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VALOR ECONÔMICO DA RESERVA LEGAL E APP –

INDENIZAÇÃO NA DESAPROPRIAÇÃO

Eloy Fenker *

Alterações recentes nos conceitos e usos de bens ambientais e na


legislação mudaram profundamente o enfoque econômico relacionado
com Áreas de Preservação Particulares e Reserva Legal para fins de
desapropriação. De modo geral, me parecem equilibradas as decisões
e a tendência dos tribunais no sentido de reafirmar uma máxima
econômica de que todas as áreas ou componentes que são úteis e
satisfazem necessidade do ser humano, tem valor econômico. É algo
que, em economia, está pacificado. E quanto mais raro, mais valioso.
Bens com utilidade social têm maior valor econômico do que bens
com utilidade individual. No entanto, me deparei algumas vezes com
dispositivos legais e com decisões judiciais afirmando a “inexistência
de valor econômico” de alguns componentes, especialmente as Áreas
de Preservação Permanente e Reserva Legal ou de áreas com
restrição de uso, espécies em extinção, etc. tidas de grande valor
social.Ao contrário, o valor ambiental, de não-uso e de uso indireto
está assumindo e reafirmando sua real importância, muito superior
ao valor de uso direto convencional.

O valor econômico é composto pelo valor de uso (direto) e valor de


não-uso: O valor econômico total corresponde à soma dos dois
componentes.

O valor de uso direto consiste no valor dos recursos naturais, a


preços de mercado. Implica em sua retirada, seu uso ou consumo
atual, podendo ou não ser renovado. São casos típicos de uma
floresta, de uma mina, de animais. É o tradicional valor calculado.

O valor de não-uso inclui:

- Valor de uso indireto – utilidades e serviços prestados pelo bem


ambiental, tais como:
regulação do solo, pesquisa, reprodução,
seqüestro de carbono,
retenção e fornecimento de água, preservação de espécies,paisagem,
turismo, pesquisa, recreacional
,canoagem,cultural,pesca e caça autorizados, recebimento de
doações para manutenção e preservação da área, colheita de frutos,
uso direto dentro do manejo sustentável de uma área considerada de
uso indireto, locação para cumprimento de Reserva Legal, via de
passagem, etc.
- valor de opção - renúncia de uso atual e opção para uso de
futuras gerações.
Tem valor econômico, no mínimo igual ao
valor de uso direto.
- valor de existência -valor de natureza ética, cultural, conforto
espiritual por se saber
que um bem está sendo preservado para
futuras gerações.
As pessoas pagam pela preservação do urso panda, da baleia, do
macaco, das nascentes, da floresta, da água, das nascentes, etc.
mesmo que nunca tomem contato com ele.
Diz-se atualmente que “floresta preservada vale mais do que floresta
derrubada”. No mínimo 4 vezes mais do que o valor de uso direto!!!

A renúncia parcial ao uso direto, seja por determinação legal


(Reserva Legal, APP), seja por opção dos proprietários, nada mais faz
do que valorizar sobremaneira a área e seu conteúdo. Em economia,
quanto mais escasso, mais valioso. Hoje, preservação é rara.

A restrição legal atinge somente o uso. Mesmo numa floresta com


restrição parcial, há obrigatoriedade de manejo e de retirada de
algumas árvores, especialmente as secas, mortas e caídas, como
única forma técnica de preservar e permitir a regeneração.

O capital não se perde quando seu uso fica bloqueado por alguma
restrição. O capital é somado com seus frutos, gerando um montante
que corresponde ao principal mais os acessórios. Usos e fins coletivos
geram maior valor econômico do que o individual.

O impedimento de derrubada de uma floresta produz uma utilidade


maior para a sociedade do que o seu uso direto imediato, ou não
haveria justificativa para criar o impedimento. Assim, uma área com
restrição deveria passar a ter maior valor pelo reconhecimento de sua
raridade e utilidade como tal. A desapropriação vem confirmar isto.
No momento em que o Estado resolve desapropriar ou restringir o
uso de determinados componentes ambientais, está a confirmar que
eles são excepcionais, foram altamente cuidados e protegidos de
forma especial (o que significa muito investimento, renúncia e valor
econômico) que requerem uma destinação social, com maior utilidade
(maior valor econômico) em detrimento do uso privado, individual
(de menor valor econômico).

Tente-se adquirir um Parque Nacional, oferecendo em pagamento 4


vezes mais do que o valor do conteúdo da terra nua e dos
componentes de uso direto. Não se encontra vendedor, pois o valor
social e de não-uso eleva o preço econômico a níveis absurdos,
inimagináveis, impagáveis. Mesmo assim a sociedade deveria abrir
mão deste em favor de um valor monetário que lhe proporcionaria
aumento no bem-estar coletivo geral.

APP - Uma área de Preservação Permanente não pode e nem deve


ser explorada diretamente, senão no manejo sustentável e em casos
excepcionais (uso direto, que implica seu consumo, destruição,
alteração profunda, etc..).

São dois os motivos determinantes:

1)Motivação econômica: Geralmente a área é pequena,


representando uma fração da área total. É exatamente no uso
indireto que reside o valor de uma APP e isto somente será possível
com a renúncia do uso direto. A renúncia de retirada de floresta nas
nascentes e beira de rios valoriza ainda mais a área.
Economicamente, o impedimento legal não interfere na prévia
motivação natural de preservação. Uma área com nascentes e rios
tem geralmente maior valor de que outra sem estes componentes,
sem água.

2)Impedimento legal: há restrições legais ao uso direto em APP.


