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Presidente da República Federativa do Brasil

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Ministro de Estado da Educação


PAULO RENATO SOUZA

Secretário Executivo
LUCIANO OLIVA PATRÍCIO
Ministério da Educação Secretaria de
Educação Fundamental

GUIA
DO
LIVRONAUTA

Brasília, 2001
Equipe Técnica - SEF
Andrea Kluge Costa
Cecília Correia Lima Sobreira Sampaio
Cinara Dias Custódio

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Brasil. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental


Guia do livronauta — sobrevoando o tesouro da biblioteca e
aterrissando na prática / Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: MEC, 2001.

I. Biblioteca escolar. 2. Guia.


I. Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE.

CDU 371.64
Caro professor,

Aprender a 1er é um processo contínuo que tem início mesmo antes do


processo de escolarização. Mas é na escola que esse aprendizado
acontece de forma rnais sistemática.

Quando se trata de formar o leitor, escola e biblioteca escolar têm um


papel muito importante, que consiste em relacionar as práticas sociais de
leitura com as práticas escolares de ensino e aprendizagem da leitura.
Para superar esse desafio, é fundamental que a escola não limite o acesso
do aluno à leitura apenas do livro didático, mas incentive e amplie o seu
contato com diversos outros tipos de texto, como livros, revistas, jornais
e demais materiais, que são fontes inesgotáveis de informação e
formação.

Com o objetivo de auxiliá-lo em sua tarefa, professor, o Ministério da


Educação distribuiu às escolas públicas de 1ª a 8ª série, com mais de
quinhentos alunos, no ano de 1998, o acervo do Programa Nacional
Biblioteca da Escola — PNBE, composto por obras da literatura
brasileira, enciclopédias, atlas, globos terrestres, mapas e dicionários.
Em continuidade a essa iniciativa, o Ministério encaminha agora este
manual de orientação para utilização desse acervo, que tem por objetivo
ajudá-lo a fazer da leitura, na sua escola, uma prática atraente, dinâmica,
participativa e constante.

Bom trabalho!

Paulo Renato Souza


Ministro da Educação
Caro diretor,

O Ministerio da Educação fez chegar, em 1998, à sua escola e a outras


20 mil escolas públicas do ensino fundamental, o primeiro acervo do
Programa Nacional Biblioteca da Escola — PNBE, com o objetivo de
democratizar o acesso de professores e alunos à leitura e à informação,
apoiando o professor em sua prática pedagógica, na formação do aluno
leitor e no aprofundamento dos assuntos afetos às disciplinas
curriculares.

Consciente de que nem sempre a escola se apropria, de forma efetiva,


desse importante material de leitura, o Ministério está enviando esta
publicação com o objetivo de motivar os professores a conhecer e a bem
utilizar os recursos colocados à sua disposição, não só para sua prática
pedagógica, como também para seu próprio desenvolvimento cultural,
intelectual, afetivo e emocional.

Mônica Messenberg Guimarães Iara Glória Areias Prado


Secretária Executiva do FNDE Secretária da SEF
Sumário

Introdução Aos educadores de educadores 13

Mapa da obra 16

Capítulo I Antes de iniciar a viagem... 19

1.1. Conversando sobre o prazer de ler 20

1.2. Sugestão de dinâmica com os professores 26

Capítulo 2 Sobrevoando os continentes do 29


planeta Acervo PNBE/98

2. I. Continente Ficção-Prosa — O Brasil visto com os olhos da imaginação 30


Região Alfa: para refletir e dar boas risadas 32
Região Beta: para envolver-se em grandes histórias de amor 36
Região Delta: para viver histórias da nossa história 42
Região Pi: para mergulhar em mistérios 52
Região Gama: para saber do erotismo e da violência da vida 60
Região Y: para provar o gosto da infância em Monteiro Lobato 64

2.2. Continente Ficção-Poesia — O Brasil visto com olhos de poeta 66

2.3. Continente Não-Ficção — O Brasil visto com um olhar analítico 78


Região Um: para compreender por que somos o que somos 80
(História, sociologia e antropologia)
Região Dois: para conhecer melhor nossa arte 92
(Arquitetura e música)
Região Três: para saber como e por que fazemos literatura 94
(História da literatura e crítica literária)
Região Quatro: para entrar na alma de grandes brasileiros 98
(Sermões, memórias, biografias e crônicas)
Capítulo 3 A mochila do livronauta 105

3. I. Instrumentos de busca e localização que apóiam a 106


viagem pelos continentes do planeta Acervo PNBE/98

3. 2. Sugestão de dinâmica com os professores 114

Capítulo 4 Escolas em viagem de leitura 117

4. I. Casos de boas escolas públicas brasileiras 118


Caso I. E. E. Júlia Telles (SE) 120
Caso 2. C. E. Conselheiro Zacarias (PR) 122
Caso 3. E. E. Xavier da Silva (PR) 124
Caso 4. E. M. Brigida Ferraz Foz (MS) 126
Caso 5. E. M. Marina Couto Fortes (MS) 128
Caso 6. E. E.Thomé de Medeiros Raposo (AM) 130
Caso 7. E. M. Conde de Agrolongo (RJ) 132
Caso 8. I. E. Sarah Kubitschek (RJ) 134

4. 2. Sugestão de dinâmica com os professores 136

Capítulo 5 Como colocar o planeta Acervo PNBE/98 na órbita da 139


proposta pedagógica de sua escola: Plano de
Ação

Conclusão Como nascem os livronautas 147

índice por obra 156

Ìndice por autor 161


Introdução

Aos
educadores de
educadores
(diretores, coordenadores pedagógicos,
supervisores e encarregados da biblioteca da
escola)

Dizem que há muito tempo, no meio do sertão, existia uma


casa em ruínas, invadida por ervas daninhas, plantas e
animais selvagens, onde um único objeto restara: um velho
baú de madeira, muito bem trancado. Os viajantes que
usavam o lugar como abrigo temporário, durante a noite,
nunca haviam chegado a abri-lo. A maioria nem sequer
notava o baú, encostado a uma parede, camuflado por
caibros e telhas quebradas. Dos que reparavam nele, uns
estavam cansados ou desesperados demais para tomar
qualquer iniciativa; outros chegavam perto, empurravam
com o pé, concluíam que um baú tão leve certamente devia
estar vazio e se afastavam. Um dia, no entanto, o destino
levou dois irmãos curiosos à casa abandonada. E eles não
descansaram enquanto não abriram o baú. Dentro,
encontraram um envelope de papel pardo. O que haveria
ali?, pensaram. Dólares? A escritura do terreno? Nada
disso.
Introdução

chegou aí na escola há algum tempo,


no primeiro semestre de 1999, vinda
do Ministério da Educação. Outras 20
mil escolas — todas com mais de
quinhetos alunos — também recebe-
ram e abriram a caixa misteriosa.

Nem todas as equipes, entretanto, se


(*) Esta é rnais uma
iniciativa do Programa deram conta de que o seu conteúdo, se
Nacional Biblioteca da
Escola, desenvolvido pelo
bem aproveitado, vale rnais que ouro
Ministério da Educação e pedras preciosas: são 206 livros —
(MEC) e pelo Fundo
Nacional de 122 títulos — representando uma
Desenvolvimento da amostra do que de melhor foi
Educação (FNDE). O
acervo que será aqui produzido pela inteligência brasileira,
apresentado foi adquirido
do século XVII ao século XX, em
em 1998 e inclui, ainda,
obras de referência como literatura, poesia, teatro, música,
enciclopédias, dicionários,
atlas e dois globos
historiografia, sociologia e
terrestres. O Acervo antropologia. Os títulos foram sele-
PNBE/98 foi entregue a
20 mil escolas públicas do Apenas umas minúsculas bolinhas cionados por uma comissão de inte-
pais — todas as que pretas. "Isso não serve para nada!", lectuais da mais alta qualidade: Lygia
possuíam mais de
quinhentos alunos. Como gritou frustrado o irmão mais velho. Fagundes Telles, Sérgio Rouanet,
subsídio à implantação ou
Mas o caçula, examinando as bolinhas Hélio Jaguaribe, Eduardo Portella,
à dinamização de suas
bibliotecas, as escolas já pretas, exclamou: "São sementes!" Antonio Cândido e Alfredo Bosi. Ler,
receberam duas
publicações: o Manual
Sem dizer nada, cavou um buraco no ainda que seja apenas uma dessas
Básico, com orientações chão e depositou-as ali, co-brindo-as obras, é plantar na alma semen tes que
sobre como instalar a
biblioteca, administrar e cuidadosamente com terra. Quando o desabrocham em uma com preensão
manter o acervo, e o sol nasceu, o espanto: onde estavam as maior da realidade do nos so país.
Manual Pedagógico —
em papel e CD — com sementes, uma árvore encantada havia Significa, também, elevar se acima do
sugestões aos
crescido, e era tão alta que sua copa se cotidiano e expandir a fronteiras do
professores sobre como
enriquecer suas aulas, perdia além das nuvens. Os dois conhecimento que s tem do mundo e
utilizando algumas das
obras disponíveis. Esta
irmãos subiram pela árvore e o que do próprio ser.
publicação, que aconteceu lá em cima ninguém sabe,
instrumentaliza a equipe
técnica para apoiar os mas, quando voltaram, estavam Este manual foi produzido para aju-
professores na utilização melhores e rnais ricos. dar as equipes escolares a se apro
do Acervo, vem
complementar a série. priar do tesouro representado pelo
Moral da história: velhos baús ou até Acervo Programa Nacional Bi-
caixas de papelão podem ser arcas de blioteca da Escola — PNBE/98,
tesouro disfarçadas. Como a que refletindo coletivamente sobre
possibilidades de explorá-lo em
favor da aprendizagem de professores, sigam convencer melhor seus alunos
alunos e comunidade. Seu destinatário a habitá-lo.
principal é a liderança educacional da
escola: a pessoa ou o grupo de pessoas Pensando nessa tarefa, inserimos
cujo papel é motivar os docentes, nesta publicação um guia turísti-co-
fortalecer a cooperação entre eles, uni- literário, em que se apresentam aos
los em torno do objetivo comum de leitores/viajantes os atrativos de um
fazer com que todos os alunos planeta muito especial, o Acervo
aprendam, além de oferecer a esses PNBE/98 enviado pelo Ministério da
docentes oportunidades de Educação. A liderança educacional
aperfeiçoamento profissional da escola poderá utilizar o guia para
permanente no local de trabalho, tendo convidar os professores a se
em vista a realização desse objetivo. transformar em audazes
"livronautas", que irão explorar o
Você, que é diretor, coordenador, planeta Acervo PNBE/98. Com este
supervisor ou responsável pela bi- guia, poderão sobrevoar rapidamente
blioteca, pode apresentar aos docentes seus continentes — Ficção-Pro-sa,
o novo acervo recebido. Pode Não-Ficção e Ficção-Poesia —,
estimulá-los a superar a barreira da identificando os territórios que rnais
falta de tempo e convidá-los a aven- os fascinam e que poderão visitar
turar-se pelo Brasil que se revela na rnais tarde, com tempo.
prosa e nos versos de alguns dos
nossos autores rnais brilhantes. Este Confira, a seguir, o mapa da obra,
será, talvez, o primeiro passo para que poderá apoiá-lo em seu percurso
fazer com que rnais professores des- de liderança educacional, nas
cubram o prazer da leitura, apaixo- próximas reuniões com a equipe de
nem-se pelo mundo dos livros e con- professores.

V
Mapa da obra

Capítulo 3

Capítulo 1

A mochila do livronauta
Antes de iniciar a viagem Os profissionais da escola irão
Este capítulo traz uma atividade experimentar o prazer de
que poderá fazer os membros aprofundar-se no território de
da equipe refletir de forma um texto, utilizando ferra-
Sobrevoando os continentes mentas como enciclopédia,
bem-humorada sobre a relação do planeta Acervo PNBE/98
que já construíram com os dicionários e atlas. Vamos su-
livros e com a leitura e escolher Este capítulo apresenta um guia gerir uma dinâmica que, de
por qual continente gostariam turístico-literário, que estimula forma prazerosa, permitirá que
de começar a explorar o planeta a equipe docente a excursionar os professores formem uma
Acervo PNBE/ 98: Ficção- pelas obras de literatura, poesia idéia da riqueza que há no
Prosa, Não-Ficção ou Ficção- e não-ficção recebidas do acervo, além de incentivá-los a
Poesia. Ministério da Educação em escolher um ou rnais territórios
1999. literários para visitar e
conhecer, de acordo com seu
gosto, características pessoais e
aspirações.

Guia do livronauta
Escolas
em
viagem
de leitura
Neste
Capítulo 4

Como nascem os livronautas

capítulo apresentaremos casos Os autores deste manual con-


reais de escolas brasileiras que tarão a gênese de sua paixão
estão conseguindo despertar Como colocar o planeta Acer- pelos livros e o papel dos
nos alunos o amor pelos livros vo PNBE/98 na órbita da pro- adultos nisso: um último toque
e ofereceremos exemplos de posta pedagógica de sua esco- a quem ajuda a escrever novas
como as equipes poderiam la: Plano de Ação histórias de leitura na escola.
utilizar o Acervo PNBE/98 Neste capítulo estimularemos a
para enriquecer o currículo, liderança escolar a elaborar,
As atividades e dinâmicas sugeridas nos
fortalecer a proposta com seus professores, planos capítulos I e 3 deste guia podem ser
pedagógica da escola, ampliar de ação para utilizar rnais in- realizadas, também, por professores das
séries finais do ensino fundamentai e de
o universo cultural dos tensivamente os livros do todas as séries do ensino médio, com seus
alunos, jovens e adultos da comunidade,
profissionais e estreitar as acervo em favor da aprendi- adaptando-as, sempre que necessário.
relações com a comunidade. zagem de alunos, professores e
comunidade.
Capítulo I

Antes de
iniciar a
viagem...

Uma biblioteca é uma espécie de gabinete mágico.


Nele se encontram, encantados, os melhores espí-
ritos da humanidade, que esperam nossa palavra
para sair de sua mudez.

Que é um livro, se não o abrimos? E simplesmente


um cubo de papel e couro, com folhas. Mas, se o
lemos, acontece uma coisa rara: creio que ele muda
a cada instante.

Jorge Luis Borges,"O livro". Cinco visões pessoais, UnB, 1985


1.1. Conversando sobre o

Um dos grandes desafios da escola é mílias e comunidades o hábito de 1er


transformar seus alunos em bons lei- não era valorizado; na escola, líamos
tores. Isto se consegue com profes- por obrigação, não por prazer. A
sores que tenham sido contaminados maioria, dividida entre trabalho e
pelo amor aos livros e percebam a cuidados com a família, não encontra
leitura não só como um meio para tempo para incluir a leitura entre suas
conhecer o mundo e resolver pro- (poucas) atividades de lazer. E rnais: o
blemas práticos, mas também como preço dos livros é alto, enquanto nosso
uma das formas da felicidade. salário é baixo.

Ler é viajar pelo passado, presente e A escola, local de aperfeiçoamento


futuro; é percorrer todos os recantos profissional permanente de educa-
da Terra, sem sair do lugar. E poder dores, pode oferecer as condições de
dialogar e aprender com os homens e que necessitamos para explorar as
as mulheres rnais notáveis que a muitas dimensões da leitura. Um
humanidade já produziu. E descobrir primeiro passo é abrir a todos os do-
que o mesmo livro, lido em um centes — não apenas aos de língua
momento diferente de nossa vida, se portuguesa e literatura — a opor-
transforma em outro, revelando tunidade de familiarizar-se com o
significados dos quais antes não acervo da biblioteca da escola. E,
suspeitávamos. muito especialmente, com as obras do
(*) Veja o capitulo "O
professor leitor e
Acervo PNBE/98, enviado pelo
formador de leitores", Por que, então, nós, professores bra- Ministério da Educação. Afinal, os
de Marisa Lajolo, no
manual que sileiros, lemos pouco, ou só lemos 122 títulos selecionados representam o
acompanha o acervo livros didáticos/técnicos diretamente mínimo essencial a que todo brasileiro
de literatura infantil.
relacionados à nossa prática profis- deveria ter acesso, para melhor
sional? Muitos temos histórias de compreender a história, a cultura e a
leitura* complicadas: em nossas fa- arte de nosso país.
prazer de 1er

Que tal, então, fazer uma rápida difíceis, complicados, pois eles podem
excursão por esse planeta desconhe- nos proporcionar descobertas incríveis
cido (ou quase) que é o Acervo e grandes alegrias intelectuais.
PNBE/98? Nele existem três conti-
nentes: Ficção-Prosa, Ficção-Poesia e A idéia, então, é principiar a visita ao
Não-Ficção. Nas páginas seguintes, planeta Acervo PNBE/98 pelo lado
sobrevoaremos essas regiões, para que acharmos rnais prazeroso. Os
nelas identificar os territó-rios-livros testes a seguir fazem pensar sobre o
que mais nos interessam e decidir se tipo de relação que você tem com os
queremos voltar a eles rnais tarde. livros e sobre qual é o continente que
rnais tem a ver com suas
Mas... por onde começar? Vamos características, gostos e necessidades
ouvir a opinião de um dos maiores — Literatura, Poesia ou Não-Ficção.
leitores de todos os tempos, o escritor
argentino Jorge Luis Borges. Ele
adotou o lema de um filósofo francês,
Michel de Montaigne (1533-1592):
"Nada faço sem alegria". E, por
considerar a leitura uma das
possibilidades de felicidade ao alcance
do homem, recomendava que lêsse-
mos, em primeiro lugar, os livros que
nos dão prazer e não exigem esforço.
Mais tarde, já fisgados pela leitura,
descobriremos que vale a pena o
sacrifício de decifrar textos
Os livros e você:
discutindo a relação
Assinale as afirmações verdadeiras para o seu caso. Atribua um
ponto a cada item marcado. Some os pontos e confira o gaba-
rito na página 25.

Leio no mínimo um livro por mês.

Conheço um livro que eu gostaria que todo mundo lesse.

Existe um personagem de literatura de quem eu gosto como se fosse


um amigo.

Posso citar o nome de um autor da minha predileção.

Antes de dormir, sempre leio alguma coisa.

Adoro conversar sobre o livro que estou lendo.

Se tivesse tempo, leria rnais.

Só saio de casa acompanhado por um livro.

Prefiro um livro interessante a uma conversa chata.

Se empresto um livro a um amigo e ele devolve com trechos


sublinhados, acaba a amizade.

Total de pontos:
Emocional, racional, poético:
qual é o seu estilo?

Assinale as afirmações verdadeiras para o seu caso. Atribua


um ponto para cada item marcado. Some os pontos obtidos
em cada bloco e confira o gabarito na página 25 para ver se
você tem rnais afinidades com a ficção ou com a (relativa)
objetividade da não-ficção.

A) Emocional

Se eu tivesse de escolher entre um bom filme de amor ou


aventura e um bom documentário, escolheria o filme de
amor/aventura.

Visitando uma cidade pela primeira vez, eu me interessaria


mais em conhecer suas obras de arte e paisagens do que em
descobrir como funcionam suas escolas e postos de saúde.

Ao encontrar uma pessoa desconhecida, gosto de imaginar a


história de sua vida.

Adoro sonhar e me lembrar dos meus sonhos.

Confio muito na minha intuição.

Total de pontos:
B) Racional
Se eu tivesse de escolher entre um bom filme de amor ou aventura
e um bom documentário, escolheria o documentário.

Visitando uma cidade pela primeira vez, eu me interessaria rnais


em descobrir como funcionam suas escolas e postos de saúde do
que em conhecer suas obras de arte e paisagens.

Ao encontrar uma pessoa desconhecida, se puder, faço perguntas


para conhecer sua história de vida.

No fim do dia, gosto de me lembrar do que fiz e avaliar em que


posso melhorar.

Confio rnais no meu raciocínio do que na minha intuição.

Total de pontos:

C) Poético
Sei pelo menos um poema de cor e o recito sempre que há
oportunidade.

Gosto de 1er poemas em voz alta ou escutar a leitura de poemas.

Se me apaixono, invento ou copio poemas para o meu amor.

As letras de algumas músicas me seduzem.

Gosto de brincar com o som e o significado das palavras.

Total de pontos:
E atenção!

Testes como esses são feitos apenas para


Gabarito descontrair e provocar a reflexão. Não exija de-
les nenhum rigor.
Os livros e você:
discutindo a relação
É interessante notar que uma obra literária ou
0 a 2 pontos: Você e os livros têm pouca intimidade.
Chegue rnais perto: você não sabe o que está um poema podem encantar igualmente tanto
perdendo.
pessoas rnais emotivas e intuitivas, quanto indi-
3 a 5 pontos: Sua relação com os livros é boa.
Invista nela!
víduos rnais racionais e pragmáticos. Estes últi-
mos vão encontrar na ficção informações pre-
6 a 9 pontos: Você é apaixonado por livros e faz
com que outros também se apaixonem por eles. ciosas — e precisas — sobre a realidade. Um
10 pontos: Você desenvolveu uma atração fata exemplo: 1er Recordações do escrivão Isaías Cami-
pelos livros. Cuidado! Leitura é para enriquecer a
vida e não para fugir dela.
nha, de Lima Barreto, é conhecer por dentro al-
gumas das mazelas da Primeira República que
sobrevivem até hoje, e o poema Morte e vida
Emocional, racional, poético:
qual é o seu estilo?
Severina, de João Cabral de Melo Neto, equiva-
le a um tratado de sociologia sobre a situação do
Compare os pontos que você obteve nos três blocos.
camponês sem terra.
Maioria de pontos no bloco A
Emocional: leitor gato (sensual) E provável que Por outro lado, obras de não-ficção podem des-
você sinta-se mais à vontade no terreno da
literatura do que no da não-ficção. velar aspectos tão surpreendentes da realidade,
que rnais parecem invenções — e portanto ape-
Maioria de pontos no bloco B
Racional: leitor touro (pragmático) £ provável
lam não só aos racionais, como aos emotivos.
que você prefira a não-ficção. Exemplo: a descrição do cerco de Canudos, por
Euclides da Cunha, em Os sertões, é uma repor-
Maioria de pontos no bloco C
Poético: leitor pássaro (lírico) £
tagem, mas tão ou mais comovente que um
provável que você se dê muito bem no
campo da poesia.
romance.

Enfim, quer você seja rnais emotivo, racional ou


poético, poderá encontrar alegria nos três conti-
nentes do planeta Acervo PNBE/98.
1.2. Sugestão de dinâmica
Objetivo Motivar os professores a iniciar uma aproximação ao
lhes a oportunidade de dialogar sobre sua relação com os

Desenvolvimento

P eça aos professores que, em


duplas, discutam se concordam
ou discordam da frase abaixo e por
b) o que rnais chamou a sua atenção
em cada uma delas? e c) qual a sua
história de leitor? como começou a
quê: Professores que gostam de 1er gostar de 1er?
têm rnais facilidade em
transformar seus alunos em bons
leitores. Chame representantes de
algumas duplas para relatar as suas
3 Divida os participantes em
grupos de no máximo cinco
pessoas. Distribua aos grupos cópias
conclusões e complemente lem- do teste Os livros e você: dis-
brando que cabe à escola oferecer cutindo a relação (p. 22). Em cada
oportunidades para que os profes- grupo, os participantes responderão
sores possam 1er mais e com maior ao teste individualmente e con-
prazer. sultarão o gabarito. Em seguida,
cada um compartilhará os resultados

2 Distribua aos participantes


cópias de trechos da Conclusão,
Como nascem os livronautas (p.
com os colegas. Quem afirmou ter
algum livro que gostaria de re-
comendar aos demais vai dizer qual
146), contendo relato de três dos é e por que o indicaria. Peça a um
autores sobre o início de seu caso de representante de cada equipe para
amor com os livros. Em seguida, contar às demais que livros foram
peça que, em grupos de três, os indicados no grupo e por quê. Vá
professores discutam: a) o que existe anotando, no quadro-negro ou
de comum nas três histórias? flipchart, os títulos dos livros
com os professores
Acervo PNBE/98 da biblioteca da escola, oferecendo-
livros e sobre o tipo de leitura que preferem.

citados. Sintetize, observando se um palavra racional e outro à palavra


mesmo livro é citado por vários poético. À medida que os partici-
grupos, ressaltando os tipos de livro pantes forem terminando de res-
rnais recomendados pelos pro- ponder o teste e de conferir o ga-
fessores: ficção ou não-ficção, lite- barito, peça que eles se posicionem
ratura infantil ou adulta, livros téc- perto do cartaz com o qual têm mais
nicos, de auto-ajuda, etc. afinidade, de acordo com a
pontuação obtida no teste.

4 Peça que os participantes, em


dupla, sugiram o que pode ser
feito para melhorar a relação da
Em cada um dos três grupos, as
pessoas irão conversar um pouco
equipe de professores com a leitura. sobre se realmente gostam mais de
Anote e comente as sugestões. ficção do que de não-ficção, ou vice-
versa, e por quê.

5 Distribua aos participantes cópias


do teste Emocional, racional,
poético: qual é o seu estilo? (p. 23 e 6 Encerre a sessão, retomando,
com suas palavras, o texto do
24), que deve ser preenchido item E atenção! (p. 25) e
individualmente. Enquanto isso, anunciando, para o próximo en-
afixe na parede, com bastante contro, uma excursão ao Acervo
distância um do outro, três cartazes, PNBE/98.
um com imagem alusiva à palavra
emocional, outro à
Capítulo 2

Sobrevoando os
continentes do planeta
Acervo PNBE/98

Na capa do seu livro mais célebre, Narizinho arrebitado, o fundador de nossa


literatura infantil, Monteiro Lobato, inscreveu a seguinte advertência: "O livro
que não interessa à criança é um mal; cria o desapego, quando não o horror à
leitura".* Com adultos se passa a mesma coisa. Nós só nos motivamos a fazer
algo — como ler — se a atividade em pauta responder a nossos interesses e
necessidades, se fizer sentido para nossa vida.

Por isso, queremos iniciar os educadores no Acervo PNBE/98 de uma forma


lúdica, para que eles se sintam convidados e não forçados a se familiarizar com
os livros disponíveis na biblioteca; possam escolher por onde começar sua
exploração e se querem aprofundar-se em uma ou rnais das obras apresentadas.

Imaginemos, então, que o conjunto de livros recebidos do Ministério da


Educação é um planeta desconhecido que iremos sobrevoar. Esse planeta tem
três continentes: o vasto Ficção-Prosa, onde se encontram romances, contos,
novelas e peças de teatro de todos os gêneros e períodos; o escarpado Ficção-
Poesia, cujos poemas nos transportam a regiões elevadas e sutis do espírito
humano; e o desenhado Não-Ficção, com estudos e análises históricas,
sociológicas, antropológicas e políticas sobre o nosso país.

Vamos sobrevoar todos eles, para que você faça uma idéia da riqueza que
guardam. Percorrê-los é ter acesso a duas interpretações complementares do
Brasil: a da arte, oferecida pela literatura e pela poesia, e a da ciência,
oferecida pela não-ficção.

Qual será o primeiro continente a ser visitado? A escolha é sua!

(*) Citado por Marisa Lajolo, em Monteiro Lobato, um brasileiro sob medida. Moderna. 2000.
Capítulo 2

2.1. Continente Ficção-Prosa

O BRASIL VISTO COM


Bem-vindo ao vasto continente Fic- Região Y: se você, no fundo da alma,
(*) Uma sugestão:
sempre que concluir a
ção-Prosa! Em suas seis regiões você ainda guarda a lembrança da crian-
leitura de um dos livros encontrará paisagens literárias de ça que foi, vai adorar o passeio pe-
do Acervo PNBE/98,
escreva seu próprio todos os tipos, que irão agradar aos los territórios do Sitio do Picapau
roteiro de viagem e livronautas rnais exigentes. Confira: Amarelo.
compare-o com o
apresentado neste
manual. Irá constatar,
Região Alfa: perfeita para quem anda
então, que apenas o
titulo do livro e o nome estressado e precisa oxigenar o cérebro
do autor permanecerão
iguais. Os critérios para
com sorrisos discretos ou até boas
selecionar o que é risadas.
essencial em um texto
e as razões para
explorá-lo variam de Região Beta: se você está vivendo uma
indivíduo para
indivíduo, de acordo fase romântica e às vezes até chora nos
com sua experiência,
momentos cruciais do novelão das oito,
cultura e sensibilidade.
O mesmo acontece esta é a região ideal para iniciar sua
quando visitamos uma
cidade: aspectos que
visita.
nela nos encantam
podem causar
indiferença ou Região Delta: quem é curioso e quer
repugnância a outros. aventurar-se pelas histórias de nossa
Também é muito
relativa a dificuldade do história vai sentir-se em casa nesta região.
texto, indicada pelas
bolinhas ao lado do
título. Portanto, Região Pi: aqui se concentram territórios
considere os roteiros
(minirresenhas de cada
cheios de mistério, que vão encantar os
obra) apenas como rnais introspectivos, sempre em busca do
provocações. Eles são
como um dedo que sentido da vida...
aponta para a Lua
(sendo a Lua a obra
que pede para ser lida). Região Gama: territórios feitos para
causar impacto, para quem gosta de
emoções fortes.
Continente Ficção-Prosa

OS OLHOS DA IMAGINAÇÃO
Para facilitar uma exploração su- TERRITÓRIO
perficial dos territorios dessas fas- Nome do livro que você irá conhecer
cinantes regiões, um roteiro* foi
preparado, com os seguintes itens: CRIADOR
Nome do autor

COORDENADAS
Tempo e espaço para onde sua imaginação irá
transportá-lo

PALAVRAS-CHAVE
Palavras que o ajudam a captar imediatamente o
espírito do território/livro

SUMO DA HISTÓRIA
O que você pode encontrar nesse território/livro

POR QUE SE AVENTURAR?


Pelo menos uma boa razão para você viajar por esse
território/livro

E então? Que tal iniciar, agora mesmo, um


sobrevôo pelo continente Ficção-Prosa e
descobrir se há algum território no qual você
gostaria de aterrissar com calma?
Capítulo 2

Região Alfa: para refletir e dar boas risadas


TERRITÓRIO A POR QUE SE AVENTURAR? ma de tudo, um cidadão partici-
Capital Federal pante, voltado à construção do
A peça teatral de Arthur de nosso futuro.
CRIADOR Azevedo, recheada de versos
para serem cantados e dançados, Em seu amor pelo Brasil, Lobato
Arthur de Azevedo, maranhense
traça um painel humorístico da comprou briga até com grandes
(1855-1908), jornalista, apaixo-
sociedade carioca no final do multinacionais estrangeiras, de-
nado pelo teatro, fortaleceu o tea-
século XIX, apresen-tando-nos fendendo a exploração do petróleo
tro nacional incentivando a ence-
a um desfile de tipos e a produção do aço em território
nação de peças brasileiras. Teve
característicos, como as nacional.
papel importante na construção do
Teatro Municipal do Rio de prostitutas, então chamadas, em
Janeiro, que não chegou a ver francês, cocottes (galinhas), os COORDENADAS
concluído, e foi diretor do Teatro malandros, os novos-ricos. A O livro traça um painel da socieda-
João Caetano. forma preconceituosa como as de paulista do norte do Vale do
mulheres, em especial as que Paraíba no início do século XX, lu-
COORDENADAS não são brancas, são percebidas gar que "tudo foi e nada é". Moti-
e tratadas revela-se em trechos vo: depois de propiciar um período
Rio de Janeiro, início da Primeira
como esse: de opulência à região, a lavoura de
República.
café migrou para o oeste paulista,
Diabo dos home que insulta deixando no vale um rastro de
PALAVRAS-CHAVE
as muié Quando eu vou miséria.
Engano - liberalidades sózinha Só ouço dizê Vem
malandragem cá mulatinha Que eu vou PALAVRAS-CHAVE
com você São Paulo - café - fazenda -
SUMO DA HISTÓRIA
decadência
Uma família simples porém endi-
nheirada, do interior de Minas TERRITORIO SUMO DA HISTÓRIA
Gerais, chega ao Rio de Janeiro e
Cidades mortas Lobato vale-se muitas vezes de re-
se hospeda no Grande Hotel da
Capital Federal. Mil confusões co- cursos cômicos para representar a
CRIADOR decadente burguesia cafeeira que
meçam a acontecer: o patriarca é
iludido por uma simpática pros- Mais conhecido por sua produção insiste em agarrar-se a valores ultra-
tituta espanhola, e a empregada da literária infantil (vide p.64), o passados. Assim é que em Café! Café,
família, uma mulata bonitona, cai paulista Monteiro Lobato foi por exemplo, o major Mimbuia re-
nas graças de um boêmio, jogador promotor da cidade de Areias (SP), siste a diversificar o plantio de sua
inveterado... fazendeiro, editor, adido comercial fazenda e termina tendo de vendê-
nos Estados Unidos e, aci- la para saldar as dívidas. Mesmo
reduzido à solidão e à
Continente Ficção-Prosa

Nível de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade


de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e
rápidos, a para os que gostam de desafios maiores

miséria, continua, num pedacinho COORDENADAS TERRITORIO A morte e a


de terra, a plantar café. "Este livro foi escrito de 1929 para morte de Quincas Berro
trás", diz Oswald. São Paulo, Rio, d'Água
POR QUE SE AVENTURAR? Paris, Jerusalém e o convés de um
transatlântico servem de cenário. CRIADOR
O autor adota um ponto de O baiano Jorge Amado (1912),
vista de irônica filosofia. Os PALAVRAS-CHAVE filho de um fazendeiro de cacau,
contos trazem sempre um as- Sátira - fragmento - denúncia formou-se em Direito no Rio,
pecto ridículo ou patético, tendo sido deputado federal pelo
sendo difícil ao leitor não sor- SUMO DA HISTÓRIA Partido Comunista (1945), logo
rir diante deles. Esse estilo Infância, adolescência, amores cassado. Materialista e místico ao
zombeteiro torna ainda rnais conjugáis e extraconjugais, viagens mesmo tempo, é figura respeitada
interessante a leitura e rnais e aventuras de um brasileiro muito nos candomblés de Salvador.
aguda a crítica. louco e metido a literato, Serafim Estreou como escritor em 1932,
Ponte Grande, que faz dupla com com O país do carnaval, e acabou
seu fiel amigo, escudeiro e tornando-se uma lenda viva das
TERRITORIO Serafim secretário, Pinto Calçudo. letras brasileiras. E um de nossos
Ponte Grande escritores rnais lidos no país e no
POR QUE SE AVENTURAR? exterior.
CRIADOR
Recorde de vendas, Amado geral-
Oswald de Andrade, paulista Para conhecer um dos textos
mente retrata a vida, a sensuali-
(1890-1954), um dos principais rnais polêmicos e irônicos de
dade e os valores das camadas po-
integrantes da Semana de Arte Mo- nossa literatura. Para ver até
pulares da sociedade baiana, cap-
derna de 1922,* revolucionou o jei- que ponto ainda nos escan-
turando-os ora pelo lado da crô-
to de se fazer literatura no Brasil. dalizam as transgressões do
nica de costumes, ora pelo da de-
Queria contribuir para a Revolução "antropófago" Oswald. Para
núncia social, mas sempre com
Proletária, mas reconhecia ser esta rir das tiradas do Serafim,
uma singeleza e um colorido pe-
uma "tarefa heróica para quem já como esta anotação do seu
culiares.
foi Irmão do Santíssimo, dançou diário ou, como diz ele, "Fo-
quadrilha em Minas e se fantasiou lhinha Conjugal: Continuo a
de turco a bordo". Foi o represen- viver uma vida acanalhada. Só
tante rnais radical do Movimento vejo um remédio para me (*) Para saber rnais sobre Modernismo em
Antropofágico (1922) de renova- moralizar: cortar a incômoda literatura, no Brasil, consulte "A
Revolução Modernista" em A literatura no
ção literária, que ridicularizava a es- mandioca que Deus me deu". Brasil, vol. 5, Era Modernista. Os rnais
crita empolada e a submissão aos apressados podem recorrer à Macropédia
Bana, vol. 10, p.l03-104 (Acervo
estilos europeus. PNBE/98).
Capítulo 2

COORDENADAS POR QUE SE AVENTURAR? PALAVRAS-CHAVE


Estamos em Salvador, na Bahia, Invenção - "causos" - lobisomens
visitando suas favelas, botequins, Publicada pela primeira vez
zonas de meretrício e todo o alegre em 1961, como parte do livro SUMO DA HISTÓRIA
submundo da cidade na década de Os velhos marinheiros, a Do alto de seus dois metros de al-
1950. novela apresenta um painel tura, charuto na boca e barba rui-
vivo e divertido da Salvador va, o coronel Ponciano enfrenta
PALAVRAS-CHAVE de meados do século XX, e é lobisomens (como chama, também,
Bahia - boemia - sobrenatural também um convite à refle- seus muitos problemas — sejam
xão: do mundo nada se leva, eles coletores de impostos ou
SUMO DA HÍSTÓRIA portanto, o melhor que se tem mestres de letras) sem perder o
a fazer é viver a alegria de bom humor. O leitor é envolvido
Durante cinqüenta anos, Joaquim
nossa liberdade, mesmo à pela narrativa cativante do coronel,
Soares da Cunha foi um respeitá-
custa da desaprovação da- emocionando-se e rindo com ele,
vel funcionário público e chefe de
queles que se dizem "respei- encantando-se com sua auto-
família. Um dia, cansado da tirania
táveis". confiança ilimitada, sua imagina-
da esposa, d. Otacília, e da filha,
Vanda, abandonou o lar e tornou- ção, seus rompantes de raiva e sua
se Quincas Berro d'Água, bebedor permanente generosidade.
contumaz, amigo de prostitutas, TERRITORIO
boêmios, bandidos e marinheiros, O coronel e o POR QUE SE AVENTURAR?
figura popularíssima em Salvador. lobisomem
O coronel Ponciano, esta cria-
A história narra a morte desse he- CRIADOR tura de Cândido de Carvalho,
rói do submundo e de suas con- O carioca José Cândido de Car- é um personagem adorável,
seqüências: envergonhada e nada valho (1914-1989) foi um diver- tão verossímil que parece feito
disposta a gastar dinheiro no en- tidíssimo observador das esperte- de carne e osso. Nele res-
terro, a família de Quincas tenta zas, artimanhas e credulidade do saltam algumas das melhores
velá-lo da forma mais discreta homem rural. Redator de jornal, qualidades que um ser hu-
possível. Mas seus amigos — e o soube mesclar como ninguém a mano pode ter: otimismo,
próprio defunto — acham que um visão crítica de jornalista com a criatividade e bondade. Vale a
enterro festivo é o que mais simpatia que o povo brasileiro lhe pena enredar-se nas histórias
convém. inspirava. do coronel, mesmo sabendo
que a maior parte delas é men-
COORDENADAS tira deslavada, como a do lo-
Este delicioso romance de 1964, bisomem que já tinha empre-
narrado em primeira pessoa, conta go arranjado com o "povo do
(*) Épico: o que diz respeito à epopéia, aos
heróis. Epopéia: poema ou texto de fôlego as peripécias do coronel Ponciano governo", ou o caso da sereia
sobre assunto grandioso ou heróico. Em
de Azeredo Furtado, fazendeiro que se apaixona por ele, mas
sentido figurado: ação ou série de ações
heróicas.Vide Novo Dicionário Aurélio da influente do interior do Rio de da qual "só aproveita as partes
Língua Portuguesa, Ed. Nova Fronteira
Janeiro. de cima, já que as partes subal-
(Acervo PNBE/98).
ternas não servem para nada".
Continente Ficção-Prosa

