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1 EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PROCURADOR DA RÉPUBLICA DA

2 PROCURADORIA DA REPÚBLICA EM SÃO PAULO

6 PR-SP-00012350/2011

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11 HAMILTON WILLIAM DOS SANTOS, brasileiro, solteiro, OAB/SP


12 303864 (doc. fls. 12), R.G. 22.433.929-1, C.P.F. 172.495.578-07, residente e domiciliado à Av
13 Bernardo Mendes da Silva, 275, CEP 02952-000, São Paulo, Capital, por meio de seu
14 advogado (art. 39, CPC), que esta subscreve, vem, respeitosamente, perante Vossa
15 Excelência, juntar novos documentos aos autos da REPRESENTAÇÃO PARA
16 INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO CRIMINAL em face do Deputado Federal do Partido Social
17 Cristão (PSC-SP), MARCO ANTONIO FELICIANO.
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19 1. Cuida-se de juntada do Voto da ADI 4277 e ADPF 132-RJ1, da lavra do Senhor Ministro
20 Relator Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal, que conferiu ao “art. 1.723 do Código
21 Civil interpretação conforme à Constituição, para dele excluir qualquer significado que impeça o
22 reconhecimento da união contínua, pública e duradoura entre pessoas do mesmo sexo como
23 „entidade familiar‟, entendida esta como sinônimo perfeito de „família‟”.
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25 2. Trata-se, destarte, de um leading case, emanado do órgão da cúpula do Poder
26 Judiciário, responsável pela guarda da Constituição Federal. Esta decisão tem, portanto, o
27 condão de vincular as demais decisões sobre o tema em todo o país. Além disso, o voto do
28 Ministro Ayres Britto elucida, de forma clara e definitiva, vários preceitos constitucionais
29 basilares à boa convivência social – totalmente violados e ignorados pelo deputado

