para que a Geografia da Saúde ganhe
permitam a realização de exercício físico e o o seu espaço no seio da sociedade. Desta forma,
desenvolvimento de uma vida mais saudável (e.g., podemos ver em órgãos de governo brasileiros
Monteiro, 2009). (tanto à escala federal, estadual como municipal)
No Brasil, depois das investigações ligados a políticas de planeamento da saúde,
se terem direccionado preferencialmente para o trabalho de Geógrafos, não somente usando
as questões da acessibilidade aos cuidados de ferramentas para mapeamento, mas utilizando
saúde, esta temática passou a estar associada técnicas de mapeamento como um atributo a mais
aos Sistemas de Informações Geográfica (S.I.G.). para oferecer à população uma saúde melhor.
Outra vertente de estudos desenvolvida em várias No Brasil, visto que o desenvolvimento
regiões do Brasil está relacionada com o estudo das da Geografia da Saúde é muito recente e são
doenças infecciosas e parasitárias, destacando- exíguos os trabalhos desenvolvidos, ainda
se o Dengue, a Malária, associando a Geografia estamos a dar os primeiros passos neste domínio.
da Saúde às questões ambientais. As questões Assim, depois das investigações se terem
climáticas e as suas relações com o estado de direcionado preferencialmente para as questões
saúde é uma temática que está sendo trababalhada da acessibilidade aos cuidados de saúde (nas
nos últimos anos, sobressaindo os trabalhos de suas diversas vertentes) e para a disseminação
(Ribeiro, 1996) e (Moraes, 2007). de algumas epidemias, começamos a dar os
A s q u e s t õ e s q u e e nvo l ve m a s primeiros passos nas questões do envelhecimento,
acessibilidades, redes, localização de equipamentos da herança cultural e noutras vertentes da
de saúde constituem alguns temas que estão a Educação para a Saúde. O futuro dirá se estas
aflorar nos estudos de Geografia da Saúde. Um novas temáticas poderão cativar novos Geógrafos
domínio de investigação ainda deficitário é o da brasileiros.
epistemologia da Geografia da Saúde. Começamos No que concerne à Geografia da Saúde
a dar os primeiros passos nas questões do portuguesa, apesar de contar actualmente com
envelhecimento, da herança cultural e noutras um número reduzido de investigadores, que não
190 - GEOUSP - Espaço e Tempo, São Paulo, Nº 30, 2011 VAZ,D. S.; REMOALDO, P. C. A.
ultrapassa os quatro e concentrados em apenas revelaram durante muito tempo pelo contributo
duas Universidades (Universidade de Coimbra que os Geógrafos podem dar na análise da saúde.
e Universidade do Minho), tem conseguido, Não obstante, a descoberta da escala mais local
neste novo milénio, comunicar de forma mais e do potencial dos Sistemas de Informação
efectiva com os profissionais de saúde. Estes, Geográfica vieram alertá-los para a necessidade
sempre se assumiram como uma comunidade de trabalharem em conjunto com os Geógrafos.
fechada, sobretudo os médicos, e pouco interesse
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