TERRITÓRIO Auto da POR QUE SE AVENTURAR? PALAVRAS-CHAVE


Compadecida Povo - humor - raízes - antropofagia
Inspirada em romances e his-
CRIADOR tórias populares do Nordeste, SUMO DA HISTÓRIA
Ariano Suassuna (1927), natural o Auto da Compadecida é uma Em 1647, os holandeses dispu-
da Paraíba, é dramaturgo e pesqui- deliciosa comédia em que a tavam com portugueses e espa-
sador da cultura nordestina, um de crença religiosa dos homens e nhóis a posse da colônia do Brasil.
nossos grandes tesouros culturais. mulheres do povo é represen- Estabelecidos há mais de um ano
Em Auto da Compadecida, sua obra tada de forma simples, doce e na ilha de Itaparica (BA), tiveram
rnais famosa, Suassuna consegue próxima. O personagem João que fugir às pressas para Recife.
reunir inteligência, humor e sim- Grilo é o típico anti-herói: fra- Na confusão, muitos dos soldados
plicidade. A peça, com seus diálo- co, pobre, só conta com a pró- holandeses foram abandonados à
gos vivos e coloridos, é um marco pria esperteza para sobreviver. própria sorte pelos superiores,
na história do teatro brasileiro. Desde sua criação, o Auto da iniciando o processo de
Compadecida vem acumulando miscigenação com o povo local.
COORDENADAS estrondosos sucessos no palco, Isso trouxe inúmeras conseqüên-
Estamos no sertão nordestino, na na televisão e no cinema. cias ao longo da nossa história: os
pequena cidade de Taperoá. Por se estrangeiros influenciaram e foram
tratar de uma história popu-lar, influenciados por esta terra,
inspirada no folclore, ela é TERRITORIO Viva o abrasileirando-se, deixando
atemporal. povo brasileiro descendência e ajudando a moldar
o caráter e a identidade nacional de
PALAVRAS-CHAVE CRIADOR um dos países rnais plurais do
mundo.
Justiça - esperteza - misticismo João Ubaldo Ribeiro (1941),
baiano, jornalista desde os 17 anos,
POR QUE SE AVENTURAR?
SUMO DA HISTÓRIA é um escritor extremamente
João Grilo, caboclo esperto, pla- moderno, visual e popular. Basta
neja enriquecer e vingar-se de seus dizer que Viva o povo brasileiro foi Misturando dados históricos e
patrões, um casal de padeiros mes- consagrado no carnaval de 1987 invencionice, problemati-
quinho e avarento. Para isso, in- pela escola de samba carioca Im- zando e propondo uma outra
venta uma série de histórias, como pério da Tijuca, que adotou a his- leitura dos dados oficiais, este
a de um cachorro bento e a de um tória do livro como tema de seu épico humorístico e irônico é
animal que "descome" dinheiro. samba-enredo. na verdade uma anti-história
Mas a situação vai se complicando do Brasil, na qual se desvela,
e, para não ser pego em flagrante, COORDENADAS de maneira divertida, o que está
João é obrigado a mentir cada vez por trás de muitos de nossos
O romance épico* cobre quatro sé-
rnais. usos, costumes e episódios
culos de história do Brasil. Tendo
históricos.
como referência um pequeno pon-
Em dado momento, todos os per- to geográfico, a ilha de Itaparica Um livro que pode mudar
sonagens são levados à presença de (BA) e, como herói, o povo brasilei- nossa maneira de pensar e
Deus e do Diabo, para serem julga- ro, o romance visita as culturas que encarar o país.
dos por seus pecados. o compuseram e compõem.
Capítulo 2

Região Beta: para envolver-se em grandes


TERRITORIO A COORDENADAS POR QUE SE AVENTURAR?
Moreninha A história se passa no século XIX,
época do Segundo Império no Bra- São várias as razões para visitar
CRIADOR sil. Embora não seja possível preci- Carolina:
Joaquim Manuel de Macedo sar exatamente o ano, sabemos que De início, porque ela é a nossa
(1820-1882), do Rio de Janeiro, ela transcorre exatamente em um primeira heroína. Afastando-se
além de médico e professor, fun- mês: de 20 de julho a 20 de agosto. das loiras e distantes européias,
dador do Instituto Histórico e Macedo criou a moreninha viva
Geográfico Brasileiro, foi o repre- O espaço da narrativa é uma ilha, e maliciosa, que ainda hoje fun-
sentante burguês do Romantismo.* presumivelmente a de Paquetá, no ciona como estereótipo da mu-
Seus diálogos vivos, por vezes Rio de Janeiro. lher brasileira.
engraçados, seus livros bem-
A segunda razão é que muitos
humorados e sua visão otimista de PALAVRAS-CHAVE
dos costumes do Segundo Im-
mundo tiraram a escola romântica Aposta - corte - namoro pério estão retratados no roman-
dos planos de sofrimento e
ce: bailes, brincadeiras, roupas,
seriedade absolutos e conquistaram SUMO DA HISTÓRIA comidas, formas de se relacio-
as boas graças do público: ao lado Filipe convida seus três amigos, nar e namorar características do
de José de Alencar, Macedo foi o Augusto, Fabrício e Leopoldo, para século XIX são descritos com
escritor mais lido de sua época. passarem o feriado de Sant'Ana na graça e leveza, dando ao leitor a
casa de sua avó, em uma ilha. Bai- impressão de participar tam-
les, festas e as rnais encantadoras bém do feriado na ilha.
moças do mundo esperam por eles.
A terceira razão é que A Moreni-
nha tem passagens engraçadíssi-
Augusto, inconstante e irremediá-
mas, pois Macedo é um gozador
vel conquistador, diz que se apai-
nato: em alguns trechos, chega a
xonará por todas elas, mas, como
zombar do próprio estilo exage-
sempre, não amará nenhuma. Os
rado dos românticos, escola da
estudantes aproveitam o mote e
qual ele mesmo faz parte!
fazem uma aposta: dessa vez seria
diferente. E, se o amigo perdesse, Existem personagens tão sedu-
deveria escrever um romance. tores que escapam das mãos de
seu autor e são definitivamente
(*) Para saber rnais sobre Romantismo em
Chegando à ilha, Augusto encon- adotados pelo público. Basta
literatura, no Brasil, consulte A literatura no
Brasil, vol. 3, Era Romântica. Os rnais
trará a irmã de Filipe: Carolina, a dizer que, em Paquetá, lugar
apressados podem recorrer à Macropédia onde se passa a história, existe
Barsa, vol. 12, p. 456 (Acervo PNBE/98). Moreninha, adolescente levada e
original, diferente de todas que o uma pedra batizada de "Pedra
rapaz já tinha conhecido. da Moreninha".
Continente Ficção-Prosa

Nível de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade


histórias de amor de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e
rápidos, a para os que gostam de desafios maiores.

TERRITORIO brasileira". Mas o presságio de um TERRITORIO


Iracema final infeliz fica nas palavras de Senhora
Iracema ao amado Martim: "Teu
CRIADOR corpo está aqui, mas tua alma voa CRIADOR
à terra de teus pais e busca a vir- José de Alencar (ver texto ao lado)
José de Alencar, cearense ( 1829-
gem branca, que te espera..."
1877), formado em Direito em São
Paulo, filho de um senador do Im- PALAVRAS-CHAVE
POR QUE SE AVENTURAR?
pério, é considerado o fundador do Casamento - erotismo - vingança
romance nacional, com Iracema e f
O guarani. Desenvolveu em suas Para confrontar o índio idea- COORDENADAS
obras as temáticas indianista, rural lizado de Iracema, que vive Estamos na Corte Imperial, século
e urbana. em íntima comunhão com o XDC, Rio de Janeiro, entre moças de
colonizador, e o índio real, es- "seios ofegantes", vestidas de seda e
PALAVRAS-CHAVE poliado, massacrado, que sur- cambraia...
Sedução - amor - abandono ge das páginas de Antonio
Callado, em Quarup, ou de SUMO DA HISTÓRIA
COORDENADAS Darcy Ribeiro, em Diários Aurélia, herdeira milionária, pre-
A ação ocorre no início de nossa indígenas. Como diz Alfredo cisa de um marido, "traste indis-
colonização, entre os séculos XVI e Bosi, em seu livro A dialética pensável às senhoras honestas".
XVII, em uma tribo indígena no da colonização: "Alencar vio- Seixas é o escolhido para o casa-
litoral da região Nordeste. la a história da ocupação por- mento de conveniência. Uma vin-
tuguesa no primeiro século. gança, porque, no passado, quando
SUMO DA HISTÓRIA Sua representação da socieda- Aurélia era pobre, o rapaz a havia
Baseado em um argumento his- de colonial dos séculos XVI e rejeitado. O inferno conjugai dos
tórico — a primeira expedição ao XVII é mítica". No entanto, dois personagens prolonga-se até
Rio Grande do Norte, de Martim 1er Iracema é navegar por um quase o final do romance. Seixas é
Soares Moreno, que se ligou por poema em prosa escrito por tratado como um escravo por sua
laços de amizade aos índios do li- alguém que considerava o co- Senhora e humilhado até redimir-
toral — Alencar cria uma inesque- nhecimento da língua indígena se de suas culpas, demonstrando
cível história de amor. Iracema, a a fonte na qual todo escritor ser digno de freqüentar o leito
virgem morena de lábios de mel, brasileiro deveria beber, para matrimonial...
que guarda os segredos do aluci- produzir obras efetivamente
nógeno licor de jurema, abandona nacionais.
tudo para seguir o colonizador
português. Da paixão nasce um
filho, Moacir, o ancestral da "raça
Capítulo 2

POR QUE SE AVENTURAR? TERRITORIO PALAVRAS-CHAVE


laiá Garcia Guerra - segredo - conquista
Senhora nos introduz no co-
tidiano da elite do Rio de Ja- CRIADOR SUMO DA HISTÓRIA
neiro, na época do Império. O rnais brilhante e prestigiado de Jorge, único herdeiro de uma rica
Uma sociedade europeizada, nossos autores, Joaquim Maria viúva, apaixona-se por Estela,
onde se fala francês em salões Machado de Assis (1839-1908), moça de origem humilde, mas
iluminados por candelabros de carioca, era mulato, pobre e ór-, muito orgulhosa. Para evitar que o
cristal e cavalheiros entram em fão. Adorava 1er — e isso fez toda filho se case com alguém social-
êxtase erótico ao valsar com a diferença na sua vida. Começou mente inferior, Valéria o envia
suas damas: "As senhoras não como tipógrafo, aprendeu línguas. para a Guerra do Paraguai.
gostam da valsa senão pelo De revisor e jornalista, passou a
prazer de sentirem-se ar- ocupante de altos cargos admi- Jorge segue então para a campanha
rebatadas no turbilhão. Há nistrativos, escritor renomado, e militar, mas antes toma por
uma delícia, uma voluptuo- terminou fundando, com outros confidente o amigo Luís Garcia, a
sidade pura e inocente, nessa intelectuais, a Academia Brasileira quem fala de seus sentimentos sem
embriaguez da velocidade. de Letras (1896). Sua ficção, para revelar o nome da amada. Ao vol-
(...) Mas é justamente aí que Alfredo Bosi, representa "o ponto tar da guerra, encontra Garcia e
está o perigo. Esse enlevo ino- mais alto e rnais equilibrado da Estela casados. A filha de Garcia,
cente da dança entrega a prosa realista brasileira".* A Iaiá, descobre o desgosto secreto
mulher palpitante, inebriada, preocupação psicológica e as de Jorge e, embora detestando-o,
às tentações do cavalheiro, contradições da alma humana estão dispõe-se a conquistar seu amor, a
delicado embora, mas homem, sempre presentes em seus per- fim de evitar um desfecho trágico
que ela sem querer está sonagens, tornando-os humanos, para o pai.
provocando com o casto re- verossímeis e profundos.
quebro de seu talhe e POR QUE SE AVENTURAR?
transpassando com as emana- COORDENADAS
ções de seu corpo". A Guerra do Paraguai (1864 a Entre os sinceros desejos do
1870) é pano de fundo de grande coração e as conveniências so-
parte do romance, cuja história co- ciais existe um abismo. Ma-
meça em 1866 e termina em 1871. chado de Assis foi mestre em
Estamos no Rio de Janeiro, colocá-lo a nu. Nesse sentido,
laia Garcia é um de seus
romances mais representativos.

E quantas vezes não sacrifi-


camos nossos sonhos em
(*) Para saber mais sobre Realismo em nome de valores materiais?
literatura, no Brasil, consulte "Realismo,
Naturalismo, Parnasianismo", em A
literatura no Brasil, vol. 4, Era Realista. Os
mais apressados podem recorrer à
Macropédia Barsa, vol. 12, p. 230-231
(Acervo PNBE/98).
Continente Ficção-Prosa

TERRITORIO _________ SUMO DA HISTÓRIA TERRITORIO Gabriela cravo e


Angústia Luis da Silva é um homem solitá- canela
rio, recalcado e frustrado. Tendo
CRIADOR vivido sempre uma vida mesquinha CRIADOR
O alagoano Graciliano Ramos e sem grandes expectativas, sente
O baiano Jorge Amado (1912), fi-
(1892-1953) foi prefeito de Pal- seu mundo iluminar-se de repente
lho de um fazendeiro de cacau, for-
meira dos índios e diretor da Im- ao conhecer Marina, uma vizinha.
mou-se em Direito no Rio, tendo
prensa Oficial e da Instrução Pú- Apaixonado por ela, pede-a em
sido deputado federal pelo Partido
blica em Maceió. Autor profun- casamento e entrega-lhe as
Comunista (1945), logo cassado.
damente engajado e de extrema economias para o preparo do
Materialista e místico ao mesmo
coragem, foi preso em 1936, du- enxoval. Mas Marina conhece João
tempo, é figura respeitada nos can-
rante a ditadura de Vargas, por sua Tavares, rapaz rico, ousado,
domblés de Salvador. Estreou como
posição política e suas denúncias apaixonado pela vida, qualidades
escritor em 1932, com O país do
dos problemas sociais brasileiros. que faltam ao noivo.
carnaval, e acabou tornando-se
A experiência, de quase um ano,
uma lenda viva das letras brasilei-
ficou registrada em seu Memórias POR QUE SE AVENTURAR?
ras. É um de nossos escritores rnais
do cárcere (vide p. 100). Sua
lidos no país e no exterior.
linguagem simples e o estilo seco I Este é o romance rnais
tornaram-no um dos con- complexo e intimista de Recorde de vendas, Amado em ge-
solidadores da língua portuguesa Graciliano. Narrado em pri- ral retrata a vida, a sensualidade e os
usada no Brasil. meira pessoa, mostra o ponto valores das camadas populares da
de vista de pessoas que se sociedade baiana, capturando-os
COORDENADAS acostumaram com o fracasso. ora pelo lado da crônica de costu-
Sertão alagoano da década de Continuamente boicotadas, mes, ora pelo da denúncia social,
1930. Aqui o foco não é tanto o terminam por se auto-repri-mir. mas sempre com uma singeleza e
tempo ou o lugar, mas o que se O livro relata o drama dos que um colorido peculiares.
passa na alma do protagonista, pertencem àquela camada da
Luís da Silva. Vivendo entre o sociedade que vê todas as COORDENADAS
passado brilhante e o presente possibilidades fecharem-se Estamos no auge do ciclo do cacau,
decadente da sociedade rural, Luís diante de seus olhos. em 1925, na cidade de Ilhéus, na
não se identifica com nenhum dos
Bahia.
dois mundos.
PALAVRAS-CHAVE
PALAVRAS-CHAVE
Ilhéus - cacau - paixão
Alagoas - amor - traição
SUMO DA HISTÓRIA
Por meio de várias histórias
individuais que se cruzam e se
amarram, Amado traça um painel
de todas as camadas da sociedade
baiana da década de 1920, com
Capítulo 2

seus usos e costumes. O livro tem PALAVRAS-CHAVE TERRITÓRIO Ciranda de


dois focos centrais: a história de Ilhéus - mar - pesca - amor pedra ••
amor entre o árabe Nacib e sua
cozinheira, a mulata Gabriela, e os SUMO DA HISTÓRIA CRIADOR
esforços de Mundinho Falcão, A paulistana Lygia Fagundes
A história de amor entre o mari-
exportador de cacau, para levar aos Telles (1923), formada em advo-
nheiro Guma e a namorada Lívia,
coronéis de Ilhéus os ventos do cacia e em educação física, é uma
que o aguarda em terra, é o fio
progresso. das rnais expressivas autoras de
condutor desta narrativa, pun-.
gente e poético relato da arriscada nosso tempo e talvez também a
POR QUE SE AVENTURAR? rnais batalhadora. Seu esforço jun-
vida que levam os pescadores e os
canoeiros, sempre ameaçados pela to às universidades nacionais e es-
No seu livro mais famoso, "rnais doce das mortes": a que nos trangeiras abriu caminho para
Amado consegue conciliar a surpreende no mar. maior divulgação da nossa litera-
crítica política e a sátira mo- tura e aproximou-a muito, de
ral, retratando a verdadeira re- POR QUE SE AVENTURAR? maneira até mesmo afetiva, de seu
volução social trazida pelo público leitor. Em 1985, tornou-se
surto do cacau, assim como o a terceira mulher a ingressar na
Amado utilizou-se dos inú-
lirismo e a sensualidade de Academia Brasileira de Letras.
meros relatos que ouviu da
um povo que sobrevive em
boca dos marinheiros baianos
condições por vezes muito COORDENADAS
para compor a história. Re-
difíceis. A história se passa nas décadas de
produzindo fielmente a con-
cepção de mundo desses ho- 1940 e 1950, em São Paulo,
mens, seus sentimentos, cren- enfocando a infância e a adoles-
TERRITORIO ças e temores, alcançou tal cência de Virgínia, a protagonista.
Mar morto força lírica que Mar morto é
considerado um poema em PALAVRAS-CHAVE
CRIADOR prosa, como Iracema, de São Paulo - solidão - disputa -
Jorge Amado (vide p. 39) Alencar.

COORDENADAS SUMO DA HISTORIA


A história se passa em Ilhéus, litoral Virgínia é uma criança solitária e
da Bahia, nos portos de onde par- desamparada: mora com a mãe,
tem e a que retornam os marinhei- que tem sérios problemas psicoló-
ros, e no meio de um mar cheio de gicos, e com o amante desta, o tio
"mistério que nem os próprios ma- Daniel.
rinheiros entendem".
Continente Ficção-Prosa

A humildade de sua vida contrasta TERRITORIO Ópera SUMO DA HISTÓRIA


com o padrão luxuoso das irmãs, dos mortos Rosalina, a última descendente dos
que moram com o pai rico. Bem Honorio Cota, família outrora
rnais velhas que Virgínia, Bruna e CRIADOR poderosa e influente, vive sozinha,
Otávia têm um círculo social de As obras de Valdomiro Freitas com dois empregados, em um
amigos íntimos que a caçula inveja Autran Dourado, nascido em antigo casarão, cultuando seus
e no qual não consegue penetrar. Minas Gerais (1926), iluminam a mortos.
"vida escondida" que borbulha sob
Após passar anos num colégio in- Orgulhosa e tirana patroa, Rosalina
a aparente tranqüilidade das
terno, Virgínia volta para a casa do é, no fundo, uma mulher romântica
pacatas famílias do interior. Um de
pai, disposta a tirar a limpo o seu e frustrada, impedida de casar-se
seus livros, Os sinos da agonia, faz
passado. na juventude por causa da
parte da bibliografia dos exames
das universidades francesas e já diferença social que existia entre
POR QUE SE AVENTURAR? ela e o namorado. Assim, vive a
inspirou mais de vinte teses de
mestrado e doutorado. Dourado sonhar e a reler romances. E é
Lygia desperta intensas emo- cursou Direito e foi secretário de entre seus devaneios, num misto de
ções no leitor, revelando o imprensa no governo de Juscelino realidade e fantasia, que ela viverá
turbilhão de sentimentos que Kubitschek. uma história de amor de con-
agita a alma de Virgínia, de- seqüências aterradoras...
samparada e carente de afeto. COORDENADAS
Temos o privilégio de assistir POR QUE SE AVENTURAR?
A história se passa entre o Império
ao desenrolar dos problemas e a Primeira República, chegando
da personagem e sua posterior ao início do século XX. O cenário O autor não poupa seus per-
superação, por meio de uma é a cidade fictícia de Duas Pontes, sonagens. Eles estão expostos
atitude de coragem e herdeira do período aurifero de diante dos olhos do leitor com
autovalorização. Ciranda de Minas Gerais, com seus sobrados todas as suas paranóias, ansie-
pedra foi o primeiro livro barrocos — uma constante na obra dades e frustrações, de ma-
brasileiro a abordar direta- de Autran Dourado. neira tão verídica que chega a
mente temas tabus como o ser assustadora.
lesbianismo e a impotência PALAVRAS-CHAVE
sexual.
Senhora - servo - paixão
Capítulo 2

Região Delta: para viver histórias da


TERRITORIO PALAVRAS-CHAVE TERRITORIO Recordações
Triste fim de Policarpo República Velha - nacionalismo do escrivão Isaías Caminha
Quaresma
SUMO DA HISTÓRIA CRIADOR
CRIADOR Policarpo Quaresma é um major Lima Barreto (ver texto ao lado)
O carioca Afonso Henriques de incondicionalmente apaixonado
Lima Barreto (1881-1922) era pelo Brasil e apavorado com a COORDENADAS
neto de escravos. Nasceu no dia em descaracterização da nossa cultura, Rio de Janeiro, início do século
que, sete anos mais tarde, seria pro- moldada, cada vez rnais, pelos XX, início também da República
clamada a Abolição da Escravatura padrões europeus. Ingênuo, até no Brasil.
e morreu no ano da Semana de Arte mesmo xenófobo, o major tenta
Moderna, que tanto lhe deve. Che- com todas as forças avivar um PALAVRAS-CHAVE
gou a matricular-se na Escola Poli- sentimento nacional exagerado.
Rio de Janeiro - imprensa -
técnica para cursar engenharia, mas Uma série de atitudes estranhas —
corrupção
não prosseguiu os estudos. como enviar à Câmara de De-
Trabalhou como escrevente putados uma petição para que o
SUMO DA HISTÓRIA
("antepassado" do datilógrafo e do tupi-guarani seja a língua oficial
do povo brasileiro — acaba por Como o autor, Isaías Caminha é
digitador) e exerceu o jornalismo.
fazer com que seja julgado maluco mulato, tentando sobreviverem
Crítico arguto, profundo observa-
pelas outras pessoas. uma sociedade onde o preconceito
dor da realidade, retratou com pre-
de cor impera. Emprega-se na
cisão as mazelas da sociedade de seu
POR QUE SE AVENTURAR? redação de um jornal e, deste
tempo — a Primeira República —,
observatório, faz uma descrição
entre elas o preconceito racial que o
impiedosa da subserviência dos
vitimava. Foi internado no mani- É um privilégio saborear a lin-
meios de comunicação aos
cômio em virtude do alcoolismo, guagem coloquial, despojada, de
poderosos.
por duas vezes. Captou, principal- Lima Barreto, precursor dos
mente, a vida dos boêmios, peque- modernistas. Deste autor diz
no-burgueses, das pessoas pobres e Ricardo Oiticica no prefácio do
discriminadas como ele. Policarpo: "O ideal de uma lín-
gua nacional, que articula o pro-
COORDENADAS jeto romântico ao modernismo,
Rio de Janeiro, início do século XX, passa necessariamente por ele".
início também da República no Além de descortinar a vida polí-
Brasil. Tempo em que a mulher, tica do Brasil nos primórdios da
chegando aos cinqüenta anos, já República, o livro estimula-nos
podia ser chamada de "uma bela ve- a refletir sobre o real significado
lha"— sem ofensa. de "patriotismo".
Continente Ficção-Prosa

Nível de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade

nossa história de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e


rápidos, a para os que gostam de desafios maiores.

POR QUE SE AVENTURAR? COORDENADAS POR QUE SE AVENTURAR?


O romance se passa no sertão nor-
Para constatar que os problemas destino, entre os terríveis anos de O livro tornou-se um marco na
denunciados por Lima Barreto 1898 e 1915, dois períodos de literatura brasileira, por esboçar
— discriminação contra negros grande seca. o perfil da futura leva de roman-
e mulatos, imprensa chapa-bran- ces regionais: engajamento polí-
ca, políticos corruptos, progres- PALAVRAS-CHAVE tico, consciência dos problemas
so feito à custa da destruição do Nordeste - seca - engenho - honra - sociais. O ataque que Américo
ambiente, pobreza—continuam de Almeida faz ao sistema de
aí, desafiando-nos. concentração de terras, uma das
SUMO DA HISTORIA causas principais da miséria da
Bagaceira é o local próximo ao en- região, infelizmente ainda não
TERRITORIO A
genho onde se junta o bagaço da perdeu a atualidade.
bagaceira
cana. Título apropriado para um
livro que põe a nu os destrutivos
CRIADOR
mecanismos de poder manipulados TERRITORIO
Advogado, procurador do Estado, pelos latifundiários. Expulsos pela Urupês ••
fundador da Universidade da seca, Valentim e sua filha, Soledade,
Paraíba quando governador do Es- abandonam a fazenda e encontram CRIADOR
tado (1951-1953), ministro no pe- acolhida no engenho Marzagão, de
ríodo Vargas. Além disso tudo, o Mais conhecido por sua produção
propriedade do viúvo Dagoberto literária infantil (vide p. 64), o
paraibano José Américo de Marçau. Este tem um filho único,
Almeida (1887-1980) também paulista Monteiro Lobato (1882-
Lúcio, com quem não se dá bem: 1948) foi promotor da cidade de
inaugurou o ciclo do Nordeste no Dagoberto é o prepotente senhor
movimento regionalista* da ficção Areias (SP), fazendeiro, editor, adi-
de engenho que faz suas próprias do comercial nos Estados Unidos
brasileira. É considerado "um leis; Lúcio é um jovem idealista e
pioneiro, sem o qual seria difícil e, acima de tudo, um cidadão par-
sonhador. ticipante, voltado à construção do
conceber a trajetória de José Lins
do Rego, Rachel de Queiroz, Aman- nosso futuro.
Apaixonado por Soledade, Lúcio
do Fontes, Graciliano Ramos" (A precisa entretanto partir para a aca-
literatura no Brasil, vol. 5, Era Em seu amor pelo Brasil, Lobato
demia. De volta, já formado em ad- comprou briga até com grandes
Modernista, Ed. Global, 1997). vocacia, fica sabendo que Valentim multinacionais estrangeiras, de-
está preso pelo assassinato do feitor fendendo a exploração do petróleo
(*) Para saber mais sobre da fazenda, suposto sedutor e aman- e a produção do aço em território
regionalismo em literatura, no Brasil.
consulte "O regionalismo na ficção".
te da filha. Lúcio resolve então nacional.
em A literatura no Brsil, vol. 4, Era defendê-lo no tribunal.
Realista (Acervo PNBE/98).
Capítulo 2

COORDENADAS POR QUE SE AVENTURAR? coragem, foi preso em 1936, du-


Como em Cidades mortas, do mes- rante a ditadura de Vargas, por sua
mo autor, estamos em plena deca- r posição política e suas denúncias
Lobato cria um personagem que dos problemas sociais brasileiros.
dência da economia cafeeira no
por muito tempo habitou o A experiência, de quase um ano,
Vale do Paraíba (São Paulo), no
imaginário dos brasileiros: o ficou registrada em seu Memórias
início do século XX.
polêmico Jeca Tatu, símbolo da do cárcere (vide p. 100). Sua
miséria do camponês brasileiro, linguagem simples e o estilo seco
PALAVRAS-CHAVE
abandona- do pelos poderes tornaram-no um dos conso-
São Paulo - campo - Jeca Tatu
públicos. No Jeca se resumem lidadores da língua portuguesa
características do caipira paulista usada no Brasil.
SUMO DAS HISTÓRIAS
que perpetuavam o atraso, como
O volume é composto por doze sua ignorância e passividade, COORDENADAS
contos e artigos, com temas varia- levando às queimadas, à de-
dos, do qual o rnais famoso é o Sertão alagoano da década de
vastação das matas, ao esgo-
último, que dá título ao livro. 1930. O livro retrata as dificul-
tamento da terra. Mais tarde,
Urupês é o nome de um parasita, dades de uma família de traba-
conta Marisa Lajolo (op. cit.,
metáfora para a inércia do caboclo, lhadores rurais que luta para
2000), Lobato iria reformular '
que Lobato define, no artigo sobreviver nesse meio hostil: uma
seu julgamento, colocando na
"Velha praga", como "este funesto terra seca que resseca também seus
péssima realidade sanitária
parasita da terra". Ataca os que habitantes.
brasileira a culpa pela inação do
idealizam o caboclo e expõe uma caipira: "O Jeca não é va-dio, está
população subnutrida, vivendo à PALAVRAS-CHAVE
doente". Quer melhor
margem da sociedade, sem acesso combustível para alimentar um Nordeste - seca - fome -
à cultura, sujeita a toda sorte de debate sobre a atual situação do comunicação
doenças e cuja grande preocupação homem do campo no Brasil?
seria "espremer todas as conse- SUMO DA HISTÓRIA
qüências da lei do menor esforço". Fabiano, chefe da família, sofre
TERRITORIO toda sorte de injustiças, desde o
Vidas secas fazendeiro que o rouba no salário
até um soldado que o prende ape-
nas para demonstrar poder.

CRIADOR Expulsos pela miséria trazida pela


O alagoano Graciliano Ramos seca, Fabiano, a mulher Sinhá
(1892-1953) foi prefeito de Pal- Vitória, duas crianças e a cachorra
meira dos índios e diretor da Im- Baleia — que, como os humanos,
prensa Oficial e da Instrução Pú- também tem seus sonhos — aban-
blica em Maceió. Autor profun- donam o sertão, rumando para a
damente engajado e de extrema cidade, na esperança de uma vida
melhor.
Continente Ficção-Prosa

POR QUE SE AVENTURAR? COORDENADAS POR QUE SE AVENTURAR?


O romance se passa na região
Graciliano penetra nos pen- limítrofe entre Pernambuco e Rego queria escrever sua au-
samentos, aspirações e espe- Paraíba, no engenho de Santa tobiografia e a biografia de
ranças de seus personagens, Rosa, grande propriedade rural, seu avô, patriarcal dono de
revelando todo o drama das durante o apogeu do ciclo da cana- engenho com quem morou na
pessoas a quem não é dado ter de-açúcar. infância. A imaginação
voz e que, por isso mesmo, acabou vencendo, e nasceu o
vão perdendo a capacidade de PALAVRAS-CHAVE
se expressar, isto é, não Cana-de-açúcar - engenho -
conseguem verbalizar os coronelismo - sexo É marcante a carga afetiva do
próprios pensamentos. livro, bem como o vivo retrato
SUMO DA HISTÓRIA dos tipos humanos e das
Essas mesmas sensações de O narrador-protagonista é Carlos, relações sociais presentes em
solidão, desumanização e garoto que, depois de ficar órfão, uma grande propriedade rural
"marginalidade lingüística", vai morar com o avô, o coronel açucareira.
explicitadas em Vidas secas, José Paulino, maior proprietário de
podem aflorar não só no terras da região. Interessante também é a re-
campo, como nas cidades presentação do fenômeno do
brasileiras. Em sua fazenda, o coronel tem cangaço, uma das poucas
poder absoluto, decidindo o des- saídas para a exploração
tino dos trabalhadores, escravos e coronelista, bem como o re-
TERRITÓRIO agregados. Como seu herdeiro, trato de superstições e cren-
Menino de engenho Carlos goza de uma liberdade ex- dices típicas das camadas po-
cessiva, com direito a todas as re- pulares do Nordeste.
CRIADOR galias e nenhuma crítica.
José Lins do Rego (1901-1957),
formado em Direito, passou a in- É num contato direto com o bem e
fância no engenho do avô, na o mal e sem muitos parâmetros de TERRITORIO
Paraíba. E com a firmeza e a sensi- certo e errado que Carlos cresce, Fogo morto
bilidade de quem viu e viveu a observa e apreende o mundo.
experiência que Rego transpõe CRIADOR
para seus romances do chamado José Lins do Rego (ver texto ao lado)
ciclo da cana-de-açúcar a realida-
de da decadência dos senhores de COORDENADAS
engenho e de sua concepção feudal
O romance retrata o engenho de
do mundo e do trabalho.
Santa Fé (representativo das
regiões canavieiras de Paraíba e
Pernambuco) durante a decadência
do ciclo da cana-de-açúcar no
Brasil.
PALAVRAS-CHAVE TERRITORIO O SUMO DAS HISTORIAS
Cana-de-açúcar - engenho - poder - tempo e o vento O fio condutor da narrativa são as
corrupção disputas de terra e poder entre duas
CRIADOR famílias inimigas, os Amaral e os
SUMO DA HISTÓRIA Érico Veríssimo (1905-1975), Terra Cambará. Durante dois
O engenho de Santa Fé, antiga- gaúcho, pai do também escritor séculos de vida aventurosa e peri-
mente próspero, decai nas mãos de Luís Fernando Veríssimo (autor de gosa, as duas famílias enfrentam-
seu herdeiro, Luís César de Holanda O analista de Bagé, entre outros),. se, mantendo a rivalidade por di-
Chacón, o "seu" Lula. Perdendo o revelou precocemente seu talento versas gerações.
poder econômico mas sem deixar para letras, música e desenho. Di-
de lado o orgulho, "seu" Lula tenta rigiu a Revista do Globo* coorde- POR QUE SE AVENTURAR?
impor-se nos mesmos padrões de nou o Departamento de Assuntos
coronelismo de seus antecessores. Culturais da Organização dos Diante dos olhos do leitor des-
Mas os tempos são outros e ele Estados Americanos e foi professor filam imortais personagens
enfrentará o inconformismo do visitante de várias universidades. heróicos. O tempo e o vento foi
cangaceiro Vitorino Carneiro da Também escreveu para crianças. adaptado para a TV com gran-
Cunha e do mestre José Amaro, Partilha com Jorge Amado o maior de sucesso, tendo Glória Pires
trabalhador revoltado com o seu êxito de público nas letras como a irresistível Ana Terra e
destino de explorado. brasileiras. Tarcísio Meira no papel do
corajoso Capitão Rodrigo. Por
POR QUE SE AVENTURAR? COORDENADAS meio da ficção, episódios
Este extraordinário épico pinta um históricos reais, como o tenen-
Cada uma das três figuras grande mural da história, formação tismo, a Coluna Prestes e o
centrais de Fogo morto repre- e desenvolvimento do Rio Grande integralismo, são apresentados
senta um segmento social da do Sul. O tempo e o vento é de maneira leve e sedutora.
população nordestina, inserida composto pela seguinte trilogia: O
numa realidade de corrupção, continente (2 volumes), que cobre
politicagem e injustiças. O o período do século XVIII, com a TERRITÓRIO

livro retrata tanto essas formação do estado até 1895, com Marques Rebelo: Os
conflitantes relações quanto a o início da República no Brasil; O melhores contos
desordenada industrialização retrato (2 volumes), situado nas
das cidades com a introdução duas primeiras décadas do século CRIADOR
das usinas, fenômeno que XX; e O arquipélago (3 volumes),
Marques Rebelo é o pseudônimo
acaba por agravar ainda mais que chega até o Estado Novo, com
de Eddy Dias da Cruz (1907-1973).
as distâncias entre o governo de Getúlio Vargas.
Carioca da gema, narrou em suas
proprietários e empregados.
obras a fervilhante vida social do
PALAVRAS-CHAVE
Rio de Janeiro. Para muitos críticos,
Rio Grande do Sul - República - foi o primeiro ficcionista a retratar
tenentismo - Prestes - Vargas de fato o impacto do século XX no
(*) A Revista do Globo foi uma publicação
quinzenal de grande popularidade da antiga Brasil, declarando independência
Editora Globo de Porto Alegre, nas décadas
de 1920 a 1960.
dos modelos estrangeiros.
Continente Ficção-Prosa

