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I – Introdução
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melhor: embora Horkheimer considere que a crítica marxiana da economia política
contém em si um gênero de teoria que se diferencia radicalmente de todas as formas
tradicionais de produzir e organizar o saber e o conhecimento, independentemente da
escola epistemológica em questão, se racionalista, empirista ou fenomenológica, a
expressão “teoria crítica” engloba uma acepção mais específica e estrita, que toma
fôlego nesse momento autorreflexivo em que Horkheimer discerne em Marx as
características essenciais da teoria crítica.
Assim, é sempre nesse sentido mais estrito que utilizo o termo “teoria crítica”,
ou seja, um sentido elementarmente determinado por Horkheimer. Como tem insistido
John Abromeit nos EUA ou Marcos Nobre no Brasil, esse sentido mal se dissocia da
própria figura de Horkheimer, enquanto diretor do Instituto de Pesquisa Social de
Frankfurt, enquanto idealizador do materialismo interdisciplinar como forma de
integração de pesquisa em diversos segmentos das ciências sociais, e, finalmente, como
principal editor da revista do instituto, a Zeitschrift für Sozialforschung, que publicava
as dezenas de pesquisas conduzidas então.
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de teoria, em contraposição à teoria tradicional, tendo como referência principal a crítica
da economia política conduzida por Marx, coincide com um afastamento de premissas
relevantes dessa mesma crítica. A teoria crítica ganha vulto em um momento que a
crítica marxiana parecia perder a atualidade, em que o capitalismo passava por
transformações que trariam, na expressão de Horkheimer, “modificações na estrutura da
teoria crítica”.
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marxista, faziam da integração do proletariado ao sistema capitalista uma forma de
conquistar a adesão eleitoral em um período de relativa democratização. Por fim,
parcelas significativas da classe trabalhadora e das camadas médias em países centrais
aderiam ao fascismo. A soma de todos esses fatores representava para Horkheimer, no
ensaio sobre “Teoria tradicional e Teoria Crítica” (1937) um desmantelamento das
forças emancipatórias e um isolamento dos intelectuais que então tinha que fugir às
pressas da perseguição fascista.
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intelectualidade alemã de extrema direita nos anos 1920) – tudo isso fazia da
controvérsia sobre o capitalismo o trampolim para outros desenvolvimentos intelectuais.
Isso por uma série de razões. Em primeiro lugar, é digno de nota que Pollock
passa do conceito de capitalismo monopolista, ainda determinante em suas análises dos
anos 1930, para o conceito de capitalismo de Estado no início dos 1940. Em segundo
lugar, a reação de Neumann, a defesa de uma concepção de capitalismo monopolista
totalitário -- para designar os mesmos fenômenos sublinhados por Pollock, a economia
sob a dominação nazista – se deixa mais facilmente distinguir do que se entendia
geralmente por capitalismo monopolista antes. Em terceiro lugar, o uso de Horkheimer
do capitalismo de Estado como Estado autoritário nos permite ver dois novos traços de
pensamento sobre o conceito de capitalismo em geral: sua fusão com a razão – portanto
uma recuperação da teoria weberiana – e formas intrínsecas de dominação social, vale
dizer: a insistência em uma alteridade sempre ameaçadora, como no antissemitismo.
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II) Engels e o “capitalista total ideal”
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(...) De um modo ou de outro, com ou sem trustes, o representante oficial
da sociedade capitalista, o Estado, precisa finalmente assumir a direção
da produção. Essa necessidade da transformação em propriedade do
Estado desponta primeiramente nos grandes institutos de comunicação e
transporte: o correio, o telégrafo e as ferrovias.
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de classe que marcaram de ponta a ponta a história do século XIX. É esse elemento que
parece diferir do esquema clássico do materialismo histórico em que ao Estado estava
reservado um papel de superestrutura e guardião das relações de propriedade privada.
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capitalista, a contradição entre o modo de produção e o modo de distribuição. A
expressão dessa contradição essencial seriam as sucessivas crises de superabundância e
falta de mercado para escoar a produção. Por sua vez, condicionada pelo grau elevado
de produtividade, intensificam-se as tendências de pauperização e aumento no grau de
exploração do operariado, ou seja, se intensificam as contradições sociais do
capitalismo e, com elas, as lutas de classe. Como representante oficial da burguesia, o
Estado não consegue e não pode superar a anarquia da produção sem eliminar os
próprios fundamentos capitalistas e, portanto, quanto mais participa da vida econômica
mais conduz para além do próprio capitalismo. Ao lidar com as crises, o Estado leva
ainda mais adiante a socialização da produção que contradiz as relações de produção
capitalista, sob o fundo de uma massificação e empobrecimento crescente do
proletariado, sob o fundo de uma contradição inteiramente visível entre produção e
mercado. O capitalismo monopolista, em sua primeira apreensão, não parecia assim
anular as expectativas defendidas no Manifesto Comunista: o capitalismo cria a sua
própria negação, seja ao fazer avançar as forças produtivas, seja ao formar uma massa
de proletários educados e socializados por essas forças produtivas mas também cada vez
mais pauperizados.
