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Caracterização dos modelos de estruturação das aulas de educação física

Article  in  Motriz. Revista de Educação Física · January 2009

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3 authors, including:

Helder Guerra de Resende Antonio Jorge Gonçalves Soares


Universidade da Força Aérea (UNIFA) Federal University of Rio de Janeiro
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Motriz, Rio Claro, v.15 n.1 p.37-49, jan./mar. 2009

Artigo Original
Caracterização dos modelos de estruturação
das aulas de educação física

Helder Guerra de Resende 1


Antonio Jorge Gonçalves Soares 2
Diego Luz Moura 2
1
Universidade Castelo Branco, Rio de Janeiro, RJ, Brasil
2
Universidade Gama Filho, Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Resumo: A prática pedagógica tem revelado a existência de diferentes modelos de planejamento e


estruturação das aulas de Educação Física, sendo desconhecidas as razões que justificam estas opções
pedagógicas. Realizou-se, portanto, uma pesquisa com o objetivo de caracterizar e analisar os modelos de
estruturação das aulas, a partir do depoimento de professores atuantes no ensino da Educação Física em
escolas do município do Rio de Janeiro. Os dados foram coletados a partir de entrevistas realizadas com 15
professores, selecionados de ‘forma acidental’. A dimensão da amostra foi definida em função do ‘ponto de
saturação de variabilidade das respostas’. Os resultados indicam a existência de duas perspectivas de
planejamento e estruturação das aulas: (a) aulas estruturadas em partes compartimentalizadas; e (b) aulas
planejadas de forma integrada. Um terceiro grupo de professores não evidencia clareza na forma de
organização das suas aulas.
Palavras-chave: Educação Física. Planejamento. Aulas.

Characterization of the models of planning of the lessons of physical education


Abstract: The pedagogical practice has been showing different models of planning of the classes of
Physical Education, being unaware of the reasons that justify these pedagogical options. A research was
developed with the objective of to characterize and analyze the models of planning of the classes,
considering the interview of teachers of Physical Education who teach in the schools of the city of the Rio
de Janeiro. Fifteen teachers for the accomplishment of the interviews had been chosen of accidental form.
The number of teachers was defined considering the moment that the interviews had started to be
repeated. The interviews had disclosed two models of planning of the lessons of Physical Education: (a)
classes planned with parts or activities not integrated between them; (b) classes planned with parts or
integrated activities. One third group of teachers does not prove exactness in the form to plan of its lessons.
Key Words: Physical education. Planning. Classes.

Introdução A decisão de realizar esta pesquisa partiu de


Este artigo decorre de uma pesquisa cujo observações de aulas ministradas por
objetivo foi caracterizar e analisar os modelos de professores de Educação Física que sugeriam
estruturação das aulas de Educação Física, a diferentes formas de estruturação das atividades
partir do depoimento de professores atuantes no de ensino-aprendizagem, cujo propósito é a
ensino deste componente curricular em escolas sistematização, organização e transmissão do
públicas e privadas do município do Rio de conhecimento que se constitui no objeto de
Janeiro. ensino-aprendizagem, orientada pelos objetivos
Modelos de estruturação das aulas são as da aula e/ou conjunto de aulas planejadas.
opções de organização didática dos conteúdos e
Metodologia
das seqüências de atividades de ensino-
Trata-se de uma pesquisa de natureza
aprendizagem que os professores adotam,
qualitativa, cuja amostra foi selecionada a partir do
deliberadamente ou não, no planejamento e
corpo discente de um curso de pós-graduação lato
desenvolvimento de suas aulas. Partimos da
sensu em Educação Física Escolar. A amostra foi
premissa que o planejamento e a conseqüente
constituída por quinze professores atuantes em
estruturação de uma aula são necessárias
escolas públicas e privadas da cidade do Rio de
competências didático-pedagógicas do professor,
Janeiro. A seleção da amostra foi do tipo acidental
independentemente da concepção de Educação
(SELLTIZ et al., 1967), na medida em que foram
e de Educação Física.
incluídos apenas os sujeitos que compareceram às
H. G. Resende, A. J. G. Soares & D. L. Moura

