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3 de Janeiro de 2022

Alterações da Ata do Sistema de Registro de Preços

Direito Constitucional. Direito Administrativo. Lei 8.666/93. Decreto nº


7.893/2013

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo visa analisar a possibilidade de revisão econômico-


financeira da Ata de Registro de Preços.

É recorrente a discussão sobre a aplicação das regras de reequilíbrio


econômico-financeiro do contrato à Ata de Registro de Preços. Em
especial, devido à instabilidade econômica do país nos últimos anos.

Para fins de análise e metodologia deste artigo utilizar-se-á o Decreto


Federal nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013, que regulamentou o
Sistema de Registro de Preços na União.

2. SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS

A Lei 8.666/93, no art. 15, determina que as compras, sempre que


possível, deverão ser processadas através de Sistema de Registro de
Preços.

O Sistema de Registro de Preços é um procedimento auxiliar permitido


pela Lei, que facilita a atuação da Administração em relação a futuras
prestações de serviços e aquisição gradual de bens. Utilizando esse
procedimento, pode-se abrir um certame licitatório em que o vencedor
terá seus preços registrados, para que posteriores necessidades de
contratação sejam dirigidas diretamente a ele, de acordo com os preços
aferidos.

Marçal Justen Filho define Sistema de Registro de Preços como:

“O Sistema de Registro de Preços (SRP) é uma das mais úteis e


interessantes alternativas de gestão de contratações colocada à
disposição da Administração Pública. (…) O registro de preços é um
contrato normativo, constituído como um cadastro de produtos e
fornecedores, selecionados mediante licitação, para contratações
sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e outras
condições previstas no edital”

Destacamos, ainda, Marçal Justen Filho:

(...)

Como se sabe, o registro de preços é implantado mediante uma


licitação, promovida no âmbito de um ou mais órgãos
administrativos. Essa licitação é modelada de acordo com as
necessidades dos órgãos que participam do sistema.

Inicialmente, o Sistema de Registro de Preços era permitido apenas


para a licitação na modalidade concorrência, inc. I do § 3º do art. 15 da
Lei 8.666/93, no entanto, o art. 11 da Lei 10.520/02 autorizou o
registro de preços por intermédio do Pregão.

Ademais, a regulamentação do Sistema de Registro de Preços será


mediante Decreto, § 3º do art. 15, da Lei 8.666/93. Assim, no âmbito
federal, tem-se o Decreto nº 7.892 de 23 de janeiro de 2013. Os demais
entes federativos poderão e deverão regulamentar em seus entes o
SRP, observando as peculiaridades regionais (caput do § 3º do art. 15,
da Lei 8.666/93).
A validade do registro é de 01 (um) ano (inc. III, do § 3º do art. 15, da
Lei 8.666/93), sendo que o Decreto Federal nº 7.892/13, art. 12,
regulamenta que a validade da ata de registro de preços não será
superior a doze meses, com suas eventuais prorrogações.

3. APLICAÇÃO DOS MECANISMOS DE REVISÃO


ECONÔMICA NA ATA DE REGISTRO DE PREÇOS

É garantia constitucional, que nos termos da lei, as aquisições e


contratações estabeleçam cláusulas que mantenham as condições
efetivas da proposta (art. 37, inc. XXI).

E, regulamentando o referido dispositivo constitucional, o art. 65, inc.


I, d da Lei 8.666/93 previu o seguinte:

Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com
as devidas justificativas, nos seguintes casos:

II - por acordo das partes:

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente


entre os encargos do contratado e a retribuição da administração
para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento,
objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial
do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou
previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou
impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força
maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica
extraordinária e extracontratual.

Assim, preliminar, temos o entendimento do Professor Ronny Charles,


que diante de situações adversas, por derivar da Lei e da Constituição é
medida obrigatória, vejamos:
“O reequilíbrio econômico financeiro do contrato deve ser percebido
como um direito, tanto do contratado quanto da Administração. Ele
foi expressamente estabelecido pelo Constituinte, ao resguardar a
manutenção das condições efetivas da proposta (art. 37, inciso XXI).
Nesta feita, identificado o fator extraordinário gerador do
desequilíbrio econômico do contrato, a revisão necessária, para o
reequilíbrio de sua equação econômico-financeira, independe de
previsão contratual, pois tal direita deriva da Lei e da Constituição.”

