Você está na página 1de 3

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA SEGUNDO PAULO FREIRE

A educação que liberta, frente às injustiças sociais e às vulnerabilidades – uma reflexão


sobre a educação em tempos de Pandemia
(Texto para Reunião de JEIF 02 de agosto de 2021)
Mônica A. O. Aliberti

É notório que nos últimos anos temos visto e vivido muitas mudanças
importantes na forma como a sociedade e a educação entendem e lidam com a
diversidade humana: os conceitos e as práticas assumem, cada vez mais, um caráter
efêmero e de possibilidades múltiplas.
O distanciamento físico promovido pela Pandemia pela Covid-19 levou a escola
ao maior contato com a realidade do(da) estudante, especialmente durante o ano de
2020, ano em que as atividades na modalidade remota foram implementadas nas
escolas da Rede Municipal de Ensino da Cidade de São Paulo, nas escolas de todo o país,
e de todo o mundo. Estudantes vulneráveis, são, geralmente, aqueles que apresentam
defasagens de aprendizagens. Ao retornarmos às atividades presenciais em 2021 temos
nos deparado frontalmente com essas demandas. Portanto, refletir sobre a nossa
prática diante da diversidade dessas demandas é de relevância extrema nesse tempo.
Nesta perspectiva, aquilo que, por costume, chamamos de “crise de paradigmas”
atinge diretamente a nós educadores(as), nos fazendo refletir sobre valores e práticas,
nos mobilizando para descontruir e repensar em nós mesmos, e em nossas concepções.
É necessário admitir que uma grande parcela da sociedade ainda vê “o pobre”,
“o negro”, “a pessoa com deficiência”, enfim, o “diferente” como alguém em condição
subalterna. Inseridos nessa sociedade, somos levados a assim pensar, ainda que não
admitamos, ainda que lutemos contra isso, ainda que nos envolvamos em movimentos
de ações sociais : a escola ainda mostra que alguns estudantes são “indesejados”. Não
pretendo, e nem poderia, sugerir qualquer tipo de juízo de valor a um(uma) professor(a)
que sinta-se incomodado ante a situações de desafios por demandas específicas de
algum(a) estudante. A exclusão que fazemos, mesmo sem perceber, é fruto de
estereótipos a que fomos educados, e que foram registrados culturalmente durante
muito tempo.

A construção de uma prática inclusiva e nova acontece quando pensamos nas


estratégias para que possamos realizá-la. Nossa tendência é desistir, ao refletir sobre a
própria realidade, que muitas vezes nos parece desalentadora. Conclusões como “Não
tem jeito, essa é a realidade da EMEF CEU Jaçanã”, “Não há o que ser feito. Vou fazendo
o que dá pra fazer” são comuns entre nós. Não digo que nessas conclusões não haja um
legítimo desânimo. Não pretendo levantar questão de que encarar e reconhecer uma
realidade adversa é agir de maneira irresponsável, muito pelo contrário. Mas posso
sugerir que o desalento pode confundir a nossa curiosidade, ofuscar a nossa visão
inovadora e transformadora, e pior, pode assumir o controle da nossa prática. É essa a
reflexão que sugiro, devemos fazer.
Gosto de ser homem, de ser gente, porque sei que a minha passagem pelo mundo não é
predeterminada, preestabelecida. Que o meu “destino” não é um dado mas algo que precisa
ser feito e de cuja responsabilidade não posso me eximir. Gosto de ser gente porque a História
em que me faço com os outros e de cuja feitura tomo parte é um tempo de possibilidades e não
de determinismo. Daí que insista tanto na problematização do futuro e recuse sua
inexorabilidade (Paulo Freire)

A nossa tentativa de padronizar as práticas, e assim padronizar as respostas


dos(das) estudantes às nossas propostas, tem tornado essas práticas tensas, tem nos
feito sofrer (e assim, também fazemos sofrer, mesmo sem o querer).
Ao pensarmos na “educação bancária”, como denominava Freire, o(a) estudante
torna-se um(a) receptor(a) de conhecimentos. Podemos ter a ideia de que esse
movimento nos dá um controle maior de todo o processo, quando em tempos de amplo
acesso à informação em outras fontes isso se torna um desafio que nos leva a admitir
que não somos detentores do saber, e os(as) estudantes também não devem ser
cobrados a que também o sejam. Esse modelo não permite que haja diferença ou
questionamento entre os(as) estudantes. Qualquer estudante que “fuja” do padrão
pode tornar uma dificuldade, pois substituímos a esperança pelo pragmatismo.
“Desrespeitando os fracos, enganando os incautos, ofendendo a vida, explorando os
outros, discriminando os índios, o negro, a mulher, não estarei ajudando meus filhos a
serem sérios, justos, e amorosos da vida e dos outros” (Paulo Freire)
Paulo Freire refere-se às condições de exclusão, a que são submetidas as classes
populares, os oprimidos, denominando de “situações-limite”, ou seja, obstáculos ou
barreiras que precisam ser vencidos, mas se encontram vinculados à vida pessoal e
social do indivíduo. Segundo ele, o enfrentamento dessas situações é percebido de
formas diferentes pelos envolvidos nesse processo: ou eles as percebem como um
desafio que eles mesmos não podem ou não desejam transpor, ou ainda como algo que
sabem que existe e que precisa ser rompido e então se empenham na sua superação.
Nossa missão é promover que esses obstáculos sejam superados pelos(as)
estudantes, nos atentando para não entrarmos no movimento de que esses desafios são
históricos, e estão postos para sempre, sendo que nada poderemos fazer. Temos visto
nitidamente que os nossos esforços empreendidos têm feito mudanças significativas em
nossa escola, basta olharmos para poucos anos atrás, e iremos constatar quantos
obstáculos já foram transpostos na escola. Se estamos exatamente no mesmo campo
geográfico que é o bairro do Jaçanã e seus entornos, por que temos avançado? Sim,
somos potentes! Os (as) estudantes também são.
São tempos de desafios, e estamos expostos a eles. A ausência das aulas
presenciais nas escolas do mundo inteiro trouxe várias heranças, e no caso da nossa
escola escancarou o quanto precisamos estar próximos às famílias, enquanto
educadores(as), o quanto precisamos conhecer e reconhecer a realidade dos (das)
estudantes, e a diversidade entre as suas histórias. Conviver com as diferenças é mais
do que uma postura tolerante, é, antes, reconhecer que a nossa vida é mais ampla e
mais rica na multiplicidade. O “diferente” não é aquilo que opõe-se ao “normal”. O
“diferente” é, simplesmente, diferente. E, talvez, essa seja a inovação: entender que
viver em multiplicidade é necessário, libertador, e o mais próximo do “padrão” se é que
ele existe.

Referências
______. Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à prática educativa. 5. ed. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1996.
______. Pedagogia da Esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 8. ed.
Rio de Janeiro: Paz e terra, 2001a.
______. Pedagogia do Oprimido. 32. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2002.
MARQUES, Luciana Pacheco, MARQUES, Carlos Alberto. Do universal ao múltiplo: os
caminhos da inclusão.

Você também pode gostar