duas primeiras aulas da disciplina Didática da prática dessa atividade educativa, até então
Educação Física. Outro aspecto que determinou a quase que restrita ao âmbito dos discursos de
dimensão do grupo de informantes foi a governantes e educadores da época, passou a
disponibilidade e o interesse em participar da ganhar espaço na rede de ensino, condicionada à
entrevista, que foi realizada antes de o tema regulamentação do denominado ‘Método’
específico da pesquisa ter sido abordado Francês (SOARES, 1996; GOELLNER, 1996).
(Estrutura e organização das aulas de Educação O planejamento e o desenvolvimento de uma
Física). aula identificada com o ‘Método’ Francês são
A dimensão da amostra foi definida em função estruturados em partes estanques. Cada parte
do ‘ponto de saturação de variabilidade das remete a objetivos e atividades próprios, sem a
respostas’, momento em que as respostas preocupação de integração temática entre elas. A
começaram a se tornar repetitivas, não intenção pedagógica é planejar os exercícios
acrescentando novos dados àqueles já coletados físicos para potencializar as capacidades físicas,
(BECKER, 1994). visando o desenvolvimento dos sistemas
O instrumento de coleta de dados utilizado foi músculo-esquelético e cárdio-respiratório. Os
um roteiro de entrevista semi-estruturado contendo parâmetros de controle e articulação das aulas (e
cinco perguntas pré-definidas, categorizadas em entre as aulas) são orientados pelas variáveis do
dois sub-grupos: perguntas de caracterização dos condicionamento físico (volume e intensidade dos
informantes (sexo, idade, tempo de formação exercícios físicos).
acadêmico-profissional e tempo de exercício A organização didática das aulas, segundo o
profissional no magistério) e perguntas mencionado ‘método’, pressupõe a sua divisão
caracterizadoras do modelo de organização em três partes, com finalidades e durações
didática das aulas de Educação Física (partes distintas: ‘Sessão Preparatória’, ‘Sessão
constitutivas das aulas e respectivas justificativas). Propriamente Dita’ e ‘Volta à Calma’ (MARINHO,
O roteiro de entrevista foi validado 1953).
qualitativamente por quatro especialistas. Antes da O ‘Método’ Francês foi hegemônico até o final
realização definitiva da coleta dos dados foi da década de quarenta, quando a Calistenia é
realizada uma rodada preliminar de três entrevistas resgatada, sendo defendida sua difusão na
à guisa de ‘estudo piloto’ para avaliar a clareza das instituição escolar (OLIVEIRA, 1983). O
perguntas, assim como o possível nível de planejamento das aulas de Calistenia conservou
consistência das respostas. Estas entrevistas a mesma lógica em termos de organização
foram incorporadas ao ‘corpus’ de análise por didática; ou seja, uma estrutura fragmentada em
terem se mostrado adequadas e consistentes. compartimentos estanques em relação às partes
que o compõem, bem como em termos de
Modelos didáticos de estruturação das articulação temática entre as aulas.
aulas no contexto da Educação Física
As aulas de Calistenia são constituídas por
brasileira oito partes, cujas finalidades variam em função do
Os primeiros modelos de organização didática
segmento corporal a ser exercitado
das aulas do que hoje concebemos por Educação
analiticamente: braços e pernas; região
Física foram baseados nos denominados
póstero-superior do tronco; região póstero-inferior
‘métodos’ ginásticos, oriundos, em sua maioria,
do tronco; região lateral do tronco; exercícios de
da tradição européia (SOARES, 1994). Os
equilíbrio; região abdominal; exercícios
exercícios ginásticos constituíam os conteúdos de
sufocantes (corridas e saltos); e exercícios gerais
ensino-aprendizagem privilegiados nas
de ombro e espáduas (sedantes). Esse esquema
instituições escolares militares e civis.
de aula é o proposto por Wood, que se diferencia
Diferentes ‘métodos’ ginásticos marcaram, em do esquema proposto por Skarstrom na troca de
alguma medida, a organização das aulas de ordem entre o sétimo e o oitavo grupo de
Educação Física, a exemplo dos de origem exercícios (MARINHO, 1953).
alemã, sueca, francesa e americana (MARINHO,
Não podemos esquecer que a concepção de
[197-]). Mas foram as propostas pedagógicas de
corpo é idealizada, até o período indicado, como
origem francesa que mais influenciaram a
um potencial imediato de defesa da nação e
tradição da Educação Física brasileira. Durante o
também como capital humano para o trabalho. Os
segundo período republicano (1921-1954), a
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Modelos de aulas de educação física

métodos até aqui aludidos estavam A organização didática das aulas da


fundamentados na ciência moderna nos denominada ‘Educação Física Desportiva
diferentes estudos da fisiologia da fadiga, da Generalizada’ é dividida em quatro partes: (a)
anatomia e da biomecânica que tomavam o corpo ‘Aquecimento’; (b) ‘Exercícios de Flexibilidade e
como uma máquina que deveria ser cuidada para Desenvolvimento Muscular’; (c) ‘Exercícios de
oferecer o máximo de rendimento e durabilidade Agilidade e Energia – CRAN’; e (d) ‘Aplicação
(RABINBACH, 1992). Desportiva’ (MARINHO, 1953).
A década de cinqüenta foi fértil em termos de A organização didática das aulas orientadas
novas concepções e modelos de estruturação das pelo ‘Método Natural Austríaco’ também é
aulas de Educação Física. Entre eles destacam-se estruturada em quatro partes: (a) ‘Introdução ou
o ‘Método Natural Austríaco’ e a denominada Motivação; (b) ‘Formação Corporal e Educação do
‘Educação Física Desportiva Generalizada’ Movimento’; (c) ‘Habilidades e Aplicação
(RESENDE; SOARES, 1996; FERREIRA, 2006). Desportiva’; e (d) ‘Volta à Calma’ (MARINHO,
Se essas duas orientações metodológicas 1953). Observemos que a lógica do corpo máquina
apresentam algumas diferenciações entre si ainda persiste nesses modelos de estruturação.
considerando seus objetivos específicos, o mesmo Todavia, o esporte já passa a ser considerado
não acontece quando o objeto de análise é o como um ‘meio educativo em si’ e para isso os
modelo de estruturação das aulas. Os dois alunos devem ser treinados corporalmente e em
modelos também são caracterizados por partes termos de habilidades motoras para que possam
fragmentadas, orientadas por objetivos distintos. desfrutar desse bem cultural.
No entanto, esses dois modelos distinguem-se dos Após um longo período de domínio dessa
anteriores, na medida em que evidenciam uma lógica ‘compartimentalizada’ de organização das
perspectiva de integração e organização aulas de Educação Física surgiu uma perspectiva
seqüencial dos temas de uma aula em relação às alternativa de estruturação das aulas, idealizada e
subseqüentes. A possível explicação para esse difundida, a partir dos anos de 1970, por Barros
fato é a preocupação que passa a ser dada à (1970). Esta proposta sugere a integração das
aprendizagem das habilidades motoras básico- partes constitutivas de uma aula, bem como a
fundamentais e esportivas, que vem exigir um organização seqüencial entre as aulas de um
ensino baseado em progressões pedagógicas dos determinado tema. Trata-se de uma proposta
conteúdos e das atividades de ensino- desenvolvida em crítica aos mencionados modelos
aprendizagem. compartimentalizados de organização das aulas.

