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0601907-34.2012.8.12.0000
23 de abril de 2013
4ª Câmara Cível
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da 4ª
Câmara Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas
taquigráficas, por unanimidade e em parte com o parecer, dar parcial provimento ao
recurso, nos termos do voto do Relator.
R E L A T Ó R I O
O Sr. Des. Dorival Renato Pavan.
Trata-se de agravo de instrumento interposto por NUNO MIGUEL DE
NEGRIER E PINA, insurgindo-se contra a decisão de fls. 83/85 do douto juízo
da 1ª vara cível de Ponta Porã/MS, que, na ação de divórcio litigioso c/c
separação de corpos, guarda, regulamentação de visitas e alimentos provisórios
movida por SIMONE ALESSANDRA TORRES CARPES, rejeitou a
preliminar de incompetência do juízo argüida na contestação e afastou
prejudicial do julgamento do mérito, consistente na alegação de que a questão
da guarda não poderá ser objeto de apreciação por estar pendente processo
administrativo de repatriamento da menor, que se encontra, segundo alegado
pelo agravante, retida indevidamente pela agravada.
Nas razões recursais, o agravante expõe o seguinte, quanto aos fatos:
(a) que se trata de ação de divórcio proposta pela agravada, sendo que uma das
questões discutidas é a guarda, regulamentação de visitas e fixação de alimentos
em relação à filha das partes;
(b) que, em que pese a versão distorcida apresentada pela agravada, a verdade é
que o agravante tem domicílio estabelecido em Portugal há nove anos, sendo que
Ponta Porã é a cidade onde passou sua infância e adolescência e que visita em
períodos de férias;
(c) que, inclusive, foi nas férias passadas, no dia 22/12/2011, durante o recesso
forense, que recebeu a citação por oficial de justiça, na casa de seus pais;
(d) que a agravada foi para Portugal com o propósito de lá permanecer em vida
conjugal com o ele (agravante), tanto que o matrimônio foi realizado perante
autoridade portuguesa (e não perante autoridade brasileira), justamente para
regularizar a situação;
(e) que os fatos ocorreram de forma diversa da exposta pela agravada, sendo que
sua intenção é embutir no agravante a imagem de pessoa desnaturada, insensível
e irresponsável;
(f) que a filha do casal foi registrada em Portugal, por ser filha de pai português e
porque estar estabelecida naquele país, domicílio da família;
(g) que é inegável, tendo em vista os documentos juntados, que Beatriz (filha do
casal) nasceu em Lisboa, cidade em que fixou moradia, em apartamento bem
localizado e especialmente montado por ele (agravante) para receber a filha com
conforto;
(h) que a criação e educação da filha se deram, desde o início, em Portugal, onde
foi matriculada, por ele (agravante), no Colégio de Atividades Educativas desde
o oitavo mês de idade;
(i) que garantiu, ainda, assistência médica periódica à filha, aulas de natação aos
domingos, aulas de inglês para crianças e atividades de desenvolvimento lógico,
motor e cognitivo ministradas pela empresa Gymboree;
(j) que, pelos documentos trazidos aos autos, fica claro todo o afeto, carinho e
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Como o primeiro domicílio conjugal foi em Portugal, é a lei deste país que deve
reger o caso.
Nesses termos, pede o reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça
Brasileira para o julgamento, devendo ser extinto o processo sem resolução do
mérito.
Alega outra prejudicial de julgamento do mérito, consistente na pendência de
processo administrativo para fins de repatriamento da menor que, segundo
sustenta, se encontra retida indevidamente pela genitora.
Nessa extensão, afirma que, nos termos do artigo 16 da Convenção de Haia, é
vedado às autoridades do país decidirem sobre o mérito do direito de guarda após
terem sido informadas da transferência ou retenção ilícita de uma criança tal
como ocorre no caso em comento, segundo aduz o agravante.
Nesses moldes, defende que o feito deve ser ao menos suspenso até ser dada a
solução no citado processo administrativo.
Informa a juntada de documentos novos, que não puderam ser juntados à época
da contestação, porque não existiam. Trata-se, segundo noticia, de documentos
sobre o trâmite do processo administrativo, com a informação de que a AGU
finalizou a análise do caso e, por encontrar subsídios suficientes, encaminhou o
caso para a Justiça Federal o que, inclusive, demonstra a legitimidade de suas
alegações.
Com base nisso, frente ao pronunciamento da Justiça Federal que será dado,
requer a a extinção do feito com relação, exclusivamente, à regulamentação da
guarda ou, então, a sua suspensão.
O recurso foi recebido com efeito devolutivo e suspensivo, conforme despacho
de recebimento de fls. 88/91.
