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O elemento dinâmico
1. A política, enquanto forma mais completa de cultura, não pode senão trazer
como preocupação fundamental o homem. No discurso à Unesco, João Paulo II disse:
"A cultura situa-se sempre em relação essencial e necessária com o que é o homem."
A coisa mais interessante a ser observada é que o homem é uno na realidade
do seu eu. Naquele mesmo discurso, o Papa observa: "É preciso sempre, na cultura,
considerar o homem integral, o homem todo inteiro, em toda a verdade da sua
subjectividade espiritual e corporal. É preciso não sobrepor à cultura- sistema
autenticamente humano, síntese esplêndido do espírito e do corpo- divisões ou
oposições preconcebidas.
O que determina, ou seja, o que dá forma a esta unidade do homem, do eu? É
aquele elemento dinâmico que através das perguntas, das exigências fundamentais em
que se exprime, guia a expressão pessoal e social do homem. Em poucas palavras, eu
chamo senso religioso este elemento dinâmico, este factor fundamental que se
exprime no homem através de perguntas, insistências, solicitações pessoais e sociais.
A forma da unidade do homem é o senso religioso.
Lembro o capítulo 17 dos Actos dos Apóstolos, onde São Paulo explica a 1
grande e incontível migração dos povos como busca de Deus.
O senso religioso parece-me, assim, a raiz da qual brotam os valores. Um
valor, em última instância, consiste na prespectiva da relação entre algo contingente e
a totalidade, o absoluto. A responsabiliadade do homem, através de todos os tipos de
solicitações que lhe vêm do impacto com o real, empenha-se na resposta às perguntas
que o senso religioso (a Bíblia diria: o "coração" do homem) exprime.
O poder
2. No jogo desta responsabilidade diante dos valores, o homem tem que lidar
com o poder. Entendo por "poder" o que em um livro seu- assim entitulado- Romano
Guardini definia como delineamento do escopo comum e organização das coisas para
a sua obtenção.
O poder, ou é determinado pela vontade de servir a criatura de Deus no seu
desenvolvimento dinâmico (ou seja, servir o homem, a cultura e a práxis que dela
deriva), ou então tende a reduzir a realidade humana àquilo que previamente decidiu
como imagem própria das evoluções do real, isto é, da história.
Tem-se, assim, em Estado que se coloca como fonte de todos os direitos e que,
portanto, reduz o homem, como diz a Gaudium et Spes, a "um bocado de matéria ou
cidadão anónimo da cidade terrena".
A grande homolgação
4. Qual é a consequência de tudo isto?
O panorama da vida social torna-se sempre mais uniforme, cinzento: é a
grande "Homolgação" de que falava Pasolini. Uma situação que poderia ser descrita
com uma fórmula: o P (poder) em proporção directa ccom um I (impotência). O poder
tornar-se-ia prepotência diante duma impotência preseguida, justamente, com a
redução sistemática dos desejos, das exigências e dos valores.
Permito-me citar um trecho do grande escritor checoslovaco Vaclav
Belohradsky, um dos primeiros a assinar a Charta 77. Diz: "Tradição europeia
significa não poder viver nunca para além da consciência, reduzindo-a a um aparato
anónimo como a lei ou o Estado. Esta prisão da consciência é uma herança da tradição
grega, cristã e burguesa. A irredutibilidade da consciência às instituições é ameaçada
na época dos meios de comunicação de massa, dos Estados totalitários e da
informatização geral da sociedade. De facto, é muito fácil para nós conseguir imaginar 2
instituições organizadas tão perfeitamente a ponto de impor como legítimas todas as
suas acções. Basta dispor duma eficiente organização para legitmiar qualquer coisa.
Assim poderemos sintetizar a essência daquilo que nos ameaça: os Estados
programam seus cidadãos, as industrias seus conmsumidores, as editoras seus
leitores, etc. Toda a sociedade, aos poucos, se torna algo que o Estado produz."
No encobrimento do desejo tem origem o desânimo dos jovens e o cinismo
dos adultos. E na astenia geral, qual é a alternativa? Um voluntarismo sem fôlego e
sem horizontes, sem genialidade e sem espaço. Um moralismo de sustenção para o
Estado entendido como fonte última de consistência do fluxo humano.
Movimentos e obras
5. Uma cultura da responsabilidade deve manter viva aquela posição original
do homem da qual brotam desejos e valores. Uma cultura da responsabilidade não
pode deixar de partir da senso religioso.
Isto impele os homens a colocarem-se juntos, não na privisioridade de uma
vantagem pessoal, mas substancialmente. Impele a colocarem-se juntos na sociedade
segundo uma inteireza e uma liberdade surpreendentes: o nascimento de movimentos
é o sinal de tal vivacidade, responsabilidade e cultura, que tornam dinâmica toda a
ordem social.
É preciso observar que os movimentos são incapazes de permancer no
abstrato. Não obstante a inércia ou a falta de inteligência de quem os representa ou de
quem participa deles, os movimentos tendem a mostrar a sua autenticidade
enfrentando as necessidades em que se encarnam os desejos; imaginando e criando
estruturas operativas fundamentais e oportunas que chamamos "obras" ("formas de
vida nova para o homem", como disse João Paulo II no Meeting de 1982).
As obras constituem verdadeira contribuição a uma novidade do tecido e do
vulto social.
Permito-me observar, a propósito disto, que as características de obras geradas
por uma responsabilidade autêntica devem ser realismo e prudência (o realismo está
ligado à importância do facto de que o fundamento da verdade é a adequação do
intelecto à realidade; enquanto que a prudência- que na Summa Theologiae de São
Tomás é definida como um critério recto nas coisas que se fazem- é medida sobre a
verdade da coisa, antes ainda que sobre o aspecto ético da bondade).
A obra, justamente por esta necessidade de realismo e prudência, torna-se sinal
de imaginação, de sacifício e de abertura.
É, portanto, no empenho com este primado de livre e criativa socialidade
diante do poder que se demonstra a força e a duração da responsabilidade pessoal. É
no primado da sociedade diante do Estado que se salva a cultura da responsabilidade.
Primado da sociedade, portanto do tecido criado por relacionamentos
dinâmicos entre movimentos: através da criação de obras e agregações os movimentos
realizam as comunidades intermediárias, que exprimem a liberdade das pessoas
potencializada pela forma associativa.