INTRODUÇÃO CONTEÚDO CONCLUSÃO

.
Figura1. Diagrama ilustrativo da estruturação das aulas de educação física na denominada “Ginástica Escolar”

Nesta proposta, a estruturação das aulas é No entanto, ele não superou o caráter atomista,
constituída por três partes: (a) ‘Introdução’; (b) materializado pela intencionalidade de organização
‘Conteúdo’; e (c) ‘Conclusão’ (Figura 1). processual das atividades de ensino de modo a
No plano conceitual, esse esquema assegurar, ao término de cada aula, a consecução
representou um avanço em termos de integração dos objetivos comportamentais pré-estabelecidos,
entre as partes que compõem uma aula e a ou seja, uma efetiva conclusão no sentido da
articulação progressiva das atividades de ensino aprendizagem motora. Sendo assim, cada aula é
norteadas por um tema e por objetivos imediatos. planejada com um fim em si mesma, na medida
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H. G. Resende, A. J. G. Soares & D. L. Moura

em que pressupõe uma conclusão temática ou a (KUENZER; MACHADO, 1986; CANDAU, 1988).
consecução de determinados objetivos Os modelos de racionalização e de
denominados como imediatos. Parte de um compartimentalização dos planejamentos, bem
pressuposto idealista de que atividades de ensino como das práticas didático-pedagógicas, vão
bem planejadas, organizadas e adequadamente sendo superados nas indicações dos
transmitidas asseguram a consecução dos especialistas em prol de propostas de caráter
objetivos de ensino nos limites de tempo integrativos, dinâmicos, dialéticos, processuais e
destinados a cada aula. Observe-se que apesar da contingenciais.
busca de integração das partes (introdução, Neste contexto, aqueles mencionados
conteúdo e conclusão), manteve-se a premissa modelos de organização e de estruturação das
que o corpo deve ser preparado em termos aulas são enfaticamente criticados nos debates
fisiológicos para aula e, na segunda e terceira acadêmicos relacionados aos fundamentos
partes, o professor deve articular o ensino do didático-metodológicos (didática, organização do
conteúdo dotando-o de significados experienciais conhecimento, prática de ensino, etc).
para os alunos com a terminalidade da Soares et al. (1992, p. 87), ao invés de
aprendizagem na unidade temporal da aula. mencionar ‘partes de uma aula’, sugere que a
Os modelos de estruturação das aulas até aqui aula seja planejada e organizada numa
caracterizados sugerem uma relativa evolução perspectiva de articulação da “ação (o que fazer),
entre eles, que pode ser constatada a partir das com o pensamento sobre ela (o que pensa) e
modificações ocorridas em relação à idéia de com o sentido que dela tem (o que sente)”. Este
integração e de seqüenciação das partes que coletivo de autores recomenda que a organização
constituem as aulas, entre o conjunto de aulas de de uma aula, numa primeira fase, seja ocupada
um determinado tema, e entre a forma de com uma análise da origem do tema, na
articulação e hierarquização das atividades que discussão sobre o que determinou a necessidade
compõem uma aula ou um conjunto de aulas sobre do seu ensino e na apresentação dos objetivos
um mesmo tema. Porém, esses modelos não se orientadores. Numa segunda fase, professor e
distinguem do ponto de vista técnico e de alunos devem trabalhar a apreensão do tema, por
estruturação. Eles se baseiam num esquema meio da experiência motora e reflexiva. A terceira
formal de organização, o que pressupõe um fase é destinada às conclusões, avaliando-se o
caráter fechado das atividades planejadas. A realizado e levantando-se perspectivas para as
aprendizagem é vista aqui de um ponto de vista aulas seguintes.
ontológico de que o todo é o resultado acumulativo Resende e Santos (1992) defendem que as
das partes que o constitui. Esses modelos atividades de ensino-aprendizagem não devem ser
apresentam uma perspectiva universalista, na definidas e organizadas a partir dessa lógica
medida em que são apresentados como modelo formalista, típica de modelos fechados de
ideal, independentemente do contexto em que eles planejamentos de ensino. Sugerem que as aulas
são aplicados. Eles também partem de uma sejam planejadas e desenvolvidas tendo como
perspectiva hierarquizada, quando as atividades referência a relação tema-objetivos-circunstâncias
da aula (quer em suas partes específicas, quer no enfrentadas no desenvolvimento do tema/aula -
seu todo) obedecem a princípios de gradação do consecução dos objetivos.
esforço fisiológico e progressão pedagógica
A estruturação de uma aula “corresponde a um
(RESENDE et al., 1998).
espiral ascendente, cujos anéis contínuos vão
No entanto, o cenário político, econômico e ampliado-se cada vez mais” (SOARES et al., 1992,
social brasileiro dos anos setenta e oitenta acirrou p. 89). Não se pode também definir previamente o
o aprofundamento de críticas ao modelo de número de aulas que serão necessárias para a
sociedade vigente. Parte expressiva dos conclusão de um tema, considerando que os
especialistas da educação e da Educação Física alunos possuem diferentes ritmos de
não ficou imune às reivindicações e propostas aprendizagem. Este fato justifica a premissa de
renovadoras, autodefinidas de progressistas. Os que “a organização das atividades da aula é
pressupostos, os fundamentos e os modelos de processual, norteada por objetivos declarados e
sistematização do ensino-aprendizagem discutidos com os alunos, que poderão ser
pautados na Tecnologia Educacional passaram a atingidos no final de uma ou de algumas sessões
ser questionados e, gradativamente, superados
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Modelos de aulas de educação física

de ensino-aprendizagem” (NASCIMENTO; Apresentação e discussão dos


RESENDE, 2004, p. 220). resultados
Duckur (2004) defende que o ensino da - Perfil dos informantes
Educação Física na perspectiva da formação de O grupo de informantes foi constituído por 9
indivíduos autônomos não comporta uma lógica (60%) docentes do sexo feminino e 6 (40%) do
fechada de planejamento de ensino. Bracht et al. sexo masculino, não tendo havido qualquer
(2005) também defendem que o planejamento das intenção, a prior, em realizar análises comparativas
aulas deve ser concebido como um guia, como um em termos de sexo, considerando a dimensão da
processo permanente de tomada de decisões que amostra (Tabela 1).
não tem como ser antevista pelo professor. Esta O perfil etário do grupo de docentes
concepção de planejamento não condiz com os entrevistados compreendeu os limites de idades de
modelos compartimentalizados de organização e 24 a 42 anos. A média de idade do grupo foi de 29
estruturação das aulas. As críticas e a forma de anos, com um desvio-padrão de ±5,05 anos
estruturação das aulas, a partir da década de 80, (Tabela 1). Trata-se de um grupo relativamente
se baseiam no pressuposto que o aluno deve ser jovem com 67% do grupo na faixa dos 20-29 anos,
sujeito da aprendizagem. Poder-se-ia dizer que o 27% na faixa dos 30-39 anos e apenas um
corpo, ao invés de ser mero objeto de intervenção, indivíduo na faixa dos 40 anos.
torna-se, nessa perspectiva, sujeito de reflexão e O tempo médio de formação dos informantes
ação nas aulas, visando à autonomia e à era de 7,26 anos, com um desvio-padrão de ±5,51
emancipação sociocultural. O processo de anos. O docente mais experiente tinha 22 anos de
subjetivação do aluno passa a ser central para formado, enquanto que o docente com o menor
pensar ‘o quê’, ‘como’ e ‘em que situações’ alunos tempo de formação acadêmico-profissional havia
e professores produzem e são produzidos pelo ato colado grau há menos de 1 ano (Tabela 1).
educativo.