COORDENADAS POR QUE SE AVENTURAR? PALAVRAS-CHAVE


A maioria das histórias, que cobrem Nordeste - seca - romance
as décadas de 1930 a 1960, com a O encanto de Rebelo está em
crescente urbanização e industria- tirar partido de temas simples: SUMO DA HISTÓRIA
lização das cidades, se passa no Rio o mundo retratado por ele é o Conceição, moça culta da capital,
de Janeiro. mundo real, cotidiano, sem passa as férias na Fazenda
artifícios. O autor prova que, Logradouro. A jovem ama Vi-
PALAVRAS-CHAVE muitas vezes, as histórias cente, um criador de gado semi-
Rio de Janeiro - carnaval - amor - banais podem ser rnais analfabeto. Por causa da distância
politica encantadoras que as re- intelectual que os separa, ela não
quintadas. consegue se decidir quanto ao
SUMO DAS HISTÓRIAS namoro.
Rebelo gostava de retratar acon-
tecimentos de seu próprio tempo. TERRITORIO O De volta à cidade, Conceição passa
Assim, o que aparece em seus con- quinze • a ajudar as famílias de retirantes
tos é a variedade e a riqueza da que estão chegando sem parar,
vida carioca: o carnaval, o circo, as CRIADOR doentes, famintas e desemprega-
cantoras de rádio, os trabalhadores das, expulsas de suas terras pela
Em seu romance de estréia O quin-
de fábrica, os sindicatos, etc. seca. Horrorizada, a moça re-
ze (1930), lançado pouco depois da
conhece vários vizinhos da
publicação de A bagaceira, de José
Stela me abriu a porta, por exem- Logradouro, entre eles o compadre
Américo de Almeida (vide p. 43), a
plo, é o delicado relato do nasci- Chico Bento, de quem salva um
cearense Rachel de Queiroz (1910)
mento do amor entre um estudante filho.
já demonstrava que uma grande
e a costureira Stela, cuja vida foi escritora estava nascendo.
marcada por frustrações. POR QUE SE AVENTURAR?
A narrativa fluente, de diálogos
Já Acudiram três cavaleiros é a fáceis, prova que bons livros não O romance é uma denúncia da
divertida história de um grupo de precisam ser complicados. O con- situação em que vivem as
rapazes que, aproveitando-se da junto da obra de Rachel de Queiroz pessoas no sertão nordestino,
confusão do golpe de 1964, dis- é tão expressivo que a levou a ser a assolado periodicamente pela
farçam-se de militares e modificam primeira mulher aceita como seca. Mais do que tudo, é uma
inteiramente a vida de uma cidade. membro da Academia Brasileira de mensagem de solidariedade de
Letras, em 1977. quem conheceu de perto o
problema, pois a própria
COORDENADAS autora, em sua infância, foi
Estamos em 1915, quando uma testemunha das tragédias que
terrível seca assolou o sertão do marcaram a seca de 1915.
Ceará.
Capítulo 2

TERRITORIO POR QUE SE AVENTURAR? pulares da sociedade baiana,


Memorial de capturando-os ora pelo lado da
Maria Moura Memorial de Maria Moura, de crônica de costumes, ora pelo da
1992, é o último romance de denúncia social, mas sempre com
CRIADOR Rachel de Queiroz, que con- uma singeleza e um colorido
Rachel de Queiroz (vide p. 47) siderou com ele ter encerrado peculiares.
gloriosamente sua carreira de
COORDENADAS romancista, opinião partilhada COORDENADAS

Percorremos as vilas e fazendas do pela crítica e, sem dúvida, por A ação ocorre no cais do porto de
sertão nordestino entre os séculos quem quer que tenha lido esse Salvador, que serve de abrigo a um
XVIII e XIX. A ação situa-se par- empolgante épico. grupo de meninos e meninas de
ticularmente na cidade de Vargem rua.
da Cruz e na Serra dos Padres, len- A emocionante história de
dário lugar, no Nordeste, onde se Maria é daquelas para ser lida PALAVRAS-CHAVE
acredita haver um tesouro enter- com pipoca do lado e o cora- Salvador - meninos de rua - amor
rado. ção aos pulos: melhor que ci-
nema. SUMO DA HISTÓRIA
PALAVRAS-CHAVE Pedro Bala é o líder de um grupo
Nordeste - cangaço - mulher - de garotos abandonados, os capi-
TERRITORIO tães de areia. Vivendo de peque-
paixão
Capitães de areia nos furtos e trapaças, cruzando
SUMO DA HISTÓRIA com os rnais diversos tipos de
CRIADOR marginais e com um código de lei
Esta é a saga da cangaceira nor-
destina Maria Moura. O baiano Jorge Amado (1912), próprio, os meninos formam uma
filho de um fazendeiro de cacau, sociedade à parte.
Ao ficar órfã, Maria vê de repente formou-se em Direito no Rio,
todo o seu mundo conhecido de tendo sido deputado federal pelo Vivendo em constante perigo, são
sinhazinha ruir. A morte dos pais é Partido Comunista (1945), logo obrigados muitas vezes a lutar
o motivo para que os inimigos da cassado. Materialista e místico ao contra poderes maiores, como os
família apertem o cerco: eles mesmo tempo, é figura respeitada adultos, os preconceitos e as pró-
querem as terras e, para obtê-las, nos candomblés de Salvador. prias instituições.
não hesitarão em utilizar os méto- Estreou como escritor em 1932,
dos rnais violentos. Que resistência com O país do carnaval, e acabou
pode impor uma mulher jovem e tornando-se uma lenda viva das
sozinha naqueles tempos? letras brasileiras. É um de nossos
escritores mais lidos no país e no
Recusando-se à submissão, Maria exterior.
dá seu grito de liberdade: é matar
ou morrer, desafia ela, "pra nin- Recorde de vendas, Amado geral-
guém nunca rnais querer botar o pé mente retrata a vida, a sensuali-
no meu pescoço". dade e os valores das camadas po-
Continente Ficção-Prosa

POR QUE SE AVENTURAR? COORDENADAS TERRITÓRIO


Sertão de Minas Gerais, provavel- Quarup ••
Os perigos e as misérias por que mente na década de 1950.
passam os meninos e as meninas CRIADOR
são contrabalançados pelo inten- PALAVRAS-CHAVE Jornalista, nascido em Niterói,
so lirismo e sinceridade com Minas - coronelismo - voto Antonio Callado (1917-1998)
que vivem algumas situações. sempre se preocupou em ir além
SUMO DA HISTÓRIA da simples informação, traçando
Amadurecidos precocemente todas as ligações necessárias para
O deputado Paulo Santos, homem
por um lado, são, ao mesmo revelar um painel completo da rea-
simples, honesto e corajoso, parte
tempo, carentes de afeto e lidade brasileira em uma determi-
em viagem pelo sertão de Minas a
cheios de ingenuidade. nada época.
fim de organizar e angariar fundos
para a eleição do seu partido. É de
Neste livro, escrito em 1937, COORDENADAS
casa em casa, fazendo da pro-
Amado soube dosar com lu-
paganda eleitoral uma oportuni- O livro busca retratar o contraste
cidez essas contradições, dan-
dade de diálogo com o povo, que entre o mundo civilizado (Rio de
do veracidade ao retrato de
ele se inteira dos problemas e bus- Janeiro e Recife) e o mundo pri-
um dos rnais tristes problemas
ca soluções conjuntas. mitivo (Amazônia) dentro de um
brasileiros. O drama da período histórico que cobre desde a
infância e da adolescência
Mas Paulo tem um feroz opositor: era de Getúlio Vargas até o
abandonadas agravou-se a
Chico Belo, coronel da região, que governo militar de 1964.
partir da década de 1970 e
sempre fez valer sua vontade por
ainda hoje persiste, em desafio
meio da força. Para conseguir vencê- PALAVRAS-CHAVE
à Constituição e ao Estatuto
lo nas eleições, Paulo enfrentará di- Revolução - religião - índios - sexo -
da Criança e do Adolescente.
ficuldades que ultrapassam o jogo amor- ditadura
político e ameaçam sua própria vida.
SUMO DA HISTÓRIA
TERRITORIO Vila dos Confins
POR QUE SE AVENTURAR?
O padre Fernando realiza um ve-
••
A lho sonho viajando para o Xingu
obra mostra um exemplo em missão evangélica. Entretanto,
CRIADOR de cidadania e coragem, que a convivência com os índios faz o
O mineiro Mário Palmério pode deflagrar interessantes padre perceber que estes não
(1916) fundou, em Uberaba, as discussões sobre a democracia precisam do branco a não ser para
faculdades de Odontologia, representativa no Brasil e reparar os males que a civilização
Direito, Medicina e Engenharia. como fortalecê-la. trouxera.
Deputado estadual, embaixador,
estreou na literatura aos 40 anos. Além da denúncia política, o E a partir desta comovida surpresa
Preocupa-se em denunciar o livro traz também um curioso que Nando abandona o hábito e
coronelismo e as maquinações que inventário das tradições, procura um novo ideal por que
distorcem e anulam o poder do costumes, folclore e anedotas viver, encontrando-o na militância
voto, trazendo conseqüências de- do sertão de Minas Gerais. de esquerda, lutando contra a
sastrosas para o país.
ditadura.
Capítulo 2

"Quarup" é o nome do ritual fu- TERRITORIO Os POR QUE SE AVENTURAR?


nerário de indígenas do Alto tambores de São
Xingu, no Brasil central. A ceri- Luís •• Deliciosamente envolvente, o
mônia, realizada quando morre um
romance reconstitui os passos
homem de valor, dramatiza ao CRIADOR do negro no Brasil: sua im-
mesmo tempo a ressurreição do O maranhense Josué Montello portância, o legado de sua rica
morto e a criação da humanidade (1917) foi diretor da Biblioteca cultura e, paralelamente, sua
pelo deus Maivotsinim.
Nacional do Rio de Janeiro e difícil assimilação racial. Por
d
iretor do Serviço Nacional de meio de um fascinante rol de
POR QUE SE AVENTURAR? Teatro. Considerado o maior personagens, esses conceitos
Accionista atual da cidade que já são passados de forma sedu-
Quarup é uma viagem ao co- foi chamada "Atenas brasileira" tora e atualíssima.
ração (partido) do nosso país. (São Luís), é daqueles autores que
Profundamente engajada, a mantêm o leitor em suspense.
obra mostra o contraste entre Cuidado ao 1er Montello: você não TERRITORIO República
os vários Brasis e retrata a tra- conseguirá desgrudar do livro até
dos sonhos
jetória individual de um ho- o último ponto-final.
mem em conflito, que busca
CRIADOR
sua própria verdade, reedu- COORDENADAS
Nélida Piñon (1937), nascida no
cando-se, em uma terra tam- Esta obra-prima relata a grande saga
Rio de Janeiro, é um fenômeno da
bém dividida, fraturada pelas do negro brasileiro, cobrindo qua-
atualidade. Com uma vasta e
contradições econômicas e tro séculos de história.
frenética produção, foi a primeira
sociais. No decorrer da histó-
mulher a conquistar o prêmio li-
ria, passamos por salas de aula PALAVRAS-CHAVE terário Juan Rulfo — o rnais im-
onde camponeses são alfabe-
Maranhão - África - negro - racismo portante da América Latina —
tizados pelo método Paulo
pelo conjunto de sua obra. Em
Freire e por salas de tortura,
SUMO DA HISTÓRIA 1990, tornou-se a primeira mulher
por igrejas com artísticos azu-
Arrancados de suas pátrias pelo a ser eleita Presidente da Aca-
lejos e por selvas onde se ar-
tráfico negreiro, milhares de afri- demia Brasileira de Letras.
rastam índios destruídos pelas
canos viram-se arrastados de forma
doenças dos brancos. O livro
provoca reflexões sobre o que violenta para uma cultura COORDENADAS
completamente estranha, preci- Início do século, quando a Primei-
estamos fazendo para
sando lutar contra toda espécie de ra Guerra Mundial (1914-1918)
ressuscitar e recriar a justiça e a
adversidade para conseguir trouxe fome e miséria a muitos
fraternidade no Brasil.
sobreviver. Os tambores de São Luís países da Europa, empurrando
retrata essas lutas, tragédias e vi- famílias inteiras para o Brasil, "o
tórias, que marcaram a história do país do futuro".
Brasil e contribuíram para forjar
nossa identidade nacional.
Continente Ficção-Prosa

PALAVRAS-CHAVE TERRITORIO Em Andréa, a impossibilidade de


São Paulo - Espanha - imigração - A festa realização vem da própria heroína:
amor belíssima, mas intelectualmente in-
CRIADOR segura, Andréa forja uma biografia
SUMO DA HISTÓRIA O mineiro Ivan Ângelo (1937), a fim de tornar-se rnais interessan-
O livro narra a saga de uma famí- jornalista, é dono de um estilo te, terminando por enredar-se na
lia de imigrantes e as dificuldades, simples, despojado, muitas vezes própria mentira.
esperanças e oportunidades que a irônico, chegando até a crueldade.
acompanham no Brasil, terra que a A maneira como expõe seus per- POR QUE SE AVENTURAR?
transforma e que é também sonagens, com fragilidades veros- Além de recuperar com maestria
transformada por ela. símeis, torna-os rnais humanos e a atmosfera tensa dos anos de
próximos de nós. ditadura, o autor organizou o
As vidas dos personagens mes- livro de forma inovadora: os
clam-se à história recente do país e COORDENADAS contos são lidos de maneira
a narrativa toma partido disso, en- As histórias se passam no final da independente, mas no
tremeando histórias pessoais e his- década de 1960 e início de 1970, penúltimo, A festa, todos os
tória oficial, ficção e realidade. anos duros para o Brasil, em razão personagens se encontram. O
da sanguinária ditadura militar que último conto (ou capítulo,
POR QUE SE AVENTURAR? por aqui se instalou. conforme a leitura que se
fizer) é um índice de destinos,
PALAVRAS-CHAVE ou seja, o autor relaciona
A história é lida com enlevo e
cuidadosamente todos os
prazer e é também uma boa Ditadura - limites - relacionamentos
personagens (mesmo os rnais
oportunidade para observar,
fugazes) e mostra recortes de
sob uma nova perspectiva, SUMO DAS HISTÓRIAS suas vidas nos anos anteriores
este saboroso, generoso e ines-
As diversas histórias têm em co- ou subseqüentes.
gotável Brasil.
mum o fato de todos os persona-
gens serem mais ou menos vítimas
de uma era de grandes
impossibilidades e proibições.

Assim é que, em Bodas de pérola,


por exemplo, tal impossibilidade
se traduz no esfriamento de uma
relação amorosa que se queria eter-
na, mas é cortada pelo envelheci-
mento do casal. Não aceitando tal
condição, o marido deseja matar-se
e à esposa, enquanto esta se
entrega a amantes para sentir-se
rnais jovem.
Capítulo 2

Região Pi: para mergulhar em mistérios


TERRITORIO Dom narrador, Bentinho, dispõe-se a TERRITORIO
Casmurro •• contar como ganhou tal alcunha: Memórias póstumas
na juventude, Bentinho casara-se de Brás Cubas ••
CRIADOR com Capitu, seu amor de infância,
com quem teve um filho, Ezequiel. CRIADOR
O mais brilhante e prestigiado de
nossos autores, o carioca Joaquim Mas, por meio de alguns indícios, Machado de Assis (ver texto ao lado)
Maria Machado de Assis (1839- Bentinho começa a desconfiar que
1908), era mulato, pobre e órfão. Capitu é amante de seu melhor COORDENADAS
Adorava 1er — e isso fez toda a dife- amigo, Escobar, e que Ezequiel, na Meados do século XIX, no Rio de
rença na sua vida. Começou como verdade, não é seu filho. Os ciúmes Janeiro. Apesar de ter uma conti-
tipógrafo, aprendeu linguas, de Bentinho aumentam gradativa- nuação, Quíncas Borba, ambos os
tornou-se jornalista e escritor mente, amargando a própria exis- livros são obras acabadas e podem
renomado e terminou fundando, tência e a daqueles que o cercam. ser lidos independentemente.
com outros intelectuais, a Acade-
mia Brasileira de Letras (1896). Sua POR QUE SE AVENTURAR? PALAVRAS-CHAVE
ficção, para Alfredo Bosi, represen- Morte - auto-análise
ta "o ponto mais alto e rnais equili- Este é, talvez, o romance rnais
brado da prosa realista brasileira". famoso de toda a literatura SUMO DA HISTÓRIA
A preocupação psicológica e as brasileira, objeto de muita
Como anuncia o título, estas são as
contradições da alma humana estão curiosidade, estudos e debates.
memórias de um defunto-narrador,
sempre presentes em seus per- Capitu cometeu de fato o
Brás Cubas, o qual, depois de
sonagens, tornando-os humanos, adultério, ou tudo não passa
morto, resolve repassar sua vida.
verossímeis e profundos. de delírios de um ciumento?
Brás Cubas teve em vida diversos
Um século depois (o livro foi
amores, aventuras políticas e
COORDENADAS publicado em 1900), a questão
muitas filosofias. Mas, como a
O romance começa no Rio de Ja- permanece sem resposta, pois
maioria dos seres humanos, foi-se
neiro, em 1857, quando Bentinho o autor construiu as pistas
acomodando cinicamente aos
tinha 15 anos e Capim, 14, e ter- com tal maestria que elas
próprios erros.
mina com o protagonista-narrador sempre levam a duas respostas
já em sua velhice. contrárias. Além disso, o leitor
deve ter em mente que o
PALAVRAS-CHAVE narrador não é confiável: ele
Amizade - amor - traição - mistério se acredita vítima de traição;
sua narrativa passa, portanto,
SUMO DA HÍSTORIA pela subjetividade. Aceite o
desafio: tome seu partido e
Apelidado de D. Casmurro pelos
responda, se puder.
amigos e vizinhos, o personagem-
Nível de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade
de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e
rápidos, a para os que gostam de desafios maiores.

POR QUE SE AVENTURAR? PALAVRAS-CHAVE TERRITORIO Manuelzão e


Amizade - amor - traição Miguilim •••
Muitas são as originalidades
deste livro e a primeita delas é SUMO DA HISTÓRIA CRIADOR
o próprio narrador: Brás Ao morrer, o filósofo Quincas O mineiro Guimarães Rosa (1908-
Cubas está morto e enterrado, Borba lega ao seu amigo, o pro- 1967) trabalhou como médico no
podendo, portanto, contar os fessor Rubião, uma imensa fortuna interior de seu estado e depois
fatos sem preconceitos, e um cão. Uma vez rico, Rubião entrou, por concurso, na carreira
vaidades ou hipocrisias, limi- trava íntima amizade com o casal diplomática, que o levou a
tações tão características dos Cristiano e Sofia Palha. Ingênuo, diferentes países. Criador sub-
seres vivos. apaixona-se sinceramente peça es- versivo de mundos mágicos, cons-
posa do amigo, mas, fiel a truiu uma obra que aponta para a
Assim, Memórias póstumas é Cristiano, resiste em concretizar o transcendência da aventura hu-
mais que um romance: con- adultério. O que Rubião nem mana, na qual os valores rnais pre-
tém uma filosofia e muitas, imagina é que Cristiano deseja sentes são a coragem, a alegria e o
muitas críticas, feitas num apenas apossar-se de sua fortuna e amor. Fez uma verdadeira revolu-
tom irônico e divertido. que é com a permissão do marido ção na linguagem, sendo o inven-
que Sofia tenta seduzi-lo. tor de uma "língua rosiana" em que
o significado de cada coisa está em
TERRITÓRIO POR QUE SE AVENTURAR? constante mutação. Segundo Luís
Quincas Borba Costa Lima, com Rosa "a palavra
Não obstante o tema pesado perdeu a sua característica de
CRIADOR (apenas os rnais fortes sobre- termo, entidade de contorno
Machado de Assis (vide p. 52) vivem), o livro muitas vezes é unívoco, para converter-se em
divertido, permeado pela fina plurissigno, realidade multissig-
COORDENADAS ironia do narrador, que usa nificativa" (A literatura no Brasil,
estratégias originais, como a vol. 5, Era Modernista, Ed. Global,
Meados do século XIX, no Rio de
de fazer-se confidente do 1997 - Acervo PNBE/98).
Janeiro, em plena decadência da
Monarquia e efervescência das leitor.
Por unanimidade, é considerado a
tendências republicanas. Apesar de
maior expressão da literatura bra-
ser continuação de Memórias
sileira no século XX.
póstumas de Bras Cubas, ambas são
obras acabadas e podem ser lidas
independentemente.
Capítulo 2

COORDENADAS POR QUE SE AVENTURAR? nove contos é A hora e a vez de


Manuelzão e Miguilim tem por Augusto Matraga, que retrata a luta
espaço o sertão mineiro, com suas Rosa alcançou transpor tamanha eterna do Bem contra o Mal e a
cidades e vilas perdidas, seus enor- verdade em seu texto, que não angústia que essa luta sempre
mes campos e suas pequenas ve- há quem não se reconheça em provoca no ser humano. Matraga,
redas, tudo rodeado por uma na- Miguilim. O mundo interno e ex-valentão arrependido, quer fazer
tureza abundante, generosa e mis- externo do garoto traduzem as pazes com Deus e ganhar o céu.
teriosa. aquela preciosa etapa, talvez a Para tanto, passa a viver uma vida
rnais verdadeira de nossas vidas, recolhida e honesta, cheia de
PALAVRAS-CHAVE quando tanto a experiência do orações. Até o dia em que seu
Criança - amor - fantástico medo quanto a da beleza | são amigo, o jagunço Joãozinho Bem-
intraduzíveis e absolutas. Bem, chega à cidade para executar
uma cruel vingança contra a
SUMO DAS HISTÓRIAS
família de um assassino que
Manuelzão e Miguilim é composto
TERRITORIO Sagarana fugira...
por duas novelas, Campo geral e
Uma estória de amor. Campo geral
CRIADOR POR QUE SE AVENTURAR?
narra a vida vista na perspectiva de
um sensível menino, Miguilim, em Guimarães Rosa (vide p. 53)
suas brincadeiras e brigas com os Ler Guimarães Rosa é uma
irmãos, seu amor pela natureza, seu COORDENADAS experiência mística. É mergu-
medo da morte, seu apego à mãe e Os contos de Sagarana têm como lhar em nossos recantos rnais
ao irmão Dito e seu respeito espaço o sertão mineiro, mas, na secretos e fazer desabrochar
temeroso ao pai. Através de seus verdade, trata-se de histórias as indagações íntimas que tra-
olhos, correm paralelamente as atemporais e universais, uma vez que zemos na alma.
histórias dos adultos que o cercam: a idéia passada pelo livro é a de que
a negra macumbeira, a avó, guardiã o sertão não é um espaço físico limi-
da moralidade, a mãe que suposta- tado, mas sim um lugar mágico de TERRITÓRIO __________
mente comete adultério com tio aprendizado, situado dentro de No Urubuquaquá, no
Terêz, irmão do pai. Essa paixão é cada um de nós. Pinhém
responsável por um dos maiores
dilemas morais de Miguilim: tio PALAVRAS-CHAVE CRIADOR
Terêz é muito mais carinhoso e Bem - mal - luta - morte Guimarães Rosa (vide p. 53)
próximo do que o próprio pai,
sujeito rude que trabalha duro para SUMO DAS HISTÓRIAS COORDENADAS
sustentar uma numerosa família Os contos de No Urubuquaquá, no
O nome do livro vem de "saga",
que por vezes maltrata. Pinhém têm por espaço o sertão
que quer dizer "canto heróico", e
de "rana", que, em tupi, significa mineiro, com suas cidades e vilas
"à maneira de". O rnais famoso dos perdidas, seus enormes campos e
suas pequenas veredas, tudo
rodeado por uma natureza abun-
dante, generosa e misteriosa.
Continente Ficção-Prosa

SUMO DAS HISTÓRIAS TERRITORIO Noites do TERRITORIO


No Urubuquaquá, no Pinhém é sertão ••• Grande sertão:
composto por dois contos (O re- veredas •••«
cado do morro e Cara-de-Bronze) e CRIADOR
uma novela {A estória de Lelio e Guimarães Rosa (vide p. 53) CRIADOR
Lina). Cara-de-Bronze é a alcunha Guimarães Rosa (vide p. 53)
de Jéia Velho, o rnais rico pro- COORDENADAS
prietário da região, dono da fa- As mesmas de No Urubuquaquá, COORDENADAS
zenda de Urubuquaquá. Doente, no Pinhém — o sertão, como lugar O drama de Grande sertão: vere-
entrevado no quarto, Jéia Velho mágico de aprendizado, situado das, único romance de Rosa, tem
convoca diversos de seus empre- dentro de cada um de nós. como espaço os sertões de Minas,
gados para uma estranha seleção:
Goiás e sul da Bahia. Sertão: "o
escolher aquele que souber traduzir PALAVRAS-CHAVE único espaço onde o homem as-
melhor em palavras as coisas rnais
Paixão - magia sume a sua espontaneidade, reali-
misteriosas. O ganhador, o vaquei-
zando sua profunda instintividade
ro Grivo, deve correr mundo a fim SUMO DAS HISTÓRIAS humana", local onde se afirmam "to-
de trazer a Cara-de-Bronze uma en-
Noites do sertão é composto por das as possibilidades intrépidas do
comenda muito especial.
duas novelas: Dão-Lalalão e ser humano" (Luís Costa Lima, cm
Buriti, ambas histórias de amor e A literatura no Brasil, vol. 5, Era
PALAVRAS-CHAVE
sensualidade. Em Dão-Lalalão, o Modernista, Ed. Global, 1997-
Sertão - mistério vaqueiro Soropita, homem duro e Acervo PNBE/98).
com várias mortes nas costas,
POR QUE SE AVENTURAR? apaixona-se por Doralda, uma PALAVRAS-CHAVE
prostituta. Casando-se com ela, Sertão - Deus - diabo - amor -
1 Soropita é pouco a pouco envol- amizade
Todo o sabor e o mistério do vido por um ciúme doentio do
sertão revelam-se, quando por passado da esposa, mulher sensual SUMO DA HISTÓRIA
exemplo, em Cara-de-Bronze, e vaidosa que domina com- Riobaldo, um velho fazendeiro e
a história é narrada pelos ou- pletamente o valentão. ex-jagunço, é o protagonista e
tros vaqueiros da fazenda, no
narrador dessa história, que conta
dia da volta de Grivo. Todos POR QUE SE AVENTURAR?
os episódios de sua vida, feita de
estão ansiosos para saber qual
lutas, amores e vinganças.
a encomenda misteriosa que o Mais uma vez Rosa consegue
patrão fez a ele. E como infundir a um tema quase Em sua juventude, para vencer seu
participar de uma conversa banal uma intensidade mís- grande inimigo Hermógenes,
descansada e informal entre os tica, nova e mágica. As pai- Riobaldo fez um pacto com o diabo.
trabalhadores rurais, com xões e a sensualidade são Agora, com a morte se aproximan-
direito a barulho de chuva e mostradas como forças da do, está preocupado com a existên-
modas de viola como pano de natureza, que dominam a cia ou não do demo.
fundo, cortada ainda pelas racionalidade e efetivamente
pausas para o cafezinho e pão regem as vidas humanas. Além desse plano narrativo existe
de mandioca.
um outro, que é o amoroso:
Capítulo 2

Riobaldo viveu atormentado pelo carreira literária com 40 anos, con- TERRITORIO A madona
amor que sentia por Diadorim, um seguiu logo aprovação da crítica, a de cedro •
dos valentes guerreiros de seu qual afirmou unanimemente ter
bando. despontado no Brasil um novo ta- CRIADOR
lento narrativo.
Jornalista, nascido em Niterói,
POR QUE SE AVENTURAR? Antonio Callado (1917-1998)
COORDENADAS sempre se preocupou em ir além da
A narrativa é fragmentada As histórias situam-se nas pequenas simples informação, traçando todas
como é fragmentada a memó- cidades e vilas do sertão de Goiás, as ligações necessárias para revelar
ria. Dessa maneira, o leitor na década de 1950. um painel completo da realidade
permanece ativo, convocado a brasileira em uma determinada
encaixar as peças de um que- PALAVRAS-CHAVE época.
bra-cabeças, para formar o Criança - sonho - perdas
todo da história. Entrar nos COORDENADAS
grandes sertões de Rosa é ter SUMO DAS HISTÓRIAS A história se passa em Congonhas
coragem de refletir sobre a O doze contos deste livro têm em do Campo (MG), cidade turística
luta entre o que há de lumi- comum o fato de serem contados famosa pelas esculturas barrocas
noso e o que há de obscuro em pelos próprios personagens: garo- em pedra-sabão, nas décadas de
nós — sobre nossas relações tos pré-adolescentes que narram 1940 e 1950.
com Deus e com o diabo, suas experiências segundo sua óti-
sobre as imprecisas fronteiras ca particular. Assim, não raro é a PALAVRAS-CHAVE
entre amizade e amor, sobre o fantasia que traz soluções para os Amor - roubo - responsabilidade -
quanto é perigoso viver. problemas reais. milagre

A Ilha dos Gatos Pingados, por SUMO DA HISTÓRIA


TERRITORIO Os exemplo, conta a história de três
Delfino Montiel, jovem comerci-
cavalinhos de amigos que descobrem uma ilha
ante de artigos religiosos, é pro-
Platiplanto um pouco afastada da vila em que
curado por Adriano, um amigo de
moram. Ali, podem se consolar de
infância. Adriano trabalha no Rio
suas aflições, construindo livre-
CRIADOR para Juca Vilanova, misterioso fi-
mente uma cidade imaginária.
gurão, maníaco colecionador de
O goiano José J. Veiga (1915-
objetos de arte. Juca deseja obter a
1999) formou-se em advocacia, POR QUE SE AVENTURAR?
imagem de cedro da Virgem
trabalhou como locutor na BBC de
Maria, escultura de Aleijadinho
Londres nos tempos da Segunda
Os cavalinhos de Platiplanto exposta na Capela dos Milagres.
Guerra e foi, durante anos, editor da
é um livro delicioso, que en- Se Delfino conseguir roubá-la,
revista Seleções do Reader's Digest,
canta o leitor, trazendo-o para pode vendê-la por uma grande
no Rio. Ele escreve com tocante
uma realidade fantástica, soma ao colecionador. Delfino
simplicidade sobre o lado absurdo
misteriosa, cheia de nuanças aceita a proposta num momento de
da vida e do cotidiano. E o
luminosas e sombrias, habi- fraqueza: está apaixonado por
introdutor, com Murilo Rubião, do
tada pelas crianças. Marta e, para poder casar-se com
realismo mágico no Brasil. Tendo
ela, deseja obter dinheiro
começado sua
Continente Ficção-Prosa

rapidamente. Passados treze anos, COORDENADAS TERRITÓRIO A paixão


Delfino ainda se sente culpado, A história cobre a infância e a vida segundo G. H...
tanto que nunca mais se confessou adulta de Joana, mas tanto o tempo
com padre Estêvão, seu amigo quanto o espaço são imprecisos, CRIADOR
íntimo. O reencontro com Adriano pois importa muito mais o que se Clarice Lispector (ver texto ao lado)
lhe dará a chance para a expiação. passa dentro da alma da prota-
gonista do que os fatores externos COORDENADAS
POR QUE SE AVENTURAR? que a rodeiam.
A história se passa no quarto de
empregada do apartamento de G.
Emocionante e muitas vezes PALAVRAS-CHAVE H., onde ela se isola para meditar.
divertido, o romance gira em Amor - comunicação - esposa - A duração da história é um tanto
torno de um sentimento bem amante relativa: leva o tempo que se pro-
humano: o remorso. A trama longar essa meditação, o que pode
reúne todos os elementos para SUMO DA HISTÓRIA significar tanto uma tarde quanto
prender o leitor: mistério, ro- Joana não hesita em mergulhar des- uma vida.
mance e aventura; tudo mui- ] to de a infância no fundo de si mesma
bem dosado e regado pelo e das pessoas e objetos que a ro- PALAVRAS-CHAVE
espírito profundamente religioso deiam, numa tentativa de compre- Encontro - terror - barata
do povo mineiro. ender melhor a própria existência e
de chegar à essência da verdade, SUMO DA HISTÓRIA
ao "selvagem coração da vida".
Sozinha em seu apartamento, a
TERRITORIO
personagem-narradora, G. H., tenta
Perto do coração Órfã, a menina é criada pelos tios,
desvendar o sentido de sua solidão,
selvagem ••• surpreendendo e assustando famí-
de seus sentimentos e da condição
lia, padres, professores e, posterior-
humana em geral.
CRIADOR mente, o próprio marido, com seus
Clarice Lispector (1925-1977), freqüentes questionamentos.
Toda a meditação que fará em tor-
nascida na Ucrânia, chegou ao Re- no dessas temáticas tem como es-
cife, onde passou a infância, aos POR QUE SE AVENTURAR? topim a visão de uma barata no
dois meses. Era bem jovem quando quarto da empregada. Por meio do
publicou seu primeiro livro, Perto O texto intenso, poético, nojo e do terror, G. H. compreende
do coração selvagem. Formada em hipnotizante, cativa o leitor a robotização crescente dos in-
Direito, revolucionou para sempre desde a primeira página e é divíduos e reage contra a sua
a nossa ficção, com sua prosa com a sensação de participar própria.
introspectiva e agudamente de um grande mistério que
poética. Clarice devassa tão a penetramos nas emoções,
fundo a alma de suas personagens impressões e reflexões de
— com freqüência femininas — Joana, compreendendo que
que acaba por desafiar a própria cada ser humano tem muito
psicologia. rnais dentro de si do que
geralmente ousa descobrir.
Capítulo 2

POR QUE SE AVENTURAR? PALAVRAS-CHAVE TERRITORIO


Amizade - escolhas - destino Nove, novena
As indagações de G. H. são
tão intensas e universais que a SUMO DA HISTÓRIA CRIADOR
própria personagem é carac- Eduardo quer ser escritor. Ao sair O pernambucano Osman Lins
terizada apenas por suas ini- do ginásio, ele faz um trato com (1924-1979) estudou Ciências
ciais. O mergulho interior de seus dois melhores amigos: Econômicas e Dramaturgia, e
G. H. expressa nosso próprio encontrarem-se no mesmo local daí ensinava literatura. Sua obra é
mergulho, nos raros momen- a quinze anos, para compararem intimista, voltada à sondagem do
tos em que temos tempo ou suas respectivas trajetórias e mundo interior. Ao mesmo tempo,
disposição para fazê-lo... conquistas. A partir desse encontro Lins busca a originalidade formal e
marcado, os três rapazes desejam utiliza-se de recursos gráficos e de
acumular o maior número possível diversos enfoques narrativos, para
TERRITORIO O encontro de experiências, numa grande ânsia contar suas histórias. E um escritor
marcado de viver. Mais tarde, envolvido extremamente agradável de ser
com o casamento e paralelamente lido, transportando-nos em suas
CRIADOR com um assassinato, a vida de águas de poesia e beleza.
Eduardo modifica-se sem que ele
O mineiro Fernando Sabino
nunca alcance, mas também nunca COORDENADAS
(1923) começou a escrever para
perca de vista, o seu grande sonho. Os contos de Nove, novena são
jornais aos 13 anos. Fundou uma
editora e também criou uma situados em Pernambuco, retra-
POR QUE SE AVENTURAR? tando ora a capital, a metrópole,
produtora de cinema. Notabilizou-
se por suas crônicas, que ora os engenhos e as cidades co-
expressam uma visão bem- O encontro marcado é um loniais.
humorada do mundo e seus pro- livro sobre as decisões que
blemas. O encontro marcado foge tomamos e a nostalgia de, ao SUMO DAS HISTÓRIAS
um pouco da linha irreverente do escolher um entre cem As personagens dos nove contos
escritor por ser um romance que caminhos, termos de conviver do livro são seres humanos
tem como centro a indagação com a perda dos outros comuns, vivendo histórias de
pessoal. noventa e nove. amor, miséria ou desencontro. O
retábulo de Santa Joana Carolina,
COORDENADAS Um livro feito para rir e por exemplo, narra episódios da
Belo Horizonte, nas doces décadas pensar. vida de uma bela e paupérrima
de 1930, 1940 e 1950, quando era mulher, contada sob os pontos de
permitido a um estudante ser vista das pessoas que a
amigo de um delegado de polícia, conheceram. Joana realiza pe-
compartilhando com ele seus quenos milagres quotidianos,
sonhos e brincadeiras.
Continente Ficção-Prosa

influenciando e por vêzes mudan- TERRITORIO __________ SUMO DA HISTÓRIA


do o rumo dos que cruzam seu Lavoura arcaica ••• André, escondido num quarto de
caminho. Assim, o que deveria ser pensão, é procurado por Pedro, seu
uma vida insignificante é, antes de CRIADOR irmão rnais velho, que tenta levá-lo
tudo, um exemplo de mansidão e Com este seu primeiro livro, pu- de volta para casa. Pedro não
justiça. blicado em 1975, Raduan Nassar entende os motivos da fuga do
(1935) impressionou tanto a crítica irmão, já que os valores de sua
PALAVRAS-CHAVE que esta declarou ter surgido a família sempre foram calcados em
Amor - vida - simplicidade maior inovação das letras bra- amor, fé, tolerância e união.
sileiras desde Clarice Lispector. O
POR QUE SE AVENTURAR? autor foi sucesso estrondoso na É por meio da terrível confissão de
Alemanha, Espanha, Portugal e André que ficamos sabendo de suas
Nove, novena é um livro de- França e abandonou a literatura em razões: o rapaz acredita carregar a
licado, escrito com amor e 1984, declarando que iria dedicar- marca de um grande pecado.
compaixão. Poderia ser a nar- se à agricultura.
rativa de nossa própria vida. POR QUE SE AVENTURAR?
Ao final, o leitor se pergunta O pouquíssimo tempo de carreira,
no entanto, foi suficiente para
se estes não seriam os rnais Lavoura arcaica é uma
colocá-lo ao lado dos imortais da
belos contos já escritos. releitura da parábola do filho
literatura nacional.
pródigo; aquele que, depois de
pecar muito, volta ao lar para
COORDENADAS
receber o perdão paterno. No
A história se passa basicamente em entanto, Nassar inova tanto na
dois espaços: uma pensão na ci- história quanto na linguagem:
dade grande, onde o irmão de a atmosfera que ele cria dá
André o procura para levá-lo de algo de misterioso, poético e
volta à casa dos pais, e a fazenda novo a um tema já clássico na
destes. literatura mundial.