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seguida de uma mera concentração de capital. De modo geral, as estatísticas mostrariam
um crescimento do número de pequenos proprietários, um aumento no número de
capitalistas de diversos graus, não uma redução, tanto em termos absolutos como
relativos. Juntamente com isso, em segundo lugar, o sistema bancário se aperfeiçoa e
forma um sistema de crédito capaz de aliviar crises de investimento. A “elasticidade” do
sistema de crédito permitiria então uma adaptação do sistema às mais diversas
circunstâncias, atenuando as crises. Em terceiro lugar, o surgimento de novas camadas
médias tanto por conta das sociedades acionárias quanto pela diferenciação crescente da
indústria em ramos os mais diversos, a ascensão social de trabalhadores – tudo isso
criava uma diferenciação na população que destoava das teses sobre a proletarização
crescente da população e sua pauperização. Por fim, a efetivação de organizações
patronais que evitariam crises geradas por concorrência sem controle. Essas
organizações “influenciam a relação entre a atividade produtiva e as condições de
mercado, de tal maneira que o risco de crise é diminuído”. A socialização da produção
que Engels enxergara nessa fase do capitalismo servia a Bernstein para tirar do
horizonte o colapso do sistema econômico.
Nós vimos nas aulas sobre o fetichismo que Marx havia visto uma contradição
fundamental na autovalorização do capital, que ele explicitava nos termos de uma
dialética de trabalho morto e trabalho vivo, cuja expressão conceitual mais penetrante
em termos de teoria da crise foi a lei da queda tendencial da taxa de lucro. O trabalho
morto, objetificado nos meios de produção, tende a crescer enormemente em virtude da
exploração da força de trabalho enquanto trabalho vivo, atual. O trabalho vivo transfere
o valor incrustado nos meios de produção, condição indispensável para a formação de
valor, e adiciona o mais-valor, condição fundamental para a valorização e o lucro, cuja
verdadeira fonte é, no conjunto dos valores investidos, a diferença não paga em relação
ao próprio valor da força de trabalho, que é determinado pela soma dos produtos
necessários em média para a reprodução dessa força.
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Marx via aí uma contradição fundamental porque a fonte de mais-valor era
reduzida à medida que o capitalista buscava, com mais forças produtivas, com mais
maquinaria, aumentar a extração de mais-valor: no volume do capital total, o trabalho
vivo decresce em relação ao trabalho morto. Porém, Marx também se voltava para os
movimentos de escape, para as tendências contrárias, como a busca contínua de saídas
para essa contradição, por exemplo: a elevação do grau de exploração por
prolongamento e intensificação da jornada de trabalho, a redução do salário abaixo do
seu valor, condições favoráveis do comércio exterior etc. De modo geral, Marx explicita
a contradição da valorização como uma crise estrutural, mas não se pronuncia
definitivamente sobre o colapso do sistema como tal.
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trabalhadora, assim como as sementes de privilégios de produção que são
a forma mais aguda dos antigos privilégios de guildas. Do ponto de vista
dos trabalhadores, parece-me ser muito mais importante no momento
manter em mente as potencialidades dos cartéis e dos trustes do que a
profecia sobre sua ‘impotência’. A questão de saber se eles são capazes, a
longo prazo, de alcançar seu objetivo primeiro, a prevenção de crises, é
em si mesma uma questão menor para a classe trabalhadora. Mas se torna
um questão muito significativa tão logo as expectativas de que qualquer
espécie a respeito do movimento para a libertação da classe trabalhadora
são vinculada à crise geral. Pois então a ideia de que os carteis não
podem fazer nada para prevenir crises pode ser a causa de um descuido
fatal.
Por essas linhas, é possível verificar que Bernstein emprestava à teoria marxiana
das crises capitalista uma formulação enfática: as crises econômicas são interpretadas
em virtude de sua eventual relação com o colapso sistêmico. Como nota Fernando
Rugitsky, essa associação entre crise e colapso não é evidente em Marx, mas se prestava
perfeitamente às finalidades teórico-políticas de Bernstein.
Isso porque o socialismo não seria mais o resultado um colapso ou o teria como
precondição necessária, mas nasceria de uma atuação política consciente e pacífica no
âmbito de regimes democráticos. Os sindicatos, as cooperativas e os partidos
socialdemocratas legalmente reconhecidos seriam mais efetivos para a finalidade da
construção da sociedade socialista do que os grupos revolucionários mais radicais.