Tabela 1. Perfil dos docentes, segundo gênero, idade, tempo de formação acadêmica e de experiência
profissional

Docentes Sexo Idade TFAc TEPr


1 M 27 4 3
2 F 24 1 1
3 F 29 5 6
4 F 32 10 12
5 M 36 13 11
6 F 26 3 3
7 F 35 12 13
8 F 42 22 24
9 M 25 5 4
10 M 26 3 4
11 F 29 7 6
12 M 31 11 3
13 F 25 2 2
14 F 27 6 6
15 M 26 5 5
Total - 440 109 103
Média - 29,33 7,26 6,86
D - ± 5,05 ± 5,51 ± 5,97

Outro aspecto levantado para fins de O perfil etário, o tempo de formação acadêmica
caracterização do perfil dos informantes foi o em nível de graduação e o tempo de experiência
tempo de experiência profissional como professor com a docência da Educação Física revelam um
de Educação Física atuante na educação básica. grupo relativamente homogêneo e, portanto,
O tempo médio de experiência do grupo na interessante face aos propósitos da pesquisa.
docência da Educação Física registrou 6,86 anos, Interessante porque caracteriza-se como um grupo
com um desvio-padrão de ±5,97 anos (Tabela 1). relativamente novo, cuja formação inicial, em nível
de graduação, da maioria se deu no contexto do
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H. G. Resende, A. J. G. Soares & D. L. Moura

debate pedagógico influenciado pelas teorias estruturadas em diferentes partes. O segundo


críticas da educação (RESENDE, 1994; BRACHT, grupo (5 professores - 33%) é composto por
1999). aqueles que planejam e organizam as atividades
- Modelos de estruturação das aulas de de ensino sem evidenciar a sua organização em
Educação Física: partes. Um terceiro grupo (2 professores – 14%)
As respostas obtidas a partir das entrevistas sugere, a partir dos depoimentos coletados, que as
realizadas sugerem a distribuição dos professores atividades de ensino eram desenvolvidas sem
em três grupos. O primeiro grupo, majoritário (8 haver um deliberado planejamento da organização
professores – 53%), é constituído por aqueles das atividades de ensino-aprendizagem. Esses
cujas respostas evidenciaram que suas aulas eram três grupos podem ser visualizados no Quadro 1.

Quadro 1. Caracterização dos modelos de estruturação das aulas de EF

Docentes Modelos de Estruturação das Atividades de Ensino


Compartimentalizado Processual Indefinido
1 X
2 X
3 X
4 X
5 X
6 X
7 X
8 X
9 X
10 X
11 X
12 X
13 X
14 X
15 X
Total 8 5 2

• Justificativas das aulas da organização didática das aulas da denominada


estruturadas em partes ‘Educação Física Desportiva Generalizada’,
compartimentalizadas: quando propõe um conjunto de atividades
Oito professores, sendo cinco do sexo corporais com a finalidade de ativação
masculino e três do feminino, declararam organizar neuromotora; e do ‘Método Natural Austríaco’
as atividades de ensino num modelo de quando propõe o encerramento das aulas com
planejamento estruturado em diferentes partes, atividades corporais cuja intenção pedagógica é
cada uma com propósitos distintos, além do(s) induzir o organismo a retornar ao estado inicial. Foi
objetivo(s) que serve(m) de orientação para a aula possível constatar que esta organização não
como um todo. decorre de uma opção deliberada de articular
Eu organizo minhas aulas em três partes: um estes dois modelos, mas da reprodução do que
aquecimento, o desenvolvimento da aula e aprendeu durante sua formação profissional, a
encerro com umas atividades para eles se
partir da influência de diversos professores.
recuperarem do esforço realizado (Prof. 7).
Uma sessão denominada de ‘aquecimento’
Observe-se que esta forma de estruturação da
aparece nos depoimentos dos oito professores que
aula está presente na fala da Professora, todavia,
compõem este grupo. Eles alegaram propor
sua descrição indica que cada parte da aula não
atividades motoras com o objetivo particular de
necessita estar articulada com o tema ou conteúdo
ativar os sistemas musculares, articulares e cárdio-
de ensino. O ‘desenvolvimento’ é o momento do
respiratórios dos alunos para o desenvolvimento
ensino do conteúdo, enquanto que os demais
da aula propriamente dita. As evidências da
momentos, ‘aquecimento e encerramento’ são
imagem de um ‘corpo máquina’, que deve ser
formados por atividades que remetem à
cuidado pelos professores, estão presentes nos
preparação ou à recuperação fisiológica do corpo.
seguintes recortes discursivos:
Temos neste exemplo uma espécie de amálgama

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Modelos de aulas de educação física