Não há indícios de época, mas isso


é natural em uma parábola, nar-
rativa que se pretende universal.

PALAVRAS-CHAVE
Pecado - perdão - família
Capítulo 2

Região Gama: para saber do erotismo e


TERRITORIO A SUMO DA HISTORIA TERRITÓRIO
normalista Maria do Carmo, mocinha de 15 Crônica da casa
anos, órfã, criada por padrinhos,. assassinada ••
CRIADOR sai de um colégio de freiras e vai
Adolfo Caminha, nascido no Cea- estudar na Escola Normal. Namora CRIADOR
rá em 1867 e falecido com apenas um rapaz de família abastada e Lúcio Cardoso (1913-1968), mi-
29 anos, no Rio de Janeiro, foi sofre o assédio constante de seu neiro, foi funcionário de compa-
guarda-marinha, chegando a fazer tutor João da Mata, que termina nhia de seguros e jornalista literá-
uma viagem de instrução aos por engravidá-la. rio. Foi tão esmerado nos enredos
Estados Unidos. É um dos prin- de seus livros quanto na forma de
cipais representantes do Natura- POR QUE SE AVENTURAR? escrevê-los. Assim, Lúcio consegue
lismo* no Brasil. criar uma rara atmosfera de tensão
Caminha nos desvela o mundo e morbidez, que envolve o leitor e
COORDENADAS de uma adolescente do final o deixa ansioso pela próxima
Estamos em Fortaleza, Ceará, no fi- do século passado e faz-nos página.
nal do século XIX, às vésperas da participar de sua excitação e
Proclamação da República. angústia diante da descoberta COORDENADAS
da sexualidade. Ao mesmo Entramos na chácara da família
PALAVRAS-CHAVE tempo, mostra como as moças Meneses, localizada na pequena
que se preparavam para ser cidade de Vila Velha, Minas Ge-
Fortaleza - assédio - sensualidade -
professoras e assumir um rais. Na primeira página há um
preconceito
papel público eram vítimas do pequeno mapa da propriedade, que
preconceito: "Uma gentinha traz inclusive os cômodos do velho
levada da breca, essas casarão. Recorra a ele para se
normalistas! Com que localizar e brincar de Sherlock
facilidade a Maria do Carmo, Holmes.
aliás, uma das rnais
comportadas, entregava-lhe a SUMO DA HISTÓRIA
face para beijar e escrevia-lhe Os três irmãos da tradicional e de-
carrinhas perfumadas, cheias cadente família Meneses moram
de juras e protestos de amor! todos na mesma casa, cercados por
Se fosse outro, até já podia ter seus criados, odiando-se
(*) Para saber rnais sobre Naturalismo feito uma asneira..." educadamente há anos. Não im-
em literatura, no Brasil, consulte
"A ficção naturalista", em A literatura porta que Timóteo seja louco de
no Brasil, vol. 4, Era Realista.
pedra ou que Demetrio sufoque a
Os rnais apressados podem recorrer à
Macropédia Borsa, p. 263-264 (Acervo esposa até tirar-lhe a vontade de
PNBE/98).
Continente Ficção-Prosa

Nível de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade


da violência da vida de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e
rápidos, a para os que gostam de desafios maiores.

viver: todos têm um nome a zelar e TERRITORIO memória confusa, Alaíde é auxi-
convenções a respeitar. Mas Valdo Teatro completo de liada por Madame Clessi, fantasma
casa-se com Nina, jovem sedutora, Nelson Rodrigues de uma dona de bordel que
caprichosa e vingativa. Sua falecera há tempos.
chegada rompe o frágil equilíbrio CRIADOR
familiar. Explodem paixões, Ambas as mulheres morreram de
O pernambucano Nelson
mágoas e rancores represados por forma violenta, depois de passa-
Rodrigues (1912-1980), pioneiro
tanto tempo, levando os persona- rem por estranhas situações amo-
da moderna dramaturgia brasileira,
gens a atos extremados como sui- rosas: Alaíde e sua irmã amaram o
com personagens extraídos da
cídio, assassinato e incesto. mesmo homem, Madame Clessi
paisagem urbana, em especial do
namorara um rapaz da idade de
Rio de Janeiro, foi um mestre na
POR QUE SE AVENTURAR? seu próprio filho.
arte de desconcertar público,
críticos e leitores, devassando o
POR QUE SE AVENTURAR?
Crônica da casa assassinada lado mais sórdido do homem e ex-
é composto por depoimentos, pondo suas neuroses e fraquezas
cartas e diários dos diversos de uma maneira absolutamente A situação inusitada em que
personagens. Com esse recur- amoral e original. as personagens se encontram
so, a intriga torna-se ainda levou o autor a separar o pal-
rnais interessante, pois os COORDENADAS co em três planos: o real, o da
acontecimentos são relati- Os dois primeiros volumes da série memória e o da alucinação,
vizados. O leitor busca a ver- trazem as cinco peças psicológicas recurso que tornou a peça
dade, mas qual seria ela? Não (volume 1) e as quatro míticas ainda rnais interessante.
temos propriamente fatos, (volume 2) do escritor. A maioria
temos versões, tão diferentes das peças se passa no Rio de Com esta coleção, o leitor tem
entre si quanto os seres que as Janeiro, nas décadas de 1940 a acesso a muitas das obras-
contam. 1960. primas do autor, cujo talento
atravessou continentes. Re-
Quanto rnais avançamos, SUMO DA HISTÓRIA centemente, até mesmo uma
rnais reviravoltas nos reserva companhia polonesa encenou
Vestido de noiva, uma das peças
a história. Ao final, amarran- Vestido de noiva.
rnais famosas de Nelson
do as diversas "pontas soltas" Rodrigues, conta a história de
e ligando todas as pistas, per- Alaíde, jovem que se encontra à
demos o fôlego ante o desfe- beira da morte após um acidente e
cho surpreendente. que reconstitui a série de acon-
tecimentos trágicos desencadeados
É 1er para crer. por seu casamento. Com a
TERRITORIO O SUMO DA HISTORIA TERRITORIO O vampiro
mulo Um fazendeiro rude e solitário, de Curitiba
antigo matador, esperando a morte
CRIADOR (natural) chegar, faz sua confissão CRIADOR
Darcy Ribeiro nasceu em Minas, a um padre. Ao balanço de seus Dalton Trevisan, paranaense
em 1922, e faleceu em 1997. An- muitos pecados mistura-se a (1925), além de escrever, exerce a
tropólogo, ensaísta, romancista e lembrança das mulheres que advocacia e é dono de urna fábrica
político, participou intensa e apai- amou e que o amaram. de vidros. E um dos rnais feste-
xonadamente da vida nacional, jados contistas da atualidade. Usa
preocupando-se em especial com POR QUE SE AVENTURAR? uma linguagem sintética, direta e
as questões ligadas à educação. descomplicada.
Fundou a Universidade de Brasília
Para conhecer o lado erótico
e participou ativamente da COORDENADAS
do grande antropólogo e ci-
formulação da Lei de Diretrizes e Curitiba, no tempo em que os ho-
entista social Darcy Ribeiro.
Bases da Educação Nacional mens usavam bigodinho e cabelo
Suas tórridas descrições das ce-
(LDB) de 1996. Sua obra traz engomado e as mulheres sabiam o
nas amorosas protagonizadas
análises fundamentais para se que era uma anágua. Estamos entre
pelo mulo podem desassosse-
compreender as características do os anos de 1930-1960.
gar até defuntos nos seus
povo brasileiro. Escreveu, entre
túmulos.
outros: Maíra, O mulo (ficção), SUMO DAS HISTÓRIAS
Utopia selvagem e O povo brasilei-
Nelsinho, personagem amoral e
ro (sua última obra).
perversamente atraído pelo sexo
oposto, espreita os rnais diversos
COORDENADAS
tipos de mulheres (as próximas ví-
Fazenda dos Laranjos, em Goiás, timas ou algozes de suas aventuras
meados do século XX. eróticas). No anonimato de uma
grande cidade, o herói busca
PALAVRAS-CHAVE constantemente um prazer fugaz e
Solidão - erotismo egoísta, "vampirizando" e sendo
"vampirizado" por suas muitas
amantes.

POR QUE SE AVENTURAR?

As diversas histórias (na ver-


dade, pequenos flagrantes da
vida do herói) têm momentos
de intenso lirismo, outros de
crueldade absoluta. Atração
imperdível: o belíssimo Visita
à professora.
Continente Ficção-Prosa

TERRITÒRIO Coritos Já Nau Catarineta tem uma atmos-


reunidos fera lírica e lúbrica, típica dos con-
tos vitorianos: narra o banquete
CRIADOR dado por quatro senhoras em ho-
menagem aos 21 anos do sobrinho.
Rubem Fonseca (1925) trabalhou
A preparação misteriosa do festim e
na polícia do Rio de Janeiro como
seu desfecho assustador só não cho-
comissário na década de 1950,
cam os próprios personagens, já que
sendo definido pelos companheiros
se trata de uma antiga tradição fa-
de época como um "perito em
miliar.
desapartar brigas e resolver
tragédias humanas". A observação
dessas tragédias marcou-o POR QUE SE AVENTURAR?
profundamente e ele expressou-as
em seus livros: temas Rubem Fonseca é um dos
permanentemente abordados por rnais respeitados e lidos auto-
Fonseca são a violência e os exces- res contemporâneos, capaz de
sos a que se entregam os seres expressar a maior angústia dos
humanos. tempos modernos: a
desumanização, trazendo
COORDENADAS consigo a violência.
As histórias são contemporâneas e
se passam nas grandes cidades;
metrópoles marcadas, ao mesmo
tempo, pelo forte individualismo e
pelo anonimato.

SUMO DAS HISTÓRIAS


Os contos abordam a violência do
homem contemporâneo, da forma
rnais crua à rnais requintada.

Duzentos e vinte e cinco gramas,


por exemplo, é um tanto rude, ao
contar o episódio de um homem
que é obrigado a assistir à autópsia
da amante assassinada.
Capítulo 2

Região Y: para provar o gosto da infância em


TERRITORIOS CRIADOR
O paulista José Bento Monteiro
SÍTIO DO PICAPAU AMARELO Lobato (1882-1948), criador da
primeira editora brasileira (antes
dele, nossos livros eram impressos
A chave do tamanho em Portugal e também na França
— ver L. Hallewell, 1985),
Aritmética da Emilia começou a dedicar-se à literatura
Caçadas de Pedrinho infantil em 1921, com a convicção
de que, para se mudar alguma
Dom Quixote das crianças coisa no país, era preciso começar
pelas crianças. Foi o primeiro
Emilia no País da Gramática
escritor brasileiro a escrever para
Geografia de Dona Benta* crianças.

Hans Staden PALAVRAS-CHAVE


Histórias das invenções Imaginação - curiosidade - aprendi-
zagem - aventura - família - escola
Histórias de Tia Nastácia

Histórias diversas

Histórias do mundo para crianças

Memórias da Emilia

O Picapau Amarelo

O poço do Visconde

O Saci

Os doze trabalhos de Hércules

Reinações de Narizinho
(*) Pode ser um exercício desafiante
Serões de Dona Benta encontrar, entre as muitas e pertinentes
informações contidas nesta "Geografia", as
que estejam desatualizadas. Por exemplo, a
Viagem ao céu
população do planeta não é rnais de 3
bilhões...
Continente Ficção-Prosa

Nível de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade


Monteiro Lobato de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e
rápidos, a para os que gostam de desafios maiores.

O SUMO DAS HISTÓRIAS o sítio se transforma em uma gran-


O Sítio do Picapau Amarelo é um de escola, onde os leitores apren-
espaço mágico gostosamente fre- dem desde gramática até geologia
qüentado pelas crianças brasileiras e o be-a-bá de uma política nacio-
desde os anos 1920. Ficou muito nalista de petróleo".
em evidência na década de 1980,
com o seriado da TV Globo. Por POR QUE SE AVENTURAR?
meio dos personagens Dona Benta,
uma velha e sábia senhora, sua Freqüentar o Sítio do Picapau
empregada, a negra Tia Nastácia, Amarelo é conviver, num am-
as crianças Nari-zinho e Pedrinho, biente bem brasileiro, com
Emilia, uma boneca irreverente e heróis lendários e grandes
pergunta-deira, e o erudito personagens da ficção, como
Dom Quixote ou Peter Pan.
Visconde de Sabugosa, Monteiro
Para jovens e adultos que de-
Lobato leva adiante um projeto
sejam refrescar seus conheci-
pedagógico revolucionário.
mentos básicos de história do
"Curiosidade, imaginação, espírito mundo, geografia, história da
crítico, independência e humor ciência, mitologia grega ou
fazem parte de todos os enredos", folclore brasileiro, é um ex-
afirma Marisa Lajolo em seu livro celente "ajuda-memória". Vale
Monteiro Lobato, um brasileiro a pena, ainda, analisar a crítica
sob medida (Moderna, 2000). à escola tradicional, embutida
E completa: "Na mesma busca de em toda a obra: uma escola
sintonia com seu tempo, não deixa conservadora, chata, onde
de incorporar às histórias que pouco se aprende.
inventa um lastro sólido de infor-
mações, muitas vezes coincidentes
com o currículo escolar. Assim, em
vários de seus livros encontramos
uma escola alternativa, onde
Dona Benta desempenha o papel
de professora. Particularmente nas
obras produzidas nos anos 1930,
Capítulo 2

2.2. Continente Ficção-Poesia

O BRASIL VISTO COM


Atenção, caro livronauta! Você está é que no poema estava inteiro e mi-
prestes a sobrevoar um dos mais be- nucioso o palácio enorme, em cada
los continentes do planeta Acervo ilustre porcelana e cada desenho em
PNBE/98: o da Poesia. São terri- cada porcelana e as penumbras e hi-
tónos montanhosos esses que você irá
percorrer, pois os poemas sempre nos
convidam a elevarmo-nos do chão, a
sairmos do terra-a-terra, em busca de
luz, de beleza, de esquecimento de
males e de pausa de aflições. Os
poetas que o acompanharão em suas
escaladas têm o dom de sintetizar, em
algumas palavras, um universo
complexo de sensações e idéias. Jorge
Luis Borges, em Parábola do
palácio, diz que o Imperador
Amarelo, certo dia, mostrou o seu
palácio ao poeta. Ao final da visita,
depois de haver contemplado "jardins,
águas, arquiteturas e formas de
esplendor", o poeta recitou uma breve
composição. Dizem que constava
apenas de um verso. Entretanto, "o
certo, o inacreditável,
Continente Ficção-Poesia

OLHOS DE POETA
zes dos crepúsculos e cada instante o interminável passado". Esse mila-
desditoso ou feliz das gloriosas gre, que só a poesia tem o dom de
dinastias de mortais, de deuses e realizar, você também poderá teste-
dragões que habitaram nele desde munhar.

Como um apoio para sua jornada,


preparamos roteiros com os seguintes
itens:

TERRITÓRIO
Título do livro ou da obra

CRIADOR
Nome do autor e alguns dados sobre ele

O GOSTO DE UM POEMA/ O
GOSTO DE UNS VERSOS
Poema ou trecho de um poema, só para você
provar...

POR QUE ESCALAR ESTA MONTANHA?


Algumas razões para você criar coragem e ir
muito além do cotidiano
Capítulo 2

TERRITORIO O Descobrem que se enrola no seu corpo TERRITORIO ___________


Uruguai Verde serpente, e lhe passeia, e cinge Espumas flutuantes
Pescoço e braços, e lhe lambe o seio.
CRIADOR (...)
CRIADOR
José Basílio da Gama (1741-1795) Leva nos braços a infeliz Lindóia Antônio Frederico de Castro Alves
nasceu em São José do Rio das Mor- O desgraçado irmão, que ao (1847-1871), baiano, é um dos
tes, depois São João Del Rei, atual despertá-la maiores poetas do Romantismo
Tiradentes, em Minas, e faleceu em Conhece, com que dori No frio rosto brasileiro. Seus poemas abolicio-
Lisboa, Portugal. Foi oficial admi- Os sinais de veneno, e vê ferido nistas Navio negreiro e Vozes d'Africa
nistrativo e secretário do responsá- ajudaram a criar consenso sobre a
Pelo dente sutil o brando peito.
vel direto pela perseguição aos je- urgência de se eliminar a escravidão
Os olhos, em que o Amor reinava, um
suítas, o Marquês de Pombal. Nos no Brasil. Em sua obra convivem a
dia,
versos de O Uraguai ele conta a denúncia social e o mais intenso
Cheios de morte; e muda aquela lirismo.
guerra movida contra os jesuítas e língua
os índios pelos colonizadores por-
Que ao surdo vento e ao eco tantas O GOSTO DE UM POEMA
tugueses e espanhóis, que resultou
vezes
na destruição da Colônia dos Sete As duas flores
Contou a larga história de seus males.
Povos das Missões (localizada em
território do atual estado do Rio São duas flores unidas, São duas
Grande do Sul), no século XVII. POR QUE ESCALAR rosas nascidas Talvez no mesmo
ESTA MONTANHA? arrebol Vivendo no mesmo
Feito para agradar Pombal, o poe-
galho, Da mesma gota de
ma apresenta os jesuítas como vi-
orvalho, Do mesmo raio de sol.
lões. No entanto, o que sobressai O Uraguai transforma-nos em
não são os feitos bélicos dos portu- testemunhas da luta do Unidas, bem como áspenos
gueses, mas a nobreza e o valor dos cacique Sepé Tiaraju, um dos Dos duas asas pequenas De um
indígenas, representados por líderes da rebelião indígena, passarinho no céu... Como a
Cacambo e Lindóia. contra a exigência dos colo- tribo de andorinhas Da tarde
nizadores de que os guaranis no frouxo véu.
O GOSTO DE UNSVERSOS se retirassem do território das
Missões, por eles ocupado há Unidas, bem como os prantos,
cerca de 150 anos. A descri- Que emparelha descem tantos
Este lugar delicioso e triste, Cansada Dos profundezas do olhar...
ção do fim de Sepé, do guer-
de viver, tinha escolhido Para reiro Cacambo e de Lindóia, Como o suspiro e o desgosto
morrer a mísera Lindóia. Lá Como as covinhas do rosto,
que se entrega à morte, de-
Como as estrelas do mar.
reclinada, como que dormia sesperada pela perda do ama-
Na branda relva e nas mimosas do, é um monumento literário Unidas. ..Ai quem pudera
flores. em memória dos 1.500 índios Numa eterna primavera Viver,
Tinha a face na mão, e a mão no guaranis massacrados em qual vive esta flor. Juntar as
tronco 1758. rosas da vida Na rama verde e
De um funesto cipreste, que florida, Na verde rama do
espalhava amor!
Melancólica sombra. Mais de perto
Continente Ficção-Poesia

POR QUE ESCALAR O GOSTO DE UNS VERSOS indianista Gonçalves Dias, morreu
ESTA MONTANHA? (...) em um naufrágio pouco antes de
Erguei-vos, povo de bravos, aportar em sua terra). Correia foi
Espumas flutuantes é a única Erguei-vos, brasíleo povo, Não promotor no Rio e em Minas e
obra publicada em vida por consintas que piratas Na face viveu em Lisboa, sempre às voltas
um autor que, em seus 24 cuspam de novo! com uma saúde frágil e uma
breves anos, lutou com as ar- constante depressão.
Mostrai que as frontes sublimes
mas da poesia e da oratória
Os anjos cercam de luz, E não O GOSTO DE UM POEMA
para tornar o Brasil livre e
há povo que vença O povo de
justo. Percorrer suas páginas é
Santa Cruz!
voar de mãos dadas com um Mal secreto
espírito apaixonado e cantar Quando a turba que se agita
com ele: Saúda a campa adorada: — Se a cólera que espuma, a dor que mora
Foi um herói que esvaiu-se Nos N'alma, e destrói cada ilusão
Oh! Eu quero viver, beber braços da pátria amada! que nasce,
perfumes ("Ao povo") Tudo o que punge, tudo o que devora
Na flor silvestre, que O coração, no rosto se estampasse;
embalsama os ares; POR QUE ESCALAR Se se pudesse, o espirito que chora,
Ver minh 'alma adejar pelo ESTA MONTANHA? Ver através da máscara da face,
infinito, Quanta gente, talvez, que inveja
Qual branca vela n'amplidão Os poemas de Varela trans- agora
dos mares. portam-nos a um passado em Nos causa, então piedade nos
que o nacionalismo fazia su- causasse!
cesso e calava fundo na alma
TERRITÒRIO popular brasileira. Mas tam- POR QUE ESCALAR
bém são inspiradores seus ESTA MONTANHA?
Poemas
versos que falam de amor e
CRIADOR mostram a sublimação do so- A melancolia e o desalento
Luiz Nicolau Fagundes Varela frimento, como Cântico do íntimos, dos quais Raimundo
(1841-1875), nascido no Rio de calvário, escrito logo após a Correia padecia, transforma-
Janeiro, era apaixonado pelos ro- morte de um filho pequeno. dos em versos, acalentam nos-
mânticos. Sentimental e naciona- sa própria dor e fazem-nos
lista, abandonou a Faculdade de pensar... O autor prima pelo
Direito e adotou um estilo de vida TERRITÓRIO rigor da técnica, da métrica,
exótico, de andarilho solitário, Poesias da rima, do vocabulário e dos
pobre e errante, empreendendo temas, traço característico do
longas viagens e entregando-se à CRIADOR Parnasianismo brasileiro. Seu
bebida. vocabulário e sua sintaxe
Raimundo da Mota Azevedo
sofisticados atraem por nos
Correia (1859-1911) nasceu a
permitir provar um pouco da
bordo do navio San'Luíz, nas cos-
excentricidade poética que
tas do Maranhão (em 1864, outro
marcou época.
maranhense notável, o
TERRITORIO Poesias POR QUE ESCALAR O GOSTO DE UNS VERSOS
completas ESTA MONTANHA?
(...)

ÓFuW.ÓFuW. (Era a fala da


CRIADOR Cruz e Souza é, com Al-
Sinhá) Vem me ajudar, ó Fulô,
João da Cruz e Souza (1861- phonsus de Guimarães, o
Vem abanar o meu corpo Que
1898) nasceu em Florianópolis, maior expoente do Simbolis-
eu estou suada, Fulô! Vem
Santa Catarina, filho de escravos mo brasileiro. Ler seus versos
cocar minha coceira, Vem me
alforriados. O antigo dono de seus é participar um pouco da vida
catar cafuné, Vem balançar
pais, um marechal que lutou na extraordinária deste homem
minha rede, vem me contar
Guerra do Paraguai, assumiu a que, como diz Paulo Leminski,
uma história, Que eu estou com
responsabilidade por sua educação. destacou-se como poeta fulgu-
sono, Fulô!
Trabalhou em jornais e foi rante, no tempo em que o
empregado em estação da Estrada Brasil era uma casa-grande, (...)

de Ferro Central do Brasil. Bri- onde negros não tinham lugar. Ó Fulô? Ó Fulô?
lhante, estudou francês, inglês, A poesia de Cruz e Souza, (Era a fala da Sinhá
latim e grego, o que não o impediu talhada em linguagem chamando a Negra Fulô.)
de sofrer toda a carga do pre- musical, sofisticada, seduz Cadê meu frasco de cheiro
conceito racial de seus contempo- mesmo os iniciantes, após a Que teu Sinhô me mandou?
râneos. Seus principais temas são, leitura dos primeiros versos.
por um lado, a denúncia das in- —Ah, foi você que roubou! Ah,
justiças, a defesa da igualdade so- foi você que roubou!
cial e, por outro, a busca do Ab- TERRITORIO Poesia
soluto, de um Ideal místico. Mor- completa (...)
reu tuberculoso, em virtude das O Sinhô foi açoitar
precárias condições em que vivia, CRIADOR Sozinho a Negra Fulô. A
aos 37 anos. negra tirou a saia E tirou
O médico Jorge de Lima ( 1893-
o cabeção, De dentro dele
1953), nascido em Alagoas, era fi-
O GOSTO DE UNS VERSOS pulou Nuinha a negra
lho de senhor de engenho e co-
Fulô.
meçou a fazer poesia ainda criança,
no primário. Aos 17 anos já se
Os miseráveis, os rotos São as Essa negra Fulô!
tornava famoso nos meios literá-
flores dos esgotos. São espectros Essa negra Fulô!
rios com o soneto O acendedor de
implacáveis Os rotos, os
lampiões, uma resposta ao poema
miseráveis. São prantos negros Ó Fulô? Ó Fulô?
Mal secreto, de Raimundo Correia.
de furnas Caladas, mudas, Cadê, cadê teu Sinhô
Em 1925, adere ao Modernismo.
soturnas. Que nosso Senhor me mandou?
(..) Ah, foi você que roubou,
Foi você, negra Fulô?
As sombras das sombras mortas
Cegos, a tatear nas portas.
("Essa Negra Fulô ")
Procurando o céu, aflitos E
varando o céu de gritos.

("Litania dos pobres")


Continente Ficção-Poesia

POR QUE ESCALAR O GOSTO DE UNS VERSOS TERRITORIO


ESTA MONTANHA? Estrela da vida inteira
Casão das farinhadas grandes
Jorge de Lima, que aos 7 anos Mulheres trabalham nos ralos CRIADOR
escreveu: "Tenho pena dos Mastigando os cachimbos Chia a Manuel Carneiro de Souza Ban-
pobres, dos aleijados, dos ve- carneira nos tachos Mandioca-puba deira Filho (1886-1968) nasceu
lhos. /Tenho pena do louco pelos tipitis Joaninha Vintém conte em Recife (PE). Era estudante de
Neco Vicente / E da Lua so- um causo Arquitetura, quando adoeceu dos
zinha no céu", transforma em — Causo de quê? pulmões. Abandonou os estudos
poesia personagens e paisa- — Qualquer um aos 18 anos. Poeta modernista,
gens do Brasil com uma ter- — Vou contar causo do Boto amigo de Mário de Andrade, foi
nura que só ele sabe ter. Seus (...) professor de literatura no Colégio
poemas contêm os dramas da Tava lavando roupa maninha Pedro II e na Faculdade de Filo-
escravidão, o heroísmo de Quando Boto me pegou sofia Nacional do Rio de Janeiro,
Zumbi incendiando a Serra da — Q Joaninha Vintém tradutor de Shakespeare e Schiller,
Barriga (que fica em Alagoas, Boto era feio ou não? membro da Academia Brasileira de
lembre-se), a "traição" de —Ai era um moço loiro, maninha Letras.
Calabar, que preferiu Holanda Tocador de violão
a Portugal, nossas festas, Me pegou pela cintura... O GOSTO DE UM POEMA
procissões, nosso rio São — Depois o que aconteceu? (...)
Francisco. — Mas que Boto safado! Pneumotórax

("Cobra Norato", capítulo XXTV) Febre, hemoptise, dispnéia e suores


TERRITORIO noturnos.
Cobra Norato POR QUE ESCALAR
A vida inteira que podia ter sido e
ESTA MONTANHA?
que não foi.
CRIADOR Tosse, tosse, tosse.
Raul Bopp (1898-1984) nasceu no Na sua ânsia de conhecer o Mandou chamar o médico:
Rio Grande do Sul. Formado em mundo, Raul Bopp visitou a — Diga trinta e três.
Direito, foi diplomata e amante das Amazônia e encantou-se com — Trinta e três... trinta e três...
viagens pelo Brasil e pelo mundo. a floresta e suas lendas. Daí trinta e três...
Participou da Semana de Arte nasceu Cobra Norato, que faz, — Respire.
Moderna e do Movimento segundo os críticos, tríade (...)
Antropofágico. com Macunaíma, de Mário de — O senhor tem uma escavação no
Andrade, e com Martim pulmão esquerdo e o pulmão direito
Cererê, de Cassiano Ricardo. infiltrado.
Obra indispensável a quem —Então, doutor, não é possível
deseja melhor compreender a tentar o pneumotórax? —Não. A
mitologia de nosso país. única coisa a fazer é tocar um
tango argentino.
Capítulo 2

POR QUE ESCALAR poesia traduz a fragilidade, a POR QUE ESCALAR


ESTA MONTANHA? fugacidade do ser humano e apre- ESTA MONTANHA?
ende com maestria o mistério do
Com Manuel Bandeira, de- mundo. A poeta por ela mesma: Ler Cecília significa ganhar
talhes do cotidiano rnais banal "Se pudesse recomeçar a vida, forças e beleza, ao percorrer o
são transfigurados numa gostaria de ser a mesma coisa, universo que ela habita, "área
poesia que parece retirar seu porém melhor". mágica, onde os caleidoscó-
fôlego da própria simplicida- pios inventaram fabulosos
de. O poema anterior é O GOSTO DE UM POEMA** mundos geométricos, onde os
ilustrativo desse tom singelo e relógios revelaram o segredo
ao mesmo tempo carregado de Motivo de seu mecanismo, e as bo-
ironia, no qual a tuberculose necas o jogo do seu olhar".
que o aflige vira matéria- Eu canto porque o instante existe E Ler Cecília é romper as bar-
prima da criação estética. a minha vida está completa. Não reiras entre realidade e sonho,
Mas, em outros momentos, sou alegre nem sou triste: Sou poeta. "estes dois tempos da vida
Bandeira convida-nos a aban- unidos como os fios de um
donar o corriqueiro e "ir em- Irmão das coisas fugidias, Não sinto pano". E também a oportu-
bora para Pasárgada"... Vale a gozo nem tormento. Atravesso noites nidade de conhecer paisagens
pena conhecer o brasileiro de e dios No vento. da India e de outros lugares
quem Drummond disse: "O longínquos, amados pela
poema, no sonho, te persegue, Se desmorono ou se edifico poetisa, e revisitar uma
e, servo, ao acordar, ele te Se permaneço ou me desfaço, importante passagem da his-
segue". — não sei, não sei. Não sei se fico tória do Brasil — a Inconfi-
ou passo. dência Mineira —, imorta-
lizada em versos na obra
TERRITÓRIO Sei que canto. E a canção é tudo. Romanceiro da Inconfidência.
Poesia completa Tem sangue eterno a asa ritmada. E
um dia sei que estarei mudo: Mais
Volumes I, II, III e IV , nada. TERRITÓRIO
Antologia poética

CRIADOR
O mineiro Carlos Drummond de
Andrade (1901-1987), príncipe
dos poetas brasileiros, foi jorna-
lista e funcionário público exem-
plar. Tímido e discreto em sua vida
pessoal, na poesia revelava-se
ousado, revolucionário, tanto na
forma como no conteúdo. Seus
versos são as vezes irônicos ("Mun-
Continente Ficção-Poesia

do, mundo, vasto mundo, se eu me O riso não veio, Não POR QUE ESCALAR
chamasse Raimundo seria uma veio a utopia E tudo ESTA MONTANHA?
rima, não uma solução"), outras fugiu E tudo mofou,
vezes apaixonados ("Que pode E agora, José? Ao 1er esta obra, você penetra-
uma criatura, senão, entre criatu- rá nos anseios, nas angústias e
ras, amar? / Amar e esquecer, amar E agora, José? Sua nas dúvidas da alma moderna.
e malamar / amar, desamar, doce palavra, Seu Drummond expressa em seus
amar?"), outras ainda críticos ("A instante de febre, Sua poemas sentimentos que nos
bomba / é um cisco no olho da gula e jejum, Sua inquietam, como a falta de co-
vida, e não sai"), ou filosóficos ("E biblioteca, Sua lavra municação, a insegurança, a in-
agora, José?") — e sempre de ouro, Seu terno de diferença, o amor desencon-
agudamente verdadeiros, re- vidro, sua trado e impossível, a solidão.
veladores, canções capazes de incoerência, Seu ódio
"acordar os homens e adormecer as — e agora?
TERRITORIO ___________
crianças..."
Poesia completa e prosa
Com a chave na mão
GOSTO DE UM POEMA Quer abrir a porta, não existe porta;
CRIADOR
Quer morrer no mar,
Mas o mar secou; O mineiro Murilo Monteiro Men-
José
Quer ir para Minas, des (1901-1975) era considerado
Minas não há rnais. por Manuel Bandeira "o rnais com-
E agora, José? A festa
plexo, o rnais estranho e seguramen-
acabou, A luz apagou, O
Se você gritassse, Se te o rnais fecundo poeta desta ge-
povo sumiu, A noite
você gemesse, Se você ração". Drummond, em 1972, in-
esfriou, E agora, José? E
tocasse A valsa dignou-se pela pífia repercussão,
agora, você? Você que é
vienense, Se você nas rodas literárias brasileiras, do
sem nome, Que zomba dos
dormisse, Se você importante Prêmio Internacional de
outros, Você que faz versos,
cansasse, Se você Poesia Etna- Taormina conferido a
Que ama, protesta, E
morresse... Mas você Murilo, que ensinava literatura
agora, José?
não morre, Você é brasileira em Roma. Em uma
duro, José! "microdefinição do autor", o poeta
Está sem mulher, Está sem
assim se descreve: "Sinto-me com-
discurso, Está sem carinho,
Sozinho no escuro, pelido ao trabalho literário: pelo de-
Já não pode beber, Já não
Qual bicho do mato, sejo de suprir lacunas da vida real;
pode fumar, Cuspir já não
Sem teogonia, Sem pela minha teimosia em rejeitar os
pode, A noite esfriou, 0
parede nua Para se 'avances' da morte (...); pelo meu
dia não veio, O bonde
encostar, sem cavalo não reconhecimento da fronteira
não veio,
preto Que fuja a realidade-irrealidade; pela certeza
galope, você marcha, de que jamais serei guerrilheiro
José! José, para onde? urbano e muito menos rural,
embora gostasse de derrubar uns
dez ou quinze governos dos quais
omitirei os nomes (...)".
Capítulo 2

O GOSTO DE UM POEMA POR QUE ESCALAR TERRITÓRIO


ESTA MONTANHA? Antologia poética
Pentecostes
Com Murilo Mendes voamos CRIADOR
Um vento impetuoso que ninguém sem escalas do Finito ao O poeta Mário Quintana (1906-
sabe de onde vem infinito, das dimensões do 1994), gaúcho, trabalhou em mui-
Penetra na sala rústica onde estão os Tempo às dimensões do Eterno tos jornais e revistas de Porto Alegre
apóstolos, e vice-versa. Ele pode ser e traduziu grandes escritores, como
Sopra sobre todos, entra neles de alto místico, mítico, metafísico,'' o francês Marcel Proust e a inglesa
a baixo; surreal, amoroso e até engajado Virginia Wolf. Morava em um ho-
e gozador, como nos poemas de tel, acompanhado apenas das musas
Há uma transfusão de almas
inesperada. História do Brasil, que vão da e de seu amor platônico pela atriz e
Carta de Pero Vaz, aos Pombos também poeta Bruna Lombardi.
O vento sopra mais, divide-se em
de Pombal, do Milagre do
línguas de fogo,
Conselheiro ao delicioso Linhas O GOSTO DE UM POEMA
Abre-se o espírito dos homens, paralelas:
renovando a terra.
O vento continua implacável a Canção do dia de sempre
Um presidente resolve
soprar, Construir uma boa escola
Tão bom viver dia a dia... A
Sai da sala, percorre cidades, desertos Numa vila bem distante. Mas
vida, assim, jamais cansa...
e planícies ninguém vai nessa escola: Não
Levanta igrejas, conventos, tem estrada pra lá.
Viver tão só de momentos
hospitais,
Como essas nuvens no céu...
Cura leprosos, ressuscita agonizantes Depois ele resolveu Construir
e mortos, uma estrada boa Numa outra
E só ganhar, toda a vida,
Inspira a todos um desejo essencial vila do Estado. Ninguém se
Inexperiência... esperança...
de amor, muda pra lá Porque lá não tem
escola.
Atravessa os tempos, continua Ea rosa louca dos ventos
soprando, circular, Presa à copa do chapéu.
Move minha alma que move meu
corpo que move minha pena, Nunca dès um nome a um rio:
Sempre é outro rio apossar.
Impele de novo os homens ao seu fim
supremo
Nada jamais continua,
E continuará amanhã e até a Tudo vai recomeçar!
consumação das eras
Levando a todos o espírito de luz E sem nenhuma lembrança Dos
consolador. outras vezes perdidas, Atiro a
rosa do sonho Nas tuas mãos
distraídas...
Continente Ficção-Poesia