O Prof. Marçal Justen Filho entende da seguinte forma:

“O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo


significa a relação (de fato) existente entro o conjunto dos encargos
impostos ao particular e a remuneração correspondente.

(…) Todas as circunstâncias atinentes à remuneração são relevantes


tais como prazos e forma de pagamento. Não se considera apenas o
valor que o contratante receberá, mas, também, as épocas previstas
para sua liquidação.

É possível (à semelhança de um balanço contábil) figurar os encargos


como contrabalançados pela remuneração. Por isso se alude a
“equilíbrio”. Os encargos equivalem à remuneração, na acepção de
que se assegura que aquela plêiade de encargos corresponderá
precisamente à remuneração prevista.”

Os referidos mecanismos de revisão econômica são expressamente


aplicáveis nos casos de contratos administrativos. O que se discute é
sua aplicação ao Sistema de Registro de Preços.

Os dispostos regulamentares que regem os referidos mecanismos no


Sistema de Registro de Preços são os artigos 17, 18 e 19 do Decreto nº
7.892/2013, in verbis:
Art. 17. Os preços registrados poderão ser revistos em decorrência de
eventual redução dos preços praticados no mercado ou de fato que
eleve o custo dos serviços ou bens registrados, cabendo ao órgão
gerenciador promover as negociações junto aos fornecedores,
observadas as disposições contidas na alínea d do inciso II do caput
do art. 65 da Lei nº 8.666, de 1993.

Art. 18. Quando o preço registrado tornar-se superior ao preço


praticado no mercado por motivo superveniente, o órgão gerenciador
convocará os fornecedores para negociarem a redução dos preços aos
valores praticados pelo mercado.

§ 1º Os fornecedores que não aceitarem reduzir seus preços aos


valores praticados pelo mercado serão liberados do compromisso
assumido, sem aplicação de penalidade.

§ 2º A ordem de classificação dos fornecedores que aceitarem reduzir


seus preços aos valores de mercado observará a classificação
original.

Art. 19. Quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços


registrados e o fornecedor não puder cumprir o compromisso, o
órgão gerenciador poderá:

I - liberar o fornecedor do compromisso assumido, caso a


comunicação ocorra antes do pedido de fornecimento, e sem
aplicação da penalidade se confirmada a veracidade dos motivos e
comprovantes apresentados; e

II - convocar os demais fornecedores para assegurar igual


oportunidade de negociação.

Parágrafo único. Não havendo êxito nas negociações, o órgão


gerenciador deverá proceder à revogação da ata de registro de
preços, adotando as medidas cabíveis para obtenção da contratação
mais vantajosa.
O art. 17 regulamenta a possibilidade de revisão dos preços registrados
decorrente de eventual redução dos preços praticados no mercado, ou
quando, de fato, forem elevados os custos dos serviços e bens
registrados.

Ainda, determina o referido artigo que o órgão gerenciador promoverá


as negociações junto aos fornecedores, observando as disposições
contidas na alínea d do inciso II do caput do art. 65 da Lei 8.666/93.

Parece que a parte final do art. 17 permite a revisão contratual em caso


de elevação dos preços praticados no mercado, quando faz menção ao
dispositivo da revisão econômica dos contratos da Lei 8.666/93, mas, é
preciso realizar uma intepretação sistemática do artigo.

Outrossim, na realidade, o art. 17 determina que o órgão gerenciador


observe as disposições contidas na permissão da revisão contratual,
porém, não autoriza a revisão quando o preço de mercado é superior.
Devendo observar o art. 19, que estabelece o procedimento para os
casos em que os custos forem elevados.

Então, extrai-se que o art. 17 é parte introdutória das alterações dos


preços registrados na Ata, e os arts. 18 e 19 detalham os seus
procedimentos e os casos.

Assim, de acordo com art. 18, se o preço registrado for maior que o
preço praticado no mercado, por motivo superveniente, que veio
posterior a assinatura da Ata, o órgão gerenciador convocará o
fornecedor para negociar a redução dos preços.