Eu sempre começo minhas aulas com um Os demais professores afirmaram que as


aquecimento, né? Acho importante [...] evita atividades de ensino propostas no aquecimento
lesões e os alunos começam a aula no clima de
motivação e de aquecimento (Prof. 1). estão tematicamente relacionadas ao(s) objetivo(s)
da aula. No entanto, os depoimentos revelaram-se
O aquecimento é importante para a preparação
corporal e muscular dos alunos. Não se deve evasivos e repletos de recursos lingüísticos do tipo
iniciar aulas de atividades físicas sem um ‘ganha tempo para pensar sobre o que falar’.
aquecimento prévio (Prof. 4).
Sim! Sim! Meu aquecimento sempre tem relação
Para aqueles que adotam o modelo de com meus objetivos. Se minha aula é de corrida,
no aquecimento tem corrida; se é salto, tem salto;
estruturação da aula em três partes, o é sempre assim [...] é sempre [...] (Prof. 5).
‘aquecimento’ sugere diferentes intencionalidades
Claro! Tem que ter relação, né? É [...] a corrida
pedagógicas. A Professora 8, por exemplo, tem tudo haver com qualquer esporte, né? (Prof.
destaca a preocupação em motivar os alunos para 7).
a aula, enquanto que o Professor 12 tem a Deste último grupo, apenas uma professora
preocupação em controlar a turma, com pode ser tentou justificar sua opção pedagógica.
inferido a partir dos respectivos depoimentos: Na minha época de formação aprendíamos a
Procuro planejar o aquecimento das minhas aulas planejar as aulas de acordo com o Método
de forma dinâmica, motivante, com atividades que Desportivo Generalizado. Na parte inicial da aula
todos participem ao mesmo tempo (Prof. 8). tínhamos que dar um aquecimento com
movimentos localizados. Mas depois as coisas
Você sabe como é essa meninada! Eles chegam
evoluíram e procuro planejar o aquecimento das
na maior zoeira! Tem que iniciar puxando um
minhas aulas de forma dinâmica, com atividades
aquecimento forte para eles acalmarem um
que todos participem ao mesmo tempo. Procuro
pouco e eu poder passar a minha mensagem.
selecionar atividades que envolvam o que será
Caso contrário, eles não param quietos (Prof. 12).
ensinado depois. Eu aqueço e já vou
Aqui motivação e controle parecem lidar com possibilitando a aprendizagem do meu objetivo.
(Prof. 8).
uma espécie de psicologia nativa presente no
campo da Educação Física. A idéia de motivação A Professora 8, em que pese usar o termo
pode estar ancorada na intenção pedagógica de aquecimento, revela uma intenção pedagógica que
criar condições e ambiência de incentivo à a identifica com a proposta desenvolvida por
participação e à aprendizagem dos alunos. O Barros (1970). Sua preocupação é muito mais de
segundo depoimento baseia-se na idéia da criação de um clima de motivação para a aula em
catarse, a qual pensa que o acúmulo de energia no detrimento de um propósito orgânico.
organismo jovem gera ansiedade e ausência de A maioria dos professores (cinco professores)
autocontrole. Sendo assim ‘descarregar energias’ deste primeiro grupo divide a aula em três partes.
torna-se uma espécie de antídoto necessário para Além da mencionada sessão de ‘aquecimento’,
acalmar os ‘ânimos’. quatro desses cinco professores reservam os
Quando perguntados se as atividades de minutos finais da aula para a prática de atividades
ensino propostas à guisa de ‘aquecimento’ tinham com o propósito específico de ‘recuperação da
relações de especificidade com o tema da aula, freqüência cárdio-respiratória’ (Professores 3, 5, 7
apenas um dos professores respondeu e 12). Mas está presente também, em alguns
objetivamente que não. depoimentos, a preocupação com o ‘controle da
Na verdade, não existe uma relação direta. excitação’ por meio de atividades brandas, cuja
Mando os alunos correrem e mostro alguns intenção é evitar que os alunos cheguem excitados
exercícios gerais que normalmente faço em todas
nas aulas seguintes (Professores 3, 7 e 12).
as aulas e outros específicos para os
grupamentos musculares que serão mais exigidos Ah! Termino minhas aulas com uma ‘volta à
em cada aula. Às vezes, peço a eles para calma’. Eles tão super agitados e precisam de
comandarem o aquecimento. [...] O aquecimento uma recuperada pra voltar pra aula. Aqui eles não
é geral [...] ele não precisa ter relação com o tema tomam banho. Então tem que dar uma
da aula (Prof. 14). recuperada e acalmar os ânimos. Os outros
professores costumam reclamar muito de como
Neste caso, o aquecimento identifica-se com as eles chagam nas aulas (Prof. 3).
intenções pedagógicas da denominada ‘Educação Minhas aulas terminam com atividades para eles
Física Desportiva Generalizada’, cujo propósito é voltarem ao normal [...] a freqüência cardíaca, a
preparar os sistemas cárdio-respiratório, respiratória. Depois eles vão pro banho e saem
em condições de prestar atenção na próxima aula
neuromotor e articular para a prática do exercício (Prof. 7).
físico, visando minimizar o risco de lesões durante
as aulas.
43
Motriz, Rio Claro, v.15, n.1, p.37-49, jan./mar. 2009
H. G. Resende, A. J. G. Soares & D. L. Moura

A mesma lógica bio-psíquica e da catarse estão e 14 que além do aquecimento, destinam o