POR QUE ESCALAR movimento musical conhecido por POR QUE ESCALAR
ESTA MONTANHA? "bossa nova". Seus versos caíram ESTA MONTANHA?
na boca do povo e garantem-lhe
Walmir Ayala, em sua Apre- vida eterna também neste mundo:
Entre os modernos, Vinícius de
sentação, explica o porquê: "Tristeza não tem fim, felicidade
Moraes é um dos poetas que
"Ler Quintana é das coisas sim"; "O futuro é uma astronave /
com rnais delicadeza soube fa-
rnais saborosas que qualquer que queremos controlar / não tem
lar de amor e manejar imagens
alfabetizado pode desfrutar. tempo, nem piedade / nem tem
eróticas. Erotismo e amor são
Principalmente porque na hora pra chegar"; "Chega de
núcleos temáticos em torno dos
música de seus versos palpita saudade, a realidade é que sem ela
quais o poeta desenha uma tri-
uma vida possível, uma vida não pode ser..."
lha que nos leva ao topo.
da qual, nós, leitores, nos
apropriamos com gula, e le- O GOSTO DE UM POEMA
E as poesias infantis de
mos e relemos ouvindo o rea-
Vinícius, em Arca de Noé ?
lejo, apalpando os fantasmas, Soneto da fidelidade Essas são feitas para tocar o co-
os cataventos, as confidencias
ração de crianças, adolescentes
com Deus, e o humor, ah, essa De tudo, ao meu amor, serei atento e adultos com menos ou rnais
ponta diabólica de humor que Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto de 100 anos. Veja que lindo:
lhe enfeita o lirismo e nos Que mesmo em face do maior encanto
aporta inesperado riso". (...) Dorme, meu pequenininha,
Dele se encante rnais meu
Dorme que a vida já vem. Teu
pensamento.
pai está muito cansado De
tanta dor que ele tem (...).
TERRITÓRIOS Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu ("O filho que eu quero ter ")
Antologia poética
canto
Livro dos sonetos A
E rir meu riso e derramar meu pranto
arca de Noé Ao seu pesar ou seu contentamento. TERRITÓRIOS
A educação peia pedra
CRIADOR E assim, quando mais tarde me e depois
Marcus Vinícius de Melo Moraes procure Serial e antes
(1913-1980) nasceu no Rio de Quem sabe a morte, angústia de quem
Janeiro e era conhecido carinho- CRIADOR
samente como "o poetinha". Além
João Cabral de Melo Neto (1920-1999), recifense,
de escritor versátil — sua obra
diplomata, escritor que prima pelo rigor da linguagem, traz
também abrange o teatro e a pro-
imagens surrealistas em seus poemas, traduzindo em pura
sa—, foi advogado, diplomata e
beleza lingüística a aridez da seca nordestina. O poema O
compositor, autor, com Toquinho,
cão sem plumas, que fala do rio Capibaribe,
de alguns clássicos da nossa MPB.
('Antologiapoética") figura entre os dez melhores poemas
Boêmio, grande amigo, grande
brasileiros do século XX.
namorador, amou e foi amado por
muitas mulheres. Participou do

vive
Quem sabe a solidão, fim de quem

Eu possa me dizer do amor (que tive)


Que não seja imortal, posto que é
chama,
Mas que seja infinito enquanto dure.
Capítulo 2

Porém o poeta tornou-se popular (...) TERRITORIO


com o auto de Natal Morte e vida Agora trabalharás Só para ti, Toda poesia
Severina. Encenada pela primeira não a meias, Como antes em
vez em 1968, com música de terra alheia. CRIADOR
Chico Buarque, esta peça teatral é (...)
O maranhense José Ribamar
denúncia e anúncio emocionado da Trabalhando nessa terra Tu
Ferreira (1930) adotou o pseudô-
violência sofrida pelos camponeses ví- sozinho tudo empreitas Serás
nimo de Ferreira Cullar. Aos 20
timas da absurda concentração de ter- semente, adubo, colheita.
anos de idade ganhou seu primeiro
ras que ainda prevalece no Brasil. (...)
concurso de poesia. No Rio de Ja-
("Morte e vida Severina", auto de Natal neiro, voltou-se ao movimento de
O GOSTO DE UNS VERSOS cultura popular e era presidente do
pernambucano, em "Serial e antes")
Centro de Cultura Popular da UNE
[O retirante...] assiste ao enterro de POR QUE ESCALAR quando adveio o golpe militar de
um trabalhador de eito e ouve o que ESTA MONTANHA? 1964. É forçado a exilar-se em
dizem do morto os amigos que o
1971 e só retorna com o início da
levaram ao cemitério.
A poesia de Cabral investe em abertura política. A questão social
— Essa cova em que estás, um lirismo ácido, cerebral, ín- e as grandes indagações humanas
com palmos medida, greme e ao mesmo tempo car- percorrem sua obra, na poesia e no
é a conta menor que regado de emoção — cada teatro.
tiraste em vida. palavra tem seu lugar exato no
poema e parece ser talhada na O GOSTO DE UM POEMA
— E de bom tamanho,
porção rnais funda da alma
nem largo, nem fundo, é a
humana. Em seu poema A A espera
parte que te cabe deste
literatura como turismo, ele
latifundio.
diz que alguns autores nos Um grave acontecimento está sendo
— Não é cova grande, levam para passeios de fins de esperado por todos
é cova medida, semana por suas obras e aca-
é a terra que querías bamos por habitá-las. Com Os banqueiros os capitães de
ver dividida. Cabral é assim. O poeta leva- indústria os fazendeiros ricos
nos dos baobás do Recife aos dormem mal. O ministro da
— E uma cova grande
baobás do Senegal, das mar- Guerra janta sobressaltado, a
para teu pouco defunto,
gens do Capibaribe a Sevilha, pistola em cima da mesa.
mas estarás rnais ancho
da escassez à abundância. E
que estavas no mundo.
difícil resistir à tentação de Ninguém sabe de que forma desta
— É uma cova grande para nos tornarmos cidadãos desse vez a necessidade
teu defunto parco porém mais território fascinante, onde se manifestará:
que no mundo te sentirás convivem personagens como se como
largo. Frei Caneca, Severino, o um furacão ou um maremoto
lavrador, Clarice Lispectore se descerá dos morros ou subirá dos
— É uma cova grande
até... um piolho de Rui Bar- vales
para tua carne pouca,
bosa. se manará dos subúrbios com a fúria
mas à terra dada
dos rios poluídos
não se abre a boca.
Continente Ficção-Poesia

versitárias de formação histórica e POR QUE ESCALAR


literária que decidiram recuperar o ESTA MONTANHA?
melhor de antigas antologias,
livros com trechos ou poemas es- A Antologia de antologias re-
colhidos de autores brasileiros cé- cupera desde os versos de
lebres que, no passado, as escolas Anchieta ( 1534-1597) até os
usavam para introduzir os alunos de Carlos Pena Filho (1930-
na literatura e na poesia. Prestaram, 1960), passando por autores
assim, um grande serviço aos como Cláudio Manuel da
professores de língua portuguesa e Costa, Tomás Antonio
literatura brasileira e a alunos e Gonzaga e Luís Gama. Na
leitores que se interessam peia escola do passado, os profes-
A poesia de Ferreira Gullar é poesia nacional. sores sabiam de cor muitos
direta, bastante expressiva. deles — e faziam com que
Nela ressoam, claramente, O GOSTO DE UNS VERSOS seus alunos os declamassem,
ecos do regime militar impos- contam as autoras, "com as
A pátria
to ao Brasil de 1964 a 1984. A devidas inflexões de voz e os
violência da repressão, o Ama com fé e orgulho a terra em que respectivos meneios de cabe-
medo, a tentativa de anular o nasceste! ça, braços e mãos". Aqui po-
pensamento opositor, a morte Criança! Não verás nenhum país demos nos emocionar com
sob tortura, está tudo aqui. como este! alguns desses poemas céle-
Mas não é só isso: seus poe- Olha que céu! Que mar! Que rios! bres, como a Canção do exílio
mas neoconcretos são surpre- Que floresta! e I-Juca Pirama, de Gonçal-
endentes, como o que brinca A natureza aqui, perpetuamente em ves Dias, ou Navio negreiro e
com apenas duas palavras, festa, Vozes d'África, de Castro
verde e erva. Gullar empre- E um seio de mãe, a transbordar Alves. E também vamos nos
ende uma reflexão profunda carinhos. surpreender e até nos inco-
sobre o que é existir, possuir (...)
modar com a ingenuidade de
Boa terra!Jamais negou a quem versos, como os de A pátria,
um corpo, esse animal com o
trabalha de Olavo Bilac (também autor
qual às vezes nos identificamos
O pão que mata a fome, da letra do Hino à Bandeira),
e que às vezes nos estranha.
O teto que agasalha. que hoje podem soar como
Quem com seu suor a fecunda e triste ironia: "Boa terra!
umedece Jamais negou a quem trabalha
Vê pago o seu esforço, e é feliz, e / o pão que alimenta, o teto
enriquece! que agasalha...". Mas,
pensando bem: existe retrato
Criança! Não verás nenhum país melhor do Brasil, não como
como este: ele é, mas como deveria ser?
Imita, na grandeza, a terra em que
nasceste!
(Olavo Bilac, 1865-1918)
2.3. Continente Não-Ficção O

BRASIL VISTO COM


O continente Não-Ficção do pla- ram-se através do tempo, não irão
neta Acervo PNBE/98 divide-se resistir a um passeio pelos territó-
em quatro regiões limítrofes, com rios da Região Três, na companhia
grande diversidade de paisagens e da história da literatura e crítica
atrativos. literária.
Continente Não-Ficção

UM OLHAR ANALITICO
A Região Quatro irá encantar os ções de brasileiros célebres. Em
livronautas adeptos de uma abor- seus territórios, sermões, memó-
dagem rnais pessoal, que lhes per- rias, biografias e crônicas pode-
mita ir fundo nas idéias e motiva- rão ser visitados.

Preparamos, para facilitar sua viagem


pelos territórios de cada uma dessas
fascinantes regiões, um roteiro
especial, com o seguinte formato:

TERRITÓRIO
Nome do livro a ser explorado e data de sua
primeira edição

CRIADOR
Nome do autor e alguns dados sobre sua vida

O QUE VAMOS ENCONTRAR


Pontos em destaque, que valem a
atenção do livronauta

RECORDAÇÃO DE VIAGEM
Um pequeno trecho do livro, para provar que
estivemos lá e aumentar sua vontade de ir
também
Capítulo 2

Região Um: para compreender por que


História, sociologia e O QUE VAMOS RECORDAÇÃO DE VIAGEM
ENCONTRAR
antropologia • O relato do movimento social de
Canudos tinha, naquela
caráter místico que ocorreu no
ocasião — foram uma a uma
arraial de Canudos, no interior
contadas depois —, cinco mil
da Bahia, impulsionado pela
e duzentas vivendas; e como
TERRITORIO Os sertões seca, pela miséria e pelo desespe-
estas, cobertas de tetos de ar-
ro, liderado pelo beato Antônio
gila vermelha, mesmo nos
Primeira edição em 1901 Conselheiro e esmagado pelo
pontos em que se erigiam
exército republicano, em um
isoladas, mal se destacavam,
CRIADOR massacre que não poupou crian-
em relevo, no solo, acontecia
ças e velhos.
Euclides da Cunha, carioca, nas- que as vistas, acomodadas em
ceu em 1866, no município de princípio ao acervo de
• A revelação do Brasil profundo
Cantagalo. Em 1885 ingressou na pardieiros compactos em
do interior, desconhecido de
Escola Politécnica do Rio de Ja- torno da praça, se iludiam
quem habita as faixas litorâneas.
neiro, para estudar Engenharia. No avolumando-as
ano seguinte, ingressou no curso desproporcionalmente. A
• Um exemplo da ignorância e cru-
de Engenharia Militar e de Estado- perspectiva era empolgante.
eldade das classes dirigentes da
Maior da Escola Militar na Praia Agravava-a o tom misterioso
recém-nascida República, em re-
Vermelha, da qual acabou do local. Repugnava admitir-
lação aos habitantes de seu pró-
excluído, por suas atitudes se que houvesse ali embaixo
prio país.
contestadoras. Convidado a escre- tantas vidas."
ver no jornal A Província de São
• Uma reportagem que é, ao mes-
Paulo (atualmente O Estado de S.
mo tempo, um tratado antropo-
Paulo), foi designado para cobrir o TERRITÓRIO O
lógico e bélico, em que terra e
movimento de Canudos. Suas
homem nordestinos são retrata- Brasil nação
reportagens originaram a obra que
dos: sertanejo, jagunço, padre,
o imortalizou. Foi membro da
soldado, autoridades do governo, Primeira edição em 1928
Academia Brasileira de Letras.
clima, flora e fauna, tudo está
Morreu assassinado em 1909.
ali. CRIADOR
Manoel Bonfim, sergipano, nas-
• Uma rica fonte de reflexão sobre cido em 1868, historiador e jor-
os conflitos motivados pela con- nalista. É autor de uma obra rela-
centração da terra nas mãos de tivamente extensa, porém ainda
uns poucos, que ainda prevalece hoje pouco conhecida. Destacam-
no Brasil. se entre seus livros: América Lati-
na — males de origem, Através do
Brasil (livro didático escrito com
Continente Não-Ficção

Nível de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade

somos o que somos de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e


rápidos, a para os que gostam de desafios maiores.

Olavo Bilac) e a trilogia: O Brasil ziram à República, aproximando-se TERRITORIO_______


na América, O Brasil na história e de concepções socialistas. Casa-grande e senzala
0 Brasil nação. Bonfim viveu in-
tensamente em um período de RECORDAÇÃO DE VIAGEM Primeira edição em 1933
grandes transformações em nosso
país — Abolição, Proclamação da "No vazio da inteligência, com CRIADOR
República, início da industriali- a grosseria das inspirações Gilberto (de Mello) Freyre nasceu
zação — e faleceu em 1932. incapazes de correspondência em Recife, PE, no ano de 1900 e
com a realidade, prontos a faleceu aos 87 anos. E o primeiro e
O QUE VAMOS
explorar o que a força e a um dos rnais importantes
ENCONTRAR
riqueza material oferecem, os sociólogos do Brasil. Sua obra foi
• Uma história do Brasil escrita em nossos dirigentes são prontos, traduzida para diversos idiomas e
tom indignado e por vezes igualmente, em aceitar ainda hoje é uma referência
panfletário, por um autor que quantos conceitos e juízos lhes nacional e internacional. Casa-
acreditava na necessidade de dêem suas curtas leituras, grande e senzala, o primeiro livro
uma revolução para que o povo desde que se acordem à da trilogia Introdução à história da
deixasse de ser "um pária na sua insuficiência de pensamento e sociedade patriarcal no Brasil,
pátria". grosseria de propósitos que os revolucionou os estudos sociais no
caracterizam. Assim se explica Brasil. Contrário às concepções
• Uma crítica às classes dirigentes,
o empenho com que apelam racistas então vigentes, atribuía a
aos políticos e às concepções riqueza e a força cultural dos
para a imigração, o valor que
racistas que pretendiam explicar brasileiros especialmente à mistura
lhe dão, as estultices que
os problemas latinoamericanos das raças. Apesar disso, seu
repetem, quanto à significação
como sendo originários de pensamento é conservador. Freyre
histórica do clima brasileiro e,
questões genéticas e não da elaborou a noção de democracia
sobretudo, a empáfia brutal e
relação entre colonizados e racial brasileira — hoje contestada
antibrasileira com que repetem
colonizadores. como um mito —, que criou raízes
os interesseiros, falsos e
ferozes conceitos, argüidos profundas em nossa cultura.
• Uma análise da Proclamação da
pela falsa ciência, a serviço do Apoiou o golpe militar de 1964 e a
República na qual se denuncia o
colonialismo, contra os fracos manutenção do domínio português
que foi feito para abafar a aspira-
escravizados de ontem, sobre as colônias africanas.
ção por uma sociedade democrá-
dominados e explorados de
tica e digna.
hoje, em nome de uma
pretensa superioridade de
• Detalhes que só poderiam ser
raça."
apreendidos por um autor que
enfrentou as oligarquias e
vivenciou as décadas que condu-
Capítulo 2

O QUE VAMOS RECORDAÇÃO DE VIAGEM TERRITORIO Sobrados e


ENCONTRAR mocambos
• Uma saborosa descrição da con- "Quanto à maior crueldade das
tribuição indígena, africana e senhoras que dos senhores no Primeira edição em 1936
portuguesa à formação da men- tratamento dos escravos, é fato
talidade do brasileiro. geralmente observado nas Segundo livro da trilogia Introdu-
sociedades escravocratas. Con- ção à história da sociedade patriar-
• A mulher índia, sua sensualidade firmam-no os nossos cronistas, cal no Brasil.
e o hábito do banho freqüente — os viajantes, o folclore, a tradi-
um escândalo para o europeu ção oral. Não são dois nem CRIADOR
porcalhão do século XVI. três porém muitos os casos de Gilberto Freyre (vide p. 81)
crueldade das senhoras de
• O negro africano, braços e per- engenho contra escravos iner- O QUE VAMOS
nas do colono português, que é mes. Sinhás-moças que man- ENCONTRAR
pálido, fraco, sem nunca sair da davam arrancar os olhos de
• Uma discussão sobre a sociedade
rede — adotada dos índios — mucamas bonitas e trazê-los à
brasileira do final do século XVIII
que era usada para seu transpor- presença do marido, à hora da
e início do XIX, quando se inicia
te, para dormir e para fazer amor. sobremesa, dentro da
a decadência do patriarcado ru-
compoteira de doce e boiando
ral e a divisão social se expressa
• Uma interpretação do patriar- em sangue ainda fresco.
em diferentes formas de morar:
calismo nos costumes brasileiros, Baronesas já de idade, que por
os brancos, em sobrados — a
mostrando a organização da ciúme ou despeito mandavam
nova versão da casa-grande — e
sociedade e da família coloniais, vender mulatinhas de quinze
os negros e mestiços, em
o cotidiano das relações entre se- anos a velhos libertinos.
mocambos — a nova versão da
nhores e escravos, seu modo de Outras espatifavam a salto de
senzala.
alimentar-se, festejar, fazer sexo, botina dentaduras de escravas;
casar, morrer. ou mandavam-lhe cortar os
• Uma profunda análise do quoti-
peitos, arrancar as unhas,
diano de duas das grandes ma-
• Razões para nos indagarmos: a queimar a cara ou as orelhas.
trizes do povo brasileiro — a eu-
exploração exercida pelos senho- Toda uma série de judiarías."
ropéia e a africana—em seus con-
res de engenho (elite da época)
flitos e interações.
sobre os negros escravos (traba-
lhadores sem direitos) tem algu-
• Revelações sobre o surgimento da
ma relação com a migração nor-
simbologia em torno do mulato
destina atual para o Sul do país,
e do bacharel, elementos básicos
com as favelas, com o grande
de nossa estrutura social.
percentual que negros e mulatos
ocupam nas cadeias?
Continente Não-Ficção

RECORDAÇÃO DE VIAGEM TERRITÒRIO Raízes bre as relações impessoais que de-


do Brasil correm da posição e da função
"Nos princípios do século do indivíduo; o individualismo e
XIX, São Paulo, já capital de Primeira edição em 1936 o personalismo, com tendência a
certa importância, com alguns acreditar que grandes líderes so-
sobrados, sucursal do Banco CRIADOR zinhos podem resolver os proble-
do Brasil, teatro, boas Sérgio Buarque de Holanda, con- mas da coletividade; a mistura en-
chácaras, lojas tão bem sorri- siderado um dos maiores historia- tre vida pública e vida privada.
das quanto as da Corte — suas dores brasileiros, nasceu em São
senhoras não apareciam às • Uma proposta de superação de
Paulo, em 1902, e faleceu em 1982.
visitas. Do mesmo modo que nossas raízes, fincadas em uma so-
Formou-se em Direito no Rio de
no interior de Minas, as ciedade oligárquica e agrária (na
Janeiro. Iniciou sua carreira profis-
mulheres da cidade de São qual a cidade era um mero apên-
sional como jornalista e crítico lite-
Paulo desapareciam, ao se dice da fazenda), pelo ritmo
rário. Participou da Semana de Arte
anunciar visita de homem, nas urbano, fazendo emergir as ca-
Moderna de 1922, dirigiu o Museu
sombras da camarinha ou madas oprimidas da população,
Paulista e lecionou em diversas
entre as plantas e palmas dos que podem revitalizar e dar um
universidades no Brasil, na Europa
jardins — os jardins, por de- novo sentido à vida política.
e nos Estados Unidos. Catedrático
trás das salas ou no centro das de História da Civilização Brasileira
casas, que eram também luga- na USP, é autor de Visão do paraíso RECORDAÇÃO DE VIAGEM
res tabus, lugares da maior in- e de outras obras-primas, dentre elas,
timidade, onde as mulheres seu filho Chico Buarque, um dos "(...) a repulsa firme a todas as
podiam tomar fresco sem ser maiores compositores populares do modalidades de racionalização
vistas da rua ou por estranhos." Brasil no século XX. Em 1980, Sér- e, por conseguinte, de
gio estava entre os fundadores do despersonalização, tem sido,
Partido dos Trabalhadores. até nossos dias, um dos traços
rnais constantes dos povos de
O QUE VAMOS origem ibérica. Para retirar
ENCONTRAR vantagens seguras em
• Uma análise brilhante e original transações com portugueses e
dos fundamentos de nosso desti- castelhanos, sabem muitos
no histórico — de nossas raízes — comerciantes de outros países
na qual Buarque oferece elemen- que é de maior conveniência
tos para que possamos compreen- estabelecerem com eles
der a origem de traços do caráter vínculos rnais imediatos que
nacional, tais como: a predomi- as relações formais que
nância da ética da aventura sobre constituem norma ordinária
a ética do trabalho persistente; a nos tratos e contratos. (...)
cordialidade, que não é bondade, Quando se quer alguma coisa
mas predomínio de com- de alguém, o meio rnais certo
portamentos de aparência afetiva, de consegui-lo é fazer desse
não necessariamente sinceros, so- alguém um amigo."
Capítulo 2

TERRITORIO ___________ • Uma importante contribuição TERRITÓRIO


Formação do Brasil para a compreensão em profun- História econômica do
contemporâneo didade das grandes questões Brasil —
nacionais, em que se analisa o
Primeira edição em 1942 processo de construção do Brasil Primeira edição em 1945
contemporâneo desde o início da
CRIADOR ocupação portuguesa. CRIADOR
Caio Prado Junior nasceu em São Caio Prado Junior (ver texto ao
RECORDAÇÃO DE VIAGEM lado)
Paulo em 1907 e faleceu em 1990.
Pensador respeitado e com-
prometido com a nossa realidade, "Todo povo tem sua evolução, O QUE VAMOS
não limitou as suas atividades ao que, vista a distância, possui ENCONTRAR
âmbito da universidade e destacou- um certo 'sentido'. Este se • Fundamentos do processo de
se pela intensa atuação política. Foi percebe não nos pormenores exploração econômica e de ex-
deputado estadual pelo Partido de sua história, mas no clusão social sofrido pela socie-
Comunista do Brasil, tendo sido conjunto dos fatos e acon- dade brasileira, possibilitando
cassado em 1947. Foi importante tecimentos essenciais que a visualizar possíveis caminhos
colaborador da Revista Brasiliense constituem num largo período para superar nossas contradições
e da Encontros com a Civilização de tempo. (...) Mas tal caráter e constituir uma sociedade rnais
Brasileira. Seu livro Formação do rnais estável, permanente, igualitária.
Brasil contemporâneo é um dos orgânico, de uma sociedade
primeiros, no Brasil, a utilizar o própria e definida, só se • Uma análise da organização das
refencial marxista. revelará aos poucos, domina- relações econômicas no Brasil
do e abafado que é pelo que o desde 1500 até a crise do cha-
O QUE VAMOS precede, e que continuará mado "Milagre Brasileiro", em
ENCONTRAR mantendo a primazia e ditando meados da década de 1970.
• Um exemplo de como a meto- os traços essenciais da nossa
dologia marxista pode ser bem evolução colonial. Se vamos à • Uma investigação sobre as raízes
utilizada ao se estudar a realida- essência da nossa formação, dos problemas brasileiros,
de brasileira. veremos que na realidade nos tentando demonstrar que, em-
constituímos para fornecer bora de forma diferente, o Brasil
• A sistematização das idéias de um açúcar, tabaco, alguns outros continua atrelando sua vida
pesquisador que não se conten- gêneros; rnais tarde, ouro e econômica aos interesses inter-
tava em utilizar fontes bibliográ- diamantes; depois, algodão, e nacionais.
ficas, mas fazia questão de ir até em seguida café, para o
as regiões que estava estudando comércio voltado para fora do
para observá-las e, assim, melhor país e é sem atenção a
interpretá-las. considerações que não fossem
o interesse daquele comércio,
que se organizarão a socieda-
de e a economia brasileiras."
Continente Não-Ficção

RECORDAÇÃO DE VIAGEM O QUE VAMOS TERRITÓRIO Os donos do


ENCONTRAR poder — formação do
"A larga expansão das forças • Uma linha interpretativa sobre a patronato brasileiro
produtivas e o progresso ma- organização política brasileira,
terial a que assistimos nos últi- partindo da tese de que a impor- Primeira edição em 1957 (2 vo-
mos decênios do Império ain- tância político-eleitoral dos gran- lumes)
da se ativarão rnais com o ad- des proprietários de terra não era
vento da República. Os anos
conseqüência da força do latifún- CRIADOR
que se seguem e o primeiro
dio, mas, ao contrário, de sua fra- Raimundo Faoro, gaúcho, nascido
decênio do século atual assina-
queza, pois a partir da República eml925, é jurista, sociólogo,
laram o apogeu desta econo-
iniciou-se um processo de deca- historiador e cientista político. Foi
mia voltada para a produção
dência do poder do latifúndio. presidente da Ordem dos
extensiva e em larga escala de
matérias-primas e gêneros tro- Advogados do Brasil, de 1977 a
picais destinados à exportação, • Uma análise da Revolução de 1979, e é um dos grandes pensa-
e que vimos em pleno cresci- 1930 como momento de rom- dores da realidade brasileira. Sua
mento no período anterior. pimento final com este modelo análise sobre a formação do Estado
Em nenhum momento ou fase arcaico, estabelecendo um novo brasileiro é, sem dúvida alguma,
do passado o país tivera diante padrão de acumulação baseado uma das mais significativas e
de si, neste sentido, perspecti- nos setores urbano e industrial, elucidativas.
vas rnais amplas. Para isto con- responsáveis pela política de
correm ao mesmo tempo, esti- modernização que teria sido O QUE VAMOS
mulando-se reciprocamente, iniciada após a ascensão de Ge- ENCONTRAR
fatores externos e internos." túlio Vargas. • Uma análise das bases de forma-
ção do Estado brasileiro, de-
TERRITORIO RECORDAÇÃO DE VIAGEM monstrando que os problemas
Coronelismo, enxada e enfrentados pelo país são conse-
voto "Opera-se, pois, uma curiosa qüência de uma colonização pre-
inversão no exercício da auto- datória, perpetuando a existência
Primeira edição em 1949 nomia local. Se garantida juri- de uma forte burocracia, res-
dicamente contra as intromis- ponsável, entre outras coisas, pelo
CRIADOR sões do poder estadual e assen- não desenvolvimento do Brasil.
Victor Nunes Leal nasceu em Mi- tada em sólida base financeira,
nas Gerais em 1914 e faleceu no a autonomia do município se-
Rio de Janeiro em 1986. Participou ria naturalmente exercida no
ativamente do governo de Jusceli- regime representativo, pela
no Kubitschek como chefe da Casa maioria do eleitorado, através
Civil da Presidência da República. dos seus mandatários nomea-
Foi nomeado ministro do Supremo dos nas urnas; mas, com a au-
Tribunal Federal, em 1960, e do tonomia legal cerceada de di-
Tribunal Superior Eleitoral, em versas formas, já não será um
1966. Aposentou-se por exigência direito da maioria do eleitora-
do governo militar, em 1968. do, será uma dádiva do poder."
Capítulo 2

RECORDAÇÃO DE VIAGEM de doutor pela Universidade de RECORDAÇÃO DE VIAGEM


Paris. Em 1949, passou a coorde-
"Numa população de 10 mi- nar no Chile a recém-criada Co- "A suposição de que estaria ao
lhões de habitantes, em 1872, missão Econômica para a América alcance do Brasil — na hipó-
cálculo otimista avalia entre Latina (Cepal), ligada à ONU. Foi tese de total liberdade de ação
300 e 400 mil as pessoas aptas superintendente da Sudene em — adotar uma política
aos comícios eleitorais (...) 1960. Em 1962, foi ministro do idêntica à dos EUA, nessa pri-
Somente entre 1% e 3% do Planejamento do presidente João meira fase do século XIX, não
povo participam na formação Goulart, tendo elaborado o Plano resiste a uma análise detida
da dita vontade nacional, Trienal. Teve seus direitos políticos dos fatos. Esse problema en-
índice não alterado cassados por dez anos em 1964. cerra particular interesse e
substancialmente na Repú- Foi o primeiro estrangeiro a pode sintetizar-se numa per-
blica, nos seus primeiros qua- assumir uma cátedra em uma uni- gunta que muitos homens de
renta anos. (...) As organiza- versidade francesa — Universidade pensamento se têm feito no
ções partidárias se concentram de Paris —, na qual permaneceu Brasil: por que se industriali-
nos instrumentos de aliciar, por vinte anos. Ministro da Cultura zaram os EUA no século XX,
manipular e coagir o eleitorado durante o governo de José Sarney, emparelhando-se com as na-
e não traduzir-lhes os escreveu inúmeros livros e ensaios, ções européias, enquanto o
interesses, os sentimentos e as entre os quais A pré-revolução Brasil evoluía no sentido de
inquietações. (...) Seu caráter brasileira e Formação econômica da transformar-se no século XX
oligárquico, urna oligarquia América Latina. numa vasta região subdesen-
enriquecida pelo oficialismo volvida? Superado o fatalismo
— só o controle do poder sus- O QUE VAMOS supersticioso das teorias de
cita as maiorias do nada — ENCONTRAR inferioridades de clima e raça,
leva-as a recear a participação • Os fundamentos da concepção essa pergunta adquiriu uma
popular, identificada, desde de desenvolvimento defendida significação rnais real do
José Bonifácio e Feijó, à por Furtado. ponto de vista econômico."
anarquia."
• Uma análise das bases econômi-
cas da sociedade brasileira, evi- TERRITORIO______________
denciando as razões para o não
desenvolvimento do nosso país: Visão do paraíso
TERRITORIO
o passado colonial, com uma eco-
Formação econômica
nomia agroexportadora, fundada Primeira edição em 1959
do Brasil
no latifúndio, na mão-de-obra
escrava e na baixa tecnologia, aca- CRIADOR
Primeira edição em 1958
bou por criar um campo cuja re- Sérgio Buarque de Holanda (vide
presentação central era o atraso. p.83)
CRIADOR
Celso Furtado nasceu em 1920, • A defesa de que o caminho para
O QUE VAMOS
na Paraíba. Cursou a Faculdade o desenvolvimento brasileiro se-
ENCONTRAR
Nacional de Direito no Rio de Ja- ria fazer penetrar a modernidade
urbano-industrial nas áreas rurais. • Os fundamentos remotos, mí-
neiro. Em 1948, obteve o título
ticos, de nossa própria história.
Continente Não-Ficção

• O repertorio de crenças e lendas gêneros; rnais tarde, ouro e dia- TERRITORIO Os


que, na época dos descobrimen- mantes; depois, algodão; e em parceiros do Rio
tos, associava a idéia do Novo seguida, café para o comércio Bonito
Mundo à idéia de um Paraíso europeu. Nada mais que isto".
Terrestre não era um conceito Primeira edição em 1964
abstrato, mas um lugar ao alcan- RECORDAÇÃO DE VIAGEM
ce efetivo dos homens. ( CRIADOR
(...) "Pedro de Rates Hane- Antônio Cândido (de Mello e Sou-
• As razões pelas quais as novas ter- quin, natural e morador em za) nasceu em 1918, no Rio de Ja-
ras desconhecidas assumiram, Lisboa, mas que viveu neiro. Após ter cursado a faculdade
para os primeiros europeus que longamente em Minas Gerais, de Filosofia da Universidade de São
as viam, a aparência do Paraíso era filho de um cônsul ou Paulo, assumiu o cargo de assisten-
Terrestre: flora e fauna maravi- residente holandês (...) Preso te em Sociologia. Em 1958, passou
lhosas, um clima que nunca era em 1741 por ordem de Sua a dedicar-se exclusivamente à lite-
quente ou frio demais, um povo Majestade, viu-se Hanequin ratura, tendo sido professor de Teo-
indígena muito bem apessoado. chamado depois ria Literária e Literatura Compara-
à mesa do Santo Ofício (...) O da até sua aposentadoria. Um dos
• Uma comparação entre a índole crime que com crua morte fundadores do Partido dos Traba-
das diferentes colonizações — a assim pagou não foi, porém, o lhadores, é, sem dúvida alguma,
inglesa, na América do Norte, e a de inconfidência, nem de um dos principais intelectuais bra-
espanhola/portuguesa, na Amé- judeu professo (...) Foi de sileiros, tendo influenciado gerações
rica Latina, e as conseqüências heresiarca e apóstata (...) E e merecido o reconhecimento de
para a formação dos dois povos: seus erros neste particular (...) todos aqueles que buscam entender
enquanto os primeiros colonos da consistiram em sustentar com a nossa realidade.
América inglesa vinham movidos obstinação impávida que o
pela vontade de vencer o deserto Paraíso Terreal ficara e se O QUE VAMOS
e a selva, para construir uma co- conservara no Brasil, entre ENCONTRAR
munidade abençoada, livre da serranias do mesmo estado. • O resultado da pesquisa realiza-
opressão que sofriam na pátria de Acrescentava haver ali uma da por Antônio Cândido para sua
origem, os colonizadores da Amé- árvore à feição de maçãs ou tese de doutorado em Ciências
rica Latina vinham na esperança figos e esta era a do Bem e do Sociais, que, inicialmente, procu-
de deleitar-se em um paraíso que Mal, e assim também o Ama- rava analisar a relação entre lite-
a eles se oferecia como um dom zonas, o São Francisco e ou- ratura e sociedade, a partir da
gratuito. tros eram os quatro rios que poesia popular, como o Cururu, e
saíram daquele horto (...) acabou por revelar o universo
• A contradição fundamental de Dizia mais: que no Brasil ha- complexo das sociedades.
nossas origens: nossa terra podia via de se levantar o Quinto
ser vista como um Jardim do Império e, para maior escân- • Os problemas enfrentados pelas
Éden, mas, como diz Caio Prado, dalo dos inquisidores, que o comunidades camponesas diante
citado por Buarque, o Brasil Dilúvio não foi universal, já do crescente processo de
nasceu, de verdade, "para forne- que poupou o Brasil (...)." expropriação a que estavam
cer açúcar, tabaco, alguns outros
sujeitas.
Capítulo 2

RECORDAÇÃO DE VIAGEM O QUE VAMOS TERRITORIO


ENCONTRAR Carnavais, malandros e
"A presença do escravo, depois • Uma reconstrução da sociedade heróis — para uma
do colono estrangeiro, levou a paulista no século XX, na qual não sociologia do dilema
uma recomposição na organi- se recorre a livros, jornais e revistas, brasileiro
zação dos bairros, onde os rnais e sim à memória dos idosos.
ricos abandonaram o sistema • Um estudo no qual os "objetos Primeira edição em 1978
de cooperação vicinal, marcan- de pesquisa" — paulistanos nas-
do assim a diferença crescente cidos no início do século XX—
CRIADOR
entre sítio e fazenda. Ao mes- saltam para fora, tornam-se
sujeitos e contam como viveram Roberto DaMatta, carioca nasci-
mo tempo, o latifundio se for-
suas vidas, como eram os seus vi- do em 1936, é antropólogo e pes-
mava à custa de proprietários
zinhos, como se comportavam as quisador, tendo lecionado na
menores, por compra ou espo-
liação — esta sempre fácil autoridades, como eram os cos- Universidade de Cambridge, In-
numa sociedade em que a pre- tumes, a música, a culinária. Um glaterra. É autor de estudos clás-
cariedade dos títulos e a gene- exemplo do poder da memória e sicos sobre o Brasil, seus ritos e
ralização da posse de fato de- um incentivo para que se explore mitos.
sarmou o lavrador, na fase em melhor esse tesouro que são as
que a expansão econômica pas- recordações de quem sobreviveu. O QUE VAMOS
sou a exigir os requisitos legais Uma nova forma de contar a ENCONTRAR
para configurar os direitos de história — carregada de poesia, • Algumas respostas possíveis à
propriedade. Neste passo, po- sentimento e vitalidade. pergunta: "O que faz o brasil,
demos compreender melhor o Brasil?".
duplo caráter (ao mesmo tem- RECORDAÇÃO DE VIAGEM
po instabilizador e reparador) • Uma análise que nos permite
da mobilidade no espaço, à "Eu não apanhei a gripe de 18.
compreender as contradições de
busca de terras disponíveis." Mamãe me mandou para S.
nosso país, onde coexistem car-
José dos Campos. Eu fugi da
navais e hierarquias, igualdades
gripe. Fiquei sozinho num
e aristocracias, com a cordiali-
TERRITORIO ________ hospital de tuberculosos. (...)
dade do encontro cheio de sor-
Memoria e sociedade — A tuberculose não pega, tanto
que comecei a namorar com risos cedendo lugar, no mo-
lembranças de velhos mento seguinte, à terrível vio-
uma tuberculosa, dava cada
beijo nela e não peguei nada. lência dos antipáticos "sabe com
Primeira edição em 1973 quem está falando?".
Era uma moça que sabia que
ia morrer e que me disse: —
CRIADOR
Seu Abelzinho, eu sou
Ecléa Bosi nasceu em São Paulo. tuberculosa, ninguém gosta de
E professora de Psicologia Social mim, mas eu gostaria que
na Universidade de São Paulo e alguém me desse um beijo. —
militante de ecologia. Tem várias Então venha cá". Eu lhe dei
obras publicadas, como exemplo: um beijo de desentupir pia. Eu
Cultura de massa e Cultura popu- tinha quinze anos nesse
lar— leituras de operários. tempo."
Continente Não-Ficção