E, caso o fornecedor não aceite a redução do preço ao valor praticado, o


referido será liberado do compromisso assumido, sem aplicação das
sanções de praxe. Podendo, o órgão gerenciador negociar com os
demais fornecedores classificados, observando a classificação original.
No art. 19 tem-se a explicação do art. 17, em relação aos preços de
mercado que ficaram superiores aos preços registrados, e, com base
nisto, ocorreu um desequilíbrio econômico financeiro na Ata, e, o
fornecedor não poderá cumprir o compromisso assumido na Ata.

Assim, o referido dispositivo determina que o órgão gerenciador libere


o fornecedor do compromisso, sem aplicação das penalidades, e que
haja a confirmação da veracidade dos comprovantes apresentados,
desde que a comunicação seja antes ao pedido de fornecimento.

O órgão gerenciador poderá convocar os demais fornecedores para


negociar, assegurando igual oportunidade.

Corroborando com esse entendimento, assim verbaliza Marçal Justen:

“Somente se admite a revisão de preços a favor da Administração, tal


como previsto no art. 19 do Regulamento. Não se prevê a revisão
de preços para produzir benefícios a favor do particular,
mesmo reconhecendo que os preços de mercado são
superiores aos previstos na proposta do licitante”.

(...)

“se tiver ocorrido modificação da situação fática ou jurídica que


acarrete a maior oneração do particular, a solução consiste na
revogação do registro. Portanto, será extinto o registro e o particular
será liberado, sem qualquer punição. Caberá, na sequencia, produzir
um novo registro de preços ou promover uma licitação especifica, de
modo a assegurar a obtenção da contratação nas melhores condições
possíveis”.

Continua o nobre jurista “Essa solução é cabível e adequada porque o


registro de preços não instaurou um contrato administrativo em
sentido próprio. Produziu uma promessa de contratação”.

Esclarece Ronny Charles:


“a ARP não se confunde com um contrato (ou mesmo com uma
contratação), é fundamental para identificar a admissibilidade (ou
não) da aplicação dos institutos de manutenção do equilíbrio
econômico (entre eles o reajuste) nas Atas de registro de preços”.

(...)

“O licitante, ao participar de um certame para registro de preços,


deve apresentar proposta responsável, tendo conhecimento das
nuances que envolvem o SRP e os contratos administrativos, inclusive
no que tange a sua revisão econômica”.

Assevera que, “na prática, é comum que pouco tempo após o início de
vigência da Ata, o fornecedor solicite revisão dos preços registrados,
sem adequada fundamentação do seu pleito”.

Maestralmente esclarece o Prof. Ronny Charles, que:

“os instrumentos de revisão não estão relacionados à Ata de Registro


de Preços, mas à contratação eventualmente produzida à partir dela.
Assim, deve-se diferenciar as modificações econômicas do contrato
administrativo, através dos institutos de revisão econômica (como
reajuste, repactuação e reequilíbrio econômico, os quais detêm status
de direito das partes envolvidas), da possibilidade de ‘negociação’ dos
preços ajustados na ata, que não se configura como um direito, mas
como um procedimento limitado de revisão consensual, que não
permite a ampliação dos preços ou mesmo sua redução impositiva”.

(...)

“quando o preço de mercado tornar-se superior aos preços


registrados e o fornecedor, mediante requerimento devidamente
comprovado, alegar a impossibilidade de manutenção do
fornecimento nas condições assumidas, o órgão gerenciador poderá
liberar o fornecedor do compromisso, sem aplicação da penalidade,
bem como convocar os demais fornecedores para assegurar igual
oportunidade de negociação”.

Ademais, é “necessário perceber que, na hipótese do preço de mercado


tornar-se superior aos preços registrados, a negociação não admite
aumento dos valores registrados, mas apenas a liberação do
compromisso, sem aplicação de penalidades”.

Deste modo, extraímos que só haveria a possibilidade de alteração dos


preços da ata de registro de preços quando o preço praticado no
mercado for inferior aos preços registrados.