de certa forma contidas nas falas acima. Cabe restante do tempo da aula ao que está sendo
destacar, que embora os professores utilizem um denominado de ‘parte principal’ ou de ‘aula
modelo de aula segmentado em três partes, não propriamente dita’. Nestes casos, as aulas são
podemos dizer que a lógica seja semelhante à estruturadas em duas partes visando à preparação
proposta por Barros (1970), que previa a inter- orgânica do corpo para posteriormente utilizar o
relação entre as partes ou momentos constitutivos tempo restante para aquilo que julgam ser o
da aula. Estes exemplos remetem a um modelo conteúdo de aprendizagem:
híbrido que conjuga a ‘Educação Física Desportiva O restante da aula é reservada para a
Generalizada’ e o ‘Método Natural Austríaco’. Uma aprendizagem do tema da aula. Em função do
tema, organizo as atividades em progressão
ressalva deve ser feita em relação à Professora 8 pedagógica para facilitar a aprendizagem dos
que, como descrevemos anteriormente, justifica a movimentos. Você sabe o que é progressão
presença do aquecimento, bem como a terceira pedagógica? Cada atividade é mais complexa do
que a anterior. Os alunos vão assimilando aos
parte da aula diretamente relacionadas com o poucos (Prof. 4).
conteúdo ou tema da aula, o que reforça sua
Na segunda parte da aula eu trabalho meu
identificação não deliberada com a proposta de conteúdo. Eu trabalho com o método global [...]
Barros (1970). A última parte da aula, diz ela, é eu só dou jogo [...] os alunos aprendem jogando.
reservada para avaliar o desempenho dos alunos: Dependendo da necessidade dou um ou outro
exercício para fixar a habilidade do jogo e volto
No final da minha aula eu reservo 5 a 10 minutos pro jogo (Prof. 14).
para fazer uma avaliação. Eu comento a aula, falo
dos erros, as dificuldades, no que eles • Justificativas das aulas planejadas
melhoraram [...] Sempre faço isso. Às vezes não
dá tempo, mas raramente (Prof. 8).
processualmente:
Neste grupo foi possível reunir cinco
Além das mencionadas sessões, este grupo de professores, embora os argumentos apresentados
cinco professores dedica à sessão intermediária da não estivessem fundamentados nas mesmas
aula para tratar especificamente do tema da aula; premissas em termos de abordagens pedagógicas
ou seja, propor experiências de ensino- da Educação Física. De comum, existe a
aprendizagem em função da relação preocupação em iniciar as aulas a partir da
conhecimento-objetivos de ensino. Não é possível apresentação dos objetivos, seguido da dinâmica
afirmar que exista uma denominação para esta da aula e culminando com propostas de reflexão
parte da aula, embora alguns tenham falado em sobre o trabalho desenvolvido. Não há, portanto,
‘parte principal’ (Professores 3, 7, 8 e 14) e outros uma compartimentalização da aula com a proposta
em ‘aula propriamente dita’ (Professores 5 e 12). de atividades distintas em termos de especificidade
Depois do ‘aquecimento’ vem a parte principal da em função das partes que compõem a aula.
aula. É a maior parte. Eu organizo os exercícios
do mais fácil para o mais difícil e termino com um Três professores justificaram que suas aulas
jogo. [...] para ver se eles aprenderam a jogar. são planejadas na perspectiva da formação
Também não adianta fazer o movimento isolado
que não quer dizer que sabe jogar. Você sabe,
cultural dos alunos.
né! (Prof. 3). O que você quer dizer com isto? – (pergunta do
entrevistador) – Eu não divido minhas aulas em
Eu chamo a segunda parte da aula de ‘aula partes. Faço o planejamento das aulas em
propriamente dita’, porque é aqui que tá o foco do função dos temas e objetivos. No início do ano
meu ensino, do meu objetivo. É aqui que organizo eu discuto isso com os alunos. Eu sempre
as atividades para atingir os objetivos da minha planejo a aula em função da aula anterior.
aula (Prof. 5). Ponho eles pra pensar, pra propor soluções, pra
Na parte principal eu organizo as minhas trabalharem em pequenos grupos, pra resolver
atividades visando à aprendizagem do tema da os problemas (Prof. 6).
minha aula. Aí faço exercícios educativos, jogos e Minha aula corre [...] flui. Apresento os objetivos,
um monte de outras coisas ligadas ao objetivo da dou as explicações iniciais; às vezes rola uma
aula (Prof. 7). discussão, geralmente a partir da 6ª série, e
vamos para as vivências práticas. Mas sempre
Poder-se-ia especular que esse modelo que
que rola um problema, eu paro a aula para
prevê três momentos se tornou dominante na discutir com os alunos. Às vezes eu nem
forma de pensar o planejamento da aula em consigo fazer tudo que estava planejado. Neste
caso, a gente dá seqüência na outra aula (Prof.
Educação Física e permanece não só nas falas
9).
dos docentes entrevistados, como também nos
Eu não divido a aula. Eu chego e apresento os
cursos de formação de professores. Por outro lado, objetivos, falo da importância deles e discutimos
destoam desse primeiro grupo os Professores 1, 4 como desenvolver a aula. Aí eu apresento um
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Modelos de aulas de educação física

problema, a gente discute e vamos aplicar [...] a avaliação diagnóstica, discuto o que vamos
gente cria novas regras, improvisa material, fazer ao longo do ano e no final de cada
explora outras formas de explorar a quadra [...] bimestre eu repito a avaliação. Vamos
a área [...] e aí a aula vai rolando, novos acompanhando o desenvolvimento do grupo
problemas vão surgindo, novos desafios são (Prof. 10).
propostos [...] debatemos e vamos aplicar. No
final a gente reflete sobre a aula, analisa Eu falo os objetivos e começo a aula. Tento
criticamente e esboça como vai ser a próxima organizar as atividades e os exercícios por nível
aula. Na verdade eu dividi minha em três partes, crescente de dificuldade [...] de complexidade
não é? Mas estou pensando nisto agora (Prof. (Prof. 11).
15). O Professor 10 identifica-se teórico-
Aqui os professores estruturam a aula a partir metodologicamente com a abordagem
de um processo de problematização do conteúdo denominada de Saúde Renovada (DARIDO;
de ensino-aprendizagem, instigando os alunos a SANCHES NETO, 2005), considerando que os
uma participação ativa e propositiva no objetivos orientadores e os objetos de avaliação
desenvolvimento das aulas. Parece que a das suas aulas estão relacionados à aquisição das
preocupação central desses professores é com a capacidades físicas associadas à saúde, bem
dinâmica e a fluidez das experiências de ensino- como à apropriação de conhecimentos sobre a
aprendizagem, em detrimento do cumprimento importância da prática regular e orientada de
cartorial de atividades previamente definidas e exercícios físicos para a prevenção de doenças
repassadas para os alunos, numa perspectiva de crônico-degenerativas e a promoção da saúde, na
modelo criticado e denominado por Paulo Freire perspectiva defendida por especialistas como
de educação bancária (FREIRE, 1984). Nahas e Corbin (1992), Guedes e Guedes (1997),
O Professor 15, no entanto, ressaltou seu entre outros.
descontentamento com a impossibilidade de A Professora 11, por sua vez, identifica-se com
organizar seu planejamento em coerência com a a abordagem Desenvolvimentista (TANI et al.,
concepção defendida de Educação Física. Ele se 1998). Sua intenção pedagógica é favorecer a
identifica com o que denominou de uma aquisição dos movimentos básicos fundamentais
perspectiva crítica de Educação Física, cujo (habilidades motoras) e dos movimentos
objetivo é a apropriação crítico-reflexiva da cultura especializados tematizados na ginástica, nos jogos
corporal. A exemplo do que defende Souza Junior esportivos e na dança. Tem a preocupação de
(1999), o foco do ensino-aprendizagem da identificar o nível de desenvolvimento dos seus
Educação Física não é, necessariamente, o alunos para selecionar e organizar suas atividades
domínio das habilidades motoras e/ou a aquisição de ensino sob a forma de progressões
das capacidades físicas, mas a partir das práticas pedagógicas.
corporais é preciso promover um fazer crítico- Em que pese as diferentes abordagens
reflexivo. Sua intenção pedagógica é possibilitar adotadas por estes dois professores, ambos
aos alunos a compreensão. parecem organizar deliberadamente as atividades
de que este componente curricular possibilita de ensino-aprendizagem das aulas numa lógica
sintetizar e sistematizar representações do
mundo no que concerne à produção histórica e processual.
social das dimensões, elaborações
manifestações da cultura humana, como, por
e
• Formas indefinidas de estruturação
exemplo, o jogo, o esporte, a ginástica, a luta e a das aulas de Educação Física:
dança (SOUZA JUNIOR, 1999, p. 160-161). Duas professoras sugerem uma ação não
Mas isto, no entanto, não impede o Professor deliberada em relação à estruturação das suas
15 de organizar as aulas de forma dinâmica e aulas. As professoras parecem orientar o
processual. desenvolvimento das aulas numa perspectiva
recreativa.
Outros dois professores orientam seus
Eu nunca pensei nisto! Eu chego e dou minha
planejamentos na perspectiva do aula. Às vezes dou um aquecimento, às vezes
desenvolvimento das capacidades físicas não. Eu discuto muito com os alunos o que
(Professor 10) e da aquisição das habilidades vamos fazer na aula. Eles não gostam de fazer
exercícios; então eu cansei de tentar. Eu
motoras (Professora 11). pergunto o que eles querem fazer e vou
Como assim? – (pergunta do entrevistador) – conduzindo a aula. Quando vou propor algo
Confesso que nunca me preocupei com isto. diferente, a maioria sai da aula. Então [...] Os
Tenho o objetivo, planejo as atividades e pequenos gostam de brincar. Aí eu dou muito
desenvolvo a aula. No início do ano faço uma jogo – queimado, pique, futebol [...] Os da 5ª e
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H. G. Resende, A. J. G. Soares & D. L. Moura