RECORDAÇÃO DE VIAGEM tro ao Brasil republicano, analisa RECORDAÇÃO DE VIAGEM


o processo de organização da so-
'O uso do 'sabe com quem está ciedade brasileira. "Pelas suas características, o
falando?' é, então, antigo. Já método Paulo Freire respondia
Lima Barreto, em dois livros • É uma obra de fôlego e uma sín- às expectativas dos grupos
clássicos e publicados no tese, que vai de 1500 até 1964. dirigentes, no governo da
início do século — Recor- Tem como característica princi- União, e aos objetivos fixados
dações do escrivão Isaías Cami- pal o fato de juntar sob um mes- pelo movimento estudantil na
nha e sua notável etnografia mo teto o pensamento de cem área da educação.
da República dos Estados pesquisadores da história e da Centralizando a realização dos
Unidos da Bruzundanga, Os cultura brasileiras. Não é uma trabalhos no exame crítico das
bruzundangas — revela a obra coletiva, mas, sim, um con- condições de vida dos adultos
sofreguidão do uso dos títulos junto de trabalhos individuais matriculados nos círculos de
e formas hierarquizantes e de que, analisando períodos se- cultura', levando os adultos a
como os heróis se movem qüenciais de nossa história, visam discutir os problemas
dentro desse sistema contra- estimular a reflexão crítica do lei- envolvidos em suas ex-
dítono, avesso à crítica hones- tor. Deve ser considerada uma periências existenciais, sob o
ta, ao estudo sério e à im- das principais obras de referên- estímulo e a orientação de um
pessoalidade das regras uni- cia sobre a formação da socie- 'coordenador de debates', e
versais, sempre distorcidas em dade brasileira. remetendo a reflexão sobre
nome de uma relação pessoal esses problemas para a inves-
importante." • No livro que finaliza cada um tigação de suas origens no
dos tomos da coleção (Colônia, modo de organização da so-
Monarquia e República), pode- ciedade brasileira, a educação
TERRITORIO História se encontrar, além de uma exten- popular assim concebida
geral da civilização sa bibliografia que permitirá atendia integralmente às ne-
brasileira aprofundar os textos lidos, uma cessidades dos grupos gover-
"cronologia sumária", que infor- namentais e estudantis com-
Primeira edição em 1980 ma o leitor, simultaneamente, prometidos com a política das
dos principais fatos acontecidos 'reformas estruturais' (...). Não
CRIADORES no Brasil e dos que ocorriam no é difícil de entender por que as
resto do mundo naquele mo- atividades do Programa
Sérgio Buarque de Holanda e
mento, por exemplo: em 1937, Nacional de Alfabetização
Boris Fausto, coordenando o tra-
enquanto Getúlio Vargas dava foram encerradas logo após o
balho de rnais cem historiadores.
um golpe de Estado e assumia o 31 de março de 1964"(Cel-so
papel de ditador, a cidade de de Rui Beisigel, Educação e
O QUE VAMOS
Guernica, na Espanha (imorta- sociedade no Brasil após
ENCONTRAR
lizada pela pintura de Picasso), 1930, tomo III, volume 4, O
• A obra, em 5.200 páginas, dis- era destruída pela força aérea Brasil republicano — 1930-
tribuídas em 11 volumes, sendo nazista. 1964).
dois dedicados à época colonial,
cinco ao Brasil monárquico e qua-
Capítulo 2

TERRITORIO______ RECORDAÇÃO DE VIAGEM RECORDAÇÃO DE VIAGEM


Os bestializados — o
Rio de Janeiro e a "...Nossa República, passado o "A oposição à nova bandeira
República que não foi momento inicial de esperança foi também imediata. O Diá-
de expansão democrática, con- rio do Comércio do mesmo
Primeira edição em 1987 solidou-se sobre um mínimo dia acusou o governo de
de participação eleitoral, sobre adotar um símbolo que se
CRIADOR a exclusão do envol-vimento prestava ao ridículo e que
José Murilo de Carvalho nasceu popular no governo." refletia a posição de uma seita
em Minas Gerais, em 1939. É religiosa..."
doutor em Ciência Política pela
Universidade de Stanford. TERRITORIO ______________
Atualmente, é professor titular do A formação das almas — o TERRITÓRIO _______
Departamento de História da UFRJ imaginário da República no Formação do Brasil
e pesquisador da Fundação Casa de Brasil colonial
Rui Barbosa. Publicou diversos
trabalhos, entre os quais: A Primeira edição em 1990 Primeira edição em 1994
construção da ordem: a elite polí-
tica imperial e A escola de Minas de CRIADOR CRIADORES
Ouro Preto: o peso da glória. Maria José Mesquita Cavalleiro
José Murilo de Carvalho (vide
texto ao lado) de Macedo Wehling é doutora em
O QUE VAMOS Filosofia e professora titular de
ENCONTRAR
O QUE VAMOS Metodologia da História na Uni-
• Os motivos pelos quais a Procla- ENCONTRAR versidade do Rio de Janeiro. Arno
mação da República brasileira Wehling é doutor em História, di-
• A história da gênese da Repú-
não desenvolveu a cidadania, retor do curso de História na Uni-
blica no Brasil, com a qual a po-
nem esteve baseada nela. versidade Gama Filho e professor
pulação pouco se identificou. A
descrição da tentativa de se titular dos cursos de Teoria e
• A Revolta da Vacina apresentada Metodologia e História do Direito
construir inúmeros símbolos que
como exemplo de cidadania ati- Luso-Brasileiro na UNI-Rio e na
tornassem o movimento parte
va da população. UFRJ. E, atualmente, presidente do
constitutiva da história nacional
e o aproximassem da população. Instituto Histórico e Geográfico
• A constatação de que o povo não Brasileiro.
tinha o menor sentimento de
• Uma importante análise sobre as
identidade com o movimento re- O QUE VAMOS
diferentes tendências ideológicas
publicano, daí ter "assistido ENCONTRAR
que disputavam um espaço,
bestializado" o desenrolar dos • Uma síntese de três séculos de
procurando tecer as bases
acontecimentos que levaram à história brasileira, descrevendo,
fundamentais da República.
queda do Império. em linguagem bastante acessí-
vel, uma aventura que começa
Continente Não-Ficção

no ano de 1500 e se estende até TERRITORIO • Uma coleção fascinante de mitos


1822, quando o Brasil deixa de Diários índios — os indígenas, descrição de rituais,
ser uma colônia portuguesa. urubus-kaapor de sistemas de parentesco e
genealogias, transcrição de
• Uma análise da expansão euro- Primeira edição em 1996 conversas com os intelectuais da
péia, com a fixação no litoral tribo, tudo ilustrado com fotos,
brasileiro, a expansão para o CRIADOR desenhos e diagramas.
interior, a consolidação da eco-
Darcy Ribeiro nasceu em Minas,
nomia colonial e a interação • A denúncia às agressões vividas
em 1922, e faleceu em 1997. An-
entre os três grupos étnicos for- pelos kaapor, levando-os à
tropólogo, ensaísta, romancista e
madores do brasileiro (o euro- extinção.
político, participou intensa e apai-
peu, o índio e o africano), o tipo
xonadamente da vida nacional,
de cultura que criaram e as • A coragem de Darcy Ribeiro,
preocupando-se em especial com
relações de poder que se esta- que no prefácio fala do câncer
as questões ligadas à educação.
beleceram. que iria matá-lo pouco tempo
Fundou a Universidade de Brasília
e participou ativamente da depois e do reencontro com a
• A possibilidade de compreender mulher, a antropóloga Berta
formulação da Lei de Direttizes e
melhor como se deu a dete- Ribeiro: "Voltamos até a namo-
Bases da Educação Nacional
rioração do sistema colonial e rar, depois de vinte anos de
(LDBEN) de 1996. Sua obra traz
como nos encaminhamos para a separação. Eu a beijo na boca e
análises fundamentais para se
independência de Portugal. prometo casar de novo com ela".
compreender as características do
povo brasileiro. Escreveu, entre
RECORDAÇÃO DE RECORDAÇÃO DE VIAGEM
VIAGEM outros: Maíra, O mulo (ficção),
Utopia selvagem e O povo brasilei-
ro (sua última obra). "Berta, abro este diário com
"Comia-se no sertão, além
seu nome. Dia a dia escreverei
disso, quase tudo o que a na-
O QUE VAMOS o que me suceder, sentindo
tureza oferecia: cobras, sapos, ENCONTRAR que falo com você. Ponha sua
ratos, raízes de guaribá, brotos
• Um delicioso relato, em lingua- mão na minha mão e venha
de samambaia..."
gem coloquial, de como vivem comigo. Vamos percorrer mil
as comunidades indígenas quilômetros de picadas pela
kaapor, escrito em forma de cat- floresta, visitando as aldeias
ta de amor. São 627 páginas nas índias que nos esperam, para
quais Darcy fez a edição dos conviver com eles, vê-los
diários de campo de duas ex- viver, aprender com eles."
pedições que ele realizou às
aldeias, entre 1949 e 1951.
Capítulo 2

Região Dois: para conhecer melhor


Arquitetura e norte-americana e de músicos atuar em sua area, a arquitetura,
como Johnny Alf, Tom Jobim, também se dedicou ao desenho, à
música Vinícius de Moraes e João Gil gravura e à pintura.
berto.
TERRITÓRIO Música • As causas da transformação do O QUE VAMOS
popular — um tema em carnaval carioca de festa popular ENCONTRAR
debate anárquica, gratuita, em desfiles • Um retrato da arquitetura pro-
organizados de escolas de samba, duzida pelas sucessivas gerações
Primeira edição em 1966 com ingressos pagos. de brasileiros, do século XVI até
os nossos dias: dos tempos da tai-
CRIADOR RECORDAÇÃO DE VIAGEM pa e da terra socada às constru-
ções de pedra e cal, chegando aos
José Ramos Tinhorão (1928), um arranha-céus, percorrendo o lito-
dos rnais respeitados pesquisadores "Esses conjuntos de músicos—
ral de norte a sul e o interior.
da música popular brasileira. saídos da classe dos barbeiros
• Exemplos de como estilos euro-
provavelmente pelo fato de
peus foram adaptados e recria-
O QUE VAMOS constituir tal profissão, na
dos de acordo com as condições
ENCONTRAR época, uma das poucas ativi- ambientais, econômicas e sociais
• Um estudo aprofundado sobre as dades urbanas de deixar tem- dos trópicos.
origens e o desenvolvimento da po vago para o aprendizado • Evidências da presença indígena
música urbana no Brasil, que musical — exibiam-se no e africana em nosso "jeito de
leva em conta os determinantes domingo do Espírito Santo morar" na época colonial.
econômicos, sociais e políticos de sobre um império. Os impé- • Caminhos para identificar, na
cada época. rios eram espécies de coretos arquitetura, os reflexos de mu-
• A descrição do nascimento do armados perto da igreja danças políticas e econômicas e
samba e da marcha, no Rio de fronteira à qual se realizava a de uma ideologia marcada pela
Janeiro, entre 1870 e 1930, pro- festa." existência de senhores e escravos.
dutos dos ranchos carnavalescos, • A diferença e o "diálogo" entre a
primeira manifestação popular arquitetura erudita dos edifícios
carioca. TERRITORIO Arquitetura públicos, palácios e igrejas e a
brasileira arquitetura popular.
• A recuperação do tempo em que
• Uma descrição, ilustrada com
fazer música, e não apenas ouvi-
Primeira edição em 1979 fotos, de três momentos fortes de
la, era um hábito disseminado
nossa arquitetura, nos quais a
entre as camadas rnais pobres da
criatividade e a cultura nacionais
população e os barbeiros forma- CRIADOR
melhor se expressaram: a arqui-
vam bandas de música. Carlos Alberto Cerqueira Lemos, tetura paulista da época dos ban-
• O surgimento da bossa nova, na arquiteto e artista plástico, nasceu deirantes, o barroco mineiro e a
década de 1960, filha da música em São Paulo em 1925. Além de arquitetura moderna.
Continente Não-Ficção

• Um inventário dos brasileiros e CRIADOR boa, o Aleijadinho, arquiteto, es-


dos estrangeiros que fizeram a Rodrigo Mello Franco de Andrade cultor e entalhador, responsável
história da arquitetura no país, de nasceu em Belo Horizonte em 1898 pela definição última do barroco
Antonio Francisco Lisboa, o Alei- e faleceu no Rio em 1969. Foi o mineiro; Manuel de Brito e Fran-
jadinho, a Lúcio Costa, Niemayer, primeiro diretor do Serviço de cisco Xavier de Brito, autores, no
Lina Bo Bardi e Vilanova Artigas. século XVIII, dos admiráveis
Patrimônio Histórico e Artístico
Uma crítica aos processos de urba- retábulos da Igreja de S. Francis-
Nacional. Dirigiu uma revista
nização que devastam a paisagem co, no Rio de Janeiro.
dedicada ao estudo dos monumen-
e destroem a memória do país,
tos históricos e artísticos do Brasil e
construindo "em cima" e não ao
impulsionou os trabalhos de sua RECORDAÇÃO DE VIAGEM
lado do que já existe.
conservação. Criou museus como o
RECORDAÇÃO DE VIAGEM da Inconfidência, em Ouro Preto "Um dos preconceitos rnais in-
(MG), e o das Missões, em Santo fundados e ao mesmo tempo
Ângelo (RS). rnais generalizados a respeito
"As casas brasileiras podem
de Antonio Francisco Lisboa é
mesmo ser classificadas, quan- O QUE VAMOS apontá-lo como um autodida-
to ao seu funcionamento, em ENCONTRAR ta. Tal afirmação tem servido a
anteriores e posteriores à es-
• O registro do trabalho de pio- muitos escritores, desde Saint
cravatura, pois o negro, como
neiros da arquitetura e da arte em Hilaire até críticos recentes, me-
disse Lúcio Costa, era esgoto,
nosso país, como Luís Dias, "mes- nos para encarecer o merecimen-
ventilador, monta-carga,
tre da pedraria", que chegou em to do Aleijadinho, do que para
enfim, motor que punha em
1549, com Tomé de Souza, e lhe explicar, na obra vigorosa,
funcionamento a casa sem
erigiu os muros da cidade de Sal- certas rudezas e deformações que
instalações sanitárias e de ín-
vador, além da primeira casa da sempre chocaram o gosto con-
gremes escadas de sobrados
Câmara e Cadeia; frei Francisco vencional de seus apologistas.
sucessivos, de janelas pesadas
dos Santos, responsável pelos No entanto, nunca houve mo-
de guilhotina que sinhazinha
projetos do Convento Francis- tivo para semelhante suposição,
alguma conseguia levantar."
cano de Olinda, na segunda me- pois as primeiras informações
tade do século XVI; Gabriel Ri- sobre Antonio Francisco já men-
beiro, que projetou a famosa Igre- cionavam que ele aprendera com
TERRITÓRIO ja da Ordem Terceira de S. Fran- o próprio pai, Manuel Francis-
Artistas coloniais cisco, em Salvador, no início do co Lisboa, e com o abridor de
século XVIII; Manuel Francisco cunhos João Gomes Batista,
Primeira edição em 1997 (compi- de Araújo, ligado à autoria de um ambos mestres consumados: o
lação de artigos publicados pelo dos monumentos de arquitetura primeiro, carpinteiro e arqui-
autor em diferentes jornais) rnais apreciados do país, a Igreja teto (...); o segundo, desenhis-
do Rosário, em Ouro Preto; o ta exímio e gravador (...)."
mulato Antonio Francisco Lis-
Capítulo 2

Região Três: para saber como e por que


tos, Basílio da Gama, Joaquim TERRITORIO _____________
História da literatura
Manuel de Macedo, Gonçalves A literatura no Brasil
e crítica literária Dias, Castro Alves e José de
Alencar, considerado um dos fun- Primeira edição em 1955, com
dadores da literatura nacional. reedições e atualizações até 1990
(seis volumes)
• A primeira defesa de Machado de
História da literatura Assis como a mais alta expressão
CRIADORES
brasileira de nosso gênio literário.
Afrânio (dos Santos) Coutinho,
Primeira edição em 1915 RECORDAÇÃO DE VIAGEM crítico e historiador literário, nas-
ceu em Salvador em 1911 e mor-
CRIADOR reu em 1948. Criou a primeira
"Modesto por índole e por ci-
cátedra de teoria e técnica literária
José Veríssimo, nascido em Óbidos, vilidade, tímido de tempera-
no país. Membro da Academia
Pará, em 1857, e falecido no Rio de mento, modéstia e timidez que
Brasileira de Letras, foi diretor da
Janeiro, em 1916, foi professor, jor- encobriam grande energia
Faculdade de Letras da
nalista e crítico literário. moral e íntima consciência de
Universidade Federal do Rio de
sua capacidade, Machado de
Janeiro. Junto com Eduardo de
O QUE VAMOS Assis, estranho a toda
Faria Coutinho coordenou o tra-
ENCONTRAR petulância da juventude,
balho de dezenas de especialistas
• Uma análise das obras literárias estuda, observa, medita, lê e
que produziram esta obra.
brasileiras que é mais estética do relê os clássicos da língua e as
que sociológica. obras-primas das principais
O QUE VAMOS
literaturas. Ao contrário de ENCONTRAR
• Uma das primeiras sistematiza-
alguns notáveis escritores
ções de nossos estudos literários, • Material de suma importância
nossos que começaram por
de caráter histórico e biográfico. para professores de literatura,
suas melhores obras e como
alunos e estudiosos da arte lite-
• A afirmação do Romantismo, que que nelas se esgotaram, tem
rária, tornando fácil entender o
começa a florescer no final do sé- Machado de Assis uma mar-
que é estilo literário, gênero li-
culo XVIII, como o período que cha ascendente. Cada obra sua
terário, de que forma nossa lite-
marca a autonomia da nossa lite- é um progresso em relação à
ratura se apresenta e que con-
ratura, junto com a emancipação anterior."
teúdos abarca.
política e cultural do pais.
• Estudos sobre a vida e a obra de • A periodização da nossa produ-
autores como Gregório de Ma- ção literária, explicando por que
algumas obras pertencem
Continente Não-Ficção

Nível de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade


fazemos literatura de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e
rápidos, a para os que gostam de desafios maiores.

ao Romantismo, outras ao Rea- 3. A Era Romântica. O Movi- TERRITÓRIO ______________


lismo, ao Simbolismo ou ao mento Romântico, seus preli- Panorama do teatro
Modernismo. minares, Gonçalves Dias, o brasileiro
indianismo, Castro Alves, a
• Textos mostrando as origens, as ficção romântica e a crítica Primeira edição em 1962
transformações, os rumos segui- literária romântica, etc.
dos e as tendências da nossa lite- CRIADOR
ratura de acordo com os diferen- 4. A Era Realista. O Realismo, o (Antonio) Sábato Magaldi, crítico
tes momentos históricos. Naturalismo, o Parnasianismo, a de teatro, nasceu em Belo Ho-
ficção naturalista, Machado de rizonte (MG) em 1927. Foi crítico
• Excelentes resumos críticos e co- Assis, Euclides da Cunha, o do Suplemento Literário do jornal
mentários das obras dos autores regionalismo na ficção, etc. A O Estado de S. Paulo, lecionou na
que fizeram e fazem a literatura era de transição: o Simbolismo, Escola de Arte Dramática e na
brasileira, com biografias eviden- o Impressionismo, o Mo- Escola de Comunicações e Artes
ciando a rede de influências que dernismo. da USP Secretário de Cultura do
une os escritores (comentários da município de São Paulo, de 1974 a
maioria das obras do Acervo 5. A Era Modernista. A revolução 1978, é professor associado do
PNBE/98, ficção e poesia). modernista, a poesia, van- Instituto de Estudos Brasileiros e
guardas, a ficção e a crítica mo- Portugueses da Universidade de
Os volumes estão assim orga- dernistas. Sorbonne, França.
nizados:
6. Relações e perspectivas. Con- O QUE VAMOS
1. Apresenta os prefácios das qua- ceitos sociológicos e estéticos, ENCONTRAR
tro edições anteriores, com im- evolução da literatura dramá- • Uma bússola para nos guiar
portantes informações sobre a tica, evolução do conto, litera- pelos caminhos da produção
obra. Fala do Renascimento, do tura e jornalismo, literatura e teatral brasileira.
folclore, da literatura oral e da filosofia, literatura e arte, lite-
literatura popular, dentre outros ratura infantil. Conclusão: o • A história do teatro no Brasil, de
assuntos. Pós-Modernismo no Brasil, a suas origens, quando José de
nova literatura brasileira (anos Anchieta usou a encenação para
2. Era Barroca e a Neoclássica, da 1980-1990). Traz também vasta catequizar os silvícolas, até a
literatura jesuítica, Gregorio de bibliografia e nomes dos atualidade, passando por Martins
Matos, a oratória sacra e o colaboradores da obras. Pena e a comédia brasileira e
Movimento Academicista, o destacando os responsáveis pelo
rococó, o Arcadismo, etc. crescimento e pelo
amadurecimento do nosso
Capítulo 2

teatro, como França Júnior, José TERRITORIO _____________ • Uma obra que, como diz o pró-
de Alencar, João Caetano, Artur De Anchieta a Euclides — prio autor, "obedece à acessibi-
Azevedo, e nossos contempo- breve história da literatura lidade, seletividade, senso de
râneos: Nelson Rodrigues, Ari- brasileira fórma... e tenta contribuir para
ano Suassuna, Gianfrancesco restabelecer o diálogo entre os
Guarnieri, Dias Gomes. Primeira edição em 1977 estudos literários e o homem
sensível de cultura média".
RECORDAÇÃO DE VIAGEM CRIADOR
José Guilherme Merquior, diplo- RECORDAÇÃO DE VIAGEM
"O surto admirável do teatro mata e ensaísta, nasceu no Rio de
paulista é obra do industrial Janeiro em 1941 e morreu em " Os sertões são, antes de mais
italiano Franco Zampari, Boston, EUA, em 1991. Doutor em nada, uma retratação. Retra-
criador, em 1948, do Teatro estudos latino-americanos pela tação do tribuno republicano,
Brasileiro de Comédia, cuja Universidade de Paris, e em Socio- que tinha condenado
história não só domina o pa- logia pela London School of dogmaticamente, sem procu-
norama nacional dos últimos Economic and Politic Sciences, rar compreender o fenômeno,
anos, mas tem sido a fonte de Merquior ocupou postos diplomá- o "obscurantismo reacionário"
outras companhias jovens de ticos em Paris e em Montevidéu. dos jagunços de Antônio
mérito. A fórmula do novo Fez parte da equipe do ministro Conselheiro, e, em contato
mecenas era simples: o cos- Leitão de Abreu, do Gabinete Civil direto com o hinterland
mopolitismo de São Paulo re- do governo João Figueiredo, em (interior), foi levado a reco-
clama uma atividade cênica 1981. Em 1983, tornou-se um dos nhecer o heroísmo anônimo
semelhante à de Paris, Lon- escritores rnais jovens a entrar para das populações sertanejas."
dres ou Nova York." a Academia Brasileira de Letras.

O QUE VAMOS TERRITORIO


ENCONTRAR
As razões do
• Um livro imprescindível aos es- Iluminismo
tudiosos rnais especializados, es-
crito em linguagem que não é Primeira edição em 1986
hermética, impenetrável.
CRIADOR
• Uma análise das obras produzi-
Sérgio Paulo Rouanet, nascido em
das no Brasil, de Anchieta a
1934, no Rio de Janeiro, é diplo-
Euclides da Cunha, apresentan-
mata, tendo ocupado o cargo de em-
do os autores rnais importantes
baixador do Brasil nos Estados
de cada momento literário desde
Unidos entre 1987 e 1991 e de
o período colonial (Era Barroca)
secretário nacional da Cultura de
até a época moderna, com os es-
1991 a 1992. Com primorosa for-
tilos pós-românticos (Realismo,
mação filosófica e política, tem pu-
Naturalismo, Parnasianismo,
blicado livros e traduções de gran-
Impressionismo e Simbolismo).
de importância.
Continente Não-Ficção

O QUE VAMOS TERRITÓRIO RECORDAÇÃO DE VIAGEM


ENCONTRAR Um mestre na periferia do
• Uma obra que nos ajuda a en- capitalismo — Machado de "O enredo das Memórias pro-
tender por que o irracionalismo Assis cura ancorar-se na história
é sempre repressivo, enquanto nacional e também significá-
as luzes da razão podem nos li- Primeira edição em 1990 la, através de referências ora
bertar. explícitas, ora escondidas.
• Uma reconceituação do que é CRIADOR Alguma coisa já ficou dita
moderno e pós-moderno. Roberto Schwarz, ensaísta e crítico sobre correspondências estru-
literário, nasceu em Viena, Áustria, turais. Entretanto, não faltam
• Um convite a construir um novo
em 1938 e chegou ao Brasil ainda relações de ordem rnais direta.
humanismo. Seguiremos aqui a descoberta
criança, durante a Segunda Guerra
Ensaios que, em sua maioria, fo- Mundial. Formado em Ciências de John Gledson, que vem
ram publicados nos jornais Folha Sociais pela Universidade de São mostrando o papel que têm na
de S. Paulo, O Estado de S. Paulo, Paulo, fez mestrado em Teoria Lite- ficção macha-diana alguns
e em revistas como Tempo rária na Universidade de Yale, EUA, episódios políticos destacados,
Brasileiro, Humanidades, e e doutorado na Sorbonne, França. tais como a Independência, a
textos proferidos em conferências Abdicação de D. Pedro I, a
e palestras. O QUE VAMOS Maioridade, a Conciliação do
ENCONTRAR Marquês de Paraná, a Lei do
RECORDAÇÃO DE VIAGEM • Um estudo sobre um dos Ventre Livre, a Abolição e a
maiores expoentes da literatura República."
"Segundo Jameson, o Pós- brasileira.
modernismo tem entre suas ca-
racterísticas o apagamento das • Uma análise do livro Memórias
fronteiras entre a arte popular, póstumas de Brás Cubas, compon-
ou de massas, e a arte erudita, do a segunda parte dos estudos
o desaparecimento do sujeito de Schwarz, que tem início com
(com a extinção conseqüente o título Ao vencedor as batatas,
da figura do artista ge-nial, no qual examina os primeiros ro-
obrigado a exprimir-se em mances machadianos.
linguagens formais absoluta-
mente inéditas), da ideologia • Uma demonstração da capacida-
do novo e do vanguardismo de de Machado de Assis em re-
em geral. Além disso, a arte tratar a sociedade brasileira inse-
pós-moderna estabelece com a rindo-a num contexto que vai
história uma relação sui generis. além do provinciano.
Esgotada sua capacidade de
criação, o artista pós-moderno • Subsídios para melhor entender,
é forçado a voltar-se para o pas- contextualizar e compreender
sado e recorre ao pastiche de toda a atualidade da obra de Ma-
obras anteriores." chado de Assis.
Capítulo 2

Região Quatro: para entrar na alma de


O QUE VAMOS TERRITÓRIO___________
Sermões, ENCONTRAR
memórias, • Um conjunto de textos sobre os Minha formação
biografias e rnais diferentes temas, relativos
não só à religião e à moral, como Primeira edição em 1900
crônicas também à organização social e
política do Brasil na época, cujo CRIADOR
estilo justifica o título de "Impe- Joaquim (Aurélio Barreto)
rador da Língua Portuguesa", Nabuco (de Araújo) nasceu em
conferido ao autor pelo poeta Recife/PE em 1849 e faleceu nos
TERRITÓRIO Fernando Pessoa. EUA em 1910. Filho de família
tradicional, foi um dos homens
Sermões
• Dentre outras pérolas, o Sermão rnais influentes, ativos e elegantes
da Epifania, pregado na Capela de seu tempo. Político e diplomata,
Primeira edição em 1679 (nove
Real em 1662, em defesa dos embaixador do Brasil nos Estados
volumes)
índios do Maranhão escraviza- Unidos, em suas temporadas na
dos pelos colonos portugueses, e Europa teve contato com artistas e
CRIADOR
os Sermões XIV, XVI, XX e intelectuais famosos, como, Sarah
Antonio Vieira nasceu em Lisboa, XXVII do Rosário, cujo tema é a Bernhardt e George Sand. Foi, ao
Portugal, em 1608 e morreu em escravidão, no qual Vieira com- mesmo tempo, um de nossos
1696. Ordenou-se padre jesuíta em para a vida do negro escravo à principais abolicionistas e um
Salvador, onde sua família se paixão de Cristo na cruz. monarquista convicto.
fixara. Atuou não apenas como
religioso, mas como político, RECORDAÇÃO DE VIAGEM
diplomata e advogado dos opri-
midos. Missionário no Maranhão e
no Pará, fez do púlpito uma tribuna "Os homens, pervertendo a
de onde lutou contra a ocupação igualdade da natureza, se dis-
holandesa, defendeu os índios tinguem em dois nomes tão
cativos e denunciou a violência dos opostos, como o de senhor e
senhores contra os negros escravo. (...) Eles mandam e
escravizados. Inspirou a criação vós servis, eles descansam e
das Missões Jesuíticas no Sul do vós trabalhais, eles gozam o
país, onde índios catequizados fruto de vosso trabalho e vós o
podiam viver em segurança.— que colheis deles é um tra-
aldeias que foram tragicamente balho sobre o outro. Sois
destruídas em meados do século como abelhas que fabricam o
XVIII. mel, mas não para si."
Continente Não-Ficção

Nivel de dificuldade: as bolinhas indicam o grau de dificuldade

grandes brasileiros de acesso — de para quem aprecia caminhos simples e


rápidos, a para os que gostam de desafios maiores.

O QUE VAMOS TERRITORIO Commércio, Jornal do Brasil, O


ENCONTRAR Campanhas Imparcial e Diário de Notícias,
• A autobiografia de um brasileiro jornalísticas cobrindo os principais
que vivenciou intimamente o acontecimentos do final do
final do Império e os primeiros Império e da primeira década da
Primeira edição em 1921 (três
passos de nossa República, República.
volumes)
oferecendo um retrato preciso
do comportamento político CRIADOR • Um exemplo do poder de dis-
brasileiro e uma boa visão de seminar idéias e influir por meio
Rui Barbosa (1849, Salvador -
como estavam organizadas as da imprensa.
1923, Petrópolis) formou-se em
sociedades européia e americana
Direito pelas Faculdades de Recife
na mesma época. RECORDAÇÃO DE VIAGEM
e São Paulo. Sua inteligência
• Reflexões de um homem inte- brilhante, aliada à grande capaci-
dade de trabalho, fez que se des- "Anuncia-nos Vossa Majestade
ligente que, ainda cheio de vida
tacasse nos campos do direito, do que a 'substituição do trabalho
e no auge da maturidade, é ca-
jornalismo, da diplomacia e da (escravo) vai prosseguindo
paz de pensar o seu tempo e o
política. Participou da campanha regularmente' e que 'a classe
momento político. agrícola inaugurou
abolicionista e seus artigos no jor-
nal Diário de Notícias contribuí- resolutamente o novo regimen'.
RECORDAÇÃO DE VIAGEM Naturalmente este resultado se
ram para a queda da Monarquia.
deve, não a essa classe,
Com a Proclamação da República,
"Em outras casas o chefe de republicanizada em 14 de
tornou-se ministro da Fazenda e
família estava sem emprego maio, mas ao patriotismo do
ajudou a elaborar a primeira
havia anos por causa de um governo, que tem 'auxiliado o
Constituição republicana. Repre-
voto dado ao partido da movimento', promovendo a
sentou o Brasil na Segunda Con- guerra das raças, inventando a
oposição..."
ferência Internacional de Paz, em
____________________ Haia, na Holanda, e por duas vezes
guarda negra, acor-çoando-a à
trucidação dos ex-senhores e
concorreu, sem êxito, à Presidência atordoando as veleidades
da República. democráticas da lavoira com a
pronunciada anistia aos
O QUE VAMOS assassinos de fazendeiros.
ENCONTRAR Vossa Majestade é
• Uma coletânea de artigos pu- infinitamente sábio, justo e
blicados nos jornais do país, misericordioso" (Diário de
como Radical Paulistano, Notícias, 4 de maio de 1889).
Diário da Bahia, Jornal do
Capítulo 2

TERRITORIO RECORDAÇÃO DE VIAGEM TERRITORIO


Seleta de prosa
"Mandaram-nos subir à
Memórias do cárcere
coberta, apinhamo-nos em Crônicas publicadas entre as déca-
magote ao pé de um mastro. das de 1930 e 1950.
Primeira edição em 1953
Que diabos estaríamos fazen-
do ali? Desejava informar-me, CRIADOR
CRIADOR
apesar de saber que a pergunta Manuel Bandeira (1886-1968), um
O alagoano Graciliano Ramos seria inútil. Nenhum do's
(1892-1953) foi um autor pro- dos maiores poetas brasileiros, foi
companheiros estava em também um grande prosador,
fundamente engajado e de extrema condições de satisfazer-me à
coragem. Sua obra reflete sua luta como prova esta seleção de seus
curiosidade, e evidentemente ensaios, críticas de arte, estudos
política e sua preocupação em os sujeitos que nos davam
denunciar os problemas sociais literários, correspondências e crô-
ordens não iam explicar-se. nicas organizada por Júlio Cas-
brasileiros. Por ser considerado Esse automatismo, renovado
subversivo, Graciliano Ramos foi tafion Guimarães.
com freqüência nas cadeias, é
preso em 1936, em Alagoas, du- uma tortura; as pessoas livres
rante a ditadura de Getúlio Vargas. O QUE VAMOS
não imaginam a extensão do ENCONTRAR
Embora sem provas de acusação, tormento."
passou quase um ano percorrendo • Em cada ensaio, em cada peque-
diversos presídios. no texto, é possível contemplar a
marca delicada de Bandeira, a
O QUE VAMOS mágica que faz com as palavras,
ENCONTRAR sua poesia intrínseca, seu grande
• Memórias do cárcere é o relato da amor pelas artes e pela humani-
dolorosa experiência de prisão do dade. E assim que em Itinerário
autor, com suas humilhações, de Pasárgada, por exemplo, Ban-
angústias e incertezas. O livro ul- deira comenta, com maravilhosa
trapassa o plano pessoal e é tam- lucidez e extraordinária firmeza,
bém uma análise contundente de sobre o escândalo que sua poesia
um importante momento his- provocou de início, declarando
tórico brasileiro. Memórias do que o que sempre achou impor-
cárcere é um grito de liberdade. tante transpor para o papel não
E uma obra universal de protesto foram os canteiros de flores, mas
contra as condições em que são as lavadeiras, os mendigos e os
mantidos os prisioneiros políti- desempregados que via pelos be-
cos, e rnais, contra um tipo de cos sem terem um porta-voz. A
autoridade estatal absoluta que obra de Bandeira, tanto na po-
nenhuma nação deve tolerar. esia quanto na prosa, foi sempre,
acima de tudo, um canto de amor
e solidariedade ao povo.
Continente Não-Ficção

RECORDAÇÃO DE VIAGEM TERRITÓRIO e a pressa do homem moderno e


200 crônicas escolhidas clamar pela união, pela beleza,
"O meu primeiro contato com pelo amor e pela paz. Todas as
a poesia sob forma de versos Crônicas publicadas entre as déca- viagens e as vivências do autor
terá sido provavelmente em das de 1930 e 1970. deram-lhe uma visão cosmopoli-
contos de fadas, em histórias ta de mundo. Mas uma visão
da carochinha. No Recife, CRIADOR cosmopolita bem brasileira,
depois dos seis anos. Pelo temperada com momentos de
Rubem Braga (1913-1990) con-
menos me lembro do sobrosso profundo humor e outros de
solidou a crônica como um estilo
que me causava a cantiga da enorme lirismo. Uma crônica de
literário respeitado. Jornalista, foi
menina enterrada viva no Rubem Braga leva dois minutos
embaixador do Brasil em Marrocos
conto A madrasta: para ser lida e é boa companhia
e atuou como correspondente na
para o dia inteiro!
Itália, na Argentina, nos Estados
Capineiro de meu pai Não me Unidos, no México, em Cuba, na
cortes meus cabelos. Minha RECORDAÇÃO DE VIAGEM
Colômbia, em Portugal, na França,
mãe me penteou, Minha na Inglaterra, no Chile, no Paraguai
madrasta me enterrou Pelo Velhas cartas
e — ufa! — na Índia. Altamente
figo da figueira Que o politizado, foi preso diversas vezes
passarinho bicou. Xô, "Você nunca saberá o bem
durante a ditadura de Vargas.
passarinho. que sua carta me fez...' Sinto
O QUE VAMOS um choque ao 1er esta carta
Era assim que recitavam os ENCONTRAR antiga que encontro em um
versos. E esse 'Xô passarinho!' maço de outras. Vejo a data e
• O livro é uma coletânea das me-
me cortava o coração, me dava então me lembro onde estava
lhores crônicas de Braga, escritas
vontade de chorar." quando a recebi. Não me
entre as décadas de 1930 e 1970.
lembro é do que escrevi que
A maioria das histórias se passa
fez tanto bem a uma pessoa
no Rio de Janeiro. As crônicas
(...).
enfocam temas como amor e
militância política, e os rnais varia-
Agora folheio outras cartas de
dos personagens entram em cena:
amigos e amigas; são quase
crianças e velhos, ricos e pobres,
todas de apenas dois ou três
o trabalhador rural e o intelectu-
anos atrás. Mas, como isso
al. O traço comum é a simplici-
está longe! Sinto-me um
dade das histórias, retiradas do
pouco humilhado pensando
próprio cotidiano; pequenos
como certas pessoas me eram
acontecimentos pitorescos, fuga-
necessárias e agora nem
zes e preciosos instantes. Um dos
existiriam rnais na minha
rnais belos textos é o "Recado ao
lembrança se eu não encon-
Senhor 903". A partir de uma
trasse essas linhas rabiscadas
briga entre vizinhos, Braga con-
em Londres ou na Suíça.
segue protestar contra a rotulação
Capítulo 2

TERRITÓRIO Quase para sempre naquele garoto. Os


'Cheguei nesse instante; é a memória episódios são descritos através
primeira coisa que faço, como dos olhos infantis de um Carlos
prometi, escrever para você, Primeira edição em 1995 menino, que viam o pai como
mesmo porque durante a grande companheiro, num tempo
viagem pensei demais em CRIADOR em que as fronteiras entre a
você...' Carlos Heitor Cony (1926) é es- infância e a maturidade eram
critor e jornalista, cronista da bem definidas e estabeleciam se-
Isso soa absurdo a dois anos e Folha de S. Paulo. Notabilizou-se veros limites na intimidade entre
meio de distância. Não faço a com livros para o público adoles- crianças e adultos. O tom alegre
menor idéia do paradeiro cente, que lhe valeram diversos da narrativa impede a melanco-
dessa mulher de letra redonda; prêmios. Pouco a pouco, voltou-se lia que poderia ter esse tipo de
ela, com certeza, mal se também para o público adulto, mas evocação, provando que a convi-
lembrará do meu nome. E esse suas marcas registradas continuam vência com Ernesto foi, para
casal, santo Deus, como era sendo a simplicidade, o amor pelo Carlos, uma festa do início ao fim.
amigo: fazíamos planos de ser humano e a franqueza com que
viajar juntos pela Itália; os expõe sentimentos e valores. RECORDAÇÃO DE VIAGEM
dias que tínhamos passado
juntos eram 'inesquecíveis'. O QUE VAMOS "Não sabia fazer nada sem en-
ENCONTRAR tusiasmo, embora fosse o pri-
E esse amigo como era ami- meiro a reconhecer que aquilo
• A história situa-se no Rio de Ja-
go! Entretanto, nenhum de não teria futuro para ele. No
neiro, nas décadas de 1930 e
nós dois se lembrou mais de dia em que terminou a represa
1940, quando o autor era ainda
procurar o outro." no meio do quintal, deu-lhe o
menino. Existe porém sempre
um elo de ligação com os dias de estalo. Nada a ver com o
hoje, pois quem faz a viagem ao pequeno lago em si, que só lhe
passado é a memória do narrador- renderia futuros
autor. Ernesto Cony Filho, pai aborrecimentos. Aliás, fazia
do autor, era um homem que parte de seus truques interio-
sentia grande prazer em viver, res partir de uma realidade es-
acreditava em ideais e fazia as téril para um sonho grandioso.
outras pessoas acreditarem tam- A realidade estéril era o lago,
bém. Sem jamais abandonar suas uma vez pronto nada tinha a
convicções, Ernesto deu a volta fazer com ele. O sonho
por cima em muitas situações di- grandioso veio por causa do
fíceis e deixou grandes lições. lago, embora não houvesse,
entre a realidade e o sonho,
• O livro é a história da convivên- nenhuma relação de causa e
cia diária de um pai amoroso com efeito.
seu filho e das marcas que essa
divertida convivência deixaram O sonho era: criar galinhas!"
Continente Não-Ficção

TERRITÓRIO Mauá — RECORDAÇÃO DE VIAGEM


empresário do Império
"Enquanto os brasileiros la-
primeira edição em 1995 mentavam a falta de escravos,
Mauá implementava admi-
CRIADOR nistrações participativas e
Jorge Caldeira nasceu em 1955, distribuição de lucros para
empregados."
em São Paulo. Jornalista, é mestre
em Sociologia e doutorando em
Ciência Política. Publicou também
uma biografia de Noel Rosa: De
costas para o mar.