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http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI4277.pdf
30 Pastor Marco Feliciano-, de modo que vale sublinhar seus pontos mais importantes a
31 esta douta Procuradoria da República, a fim de aclarar ainda mais a ilicitude dos atos do
32 denunciado, para eventual persecução criminal do mesmo.
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34 3. Quanto à questão saliente da preferência sexual das pessoas, afirma o Ministro Britto, em
35 preliminar, que „nada incomoda mais as pessoas do que a preferência sexual alheia,
36 quando tal preferência já não corresponde ao padrão social da heterossexualidade. É a
37 perene postura de reação conservadora aos que, nos insondáveis domínios do afeto, soltam
38 por inteiro as amarras desse navio chamado coração‟. (§ 3º, p. 4)
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40 4. No mérito, salienta o Ministro Ayres Britto que é na Lei das Leis que „que se encontram as
41 decisivas respostas para o tratamento jurídico a ser conferido às uniões homoafetivas,
42 que se caracterizem por sua durabilidade, conhecimento do público (não-
43 clandestinidade, portanto) e continuidade, além do propósito ou verdadeiro anseio de
44 constituição de uma família‟. Neste ponto, já se nota que a Corte Suprema Brasileira defende
45 que sentimentos e relações homoafetivas são como outros quaisquer, e tem o propósito de
46 constituir uma família. Destarte, diferentemente do que afirma, de forma preconceituosa e
47 discriminatória, o deputado federal pastor Marco Feliciano, os sentimentos homoafetivos não
48 levam ao „ódio, ao crime, à rejeição‟.
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50 5. Outrossim, pondera, com bastante acuidade, o eminente Ministro Britto que “o sexo das
51 pessoas, salvo expressa disposição constitucional em contrário, não se presta como
52 fator de desigualação jurídica. É como dizer: o que se tem no dispositivo constitucional
53 aqui reproduzido em nota de rodapé (inciso IV do art 3º) é a explícita vedação de
54 tratamento discriminatório ou preconceituoso em razão do sexo dos seres humanos.
55 Tratamento discriminatório ou desigualitário sem causa que, se intentado pelo comum
56 das pessoas ou pelo próprio Estado, passa a colidir frontalmente com o objetivo
57 constitucional de “promover o bem de todos” (este o explícito objetivo que se lê no
58 inciso em foco)”. Não é outro o tratamento discriminatório e preconceituoso que o
59 representante do povo Deputado Pastor Feliciano, cujas benesses, salário, custos das
60 instalações e agregados são pagos com dinheiro público, proferiu em suas „twitadas‟. Em seus
61 „twitters‟, de cunho iminentemente „desigualitários‟, o denunciado procura colocar-se, por assim
62 dizer, num patamar „acima‟ de homossexuais, negros e todos os outros supostamente
63 „amaldiçoados‟ que não comungam de suas duvidosas opiniões.
64 6. No tocante às discriminações de cunho racial feitas pelo Deputado Pastor Feliciano, convém
65 citar a afirmativa feita no voto do Ministro Ayres Britto, segundo a qual o “preâmbulo da nossa
66 Lei Fundamental” consagra o “Constitucionalismo fraternal”, “que se volta para a integração
67 comunitária das pessoas (não exatamente para a „inclusão social‟), a se viabilizar pela
68 imperiosa adoção de políticas públicas afirmativas da fundamental igualdade civil-moral (mais
69 do que simplesmente econômico-social) dos estratos sociais historicamente desfavorecidos e
70 até vilipendiados. Estratos ou segmentos sociais como, por ilustração, o dos negros, o dos
71 índios, o das mulheres, o dos portadores de deficiência física e/ou mental e o daqueles que,
72 mais recentemente, deixaram de ser referidos como „homossexuais‟ para ser identificados pelo
73 nome de „homoafetivos‟. Isto de parelha com leis e políticas públicas de cerrado combate ao
74 preconceito, a significar, em última análise, a plena aceitação e subseqüente
75 experimentação do pluralismo sócio-políticocultural. Que é um dos explícitos valores do
76 mesmo preâmbulo da nossa Constituição e um dos fundamentos da República Federativa do
77 Brasil (inciso V do art. 1º). Mais ainda, pluralismo que serve de elemento conceitual da própria
78 democracia material ou de substância, desde que se inclua no conceito da democracia dita
79 substancialista a respeitosa convivência dos contrários. Respeitosa convivência dos
80 contrários que John Rawls interpreta como a superação de relações historicamente servis ou
81 de verticalidade sem causa. Daí conceber um „princípio de diferença‟, também estudado por
82 Francesco Viola sob o conceito de „similitude‟ (ver ensaio de Antonio Maria Baggio, sob o título
83 de “A redescoberta da fraternidade na época do „terceiro‟ 1789”, pp. 7/24 da coletânea “O
84 PRINCÍPIO ESQUECIDO”, CIDADE NOVA, São Paulo, 2008).
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86 7. É importante notar aqui, que o eminente Ministro coloca questões relevantes relativas ao
87 mister do legislador Deputado Federal Pastor Feliciano, qual seja, que é necessário adotar
88 „políticas públicas‟ atinentes à „igualdade civil-moral‟, bem como „leis e políticas públicas‟ que
89 combatam o preconceito, de modo a tornar nossa sociedade aberta ao „pluralismo sócio-
90 políticocultural‟. É curioso notar, neste ínterim, que o deputado Pastor Feliciano, e outros
91 representantes do povo que insistem em emitir publicamente opiniões do mesmo jaez,
92 sejam advertidos sobre a função precípua que lhes cabe enquanto legisladores pelo voto
93 do Ministro Ayres Britto- ainda que subliminarmente- quando, na verdade, assume-se
94 que deputados federais, quando eleitos, já sabem – ou deveriam saber - exatamente a
95 função que devem exercer, enquanto deputados.
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97 8. Destarte, como já se aludiu na Representação Inicial a esta douta Procuradoria da República
98 (§19/linhas 174/180), o denunciado deveria se focar mais em seu trabalho como representante
99 do povo, e em como contribuir para transformar a sociedade brasileira numa sociedade mais
100 democrática, solidária e justa, ao invés de ficar agindo de modo irresponsável, preconceituoso,
101 racista e discriminatório na rede de microblog „Twitter‟.
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103 9. Além disso, o Ministro Ayres Brito resume, de forma notável, o conceito de preconceito,
104 caracter afinal inerente ao deputado Pastor Marco Feliciano em suas „twitadas‟, senão vejamos.
105 “Mas é preciso lembrar que o substantivo „preconceito‟ foi grafado pela nossa Constituição com
106 o sentido prosaico ou dicionarizado que ele porta; ou seja, preconceito é um conceito prévio.