6ª séries só querem jogar futebol e voleibol. Às entrevistador: “O que você quer dizer com isto?”;
vezes eles jogam handebol, por causa das “Como assim?”.
meninas. Mas a maioria das meninas não gosta
de fazer e nem aparece na aula (Prof. 2). De comum, trata-se de um grupo relativamente
Eu apresento e explico os jogos [...] novo em termos de formação profissional e,
dependendo [...] tenho que dividir os times e portanto, é possível que seja um grupo
depois vou corrigindo, explicando, né. É isto que influenciado pelo pensamento pedagógico crítico
você queria saber? (Prof. 13).
da Educação e da Educação Física brasileira.
Os recortes “eu nunca pensei nisto” e “é isto
que você queria saber” sugerem que essas duas Considerações finais
professoras, mesmo que decidam previamente Dois modelos de estruturação das aulas de
sobre seus objetivos e atividades, o fazem sem Educação Física se destacam a partir das
intencionalidades sobre a organização das intenções pedagógicas declaradas pelo grupo de
atividades de ensino-aprendizagem no contexto de professores envolvidos nesta pesquisa: um modelo
uma sessão ou conjunto de sessões sobre um compartimentalizado e uma perspectiva processual
determinado tema. - oito docentes revelaram a adoção deliberada ou
Em síntese, podemos dizer que, em alguma não do primeiro modelo, enquanto que cinco
medida, a forma de organização e estruturação docentes evidenciam a adoção do segundo
das aulas dos Professores 1, 3, 4, 5, 7, 8, 12 e 14 modelo.
reflete os modelos didáticos compartimentalizados. No entanto, o primeiro grupo de professores
Caracteriza-se por uma espécie de amálgama de revela uma espécie de amálgama das partes que
alguns dos ilustrados modelos de organização e de caracterizam os diferentes ‘métodos’ ginásticos e
estruturação das aulas de Educação Física, modelos de aulas, sem demonstrar conhecimento
misturando partes características de alguns sobre os mesmos; exceção para uma das
modelos ou criando novos rótulos sem, no entanto, professoras que evidenciou organizar
desconfigurar a lógica da fragmentação. deliberadamente as atividades das suas aulas
Ainda neste grupo destaca-se a Professora 8 com base num modelo similar ao proposto por
que, mesmo não rompendo com esta lógica Barros (1970) em crítica à forma preconizada
compartimentalizada, sugere uma opção pela denominada ‘Educação Física
deliberada ao organizar suas aulas em partes Generalizada’.
integradas tematicamente, similar à lógica Apesar de muitos professores não terem sido
organizacional desenvolvida e defendida por formados sob os auspícios do denominado
Barros (1970). Justifica sua opção em crítica ao ‘método’ francês ou de qualquer outro método
modelo aprendido durante sua formação dessa tradição, os argumentos descritos sobre a
profissional – a ‘Educação Física Desportiva organização das atividades de ensino-
Generalizada’. aprendizagem objetivam, via de regra, o
Bracht et al. (2005) sugerem que a lógica de desenvolvimento das capacidades físicas visando
planejamento das aulas de Educação Física nem a aquisição de aptidão física. O corpo aqui é
sempre está atrelada à concepção defendida pelo encarado como um objeto que deve ser
professor. disciplinado e moldado através de práticas
Não são raras as vezes que os professores repetitivas, com a intenção de cultivar o hábito e o
buscam construir seu trabalho a partir de outros gosto (VAZ, 1999).
horizontes que não o da esportivização e da
aptidão física, mas continuam acreditando que o A idéia de uma sessão preparatória ou
momento inicial de uma aula de Educação Física introdutória que tem como finalidade o
é o aquecimento, sem perceber os fundamentos aquecimento orgânico; uma sessão
teóricos e o caráter interessado da organização
de uma aula como esta (p. 49). ‘Propriamente Dita’ ou ‘Parte Principal’, que
compreende a execução dos diferentes
Os Professores 6, 9, 10, 11 e 15 evidenciaram
movimentos básicos fundamentais típicos da
em suas respostas uma outra lógica de
cultura humana (locomotores, manipulativos e
organização, isto é, a estruturação das aulas de
estabilizadores) ou o ensino dos jogos esportivos;
Educação Física de forma processual. No entanto,
e uma sessão denominada ‘Volta à Calma’,
não significa dizer que seja uma opção deliberada,
marca a maioria das falas dos professores, que
na medida em que alguns demonstraram
afirmam organizar suas aulas de forma
surpresos com a pergunta formulada pelo
compartimentada. Observa-se que este modelo
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Modelos de aulas de educação física