A restrição legalmente imposta em nada afeta o valor econômico do
bem, senão produz um efeito contrário, de valorizá-lo e reafirmar sua
vocação econômica natural e a vocação inata de uso indireto. A
restrição não impede o Plano de Manejo que gera valores
econômicos decorrentes de uso direto. Os frutos podem e devem ser
colhidos.

Uma área agrícola que contenha APP, com nascentes e mananciais de


água, mata ciliar, tem maior valor do que uma área sem nascentes e
água, especialmente quando utilizadas para pastagens ou quando se
constituem em desaguadouro das chuvas. Portanto, APP é um fator
determinante de um preço maior de mercado, exatamente pelo uso
indireto. A existência da mata ciliar implica em valor econômico pela
dispensa de sua reposição obrigatória.O equilíbrio ecológico da
propriedade é significativo e tem valor econômico.

A APP tem um valor social importantíssimo, a tal ponto de ser


regulada por Lei. E tudo que supre uma necessidade social tem valor
econômico proporcional à utilidade.

RESERVA LEGAL - São aplicáveis à Reserva Legal maior parte dos


argumentos utilizados para as APP. A evolução recente da economia e
da legislação ambiental alterou profundamente o conceito de utilidade
e valor da Reserva Legal.
Todo proprietário precisa comprar e pagar a área para manter como
Reserva Legal. No caso de inexistência de floresta para fins de
Reserva Legal, deverá renunciar a uma área produtiva de igual
tamanho, que adquiriu ao mesmo preço. Isto demonstra que a área
de Reserva Legal tem no mínimo o mesmo valor que a área
produtiva.

Legislação recente, ao invés de renunciar a parte de seu terreno,


pode o proprietário liberar a Reserva legal para uso direto ao adquirir
outra área, na mesma bacia hidrográfica (ou numa UC) pagando o
preço de mercado ou simplesmente alugando esta área. Neste caso, o
valor da área de Reserva Legal é o preço pago pela compra. Na
locação, não há a propriedade. A lei agora também autoriza alugar a
área da Reserva Legal excedente para outros proprietários, tornando-
a rentável.

Pode-se utilizar a Reserva Legal para comercialização de crédito de


Carbono, no âmbito do Protocolo de Kyoto. Com isto, ela passa a ser
um patrimônio, capital rentável.

Uma forma simplista de demonstrar que a Reserva Legal possui valor


econômico é a consideração de custo unitário de área. Digamos que
alguém compre uma área de 100 hectares pagando $100. Destas,
20% destinadas a Reserva Legal. Qual o valor para fins de
desapropriação? Tanto faz considerar os 100 hectares ao preço de
$100 ou 80 hectares ao preço de $100. Se optar por alugar área de
Reserva Legal de terceiros, então a desapropriação incidirá sobre
100%.

Um argumento definitivo para a consideração do valor da Reserva


Legal é a de que, nos termos da Constituição Federal e Legislação,
todas as áreas de terras e florestas devem ser objeto de cuidado e de
manejo sustentáveis. Desta forma, mesmo e também a Reserva
Legal deve ser objeto de um Plano de Manejo Sustentável. Não é
correto se pensar que ela é intocável e que por isso não teria valor. E
o que é este Plano? Consiste em se explorar racionalmente, fazendo o
manejo de forma a manter as características atuais e até melhorá-
las. Um manejo implica sempre na colheita dos frutos, sem dano à
fonte. O manejo de uma floresta obriga, entre outros, na retirada e
uso direto das árvores secas, mortas e caídas visando permitir a
regeneração da floresta; a retirada dos frutos em geral. Para manter
a floresta de forma sustentável, todos os frutos podem ser colhidos,
implicando isto em que o incremento de massa florestal anual pode e
deve ser colhido, com a retirada de árvores com massa igual ao do
crescimento, sob pena de superpopulação, que impedirá a
regeneração. Assim, a Reserva permanece sempre preservada de
forma sustentável, eternamente e com rentabilidade.

Em síntese, alterações recentes nos conceitos e usos de bens


ambientais e na legislação mudaram profundamente o enfoque
econômico relacionado com APP e Reserva Legal.

Os proprietários podem eliminar a Reserva Legal de uma área


específica, alugando de terceiros ou comprando em outros locais. A
Reserva é cada vez mais rentável.

A utilidade social determina um valor econômico superior ao de


utilidade individual.

Economicamente, os bens mais raros têm maior valor do que os


abundantes. As APP e Reserva Legal são raras. E são úteis,
satisfazem necessidades, o que lhes confere valor. O valor econômico
de um bem não é afetado quando sua destinação é alterada, mesmo
por Lei, conservando o valor de uso direto e indireto, que são
somados.

A renúncia, espontânea ou compulsória do uso direto de um bem não


lhe esvazia o valor econômico. Ao contrário, agrega os valores de
não-uso, de preservação, que são raros. E o uso direto pode ser
reativado, não desaparece, continua ali, com potencial.

Tanto a APP quanto a Reserva legal podem e devem ser exploradas


por imposição Legal, de forma direta e sustentável, produzindo frutos
que geram renda.

A APP produz utilidades diretas e indiretas – frutos, valorização da


área, renda de seqüestro de carbono, etc. - e mantém seu potencial
econômico intacto.

A Reserva Legal produz renda de uso direto, de aluguel, de seqüestro


de carbono, etc.

A utilidade social das áreas legalmente protegidas vem exatamente


conferir um maior valor econômico a elas. Se tiver valor social, tem
valor econômico.

No caso de desapropriação, tanto a Reserva legal quanto a APP


conservam o valor econômico original e agregam o valor de raridade,
preservação especial, utilidade social e deveriam ser indenizadas a
preços superiores às áreas não preservadas, somando ao valor de
uso direto o valor de não-uso.
* Ex-professor universitário – UFRGS . Pós graduado em Finanças.

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