107 Uma formulação conceitual antecipada ou engendrada pela mente humana fechada em si
108 mesma e por isso carente de apoio na realidade. Logo, juízo de valor não autorizado pela
109 realidade, mas imposto a ela. E imposto a ela, realidade, a ferro e fogo de u‟a mente
110 voluntarista, ou sectária, ou supersticiosa, ou obscurantista, ou industriada, quando não
111 voluntarista, sectária, supersticiosa, obscurantista e industriada ao mesmo tempo. Espécie de
112 trave no olho da razão e até do sentimento, mas coletivizada o bastante para se fazer de traço
113 cultural de toda uma gente ou população geograficamente situada. O que a torna ainda mais
114 perigosa para a harmonia social e a verdade objetiva das coisas. Donde René Descartes
115 emitir a célebre e corajosa proposição de que „Não me impressiona o argumento de autoridade,
116 mas, sim, a autoridade do argumento‟, numa época tão marcada pelo dogma da infalibilidade
117 papal e da fórmula absolutista de que „O rei não pode errar‟ („The king can do no wrong‟).
118 Reverência ao valor da verdade que também se lê nestes conhecidos versos de Fernando
119 Pessoa, três séculos depois da proclamação cartesiana: „O universo não é uma idéia minha./A
120 idéia que eu tenho do universo é que é uma idéia minha‟”.
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122 10. Cotejando esta citação do voto do Ministro Britto com as „twitadas‟ do deputado Pastor
123 Feliciano, percebe-se que os adjetivos nela elencados podem ser facilmente associados à
124 conduta do deputado Feliciano em seus „twiters‟, uma vez que o mesmo demonstra ser uma
125 pessoa com uma „mente obscurantista, superticiosa, sectária, fechada em si mesmo‟, sem base
126 na realidade, que tem uma „trave no olho da razão e até do sentimento‟, „autoritária‟ e que
127 oferece „perigo a harmonia social‟ e à „verdade objetiva das coisas‟.
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129 11. Outrossim, frisa o eminente Ministro Britto que “há mais o que dizer desse emblemático
130 inciso IV do art. 3º da Lei Fundamental brasileira. É que, na sua categórica vedação ao
131 preconceito, ele nivela o sexo à origem social e geográfica da pessoas, à idade, à raça e à cor
132 da pele de cada qual; isto é, o sexo a se constituir num dado empírico que nada tem a ver com
133 o merecimento ou o desmerecimento inato das pessoas, pois não se é mais digno ou menos
134 digno pelo fato de se ter nascido mulher, ou homem. Ou nordestino, ou sulista. Ou de pele
135 negra, ou mulata, ou morena, ou branca, ou avermelhada. Cuida-se, isto sim, de algo já
136 alocado nas tramas do acaso ou das coisas que só dependem da química da própria Natureza,
137 ao menos no presente estágio da Ciência e da Tecnologia humanas”. Com este argumento,
138 fica claro que o ideário e a pretensão de superioridade emanadas das palavras do deputado
139 federal Pastor Cristão Marco Feliciano, seja em relação a negros, seja em relação a
140 homossexuais, não encontra guarida no entendimento do Pretório Excelso, a quem cabe, frise-
141 se, fazer a melhor interpretação do caso concreto de acordo com a Constituição Federal, que,
142 reiter-se, é a Lei das Leis do país.
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144 12. Um outro aspecto notado pelo Ministro Ayres Britto (§18), refere-se ao de que, conforme
145 expressa disposição constitucional, „ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo,
146 senão em virtude de lei‟. E, como a Constituição Federal silencia sobre o modo como os
147 indivíduos devem dispor sobre sua sexualidade e intimidade, isto significa, à maneira de
148 Kelsen, que „tudo que não estiver juridicamente proibido, ou obrigado, está
149 juridicamente permitido‟. Não cabem, destarte, considerações, ingerências, interferências e
150 abusos morais autoritários, por parte do Deputado Federal Pastor Marco Feliciano, ou de quem
151 quer que seja, na intimidade, na vida privada e no modo com que cada pessoa deseje dispor
152 de sua vida sexual, privacidade e intimidade, sob pena de lei.
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154 13. Está vedada igualmente a discriminação em relação aos homoafetivos no seguinte trecho
155 do §25 do voto do Ministro Ayres Britto, no qual se pondera haver „um direito constitucional
156 líquido e certo à isonomia entre homem e mulher: a) de não sofrer discriminação pelo
157 fato em si da contraposta conformação anátomofisiológica; b) de fazer ou deixar de fazer
158 uso da respectiva sexualidade; c) de, nas situações de uso emparceirado da
159 sexualidade, fazê-lo com pessoas adultas do mesmo sexo, ou não; quer dizer, assim
160 como não assiste ao espécime masculino o direito de não ser juridicamente equiparado
161 ao espécime feminino − tirante suas diferenças biológicas −, também não assiste às
162 pessoas heteroafetivas o direito de se contrapor à sua equivalência jurídica perante
163 sujeitos homoafetivos. O que existe é precisamente o contrário: o direito da mulher a
164 tratamento igualitário com os homens, assim como o direito dos homoafetivos a
165 tratamento isonômico com os heteroafetivos‟.
166
167 14. Por fim, o eminente Ministro Ayres Britto coloca de forma inequívoca que o conceito de
168 Família, tipificado no art. 226 da Carta Política, não deve ser interpretado restritivamente, tal
169 como o faz o Deputado Pastor Marco Feliciano, para quem „família‟ se refere apenas ao casal
170 homem/mulher. A Família “que recebe proteção Estatal”, afirma o Ministro, é aquela “em seu
171 coloquial ou proverbial significado de núcleo doméstico, pouco importando se formal ou
172 informalmente constituída, ou se integrada por casais heterossexuais ou por pessoas
173 assumidamente homoafetivas. Logo, família como fato cultural e espiritual ao mesmo tempo
174 (não necessariamente como fato biológico)”. Trata-se, destarte, de mais um entendimento que
175 faz erodir a „interpretação‟ limitada e de senso comum proveniente do deputado federal Pastor
176 Marco Feliciano, a qual, reitere-se, não encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio,
177 devendo ser rechaçada de plano.
178
179 15. Isto posto, o Autor reafirma o pedido para que esta douta Procuradoria acolha sua
180 representação criminal em face do deputado federal Pastor Marco Feliciano, por crimes de
181 racismo e homofobia, encaminhando-se a mesma ao Supremo Tribunal Federal, por ser
182 medida da mais lídima Justiça!
183
184 Nestes Termos,
185
186 Pede Deferimento,
187
188 São Paulo, 06 de maio de 2011.
189
190
191 Hamilton William dos Santos

192 OAB/SP 303864

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