didático desenvolveu-se a partir de uma tradição, processo de ação-reflexão-ação (NASCIMENTO;


cujas marcas identificadoras permanecem até RESENDE, 2004).
hoje no cenário de ensino-aprendizagem da Ao contrário dos tradicionais modelos de
Educação Física. organização das aulas, nesse enfoque não se tem
O grupo de professores que declara organizar condições de definir um número de aulas
suas aulas de forma processual, embora se necessário para encerrar uma determinada
fundamente em diferentes concepções de temática. O processo dinâmico da aula, bem como
Educação Física (RESENDE, 1994; DARIDO, de um conjunto de aulas sobre um determinado
SANCHES NETO, 2005), demonstram uma tema, implica na ocorrência de inúmeros fatores
decisão deliberada de que uma aula não deve ser impossíveis de serem previstos e controlados
organizada de forma compartimentalizada. Este antecipadamente (ritmos diferentes de
grupo é constituído pelos professores mais novos aprendizagem, surgimentos de situações
e com menor tempo de formação acadêmica e problemas, desdobramentos da temática,
profissional. Provavelmente, este grupo deve ter curiosidades emergentes, etc). A mudança de
recebido influências das denominadas teorias objetivos e da temática deve ser decidida em
críticas da Educação. decorrência do nível de vivências julgadas
Numa perspectiva pedagógica dinâmica, as satisfatórias por parte do professor em conjunto
proposições didático-pedagógicas não se prestam com os alunos.
a modelos que se apresentam como prontos e As aulas de Educação Física, numa perspectiva
definitivos. A aula deve ser encarada como um de tematização e problematização da cultura do
processo complexo e dinâmico, mesmo que movimento humano, devem ser planejadas e
intencionalmente organizado visando às vivências organizadas de modo a possibilitar a apresentação
práticas e reflexivas acerca dos conhecimentos da e a discussão dos seus objetivos e conteúdos
cultura do movimento humano, no sentido da visando à mobilização e à preparação dos alunos
aquisição de autonomia e realizações criativas. para o processo de ensino-aprendizagem.
Neste caso é necessária a superação da lógica de Necessariamente, os planejamentos do curso e
divisão de uma aula em partes, que tende a das aulas devem ser a síntese de um processo
condicionar, em alguma instância, a subordinação participativo (CORREIA, 1996), em que o
rígida do docente tanto a pretensos objetivos professor, a partir das expectativas e do nível de
imediatos da aula, quanto aos objetivos das partes experiências revelado pelos alunos, decide e
que a constitui. organiza os objetivos e as atividades que
A aula, encarada como processo dinâmico, possibilitem um aumento quantitativo e qualitativo
relativiza o caráter de terminalidade, na medida em do repertório de conhecimentos e de práticas
que não condiciona professor e alunos a corporais dos alunos, bem como uma ampliação
caminharem numa direcionalidade e objetividade da possibilidade de reflexão crítica acerca da
‘linear’ para a consecução dos denominados cultura do movimento humano e das suas
objetivos imediatos (lógica da instrumentalização possibilidades transformadoras e criativas de
técnica). Os objetivos de uma aula, por sua vez, inserção com a prática social. Para tal, é
perdem aquela dimensão imediata. A dinâmica de fundamental que as aulas, independentemente do
uma aula, traduzida pelo processo particular de seu término em função da consecução dos
interação entre as necessidades dos alunos de objetivos propostos, devam ser finalizadas com
emancipação cultural, as intenções educativas do uma avaliação participativa sobre o que foi
professor, os conteúdos e as atividades de realizado, bem como sobre o que deixou de ser
ensino-aprendizagem e as intenções e ações dos realizado, visando às necessidades e
alunos, é que passa a determinar a dinâmica do possibilidades de realizações nas próximas aulas.
trato e de exploração do conhecimento, assim Via de regra, não tem sentido falar em uma aula,
como o tempo necessário para a consecução dos mas num conjunto de aulas, considerando que a
objetivos. O tempo é que deve ser subordinado às consecução dos objetivos de ensino-aprendizagem
experiências de constatação, análise, dificilmente são alcançados imediatamente; essa
hipotetização, experimentação, avaliação e consecução é decorrente do trabalho contínuo e
reflexão crítica sobre os temas problematizadores integrado entre professor e alunos, na resolução
e desencadeadores das ações dos alunos – dos problemas e desafios inerentes ao processo
educativo.
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H. G. Resende, A. J. G. Soares & D. L. Moura

Por fim, é preciso levar em consideração que o KUENZER, A. Z.; MACHADO, L. R. S. A


simples rompimento com o conjunto de indicadores pedagogia tecnicista. In: Mello, G. N. (Org.)
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compensatória. São Paulo: Loyola, 1986. p. 29-
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52.
pertinência e a adequação de uma aula, assim
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Diego Luz Moura: bolsista do CNPq

Endereço:
Helder Guerra de Resende
Av. Salvador Allende, 6700
Recreio dos Bandeirantes
Rio de Janeiro – RJ
22780-120
e-mail: helder@castelobranco.br

Recebido em: 22 de novembro de 2008.


Aceito em: 27 de janeiro de 2009.

Motriz. Revista de Educação Física. UNESP, Rio Claro,


SP, Brasil - eISSN: 1980-6574 - está licenciada sob
Licença Creative Commons

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