O QUE VAMOS
ENCONTRAR
• A história de Irineu Evangelista
de Sousa, barão e visconde de
Mauá, nosso primeiro industrial,
homem de acurada visão comer-
cial que, começando a vida como
office-boy (em 1822), construiu
em Niterói um grande estaleiro e
fundição, tornando-se depois
dono de bancos, estradas de
ferro, companhias de navegação,
expandindo seus negócios para a
Argentina e o Uruguai.

• Os primeiros vislumbres de algo


como o Mercosul.

• Informações sobre a quantas


andava a economia brasileira após
a Independência: o conflito entre
o moderno empresário e o feitor
de escravos.
Capítulo 3

A mochila do
lívronauta

Quando entramos em uma cidade pela primeira vez, precisamos de


mapas que nos orientem e guias que nos ajudem a entender a
história dos monumentos e das ruas que percorremos. Da mesma
forma, ao adentrarmos os territórios dos continentes da Ficção-
Prosa e da Não-Ficção ou ao escalarmos as montanhas da Ficção-
Poesia, muitas vezes ou recorremos a instrumentos de apoio, ou
nos perdemos.

Conforme avançamos na leitura de um livro, deparamos com


palavras desconhecidas, construções sintáticas estranhas, por vezes
descrições de locais, paisagens, épocas e personagens históricas
com as quais não estamos familiarizados. Isso às vezes atrapalha
nossa leitura, pois a compreensão fica mais difícil. Como resolver
esse problema? Consultando as chamadas obras de referência ou
apoio. Nelas, é possível encontrar as informações de que
necessitamos para enriquecer ainda rnais nossa viagem através dos
textos. São dicionários de língua portuguesa, enciclopédias,
gramáticas, atlas, etc. Claro, não podemos deixar de lado nossa
leitura sempre que encontramos algo que não compreendemos. E
importante não quebrar o clima. Mas, em algumas situações, vale a
pena fazer uma pausa, abrir a mochila e dela retirar os
instrumentos que vão fazer que a leitura ganhe em significado e
colorido.
3.1. Instrumentos de busca e
viagem pelos continentes
Um exemplo Estou explorando o continente da Ficção e • ATLAS GEOGRÁFICO
entro no território do livro Viva o povo MELHORAMENTOS
brasileiro, de João Ubaldo Ribeiro, • MODERNO ATLAS GEOGRÁFICO
romance épico que narra a história do
Brasil a partir da Bahia e do Rio de Logo no início da caminhada, já
Janeiro, desde o século XVII até o século deparo com a necessidade de uma luz:
XX. Em várias ocasiões, vou me servir na página 9, vejo o personagem José
dos meus instrumentos de busca e de Francisco Brandão Galvão, al-feres,
apoio para me situar no espaço e no absorto em seus pensamentos, "em pé
tempo e para compreender melhor os na brisa da Ponta das Baleias", pouco
personagens e os ambientes que encontro antes de morrer como falso herói,
no decorrer da leitura. atingido pelos portugueses. Onde fica
Atlas Geogràfico Melhoramentos, p. 52
essa tal Ponta das Baleias? Preciso
saber, para imaginar melhor a cena.
ESTADO DA BAHIA

Ainda bem que na minha mochila de


turista leitor eu tenho vários atlas, com
mapas geográficos, físicos e políticos,
de todos os países do mundo, inclusive
do Brasil.

Na página 52 do Atlas Geográfico


Melhoramentos, encontro um mapa do
Estado da Bahia com todas as cidades
assinaladas. Posso ver, então, no sul da
Bahia — Bahia de Todos os Santos,
como o narrador diz ainda na mesma
página —, entre Caravelas e Alcobaça,
a Ponta das Baleias. Confiro a
informação no Moderno atlas
geográfico, na página 18,
localização que apóiam a do
planeta Acervo PNBE/98
que possui um mapa da região Nor-
deste do Brasil. Agora posso localizar
geograficamente o início da história
de Viva o povo brasileiro. A narração
segue mostrando outros lugares,
principalmente na Bahia: Ilha de
Itaparica, Pirajá, Cachoeira...

Moderno atlas geográfico, p. 18


Capítulo 3

• ATLAS ATUAL GEOGRAFIA

Na página 12, o personagem José Procuro a palavra Portugal no índice


Brandão, alferes, a essa altura já meu remissivo do Atlas atual geografia, por
amigo, comunica-me uma dúvida: ele exemplo. Encontro a indicação 17C6-
diz não saber onde fica Portugal, país 7, que significa que Portugal está na
para onde seu pai voltou antes de ele página 17, nas coordenadas C e 6-7,
nascer. Isso me lembra que estou dadas pelo livro, isto é, na coluna C e
também em dúvida sobre alguns na linha entre o 6 e o 7. Seguindo as
detalhes da localização de Portugal. indicações, estou diante de Portugal,
Como será mesmo o nome daquela na Europa, verificando onde está
cordilheira que o separa da Espanha? Lisboa, Porto e Coimbra.
Quais suas principais cidades?

Atlas atual geografia, p. 17


• GEOATLAS

Mais tarde, na página 480, outro


amigo, o personagem Corinto
Mello, questiona Zé Popó, um "he rói
brasileiro", sobre a imagem mai forte
em sua mente depois de tan tas
batalhas. Surpreendentemente o herói
fala sobre o que mais o mar cou — as
bicheiras — e diz que elas ocorriam
em muitas partes do Paraguai e das
áreas fronteiriças do Brasil. Depois de
rir dessa tirada descubro-me em
dúvida sobre o nome de todos os
países que fazem fronteira com o
nosso. Que países além do Paraguai,
sofriam com as bicheiras? No
Geoatlas, pesquiso no índice a
América do Sul. Chego ao item 27,
América do Sul — Político. Nesta
página posso relembrar todos os
países próximos ao Brasil: Uruguai,
Argentina, Paraguai, Bolívia, Peru,
Colômbia, Venezuela, Guiana,
Suriname e Guiana Francesa.
, ATLAS GEOGRÁFICO ILUSTRADO

Mais à frente em meu caminho, na


página 555, um novo conhecido,
Filomeno, montado em sua mula,
Periquita, diz a seu comandante que a
noite costuma chegar ali subitamente:
"Sim, a noite cai de repente na
caatinga...". Quero saber exatamente o
que é caatinga. Pesquisando no Atlas
geográfico ilustrado, encontro, nas
páginas 30 e 31, essa vegetação At/os geogràfico ilustrado, p. 30
natural típica do Brasil. Posso ver
então a foto de uma caatinga e onde
esse tipo de vegetação pode ser
localizado no Brasil.

Também consulto um dicionário, no


qual encontro a definição de caatinga
e de catinga, duas coisas bem di-
ferentes. E no Atlas da flora brasileira
encontro rnais imagens desse tipo de
vegetação.

Se quiser, ainda poderei obter rnais


informações a respeito da Bahia, de
Portugal e dos países latino-ameri-
canos sobre os quais já pesquisei
antes. Posso ver suas bandeiras, saber
em que suas economias estão ba-
seadas, como são constituídos seus
solos e qual é a população da região.
Capítulo 3

• ATLAS DA FAUNA BRASILEIRA

No territorio de Viva o povo brasileiro, Que tipos de macacos poderiam ser? E


encontro não só pessoas e plantas, mas o que é um preá? No Atlas da fauna
também bichos. Na página 264, brasileira encontro imagens do preá
participo de uma caçada de tatu, em nas páginas 36 e 37 (legenda na página
que cachorros cercam sua toca. Quero 38) e dos macacos nas .páginas 44, 45
saber rnais sobre os tatus, pois, afinal, e 46).
nunca vi nenhum pessoalmente.
Recorro ao Atlas da fauna brasileira. EDENTA TA (= XENARTHRA)
Abrange os chamados desdentados: ordem formada
O sumário leva-me à página 31, pelas familias Myrmecophagidae (tamanduás),
Bradypodidae (preguiças) e Dasypodidae (tatus).
capítulo sobre os mamíferos, em que
há informações a respeito dessa classe
de animais. Há imagens dos tatus
brasileiros nas páginas 32 e 33 (com
legenda na página 34).

Páginas depois, novos animais vêm ao


meu encontro. Na página 556, o amigo
Filomeno ouve barulhos na mata.
Podem ser macacos e preás.
Atlas da fauna brasileira

Atlas da fauna brasileira, p. 36. 37 e 38


• ATLAS ESCOLAR DE BOTÂNICA • ENCICLOPÉDIA BARSA
• ENCICLOPÉDIA DICIONÁRIO
Subitamente, na página 556, em plena ILUSTRADO
caatinga, deparo com uma árvore
chamada quixabeira, onde uma mula — De repente, descubro que preciso
e eu — se escondeu de um tiroteio. situar-me melhor nos tempos em que a
Convoco de imediato o Atlas escolar de história acontece. Na página 9, uma
botânica. Retomo a definição de data: 10 de junho de 1822. E aí que a
caatinga na Unidade 8 (p. 94), sobre a história começa; depois volta no
vegetação do Brasil, e localizo exemplos tempo, para 1647, adianta-se para
de suas árvores, dentre elas a 1827, retorna para 1809, vai para 1839,
quixabeira. pula para 1889 e segue até 1977. Mas
foi naquele primeiro dia que o já citado
alferes José Francisco morreu
Atlas escolar de botânico, p. 94
"defendendo" o Brasil. O que estava
acontecendo no país nessa época? A
Nova enciclopédia Barsa e a
Enciclopédia dicionário ilustrado
contêm as informações de que
precisamos. Procuro pela ordem al-
fabética no volume correspondente ao
Brasil. Localizo História, e ali, uma
descrição do que acontecia no país,
prestes a se tornar independente de
Portugal. Uma Assembléia Cons-
tituinte fora convocada por D. Pedro
em 3 de junho de 1822, e, a 7 de
setembro, o mesmo D. Pedro pro-
clamou a independência do país. Pouco
depois, em 12 de outubro, D. Pedro foi
aclamado imperador constitucional e
defensor perpétuo do Brasil, como é
dito na página 10. As enciclopédias
são excelentes para fornecer
informações completas sobre os mais
diversos assuntos.
Capítulo 3

• MINIDICIONÁRIO DA da língua portuguesa, o Auré- uma palavra de origem fran-


LINGUA PORTUGUESA lio. Nele eu já havia encontrado cesa. O Dicionário etimológico
•GRANDE DICIONÁRIO a definição de caatinga, da vai rnais além: é uma palavra
LAROUSSE CULTURAL DA
LÌNGUA PORTUGUÊSA página 555 de Viva o povo de origem francesa, derivada
• DICIONÁRIO AURÉLIO DA brasileiro. Nele também do latim, que data do século
LÌNGUA PORTUGUÊSA descubro o que é madrijo (p. XIV. "Cobarde" é uma variação
110), sincopada (p. 419), surgida no século XVII. Essa
Durante a caminhada pelo resvaladiço (p. 440), pressu- pesquisa pode ser feita com to-
território de Viva o povo bra- rosa (p. 528) e outras palavras das as palavras consultadas no
sileiro, tropeço com várias pa- que não conhecia, Aurélio: caatinga é um vocábu-
lavras cujo significado desco- lo de origem tupi ("kaa'tina"
• DICIONÁRIO ETIMOLÒGICO significa "mato branco");
nheço. Na maior parte das NOVA FRONTEIRA DA
vezes, isso não me perturba, LÍNGUA PORTUGUESA síncope, raiz de sincopada, vem
pois o contexto ajuda-me a • DICIONÁRIO DIDÁTICO DE do francês derivado do latim,
preencher a lacuna. Mas al- PORTUGUÊS derivado, por sua vez, do
gumas vezes há palavras que grego.
são verdadeiras pedreiras, Há palavras que são verdadei-
ocultando conceitos que temos ros atalhos para mundos muito O Dicionário didático presta-
de dominar para não perder boa interessantes. Nelas, eu gosto me outra excelente ajuda: além
parte da beleza de nossa viagem de me deter e explorá-las em da definição do vocábulo,
pela ficção, pela poesia ou pela profundidade. Para isso, conto encontramos nele a classe de
não-ficção. E então? também com o auxílio de palavras à qual pertence, a
Dicionário. Um para consultas outros dois instrumentos: o divisão silábica, o plural e
rápidas é o Mini-dicionário da Dicionário etimológico Nova outras informações úteis.
língua portuguesa; outros Fronteira da língua portuguesa Caatinga, por exemplo, está
muito recomendados são o e o Dicionário didático de explicada na página 161; sín-
Grande dicionário Larousse português. O primeiro é muito cope, na página 856; e assim
cultural da língua portuguesa, útil quando queremos saber a por diante.
que traz também alguns mapas origem de uma palavra. Por
• MODERNA GRAMÁTICA
do Brasil e fronteiras, modelos exemplo: na página 11, o
PORTUGUESA
de conjugação verbal e noções alferes Brandão Galvão chama
• NOVA GRAMÁTICA DO
gramaticais, e o Novo mentalmente Gonçalves Ledo PORTUGUÊS
dicionário da língua de "traidor cobarde". Por que CONTEMPORÂNEO
portuguesa, com os adjetivos de "cobarde", e não "covarde"?
nacionalidade para vários lu- Todos os dicionários do Acervo Mergulhando mais e mais no
gares do Brasil; outro muito informam-nos apenas que essa texto, quero compreender a
conhecido e utilizado é (sem é estrutura das palavras e a lin-
dúvida) o Dicionário Aurélio guagem empregada pelos
personagens. O que são classes O que caracteriza o discurso MANUAL DE REDAÇÃO
de palavras? Como se faz a direto, segundo a Nova gra- E ESTILO
divisão silábica de um vocá- mática do português contempo-
bulo? E o plural, como é râneo, é a "ausência" do Terminada minha expedição
construído? Encontro respos- narrador, que cede, por meio pelo território de Viva o povo
as para essas questões em do travessão e do verbo "di- brasileiro, quero escrever um
outro tipo de obra de referên- zer", a palavra à personagem. relatório que me ajude a re-
cia: a gramática. Disponho cordar o que aprendi no per-
e duas: a Moderna gramática Agora, vamos analisar outro curso. Neste momento, retiro
portuguesa e a Nova gra- tipo de discurso, apresentado de minha mochila uma outra
mática do português contem- na página 603, que descreve ferramenta: um livro de
porâneo. Nelas acho a expli- uma refeição servida por Rita consulta rápida, muito útil para
cação para essas e para muitas Popó a Florisvaldo: dicas de redação, de con-
outras perguntas. No primeiro cordância, de utilização e de
livro, a segunda parte, "Sentaram-se em dois outros ortografia das palavras, o
"Morfologia", é inteiramente tamboretes e ele perguntou, Manual de redação e estilo. É
dedicada às classes de brandindo a colher de pau, se uma síntese de diversas gra-
palavras: suas definições, podia servi-la. Não, não, ela o máticas e vários dicionários
classificações, utilizações e serviria, a visita era ele, tinha que permite esclarecer de for-
flexões. A primeira parte tem direito aos melhores pedaços, ma simples algumas dúvidas
um capítulo com um item se bem que tudo ali fosse do rnais comuns.
sobre divisão silábica. Há bom e do melhor. (...) Ah,
também uma parte que estuda como cheira bem! (...) Então,
as concordâncias nominal e minha cara Sá Rita, estamos Em suma: reunindo o li-
verbal. Além disso, as tendo um banquete de reis..." vro a ser lido, qualquer
gramáticas são muito úteis que seja ele, e as obras de
para entender a linguagem Ainda de acordo com a Nova apoio, conseguimos reali-
empregada pelas personagens. gramática, esse tipo de discurso zar uma viagem muito
Um exemplo? Na página 68, aproxima narrador e per- rnais completa e concreta
há um modelo de discurso di- sonagem, como se falassem em pelos territórios-livros.
reto, quando Perilo Ambrosio uníssono. Tem as características De uma história vamos a
e o cônego D. Francisco do indireto (ausência de outra, de uma enciclopé-
Manoel de Araújo Marques travessão e de verbo de dia a um atlas, de um di-
conversam: enunciação), mas mantém o cionário a outro... O co-
estilo (pontuação, repetição, nhecimento aumenta, e o
— Na verdade — disse Perilo etc.) do direto. E chamado interesse em adquiri-lo,
Ambrósio com a mão esten- discurso indireto livre. rnais ainda.
dida para fora —, estas terras
cá já são das minhas..."
Capítulo 3

3.2. Sugestão de dinâmica


Objetivo Possibilitar aos professores familiarizar-se com as obras

Procedimentos

Fase I Recolha as folhas preenchidas pelos


participantes e apresente os novos

1I Organize uma exposição das


obras do Acervo PNBE/98
utilizando carteiras ou mesas como
títulos por eles sugeridos para
compor o Acervo da Biblioteca,
indagando o porquê da indicação. Se
stands. Haverá quatro stands: no for oportuno, estimule a equipe a
primeiro ficam as obras de ficção- levantar estratégias para adquiri-los.
prosa; no segundo, as de ficção-
poesia; no terceiro, as de não-
ficção; e no quarto, as obras de Fase II
referência (dicionários, atlas,
enciclopédias). Coloque cartazes
bem chamativos em cada stand. 3 Divida os participantes er
grupos de no máximo dez pessoas.
Distribua ao grupo 1 cópia da
resenhas de ficção-prosa; ao grupo 2,

2 Convide os professores a
visitarem o Planeta Acervo
PNBE/98 percorrendo os stands e
cópia das resenhas de ficção-po-esia;
ao grupo 3, cópia das resenha de não-
ficção. Se houver mais de três
folheando os livros que rnais lhes grupos, o grupo 4 receberá também
chamem a atenção. Cada docente cópia das resenhas de ficção-prosa; o
receberá uma folha em branco, na grupo 5, ficção-poesia, e assim por
qual poderá escrever os títulos de diante.
livros de autores brasileiros que
considera importantes, mas que não
foram incluídos no Acervo
PNBE/98.
com os professores
de ficção, não-ficção e de referência disponíveis no Acervo PNBE/98

4 Soliate aos participantes que


leiam individualmente o material,
Fase III

procurando identificar um livro que


lhe desperte curiosidade e sobre o
qual gostaria de saber rnais. Em
7 Distribua a cada grupo cópias
de um trecho de um dos livros
que rnais tenha interessado aos
seguida, cada um falará sobre o livro professores na Fase I (o mesmo
que escolheu e por quê. O grupo para todos os grupos). Peça aos
poderá escolher então um ou dois participantes que procurem
livros para explorar melhor, pegando aprofundar-se no significado do
o volume na biblioteca. texto, com auxílio das obras de
referência. Cada grupo ficará com

5 Cada grupo irá criar uma


propaganda de televisão para
materiais diferentes. Por exemplo,
o grupo 1 consultará a
divulgar o seu livro aos outros grupos. enciclopédia; o grupo 2, o
Os grupos podem usar toda sua dicionário; o grupo 3, o dicionário
criatividade e materiais como revistas etimológico, e assim por diante.
velhas, papel crepom, panos, cola, te-
soura; devem estar disponíveis tam-
bém papel craft e pincéis atômicos.
8 Solicite a um representante de
cada grupo que relate aos

6 0s grupos apresentarão as
propagandas dos livros selecio-
nados. Depois de cada apresentação,
outros o que a equipe descobriu
graças ao auxílio do material de
apoio.
os espectadores poderão fazer per-
guntas para obter rnais detalhes.
Capítulo 4

Escolas em
viagem de leitura

O ato de ler não se esgota na decodificação pura da


palavra escrita ou da linguagem escrita, mas se antecipa
e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do
mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior
leitura dessa não possa prescindir da continuidade da
leitura daquele.

Eunice continuou e aprofundou o trabalho de meus pais.


Com ela, a leitura da palavra, da frase, da sentença, jamais
significou uma ruptura com a "leitura" do mundo. Com
ela, a leitura da palavra foi a leitura da
"palavramundo".

Paulo Freire, A importância do ato de ler, Cortez Editora, 1983


Capítulo 4

4.1. Casos de boas escolas


Você, audaz livronauta que navegou conosco pelos capí-
tulos anteriores, com certeza conseguiu recolher algumas
informações básicas sobre o planeta Acervo PNBE/98.
Pôde identificar, em seus três continentes — Ficção-
Prosa, Ficção-Poesia e Não-Ficção —, territórios fascinan-
tes que apelaram à sua razão e à sua imaginação e talvez
tenha até selecionado alguns deles para visitar depois.

Vamos, então, propor rnais um desafio à sua argúcia.


Queremos apresentar-lhe oito escolas que estão
explorando com seus professores e alunos as galáxias da
leitura — incluindo-se aí os territórios do planeta Acervo
PNBE/98. Podemos adiantar-lhe que, embora situadas em
diferentes regiões do país e possuindo
públicas brasileiras
identidades muito próprias, todas têm em comum a
característica de considerar prioridade número um a
aprendizagem e o progresso de todos os alunos. Além
disso, estão profundamente enraizadas na realidade: são
leitoras do mundo, da comunidade à sua volta e
possibilitam aos alunos saírem do texto e mergulharem no
contexto.

O seu desafio é visitar virtualmente as oito escolas,


começando em Sergipe e terminando no Rio de Janeiro,
para descobrir outros recursos do planeta Acervo
PNBE/98, além dos já utilizados por essas unidades, que
poderiam ser mobilizados para fortalecer ainda rnais seu
projeto educacional. Bom trabalho!
Capítulo 4

Caso I Escola Estadual Julia Telles,


Aracaju, Sergipe

O Conjunto Jardim é uma comunidade dos moradores do bairro. A "Julia


pobre, na periferia da cidade, com ruas Telles" é o pólo cultural mais im-
de terra, sem comércio, sem praças ou portante da comunidade, organizando
locais de lazer, tachada de violenta apresentações de danças típicas e
pelos meios de comunicação. Neste teatro, além da semana do folclore. Os
local situa-se a "Julia Telles", uma alunos de 5a a 8a séries têm a
escola clara, bonita, cheia de verde, oportunidade de expressar-se criando
onde se aposta na inteligência e na literatura de cordel. Um deles, Adelmo
criatividade dos alunos. Bras Cordeiro Filho, 18 anos, terminou
a 8a série no ano passado, mas não
A diretora, Oswaldina Ribeiro da Cruz deixou a escola. Agora trabalha como
Mello, só recentemente conseguiu voluntário na escola, ajudando a
completar o quadro de professores organizar os eventos artísticos e
concursados de 5a a 8- séries. Os de Ia culturais. Adelmo é autor de uma série
a 4a séries possuem formação de nível de livretos de cordel que foram
médio (curso de magistério). As impressos peia escola. Atentos, os
reuniões de planejamento são professores também obsetvaram a
semanais. Nesta escola, os professores inclinação natural de outro aluno,
são estimulados a aprender uns com os César da Silva, para a pintura. A escola
outros. Por exemplo, os professores de financiou-lhe as tintas. Hoje, aos 20
5- a 8a séries organizaram uma oficina anos, ele já levou a comunidade às
para seus colegas de Ia a 4a séries com páginas do jornal ao ganhar o segundo
temas sugeridos por estes últimos: lugar no Concurso de Pintura em Spray
Redação, Uso de Materiais — Brasil 500 anos, promovido peia
Pedagógicos e Cultura Popular. Prefeitura Municipal de Ilhéus, na
Bahia.
A proposta pedagógica da escola
centra-se no fortalecimento da auto- A biblioteca é utilizada pelos alunos
estima e da cultura da comunidade, especialmente para pesquisas.
valorizando o talento dos alunos e o
OUTRAS FORMAS DE UTILIZAR O ACERVO PNBE/98 EM FUNÇÃO PA PROPOSTA
PEDAGÓGICA DESTA ESCOLA

Nossas sugestões Suas sugestões /«

1. Apresentar aos professores, nas


reuniões de estudo, o livro
Memória e sociedade —
lembranças de velhos, de Ecléa
Bosi, no qual pessoas idosas
recuperam a história da cidade
de São Paulo. Quem sabe, a
partir daí, docentes e alunos não
poderiam desenvolver um
projeto de resgate da memória
da comunidade, entrevistando
os moradores mais velhos?

2. Promover a leitura coletiva, em


reuniões com os professores, do
livro Raízes do Brasil, de
Sérgio Buarque de Holanda,
chave para melhor se com-
preender a(s) cultura(s) do
nosso povo.

3. Sugerir a leitura e a recriação


pelos alunos, em cordel ou peça
de teatro, do enredo dos livros
Vidas secas, de Graci-liano
Ramos, e Auto da compadecida,
de Ariano Suassuna, em
trabalho envolvendo as áreas de
português, história, geografia e
artes.
Capítulo 4

Caso 2 Colégio Estadual Conselheiro


Zacarias, Curitiba, Paraná
A escola ocupa um belo prédio com rias": "Preparar os alunos para a vida".
arquitetura típica do início do século E completa: "Aqui, todo munido tem
XX (foi construída em 1911), que 1er e escrever bem. Quem não lê
encravado em um bairro central da direito não consegue interpretar textos
cidade e atende alunos de lã a 8ã séries. e, portanto, não pode compreender os
Tem pelo menos um ex-aluno e um conteúdos de matemática, história ou
vizinho ilustres: o presidente Jânio ciências".
Quadros completou ali o antigo
primário, e a duas quadras fica a casa E por isso que o hábito de freqüentar a
do recluso escritor Dalton Trevisan, biblioteca é cuidadosamente cultivado.
criador do famosissimo O vampiro de Os alunos retiram livros e,
Curitiba, E mais: corno fica próxima a quinzenalmente, vão trocá-los por
um hospital-referencia no tratamento outros. Durante as aulas de português,
de câncer, alguns de seus alunos são marca-se um dia para apresentar e
pequenos grandes guerreiros: crianças debater o que foi lido no período. Os
e adolescentes em luta contra a estudantes formam um círculo e, um a
doença. um, fazem comentários sobre o tema e
sobre os personagens do livro que
Os 1.170 alunos, os 43 professores e a leram e, principalmente, extraem da
equipe técnica formada por diretora, leitura as mensagens ou lições que
diretora auxiliar e duas supervisoras podem incorporar à sua vida. Em
estão conseguindo nocautear o outras ocasiões, montam júris
fracasso escolar. "Mas os alunos simulados nos quais um personagem
passam de ano porque aprendem", literário é acusado ou defendido, ou, a
assegura a diretora Waldecyr Simioni partir da leitura, criam peças de teatro,
Ursi, lembrando o ótimo desempenho uma iniciativa conjunta das áreas de
da escola na prova de Conhecimentos literatura, história e educação física.
Gerais da Gincana Interescolar
promovida peia Secretaria da As professoras'de português Tânia
Educação. Os professores, em sua Regina Machado e Ingeborg Pais
maioria, têm curso de pós-graduação e Chende costumam apresentar às
utilizam metodologias inspiradas no classes a lista de novos livros dispo-
construtivismo. Há reuniões níveis na biblioteca e recomendar aos
pedagógicas semanais. alunos adolescentes a leitura de obras
que dizem respeito às suas principais
A diretora resume assim a proposta necessidades e preocupa-
educacional da "Conselheiro Zaca-
çges. Elas contam que uma grande como Uma luz no fim do túnel, de
vitória da escola foi ter conseguido Ganymedes José, Doce Manuela, de
eliminar os casos de gravidez precoce Júlio J. Chiavenatto, Lento veneno, de
— que antes eram corriqueiros — Raul Drawnik. Como a clientela é de
graças a um projeto interdisciplinar de classe média, os alunos compram os
longa duração, coordenado peia livros, que, ao final do ano, são doados
professora de Ciências Lúcia à biblioteca.
Machado Willeman. Temas como
sexualidade (namoro, virgindade, Os alunos das séries finais já se estão
prostituição, Aids) e drogas (álcool e familiarizando com alguns dos autores
cigarro incluídos) sio trabalhados com destacados pelo Acervo PNBE/98,
os alunos por meio de livros de como José de Alencar, Machado de
literatura juvenil, Assis e Graciliano Ramos.

UTRAS FORMAS DE UTILIZAR O ACERVO PNBE/98 EM FUNCAO ¡A


PROPOSTA PEDAGÓGICA DESTA ESCOLA

Nossas sugestões

1. Apresentar aos professores, em


reunião, as obras O vampiro de
Curitiba, de Dalton Trevisan,
escritor que mora vizinho à es-
cola, e Contos reunidos, de Ru-
bem Fonseca, e discutir até que
ponto alguns dos contos pode-
riam ser utilizados como ponto
de partida para a discussão do
tema sexualidade com os
adolescentes.

2. Propor aos professores de His-


tória e Português que leiam e
indiquem aos alunos A More-
ninha, de Joaquim Manuel de
Macedo, e Senhora, de José de
Alencar, para uma comparação
entre as formas de se cortejar e
seduzir no Brasil do século
XIX e hoje.
Caso 3 Escola Estadual Xavier da Silva,
Curitiba, Paraná
Como a "Conselheiro Zacarias", esta ensão mútua, contribuindo para
escola também foi construída no início incrementar a aprendizagem da con-
do século passado, e, em suas salas vivência. A leitura de livros como A
amplas, de paredes altas, estudam borboleta dourada, A tartaruga infeliz
1.870 alunos, muitos deles prove- e A lebre fanfarrona foi o elemento
nientes de uma favela próxima, Ca- deflagrador deste projeto, que incluiu
pinam, a maior da cidade. Oferece en- atividades de teatro, artes plásticas e a
sino fundamental, ensino médio e cur- redação de uma história coletiva.
so supletivo. As salas de aula formam
um quadrado, no centro do qual há um Já o projeto Escritores do Amanhã
agradável pátio interno, com árvores incluiu professores e alunos de 5-série
rodeadas por bancos circulares. em diante. Por meio dele, docentes de
todas as áreas puderam experimentar
Os professores são todos habilitados, em sala de aula, entre outras
com exceção de um, que ainda é es- estratégias, algumas dinâmicas que
tudante universitário. Os docentes de motivam e orientam os alunos a 1er
Ia a 4- séries reúnem-se semanalmente, com compreensão qualquer tipo de
mas os de 5- a 8- séries e os do ensino texto e a expressar com clareza suas
médio apenas uma vez por bimestre. idéias.

A proposta pedagógica da escola é Embora a biblioteca da escola esteja


oferecer aos alunos oportunidades de interditada para reforma, alguns
construir conhecimentos e cidadania docentes continuam utilizando os li-
por meio do desenvolvimento de vros de literatura como um recurso
projetos nos quais problemas con- pedagógico. Por exemplo, o livro O
cretos possam ser enfrentados. vampiro que descobriu o Brasil, de
Ivan Jaf, foi utilizado de forma inte-
Dentre diversos projetos já imple- grada por professores de português,
mentados, destaca-se o de Educação história e geografia para explorar
para Valores. O objetivo era desen- questões relativas ao Descobrimento
volver nos alunos das séries iniciais do Brasil e às diferenças entre fato e
atitudes de solidariedade e compre- ficção. Os alunos do ensino médio já
leram algumas obras do Acer-
vo PNBE/98, como as de José de círculo, debatem suas impressões.
Alencar e Machado de Assis. Os pro- "Nossa luta é seduzir rnais professores
fessores indicam os livros, oferecem a utilizarem os livros da biblioteca em
um roteiro de análise para orientar suas aulas", dizem a coordenadora Cléa
a leitura e depois os alunos, em e o diretor Arnaldo M. Matos.

OUTRAS FORMAS DE UTILIZAR O ACERVO PNBE/98 EM FUNÇÃO DA


PROPOSTA PEDAGÓGICA DESTA ESCOLA

Nossas sugestões

Apresentar aos professores as


Antologias poéticas de Carlos
Drummond, Cecília Meireles,
Vinícius de Moraes, Mario
Quintana, e mais A educação
pela pedra e depois, de João
Cabral de Mello Neto. Convidá-
los a selecionar, de cada autor,
um poema que tenha a ver com
os valores que estão sendo
trabalhados com os alunos,
como solidariedade, diálogo,
compreensão mútua. Verificar a
possibilidade de desenvolver,
com os alunos, um projeto que
envolva a reescrita desses
poemas e a sua "tradução" em
outras linguagens, como pintura,
colagem ou música.
Capítulo 4

Caso 4 Escola Municipal Brígida Ferraz, Foz,


Campo Grande, MS

Ocupando um predio terreo acolhedor com temas do interesse deles — por


e bem cuidado, a escola é fre-qüentada exemplo, para os adolescentes, his-
por oitocentos alunos de lª a 8ª séries, tórias de amor. Os estudantes de 5-a 8a
pertencentes a famílias de classe séries devem ler no mínimo quatro
média baixa. Muitos pais freqüentam o livros por ano, cujo conteúdo é
curso supletivo noturno. Os trinta debatido coletivamente. Todos os
professores são apoiados por uma alunos são incentivados a freqüentar a
equipe técnica formada por diretora, biblioteca, onde contam com a
diretora-adjunta, supervisora orientação dos encarregados.
pedagógica e dois encarregados da
biblioteca. Todos os docentes têm Estão em boas mãos. José Amaury, o
curso universitário e são habilitados responsável pela biblioteca nos
para as áreas nas quais lecionam. Há períodos da tarde e da noite, é um
reuniões semanais por série e por área. leitor apaixonado, aluno da Faculdade
de Letras. "Leio o que gosto", diz. E
Segundo a diretora Cleonice, a pro- revela que seu livro predileto é uma
posta pedagógica da escola prioriza das obras de Guimarães Rosa contida
um ensino eficaz, de qualidade, que no Acervo PNBE/98, Grande sertão:
propicie a todos os alunos, sem ex- veredas. Por iniciativa própria,
ceção, aprendizagem e progresso. Amaury desenvolve um projeto com
Dentro dessa proposta, diz a os jovens e os adultos que estão
supervisora Márcia Fabiano, a leitura aprendendo a 1er no supletivo
é entendida como a base para a noturno. Ele leva livrinhos de lite-
compreensão do mundo. ratura infantil a esses alunos. "Livros
grandes, para adultos, os
Para cultivar o prazer de 1er, os pro- desestimulariam", diz.
fessores indicam aos alunos livros
OUTRAS FORMAS DE UTILIZAR O ACERVO PNBE/98 EM FUNÇÃO DA
PROPOSTA PEDAGÓGICA DESTA ESCOLA

Nossas sugestões

1. Propor aos professores que


sugiram aos alunos de 6a série
em diante e que gostam de 1er
que apresentem aos seus
colegas jovens e adultos
alfabetizandos resumos dos
livros do Acervo PNBE/98 que
podem ser de seu interesse,
como A morte e a morte de
Quíncas Berro D'Agua, de
Jorge Amado, O coronel e o
lobisomem, de José Cândido de
Carvalho, A madona de cedro,
de Antonio Callado, o
Encontro marcado de
Fernando Sabino.