Feitas as contas, é evidente que Bernstein expressava em teoria a prática do Partido
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Socialdemocrata Alemão, a principal organização partidária de orientação marxista na
época, que depois de um período de ilegalidade passava a aumentar cada vez sua
extensão no parlamento e na administração pública. Porém, apesar dessa prática
reformista, o partido mantinha frequentemente posições teóricas ortodoxas até estourar
a discussão sobre o revisionismo, e, com ela, a teoria do colapso.
Com isso, Bernstein deu origem assim ao debate propriamente dito sobre o tema,
que envolveu expoentes do movimento socialista de diversas orientações, da
envergadura de Kautsky, Rosa Luxemburgo e Lênin, e encontrou no interior do próprio
Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt ao menos aquelas três posições mencionadas
anteriormente: a de Grossmann, firme defensor do colapso, a de Pollock, que recusa já
nos anos 30 a ideia de colapso após as políticas do New Deal, e a de Neumann, que
rebate a posição de Pollock.
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situasse sempre em um campo de tensão, ora pendendo para burguesia, ora pendendo
para o proletariado, mas incapaz de uma ação política coerente e organizada. A
intelectualização dos trabalhadores que conduzia para cima era sempre acompanhada de
uma proletarização que empurrava as camadas médias para baixo.
É importante notar que Kautsky insiste muito mais nos aspectos sociais do que
os propriamente econômicos. Isso supõe um sutil deslocamento na argumentação de
Bernstein. Bernstein argumentava que a recomposição social dos trabalhadores provava
que a teoria econômica de Marx precisava de uma revisão. O colapso econômico era
uma condição para o socialismo. Kautsky pega a coisa por um outro canto: o colapso
não é estritamente econômico, ele deriva da própria organização e maturidade do
proletariado. Como disse, Kautsky acaba abandonando abertamente, por fim, uma
concepção econômica do colapso, chamando a atenção para as melhoras sociais nas
condições de vida do proletariado, obtidas democraticamente pelos partidos socialistas,
ou seja, em um sentido muito mais próximo de Bernstein.
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que para Bernstein seria uma forma de aliviar crises momentâneas, impele à
produtividade e com isso à produção desenfreada, mas encolhe ao primeiro sinal de
crise, e com isso diminui a capacidade de absorção pelo mercado, sem contar os efeitos
especulativos que o inchaço do crédito provoca em geral.
De outro lado, os trustes e os carteis não poderiam ter um efeito regulativo sobre
o todo da economia, já que o controle sobre um ramo da indústria se daria em
detrimento dos interesses de outro ramo -- um exemplo citado já por Kautsky seria o
embate entre mineradoras e as siderúrgicas --, sem contar a concorrência acirrada entre
as economias nacionais no mercado mundial por meio de guerras alfandegárias. A
fragilidade da orquestração exigida pelos trustes acaba levando à fragmentação dos
capitais privados e de novo à livre-concorrência.
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proletariado contra a dominação burguesa. Como Rosa Luxemburgo e Kautsky, Lênin
considera que Bernstein se prendeu a um período de prosperidade que não tardou em
dar lugar a crises na primeira década do século XX. (“Marxism and Revisionism”, in:
vol 15). Os cartéis e os trustes teriam agravado a anarquia da produção e a opressão
sobre o proletariado, instigando ainda mais os antagonismos de classe.
O conceito é tirado de uma outra obra que iria marcar a discussão marxista sobre
o capitalismo nas primeiras décadas do século XX, o livro de Rudolf Hilferding sobre o
capital financeiro, ainda que o próprio Hilferding tivesse tirado consequências de
política econômica no sentido oposto ao Lenin, isto é no sentido do reformismo. O
conceito de capital financeiro é remetido a uma junção, seja por fusão, seja por
interpenetração, entre capital bancário e capital industrial. O capitalismo encontra de
fato um período de monopólios, o poder de trustes, cartéis e sindicatos patronais (sendo
esta uma das suas primeiras características) mas, menos importantes que os trustes e os
carteis industriais propriamente ditos, são os consórcios monopolizadores que sustentam
o capital financeiro. Esses monopólios financeiros orquestrados por poucos bancos
centralizam sob si praticamente quase a totalidade do capital em dinheiro das economias
nacionais e das operações financeiras, incluindo os empréstimos aos governos, e
ganham o comando direto ou indireto das grandes indústrias. Com isso, surge de um
lado o poder vultoso de oligarquias financeiras, de outro lado, a possibilidade de
atuação de um capitalista coletivo capaz de subordinar sob si as “operações comerciais e
industriais da sociedade capitalista como um todo”, controlando os capitalistas
individuais. Em suma, o “domínio do capital financeiro substitui o domínio do capital
em geral”, e o imperialismo se constitui como dominação do capital financeiro.