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V O T O
O Sr. Des. Dorival Renato Pavan. (Relator)
I.
O deslinde da controvérsia cinge-se à perquirição da competência da
Justiça Brasileira para processar h35h37e julgar ação de h36h38divórcio litigioso,
tendo o casamento sido celebrado no exterior h37h39e lá residindo um dos cônjuge,
mas aqui devidamente levado, também, a registro.
Requer o agravante que o feito seja extinto sem julgamento do mérito,
a partir do reconhecimento da incompetência da Justiça Brasileira, eis que o primeiro
domicílio conjugal foi em Portugal, devendo a lei daquele país reger o caso, lá devendo
ser processada a ação.
Para bem dirimir a questão, algumas observações devem ser feitas.
A primeira, é a de que deve se definir, em face da competência
internacional, se a jurisdição brasileira pode atuar no caso concreto.
É fato induvidoso, como bem acentuado no parecer da E. Procuradoria
Geral de Justiça (fls. 159/160), que:
(Fls. 159/160).
produzir efeito no País, ou, antes, por meio de segunda via que os cônsules
serão obrigados a remeter por intermédio do Ministério das Relações
Exteriores.
DJe 08/03/2010)". 2
O casamento não foi realizado no Brasil, isto é certo, mas aqui foi
registrado, de sorte que, aqui produzindo efeitos, a ação de divórcio pode ser proposta
perante a autoridade judiciária brasileira, como na espécie.
Nesse sentido, também, são os seguintes precedentes jurisprudenciais:
3§
3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro
domicílio conjugal.
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III.
Quanto ao argumento de que na hipótese haveriam de ser aplicados
os § 3º e § 4º do art. 7º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, que
dispõem, respectivamente, que (a) "§ 3o Tendo os nubentes domicílio diverso, regerá os
casos de invalidade do matrimônio a lei do primeiro domicílio conjugal" e (b) "§ 4o O
regime de bens, legal ou convencional, obedece à lei do país em que tiverem os
nubentes domicílio, e, se este for diverso, a do primeiro domicílio conjugal", mais uma
vez o agravante não tem razão. Primeiro, pelo que foi antes afirmado especificamente
em relação ao parágrafo terceiro do dispositivo.
Em segundo lugar, também porque a incidência do artigo 7º, § 1º,
exclui a aplicação dos demais dispositivos e, sabidamente, tem precedência sobre os
dois outros, contidos em parágrafos inferiores.
Os termos de um parágrafo se aplicam aos dispositivos que o
precedem, mas não aos que o sucedem. Essa é uma das formas de exegese da lei, para
não criar conflito.
Não fosse isso, deve-se aplicar a lição de MARIA HELENA DINIZ4
que, ao tratar do conflito de normas, nos ensina:
IV.
No que se refere à aplicação do artigo 16 da Convenção de Haia,
segundo o qual vedado às autoridades do país decidirem sobre o mérito do direito de
guarda após terem sido informadas da transferência ou retenção ilícita de uma criança
tal como ocorre no caso em comento, segundo aduz o agravante, melhor sorte não lhe
assiste.
Referida convenção trata dos aspectos civis do sequestro internacional
de crianças., assinado em Haia em 25.10.1980 e entrou em vigor no Brasil em 1º de
Janeiro de 2000 através do Decreto 3413, de 14.04.2000.
Em comentários à referida Convenção destaca-se:
entre os pais que o cometem, por estar ligado à subtração de pessoas com o
objetivo de obter dinheiro ou vantagem financeira, o que não é o caso. Um
ajuste na tradução do texto original da Convenção para o português seria
bem recebido, para aplacar muitas dúvidas e mal-entendidos.
Em geral, esse "sequestro" é perpetrado por um dos pais ou parentes
próximos e revela um estado de beligerância entre os cônjuges ou seus
familiares na disputa pela custódia da criança. A atitude do "seqüestrador"
consiste em tirar o menor do seu ambiente e levá-lo para outro País, onde
acredita poder obter uma situação de fato ou de direito que atenda melhor
aos seus interesses.
...O compromisso assumido pelos Estados-partes, nesse tratado
multilateral, foi estabelecer um regime internacional de cooperação,
envolvendo autoridades judiciais e administrativas, com o objetivo de
localizar a criança, avaliar a situação em que se encontra e, só então,
restituí-la, se for o caso, ao seu país de origem. Busca-se, a todas as luzes,
apenas e tão-somente atender ao bem-estar e ao interesse do menor. 6
V.
Ante o exposto, conheço do recurso e lhe dou parcial provimento
para o fim de:
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Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
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