4. DOS CASOS POSSÍVEIS DA REVISÃO ECONÔMICA

Como apontado no item acima, defendemos, com base em juristas


renomados na seara administrativa, a impossibilidade de aplicação da
revisão econômica a Ata de Registro de Preços.

Ademais, é importante relatar que os contratos oriundos da Ata de


Registro de Preços seguirão a normativa aplicada aos contratos,
podendo, portanto, obter a revisão econômica, nos termos do art. 65 da
Lei 8.666/93.

No entanto, a doutrina de Justen Filho defende que existem:

“mercados regulados, em que os preços podem sofrer variações de


modo uniforme e homogêneo. O caso mais evidente é o dos
combustíveis. Em tais hipóteses, a elevação dos preços no mercado
deve refletir-se nas condições do SRP. Seria um despropósito, em tais
casos, determinar a extinção do registro de preços e promover uma
nova licitação, que produzirá precisamente os mesmos resultados que
seriam atingidos mediante a revisão dos preços registrados”.
Para o maestral doutrinador, é “aceitável a renegociação da Ata de
Registro de Preços, mesmo quando o preço praticado no mercado for
superior ao registrado, quando os preços forem mediante mercado
regulamentado, como é o caso do petróleo e seus derivados”.

O Tribunal de Contas do Município de Goiás, ACÓRDÃO - CONSULTA


Nº 00009/2020 - Técnico Administrativa, emitiu a seguinte decisão,
in verbis:

Quando o preço de mercado se tornar superior aos preços


registrados, excepcionalmente, para os produtos asfálticos
derivados do petróleo, admite-se a sua revisão, desde que
estejam presentes todos os pressupostos a seguir: (i) Ocorrência de
eventos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências
incalculáveis, posteriores à assinatura da ata de registro de preços;
(ii) Elevação dos encargos ao particular; (iii) Vínculo de causalidade
entre o evento ocorrido e a elevação dos encargos da empresa; (iv)
Inexistência de participante da licitação, a qual deu origem à ata de
registro de preços, que assuma o preço originalmente registrado.
Destaca-se que é necessário o acompanhamento pelo órgão
gerenciador dos preços unitários da ata de registro de preços,
devendo obrigatoriamente realizar renegociações dos preços
registrados quando esses se tornarem superiores aos praticados pelo
mercado.

5. CONCLUSÃO

Pelo exposto, defendo, no presente artigo, posicionamento majoritário,


que os mecanismos de revisão econômica aos contratos não se aplicam
a Ata de Registro de Preços, e, que somente existe a possibilidade de
alteração do preço registrado em duas hipóteses: a) preço registrado
superior ao preço praticado no mercado, e b) excepcionalmente para os
preços de mercado regulado pelo Estado.

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos
administrativos. 16º. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2014.

TORRES, Ronny Charles Lopes de. Leis de licitações públicas


comentadas. 10ª ed. Salvador. Editora JusPodivm. 2019.

GOIÁS. TCMGO. Acordão – Consulta nº 0009/2020 – Técnico


Administrativa. Goiânia, GO: TCMGO, [2020]. Disponível em:
<https://www.tcmgo.tc.br/site/wp-content/uploads/2020/08/AC-
CON-00009-20.pdf>. Acesso em 23.05.2021.

COAUTORES

Diego Avelino Milhomens Nogueira - Procurador Municipal.


Advogado, Consultor e Assessor Jurídico na seara administrativa. Pós-
graduado em Advocacia Pública Municipal, e, Licitações e Contratos
Públicos Municipais. Vice-Presidente da Comissão de Valorização das
Procuradorias Municipais da OAB/TO. Articulista e Colunista no site
tonoticia.com.br.

Patrícia Venâncio dos Santos Fonseca – Bacharel em Direito.


Pós-graduada em Licitações e Contratos Administrativos. Analista
Jurídica efetiva da Procuradoria Gerald o Município de Gurupi.
Exerceu as funções de Pregoeira e membro de Comissão Permanente
de Licitação.

Disponível em: https://diegoavelino.jusbrasil.com.br/artigos/1215918609/alteracoes-da-ata-do-


sistema-de-registro-de-precos

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