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Além disso, a dominação do capital financeiro sinaliza para um deslocamento na
natureza das transações internacionais, caracterizadas cada vez mais pela exportação de
capitais e não tanto, como na fase concorrencial, pela exportação de mercadorias,
embora nas condições imperialistas os capitais investidos no exterior tenham como
exigência o monopólio da exportação de mercadorias, muitas delas insumos justamente
para a produção buscada com o empréstimo (exemplo das ferrovias no Brasil). Por
outro lado, sendo o capital financeiro parasitário por nascença, o imperialismo consiste
também na exploração financeira dos Estados credores sobre os Estados devedores, o
que se expressa internamente no aumento do lucro da camada rentista sobre a camada
industrial e comercial da burguesia.
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monopolista se desenvolve a partir do capitalismo concorrencial, mas não elimina
propriamente a livre-concorrência. A supremacia dos trustes, cartéis, sindicatos e do
capital financeiro de modo geral não se dá na forma de uma supressão da livre-
concorrência. Esta continua ao seu lado, como condição marginal e em oposição à
tendência monopolista, “implicando contradições, fricções, conflitos agudos e
violentos”. Os trustes e os carteis embatem-se assim contra a indústria não cartelizada.
Em quinto lugar, o parasitismo dos Estados rentistas também trazem riscos para
a indústria nacional das próprias potências imperialistas e aguça por outro lado o
conflito entre as nações dependentes e as nações imperialistas.
Assim, ainda que entreteça política e economia no âmbito dos Estados nacionais
avançados e militarizados que lutam pela supremacia e pelo controle de outras nações
subdesenvolvidas, Lenin não vê a possibilidade de afastar crises devastadoras no
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sistema capitalista monopolista, agora intrinsecamente fundido com a política
imperialista.
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acumulação, que muitas vezes é ignorado por aqueles que recusam o colapso ou o
atenuam suas causas de alguma maneira, geralmente partindo de descrições factuais do
capitalismo da época.
Desse modo, Grossmann rejeita a objeção de que o colapso foi uma adição
indevida de Bernstein às análises de Marx sobre a acumulação. Bernstein não estava em
erro ao atribuir esse conceito à teoria desenvolvida no Capital. Pelo contrário, ele
defende que a leitura correta da teoria do valor de Marx tem de ser de tal forma
constituída que a tendência ao colapso é imanente ao capitalismo, ao próprio processo
de acumulação de capital, e as diversas crises são antes desvios em relação ao colapso.
Para isso, ele se vale dos elementos fundamentais da teoria da acumulação e da lei da
queda tendencial da taxa de lucro que havíamos abordado como contradição
fundamental entre trabalho morto e trabalho vivo.
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colapso ganha a supremacia e se impõe como a ‘crise final’ em sua
validade absoluta.
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Essa tendência não pode ser enfraquecida a longo termo por regulações do
capitalismo monopolista, que no geral buscam aumentar preços e lucros estagnando o
desenvolvimento das forças produtivas. Ou seja, os monopólios e imperialismo em geral
visam inutilmente evitar ou eliminar a tendência ao colapso que se vincula
intrinsecamente à acumulação de capital. O parasitismo diagnosticado por Lenin se
torna uma maneira de atenuar essa crise de valorização, mas não pode evitá-la. Além
disso, Grossmann não vê nenhuma possibilidade de regularizar o processo de
acumulação e evitar o colapso ou as crises temporais, questão que estava sempre no
horizonte do conceito de capitalismo monopolista.
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Contudo, essas circunstâncias podem ter tido um peso bem menor do que a
história do ocidente nos anos 1930. Se a crise de 29 jogava água no moinho daqueles
que ainda defendiam resolutamente o colapso, o New Deal, a planificação da economia
na União Soviética e a ascensão do fascismo alterava consideravelmente o ambiente.
Pollock podia mais facilmente defender que a política iria desarmar as causas da crise.
A tese de Bernstein podia ser defendida novamente, mas em um contexto que estava
muito longe de favorecer as políticas socialdemocratas previstas por ele. Junto com o
capitalismo de Estado, o socialismo, seja pela via democrático-reformista à la
Bernstein/Kautsky ou pela via democrático-revolucionária à la Rosa Luxemburgo, se
despedia da cena. E o socialismo alcançado pela via revolucionária da ditadura do
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proletariado à la Lênin já mostrava, com Stalin, um rosto quase tão assustador quanto o
primado fascista da política. De um modo ou de outro, o capitalismo deixava de ser,
para Pollock, um mero sistema econômico. Assim, caberia dizer que, em suas mãos, o
capitalismo dependia sobretudo da política, o que pode nos propiciar elementos para um
outro enunciado: com o capitalismo de Estado, o capitalismo se torna, no essencial,
política.
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