2. Apresentar aos professores o


livro Música popular, de José
Ramos Tinhorão, inspirandoos
a desenvolver um projeto
interdisciplinar de pesquisa
sobre a origem de músicas tí-
picas da região.
Capítulo 4

Caso 5 Escola Municipal Marina Couto


Fortes, Campo Grande, MS

Com 1.153 alunos, de 1ª a 8a séries, e sessora a renomada Escola da Vila, em


41 professores, a escola aten-de a u,ma São Paulo — para capacitar as
comunidade pobre, e sua proposta professoras alfabetizadoras. Além
pedagógica prevê um grande disso, adquiriu 106 títulos, escolhidos
investimento no aperfeiçoamento com a ajuda dos professores, para a
constante dos docentes para que sua biblioteca especializada, incluindo
possam oferecer um ensino cada vez metodologia das diferentes disciplinas,
melhor aos alunos. A equipe técnica é filosofia educacional, avaliação e
formada por diretora, diretora-adjunta, direitos de cidadania. Esse acervo foi
supervisora e encarregada da apresentado aos docentes, que vão
biblioteca. escolher os livros que desejam 1er e
depois comentá-los na reunião.
Os professores têm quatro horas se-
manais de planejamento. Uma vez por A biblioteca é um espaço do qual os
mês, eles se reúnem para estudar alunos já se apoderaram. Eles têm dias
juntos. Dentre os pontos da agenda: certos para retirar e devolver os livros.
Parâmetros Curriculares e Avaliação. Os das séries rnais adiantadas adoram
Em sábados alternados, os que a série Vagalume, de literatura
trabalham no período noturno se infanto-juvenil, e usam bastante a
encontram para essas sessões de enciclopédia em suas pesquisas. Os
estudo. professores também costumam retirar
livros em quantidade suficiente para
A diretora, Maria Terezinha Castelli, toda a turma e levá-los para serem
conta que, utilizando recursos do lidos em classe. Mas a biblioteca não
programa Plano de Desenvolvimento serve apenas ao pessoal da escola.
da Escola, patrocinado pelo Ministério Pessoas da comunidade e alunos de
da Educação/Fundescola, a equipe outras escolas costumam freqüentá-la.
contratou a consultoria de uma
especialista — que também as-
OUTRAS FORMAS DE UTILIZAR O ACERVO PNBE/98 EM FUNÇÃO DA
PROPOSTA PEDAGÓGICA DESTA ESCOLA

Nossas sugestões

1. Apresentar aos professores os


livros do Acervo PNBE/98 e
pedir que cada um escolha o
que rnais o atraiu, com o com-
promisso de, ao final do
bimestre, resumi-lo para os
colegas.

2. Debater, com os professores, o


livro Arquitetura brasileira, de
Carlos A. C. Lemos, moti-
vando-os a desenvolver proje-
tos de recuperação da memória
urbanística da cidade ou do
bairro.
Caso 6 Escola Estadual Thomé de
Medeiros Raposo, Manaus, AM
A escola funciona em um prédio bo- dos alunos. Assim, o Centro Social
nito, bem conservado, com uma oferece aulas de reforço, e o Posto de
enorme quadra de esportes anexa, Saúde, semanalmente, faz a avaliação
atende a 1.531 alunos de 1ª a 8ª séries, física de grupos de crianças e jovens.
tem 39 professores e uma equipe Religiosos de diferentes igrejas são
técnica formada por diretor, convidados a conversar com os alunos
supervisora, coordenadora pedagógica, sobre valores e atitudes éticas. Em
encarregada da sala de leitura e retribuição, a escola apresenta-se à
encarregada da sala de vídeo. Pais e comunidade como um bem público
mães da maioria dos alunos trabalham que deve ser usufruído por todos. A
como feirantes, camelôs, portuários, quadra é aberta para que adultos e
domésticos, garçons, e há uma minoria pessoas da terceira idade possam
de funcionários, professores e praticar esportes. A Associação dos
comerciantes. Soropositivos do Amazonas enviou
representante para dialogar com os
A proposta pedagógica da escola está alunos sobre como prevenir a Aids, e,
sintetizada no seu mote, escrito em um a partir daí, uma equipe de voluntários
cartaz logo na entrada: "Escola formou-se, para apoiar os doentes.
Thomé: uma organização que visa
garantir o pleno desenvolvimento do Mas uma das trocas rnais emocio-
aluno". O diretor Augusto afirma que nantes foi a que se estabeleceu entre a
a missão dos educadores da "Thomé" escola e membros da tribo Saterê-
é formar cidadãos em sua plenitude, Mauê, que habitam uma invasão
capazes de vivenciar valores como próxima e em geral são vítimas de
solidariedade e respeito mútuo, em discriminação. Os índios — alguns
parceria com a comunidade. deles pais e mães de alunos —
construíram uma oca no terreno da
Os professores são habilitados para as escola, expuseram seu artesanato e
áreas que lecionam, com exceção de compartilharam com as crianças, os
um, que ainda é estudante. Há adolescentes, os pais e os professores
reuniões mensais de planejamento. alguns de seus rituais, como a dança à
roda da fogueira.
A interação com a comunidade é uma
das forças da escola. Todos os E a biblioteca nisso tudo? Segundo a
recursos são mobilizados em função encarregada Marcionícia Bessa da
Silva, a biblioteca é mais um espaço poníveis. Muitos docentes colocam
onde se desenvolve nos alunos o gosto livros em caixas e levam até a sala de
pela leitura dos livros e da vida. Ela aula. Se por algum motivo a biblioteca
participa das reuniões de professores e não abre, todo mundo reclama.
divulga os títulos dis-

OUTRAS FORMAS DE UTILIZAR O ACERVO PNBE/98 EM FUNÇÃO DA


PROPOSTA PEDAGÓGICA DESTA ESCOLA

Nossas sugestões

1. Apresentar aos professores os


livros Diários índios, de Darcy
Ribeiro, e Quarup, de Antonio
Callado, propor que alguns
interessados os leiam e apre-
sentem aos colegas, como for-
ma de melhor compreender as
raízes indígenas dos alunos e
membros da comunidade.

2. Propor aos professores de


português, história e artes a
montagem de uma peça de
teatro ou dança a partir do livro
Cobra Norato, de Raul Bopp,
cujo tema é uma lenda do
Amazonas.
Capítulo 4

Caso 7 Escola Municipal Conde de


Agrolongo, Rio de Janeiro, RJ

Os 1.460 alunos, do jardim da infância produtos muito interessantes. Em


à 8a série, são atendidos por setenta história, por exemplo, os alunos
professores e por uma equipe técnica montaram uma peça na qual apre-
formada por diretora, diretora-adjunta, sentaram o julgamento da Coloni-
coordenadora pedagógica e zação. Em ciências, fizeram um le-
professores regentes de sala de leitura. vantamento das plantas e dos pro-
Grande parte das famílias mora nos cedimentos usados na medicina
Morros de Caixa Alta e do Cerro e no popular. Em português, colecionaram
Complexo do Alemão, lugares com mitos indígenas e histórias do nosso
infra-estrutura urbana deficiente, onde folclore. Em educação física e artes,
as pessoas têm de acordar mais cedo resgataram antigas brincadeiras de
para buscar água e às vezes não roda e organizaram um festival de
conseguem "porque os malandros não pipas.
deixam".
A equipe técnica separou os livros da
Os docentes têm reuniões semanais biblioteca que poderiam subsidiar a
nas quais discutem textos e assistem a implementação do projeto e os
vídeos sobre os temas que rnais os colocou à disposição dos docentes e
preocupam, como Avaliação. dos alunos, como, por exemplo,
Plantas que curam, Fábulas in-
Dentre as prioridades da proposta pe- dígenas, Didática e folclore, além de
dagógica da escola está oferecer aos alu- obras de História do Brasil.
nos condições de desenvolver as com-
petências necessárias para se inserir e Marilza Brandão Pires, responsável
permanecer no mercado de trabalho. pela sala de leitura, conta que os pro-
fessores costumam retirar livros para
Em 1999, todos os professores uni- trabalhar em sala de aula. Quando os
ram-se para desenvolver o projeto alunos vêm até a sala de leitura,
Brasil 500 Anos, Rumo ao Terceiro procura criar uma atmosfera mágica
Milênio, que foi abordado sob dife- que desperte neles o gosto pelos
rentes perspectivas, de acordo com as livros. Ela conta histórias e também lê
áreas e as séries, resultando em alguns livros em voz alta, inter-
rompendo a leitura de vez em quando pelos alunos, do jornal Planeta do
para que eles, os alunos, discutam e Conde, a organização de festivais de
dêem a sua opinião. A sala de leitura música e de poesia. Vanessa Gregório,
da "Conde" é um espaço de animação da 4ª série, teve um de seus trabalhos
cultural, de onde se impulsiona uma publicados no livro Com a palavra...
série de atividades, como a gravação e os poetas, uma antologia de poemas de
a divulgação dos vídeos da TV Escola, alunos da rede municipal de educação
a elaboração, do Rio de Janeiro.

OUTRAS FORMAS DE UTILIZAR O ACERVO PNBE/98 EM FUNCAO DA


PROPOSTA PEDAGÓGICA DESTA ESCOLA

Nossas sugestões

Propor aos professores a leitura


conjunta e a discussão dos livros
Casa-grande e senzala e
Sobrados e mocambos, de Gilber-
to Freyre, para um mergulho nas
origens da nossa sociedade e
para uma compreensão rnais
aprofundada das desigualdades
sociais que se refletem na clien-
tela da escola.
Caso 8 Instituto de Educação Sarah
Kubitschek, Rio de Janeiro, RJ

Os edifícios que compõem o Instituto procura é muito grande. Em 1999, 44


abrigam 7 mil alunos — uma turmas de novos professores for-
população maior que a de muitos maram-se no "Sarah". Mas, segundo a
municípios brasileiros. A maioria é de diretora-adjunta Gilda Francisco de
classe média, mas há também Oliveira Silva, poucos pretendem
moradores de favelas próximas. O seguir a carreira.
Instituto oferece ensino fundamental,
ensino médio e magistério. Há A leitura é incentivada por meio da
trezentos professores, e a equipe montagem de peças teatrais que exi-
técnica que gerencia esse universo é gem pesquisa em diferentes livros para
formada por dois diretores (um do sua preparação e nas quais se integram
ensino fundamental e outro do médio), várias disciplinas, tais como História,
dois dire-tores-adjuntos, três Português e Artes.
orientadores, um coordenador só para
o ensino médio, uma encarregada de A biblioteca é bem freqüentada pelos
sala de leitura e dois animadores alunos, e é possível notar que algumas
culturais que também atuam na sala de obras do Acervo PNBE/98 são muito
leitura como contadores de histórias, retiradas. É o caso de A madona de
organizadores de teatro de fantoches e cedro, de Antonio Calado, A
coordenadores da elaboração do jornal Moreninha, de Joaquim Manuel de
da escola. Macedo, Auto da Compadecida, de
Ariano Suassuna, Capitães de areia,
E a única escola da região onde existe de Jorge Amado, e Memorial de Maria
curso de magistério, por isso a Moura, de Rachel de Queiroz.
OUTRAS FORMAS DE UTILIZAR O ACERVO PNBE/98 EM FUNÇÃO DA
PROPOSTA PEDAGÓGICA DESTA ESCOLA

Nossas sugestões

1. Propor aos animadores cul-


turais a formação de conta-
dores de histórias, escolhidos
entre alunos voluntários, que
poderiam apresentar-se nas
salas de aula, despertando nos
colegas a vontade de 1er.

2. Propor aos professores do


curso de magistério a leitura
de A normalista, de Adolfo
Caminha, comparando o que
mudou e o que permanece, do
século XIX para cá, em
termos do perfil e das preo-
cupações do estudante de
magistério, bem como dos
recursos disponíveis para sua
formação.
4.2. Sugestão de dinâmica
Objetivo Oferecer aos professores a oportunidade de trocar do Acervo
PNBE/98 da biblioteca da escola, sua relação com os
livros e sobre o tipo de leitura

Procedimento

Divida os professores em oito grupos. Dê a cada grupo


a cópia do caso de uma escola (sem o quadro "Nossas
sugestões"). Peça que, em grupo, levantem os livros e
as obras de referência presentes no Acervo PNBE/98
que poderiam ser utilizados para incrementar o trabalho
daquelas unidades e/ ou outras atividades que poderiam
ser realizadas para estimular o gosto pela leitura entre a
equipe escolar e os alunos.
com os professores

idéias sobre formas possíveis de se utilizar as obras


oferecendo-lhes a oportunidade de dialogar sobre que
preferem.

2 Chame um representante de cada grupo para


expor as idéias que surgiram. Complemente com
as contidas no item "Outras formas de utilizar o
Acervo PNBE/98 em função da proposta peda-
gógica desta escola — Nossas sugestões".
Capítulo 5

Como colocar o
planeta Acervo
PNBE/98 na órbita da
proposta pedagógica
de sua escola: Plano
de Ação

Agradecemos a colaboração de Boudewijn vanVelzen do Centro Nacional pelo


Aperfeiçoamento das Escolas (APS), Utrecht, Holanda, e Claudia Ceccon, do Centro de
Criação de Imagem Popular (Cecip), Rio de Janeiro, RJ.
Capítulo 5

Se você nos acompanhou até los para que percebam suas O caminho para se enfrentar
aqui, pode ser que esteja com próprias características como este e outros desafios com que
vontade de começar a explorar, leitores e a motivá-los a 1er uma escola depara como or-
com seus professores, as possi- algumas das obras do Acervo ganização que aprende passa
bilidades do Acervo PNBE/98 PNBE/98. pelo planejamento de ações,
como mais uma ferramenta de realizado de forma coletiva,
aperfeiçoamento profissional e Mas... como realizar progres- com envolvimento de todos os
humano e de fortalecimento da sos, passo a passo, de forma interessados.
proposta educacional de sua inteligente, rumo à ampliação
unidade. das oportunidades oferecidas UM EXEMPLO
aos professores de se exercita-
Já apresentamos, nos capítulos rem como leitores, capazes não Uma escola fictícia, "Alberto
anteriores, sugestões de al- só de utilizar os livros em fun- Caieiro", tem por missão
gumas dinâmicas que podem ção da proposta pedagógica que "Possibilitar que todos os
ser adaptadas e utilizadas pela implementam, mas também de alunos aprendam a ser, a
liderança educacional da escola perceber na leitura uma forma conviver, a fazer e a aprender
em reuniões com os docentes, de felicidade e de crescimento sem cessar, investindo no
visando a sensibilizá- pessoal? aperfeiçoamento humano e

Um Plano de Ação Realista Especifico


MAR será capaz de O reconhecimento das Tanto o objetivo como as
colocar a equipe em condições existentes determina etapas para se chegar a ele
movimento rumo à se um plano é realista ou não. devem ser concretos e
rneta desejada, pois Por exemplo, seria um absurdo específicos. Com isso, os
se caracteriza por elaborar um plano visando profissionais vão ter bem
ser... apresentar o Acervo PNBE/ 98 claro o que precisam fazer
aos professores sem saber ao para chegar onde pretendem.
certo se os livros chegaram à
escola. Ou, ainda, pretender
que, em dois meses, todos os
professores lessem sessenta
livros do acervo.
profissional dos docentes e na coordenador pedagógico e Em seguida, é preciso traçar
interação constante com a encarregados da biblioteca um Plano de Ação (veja o
comunidade". A equipe técnica formulam um objetivo es- quadro abaixo) que indique
desta escola, no entanto, pecífico voltado à sua reso- claramente como alcançar, a
identifica, dentre os problemas lução: curto prazo, esse objetivo.
que representam um obstáculo
à realização da missão, o "Informar os professores sobre O acróstico REMAR diz muito
seguinte: 90% dos professores o conteúdo do Acervo PNBE/ sobre a essência dessa
da escola não estão 98 por meio de três oficinas de abordagem de planejamento
suficientemente informados quatro horas cada, permitindo para a ação. Afinal, na escola
sobre o conteúdo do Acervo que identifiquem pelo menos estamos todos no mesmo barco.
PNBE/98 e, portanto, não três obras que lhe interessem Temos de nos apoiar
podem aproveitá-lo, seja para como pessoas ou profissionais mutuamente e remar na mesma
seu uso pessoal, seja como e possam selecionar uma delas direção se quisermos sair do
recurso pedagógico. para leitura, comprometendo-se lugar.
a compartilhar o que leram com
Para enfrentar esse problema, os colegas dentro de um mês."
diretor, diretor-adjunto,

M ensurável traente Realizado a tempo


As etapas rumo à realização O Plano de Ação torna-se Um plano depende
do objetivo devem ser atraente quando focaliza fundamentalmente da sua
descritas de tal forma que atividades que os credibilidade. Se uma
possam ser monitoradas, profissionais desempenham etapa não for completada a
"medindo-se" até que ponto e é elaborado pelas pessoas tempo, os passos
cada uma delas está sendo que vão colocá-lo em prática. seguintes não podem ser
realizada. Os profissionais precisam realizados. Qualquer plano
sentir que o plano é deles. falha se não houver um
cronograma claro e se este
não for levado a sério.
Capítulo 5

O Plano de Ação da equipe da • Indicar quem deverá executar as


"Alberto Caieiro", portanto, terá atividades.
grandes chances de atingir seu ob-
jetivo se: • Indicar quando cada uma das ati-
vidades será realizada, garantin-
• Envolver, na sua elaboração, as do sua execução dentro do espa-
pessoas que irão implementá-lo. ço de tempo de que se dispõe.

• Registrar, por meio de palavras- • Indicar como cada uma das


chave, a missão da instituição atividades será realizada, ex-
(síntese de sua proposta educa- plicitando os recursos necessá-
cional, que exprime a identidade rios (financeiros e/ou materiais).
da escola), explicitando o norte
de todas as ações. • Descrever os indicadores de êxi-
to, ou seja, o que será realizado
• Tendo em vista a missão da ins- ao final de cada atividade e ao fi-
tituição, determinar e delimitar nal do plano, se tudo der certo.
com clareza o objetivo que será
trabalhado. Veja como, depois de discutir cada
etapa, a equipe técnica da "Alberto
• Descrever o que será feito — as Caieiro" formatou o seu Plano de
atividades/etapas necessárias Ação (vide p. 144).
para alcançar o objetivo. E es-
sencial que as atividades sejam Implementar planos de ação co-
descritas de forma concreta, ou letivamente elaborados é uma for-
corre-se o risco de não ir além ma de melhorar a escola, aperfei-
de boas intenções. çoando o desempenho de seus
profissionais. Planos de ação unem
• Colocar as atividades/etapas em a equipe em torno de objetivos
uma ordem lógica. realizáveis, aumentando seu
poder de analisar e resolver pro-
E lembre-se:
blemas com autonomia. Permitem
avaliar ou rever o trabalho
efetuado durante a realização das
ações e ao final delas. Possibilitam
O fator rnais importante para o real
celebrar sucessos e motivam o
grupo a seguir adiante, transfor-
aperfeiçoamento de uma instituição
mando gradativamente em reali- educacional é o diálogo constante entre a
dade a missão da escola. liderança educacional da escola e os
professores, tendo como foco o trabalho
Depois de elaborar e executar o
Plano de Ação REMAR com a
pedagógico, voltado à aprendizagem de
equipe técnica, experimente fazer o todos. Planos de Ação específicos
mesmo com o grupo de profes- representam um poderoso aliado para que a
sores, a partir de um objetivo por equipe empreenda passos sistemáticos rumo
eles levantado. Pode ser, por
à melhoria da qualidade da educação,
exemplo, organizar um concurso
de poesia na escola, com temas da incluindo-se aí incrementar a competência
história brasileira, utilizando como de todos como leitores de livros e leitores
subsídio alguns livros do Acervo do mundo.
PNBE/98, ou criar um círculo de
leitura para professores, ou...
Capítulo S

Plano de O QUÊ
COMO

Ação Procedimentos

I. Separar os livros do Levantamento dos livros do Acervo


Acervo PNBE/98 PNBE/98 existentes na biblioteca
TEMA
com ajuda da listagem dos mesmos
Leitura/professores
publicada no Diário Oficial,
colocando-os no local das oficinas
MISSÃO DA separados por gênero literário
INSTITUIÇÃO
(síntese, em palavras-chave)
Aprender a ser, conviver, 2. Motivar os Conversa na hora dos intervalos,
fazer, conhecer; professores em grupo e individualmente,
aperfeiçoamento docente; perguntando: Você gostaria de ter
interação com a comunidade. tempo para ler mais? Por quê?

OBJETIVO 3. Definir os horários Levantamento com os professores


Informar os professores sobre das oficinas dos melhores dias e horários
o conteúdo do Acervo
PNBE/98, por meio de três
oficinas de quatro horas cada,
4. Preparar os Elaboração de agenda, folhas-tarefa,
permitindo que identifiquem
materiais de apoio folhas de avaliação e cartazes
pelo menos três obras que
lhes interessem como pessoas
ou profissionais a fim de
selecionar uma delas para
leitura, comprometendo-se a
compartilhar o que leram com 5. Preparar as Estudo e adaptação das dinâmicas
os colegas dentro de um mês. dinâmicas das propostas no livro Guia do livronauta
oficinas

INDICADORES DE
ÊXITO
I .Ao final da oficina, todos os 6. Organizar o local Preparação do local, dispondo as carteiras
participantes selecionaram das oficinas em U, colocando um quadro-negro ou
três livros que gostariam de flipchart em local visível e montando a
ler. exposição de livros do Acervo
2. Um mês depois da
realização das oficinas, 60% 7. Realizar as oficinas Aplicação das dinâmicas previamente
dos participantes preparadas
compartilham com os
colegas o resumo de um
livro do Acervo PNBE/98.
QUEM QUANDO I
NDICADORES
B
Relação das obras do Encarregado da 13/6 Os livros do Acervo estão separados
Acervo fornecida pela biblioteca, em ficção-prosa, ficção-poesia e
Secretaria de coordenador não-ficção e expostos de forma
Educação; fita crepe, pedagógico atrativa na sala onde serão
cartazes, papel realizadas as oficinas
crepom

Cartazes Diretora 13 a 16/6 90% dos professores terão


anunciando a expresso expectativas em
oficina e abrindo relação à leitura e 70% terão
inscrições feito inscrição para as oficinas

Tabela com nomes Diretora-adjunta 13 a 16/6 Os dias escolhidos para as oficinas


de professores, dias são compatíveis com a disponibi-
e horários lidade de 100% dos inscritos

Papel, cópias Diretora, diretora- 17 a 21/3 Folhas-tarefa, folhas de avaliação,


adjunta.encarregado agenda e cartazes prontos
da biblioteca,
coordenador
pedagógico

Livro Guia do Diretora, 22 a 27/3 Os profissionais são capazes de


livronauta encarregado da apresentar cada dinâmica de
biblioteca, forma clara, em "ensaio" prévio
coordenador
pedagógico

Todos os livros do Diretora-adjunta, 28/3 Foto da sala mostra carteiras


Acervo encarregado da dispostas em U, quadro-negro ou
biblioteca flipchart bem visível e livros
expostos

Folhas-tarefa, Diretora, 31/3, 7 e 8/4 Participação de 90% dos inscritos


livros do Acervo encarregado em todas as oficinas
PNBE/98, papel da biblioteca, 80% dos participantes avaliam as
manilha, pincéis coordenador oficinas como "ótimas" ou "boas"
atômicos pedagógico
Conclusão

Como nascem
os livro nautas

Caro leitor, cara leitora, aqui termina um livro que pode ser
o começo de novas e instigantes historias.

Ele foi escrito por um grupo de "livronautas", uns mais


jovens, outros já maduros, todos irremediavelmente
engajados em viagens pelos continentes da Ficção-Pro-sa,
da Ficção-Poesia e da Não-Ficção, de onde trazem tesouros
sem conta para sua casa — a realidade.

Um desejo uniu esta equipe: o de que todos os professores,


todos os alunos brasileiros e seus pais possam também
experimentar o prazer sem fim que é despertar os gênios
encantados nas páginas dos livros e voar com eles para
além dos limites do horizonte cotidiano.

Talvez você também compartilhe desse desejo. Como


liderança educacional, tem as condições que nos faltam para
realizá-lo, motivando docentes, alunos e comunidade a
abrirem os portões da biblioteca para explorar suas galáxias,
percorrerem seus planetas e territórios. Você e sua equipe
podem escrever uma nova "história de leitura" na escola.
Por isso lhe somos gratos, e despedimo-nos,
compartilhando um segredo: como nos tornamos
livronautas e que alegrias tiramos disso.
Carla Saukas
Jornalista pela PUC-SP, licenciada em
Letras pela USP

que tinha idéias e A bolsa amarela,


que encantaram a minha infância.
Esses dois últimos foram lidos na
escola, no primário: em cada classe,
havia uma pequena biblioteca e, todos
os dias, vinte minutos para leitura. As
crianças sentavam-se como queriam e
liam o que escolhessem.

Ser livronauta sempre me trouxe


benefícios: nunca tive problemas com
redação, por exemplo, a grande praga
do vestibular. Existem outras
vantagens, e muitas.
O meu contato com livros não co-
meçou propriamente em momento Primeiro, um leitor nunca se sente
algum: nasci no meio deles, essa é que solitário. Está sempre em boa com-
é a verdade. Na minha casa, tinha panhia.
livros pra todo lado: na sala, nos
quartos, muitas vezes empilhados na Segundo, livro é uma opção barata de
mesa da cozinha e até no banheiro. lazer, nos tempos de hoje, em que
Livros sempre foram uma mania de ninguém está para gastar dinheiro a
família. toda hora. E é uma ótima maneira de
viajar sem sair do lugar. Não apenas
Éramos três filhos. Lembro-me das por lugares, mas também por épocas!
noites em que minha mãe sentava com
a gente para contar histórias de fadas: Terceiro: para os tímidos, a melhor
volumes enormes, ilustrados com estratégia. Vá à praia e paquere
aqueles desenhos tão bonitos. Mais disfarçadamente, olhando por cima do
tarde, quando aprendi a 1er, nunca volume. Além de tudo, tem o charme
perdi o gosto pelas histórias infantis. intelectual, ou vocês pensam que leitor
Peter Pan, Alice no País das não é chegado nessas coisas?
Maravilhas e a coleção dos irmãos
Grimm ainda têm destaque na minha
biblioteca, bem como A fada
Edleuza Ferreira da Silva
Licenciada em Letras pela USP

ainda pública, o professor de Por-


tuguês me fez odiar a leitura de A
pata da gazela, de José de Alencar,
não pela trama, mas pelo resumo
que era obrigada a fazer e não
sabia como, por mais que ele
explicasse.

Este mesmo professor incentivava


muito o teatro, e então, aos 12
anos, eu transformava partes
narradas dos textos de Monteiro
Lobato em diálogos. Dirigia, es-
colhia os atores e organizava, so-
Enquanto minha mãe não precisou zinha, a peça de encerramento do
trabalhar fora, contava-me histórias: ano. Era um sucesso na escola!
Os três Porquinhos, Branca de Neve,
A bela adormecida. Depois de Aquele professor de língua por-
alfabetizada, 1er tornou-se minha tuguesa foi determinante, por seus
diversão predileta, principalmente erros e acertos, para que eu me
quando chovia ou quando brigava com tornasse uma livronauta. Hoje eu
a única amiga de infância e não tinha sei.
com quem brincar.
A leitura prazerosa foi arquivada
Livros, tinha quase nada. Lia os gibis durante o restante do meu colegial.
dos primos rnais velhos e as Passei a amá-la novamente quando
fotonovelas. Estas às escondidas, decidi ser professora e entrei no
porque minha mãe as proibia. curso de Letras da Universidade de
São Paulo. Então, a paixão pela
Na escola pública, as professoras do leitura reacendeu e hoje procuro
primário faziam trava-línguas, "chamuscar" todos à minha volta...
teatrinhos, jograis... Na 5ª série,
Fabiana Pino
Licenciada em Letras pela USP

A escola, depois, iria me colocar de


sobreaviso contra os livros. Somente
ao entrar na faculdade de Letras é que
me desarmei e pude voltar a obras e a
autores que havia sido obrigada a 1er
na infância e na adolescência, e que
tanto me amedrontaram, com sua
linguagem obscura, personagens e
situações quase inacessíveis para mim.

Resolvi fazer Letras meio por acaso,


mas o que começou como brincadeira
rapidamente se tornou muito sério.
Hoje, minha biblioteca particular tem
Mal saíra das fraldas e já andava pela um tamanho considerável, mesmo que
casa carregando um livro de fábulas e quase um terço dos livros ainda não
atormentando minha mãe: "Tonta tenha sido tocado. Mas eles, e muitos
histolinha, tonta!". Eu aprendia as outros, terão sua vez.
histórias de cor e não admitia que, na
leitura, nada fosse alterado ou
omitido.

Já mais velha, comecei a explorar


bibliotecas alheias. Graças a meus
pais, que costumavam adquirir livros
ao acaso, e a uma tia, compradora de
coleções com um único objetivo: não
lê-las. Sua estante cheia encantava-
me, e às vezes eu roubava alguns
livros para folhear. Dentre muita
inutilidade, algumas pérolas. Histórias
interessantes, cujos autores nem me
lembro.
J. C. Leão
Sociólogo pela USP

nhecer um autor alemão chamado


Karl May. Com ele viajei para o
Curdistão e percorri as planícies
americanas em meio aos índios,
sempre capitaneado pelo herói
"Mão de Ferro". Em seguida,
vieram os livros policiais... e o
prazer de 1er livros de todos os
gêneros, que passou a me
acompanhar para sempre.

Os gibis de todos os gêneros, de Pato


Donald a Cavaleiro Negro, ensina-
ram-me a gostar de 1er. Ao mesmo
tempo, nas aulas de língua portuguesa
tomava contato com fragmentos de
textos de autores nacionais. Algumas
citações ficaram gravadas até hoje em
minha memória, como "O sertanejo é
antes de tudo um forte" (Euclides da
Cunha, Os sertões). Em casa, folheava
os livros espíritas que meus pais liam
e que eu achava divertidos porque
falavam de "fantasmas".

O salto definitivo para os livros ocor-


reu na biblioteca do meu bairro, onde
ia atrás dos gibis. Para isso, a condição
era, antes, passar uma hora lendo
livros. Foi quando pude co-
Conclusão

Jorge Miguel Marinho Explico melhor: o meu primeiro


Escritor, autor, dentre outros livros, de Te contato com os livros só aconteceu aos
dou a Lua amanhã, prêmio Jabuti 94 quinze anos. A obra que me abriu as
portas do maravilhoso mundo das
narrativas foi Os padres também
amam, de Adelaide Carraro, para
muitos leitura apelativa, de
"sacanagem" mesmo, principalmente
esta que mistura sexo com religião. Na
época eu gostei muito e li os outros
livros dessa minha primeira autora,
todos eles emprestados por uma amiga
que lia sempre às escondidas, um dos
melhores métodos de convite à leitura
densa, tensa e curiosa. Li e esqueci.
Mas o sentido da necessidade,
provocado e momentaneamente
satisfeito pela narrativa ingênua,
Para mim, a leitura de fato, aquela demagógica e inflacionada de clichês,
leitura boa e feliz, acontece ao acaso, e ficou. Acontece que a leitura,
não por acaso, às vezes pode até se independentemente do assunto ou da
tornar um caso de amor. qualidade literária, depura o gosto, e
quando ela fisga o leitor, ele está
A minha história de leitura inicial foi salvo. Eu me salvei.
precária, retardatária e clandestina,
diferente do mundo de livros que faz Fui lendo Saint-Exupéry, Machado de
parte da vida de outros escritores. Por Assis e, é claro, Clarice Lispector, que
isso mesmo, ela me parece muito é a escritora que pedi a Deus. Vieram
singular — ao menos para questionar e então Graciliano Ramos, Cortázar,
até implodir um certo senso comum: García Márquez, Murilo Rubião e
"Para ser escritor é preciso ter lido os tantos outros.
clássicos, sem esquecer a filosofia, a
história, os contos da carochinha e que Hoje eu acredito mesmo que essa
tais". Não houve clássicos na minha ausência de leitura até a adolescência e
infância. A leitura chegou muito tarde depois um excesso de livros, per-
na minha vida. Entretanto, esse atraso sonagens e pessoas fizeram de mim
acabou proporcionando o encontro um escritor. Um toque inicial do
rnais exato e pontual. acaso, seguido de um caso definitivo
de amor.
Maria Cecília Martinez
Mestre em História Social pelo Departa-
mento de História da FFLCH/USP e
doutoranda em História Social peia USP

Assim, meus pais foram, pouco a


pouco, despertando minha curio-
sidade sobre os rnais variados as-
suntos. Iam me contando histórias
das quais queria saber rnais
detalhes; justamente neste mo-
mento, eles me entregavam um
livro e falavam: "Nele você terá as
informações a mais que deseja".
Deste modo, meus pais foram
despertando em mim o prazer da
leitura.

Este imenso prazer foi ainda mais


Desde pequena via meus pais lendo. estimulado pela ação de vários
Todos os assuntos os interessavam, e professores do curso de História da
eles procuravam passar aos filhos a PUC/SP, cuja dedicação ia para
grande emoção que sentiam quando muito além do dever de ensinar.
conheciam algo novo. Esta era a
grande lição que eles sempre repetiam:
o conhecimento é o principal caminho
para a liberdade.
Conclusão

Madza Ednir
Pedagoga pela USP, mestre em Educação
pela PUC/SP, consultora em Comunicação
e Educação do Cecip (RJ), autora, dentre
outros livros, de Ler e escrever, muito
prazer, com Beatriz Cardoso

introduziam meus colegas, de famílias


camponesas, em um universo de
leitura e arte que para mim era to-
talmente familiar.

Na realidade, eu não vivia em uma


casa "normal", mas em uma biblioteca.
Os cômodos possuíam apenas um
mobiliário rústico, o mínimo
indispensável. O espaço era dominado
por prateleiras e estantes que
ocupavam todas as paredes, de alto a
baixo. Havia obras de filosofia, de
antropologia, de sociologia, de his-
Filha de dois grandes livronautas, ao tória, de divulgação científica, mas o
empreender minhas navegações pelo que me encantava eram os romances e
universo dos livros, nada rnais faço contos, sem falar nas revistas
que seguir a tradição da família. Em ilustradas nacionais, como A Cigarra e
casa podia faltar pão, mas livros, Manchete, e estrangeiras, como a Life
nunca. Na década de 1950, morá- e a National Geographic. Meus pais
vamos em uma cidadezinha no fim do não impunham nenhum limite às
mundo, de ruas de terra, com uma minhas incursões pelo mundo dos
padaria, uma igreja, um posto de saúde livros. Eu ia testando as forças,
e uma escola. A luz elétrica acabava às ampliando fronteiras. Tinha os "meus"
11 horas da noite. Depois disso, livros, é claro: lendas de todos os
continuávamos lendo à luz de velas ou países do mundo, a coleção completa
acendíamos o lampião de querosene. de Monteiro Lobato, os livros da
Acho que 90% dos livros de Paulicéia senhora Leandro Dupré... Mas se
estavam concentrados no nosso quisesse visitar Jorge Amado,
endereço. Os outros 10% ficavam no Turguenieff, Checov, Maupassant,
Grupo Escolar, onde professoras Maugham ou Érico Veríssimo, tudo
maravilhosas bem. Eu lia literatura adulta aos
saltos. Pegava o fio do enredo e ele me
guiava pela complexidade do texto. As
passagens que não entendia ou achava
chatas, pulava. Depois, assombrada,
contava à mãe o que havia "capturado"
em minhas "caçadas de leitura", e ela
me ajudava a digerir o impacto.
Mamãe não apenas lia e dramatizava
histórias para mim, mas as inventava
também. Criava novelas em capítulos,
que eu aguardava ansiosamente a cada
final de tarde. O mais fantástico é que
eu podia interferir na história, pedindo
para que o destino dos personagens
fosse modificado aqui e ali. Foi minha
iniciação às delícias de imitar o
Criador. Pois um escritor tem sobre
seus personagens poderes de vida e
morte; é senhor absoluto de seus
destinos, como os religiosos acreditam
que Deus seja dos nossos.

Livronauta de nascença, só adoles-


cente fui me dar conta de que era
pobre. E que, mesmo sem geladeira,
sem sofá, nem mesinha de centro, sem
televisão e sem conforto, aquela
humilde casa de madeira cinza para
mim era um palácio, pois tinha tudo o
que eu precisava: amor, criatividade e
livros.
índice por obra

Título da obra Autor Gênero Página

200 crônicas escolhidas Rubem Braga Não-ficção 101

A arca de Noé Vinícius de Moraes


Ficção-poesia 75
A bagaceira José Américo de Almeida
Ficção-prosa 43
A Capital Federai Arthur de Azevedo Ficção-prosa 32

A educação pela pedra e depois João Cabral de Melo Neto Ficção-poesia 75

A festa Ivan Angelo Ficção-prosa 51

José Murilo de Carvalho Não-ficção 90


A formação das almas — o imaginario da República no Brasil A
Afrânio Coutinho e Eduardo de Faria Coutinho Não-ficção 94
literatura no Brasil (6 volumes)
A madona de cedro Antonio Callado Ficção-prosa 56

A Moreninha Joaquim Manuel de Macedo Ficção-prosa 36

A morte e a morte de Quincas Berro d'Água Jorge Amado Ficção-prosa 33

A normalista Adolfo Caminha Ficção-prosa 60


A paixão segundo G. H. Ficção-prosa 57
Clarice Lispector
Angústia Ficção-prosa 39
Graciliano Ramos
Antologia de antologias — 101 poetas brasileiros revisitados Magaly T. Gonçalves/Zélia T. de Aquino/Zina B. Silva Ficção-poesia 77

Antologia poética Carlos Drummond de Andrade Ficção-poesia 72

Antologia poética Mário Quintana Ficção-poesia 74

Antologia poética Vinícius de Moraes Ficção-poesia 75

Carlos A. C. Lemos Não-ficção 92


Arquitetura brasileira
Rodrigo Mello Franco de Andrade Não-ficção 93
Artistas coloniais
As razões do Iluminismo Sérgio Paulo Rouanet Não-ficção 96

Auto da Compadecida 35
Ariano Suassuna Ficção-prosa

Campanhas jornalísticas (3 volumes) Rui Barbosa Não-ficção 99

Jorge Amado Ficção-prosa 48


Capitães de areia Carnavais,
Roberto DaMatta Não-ficção
malandros e heróis 88
Casa-grande e senzala Gilberto Freyre Não-ficção
81
Cidades mortas Monteiro Lobato Ficção-prosa 32

Ciranda de pedra Lygia Fagundes Telles Ficção-prosa 40


Raul Bopp Ficção-poesia 71
Cobra Norato
Rubem Fonseca Ficção-prosa 63
Contos reunidos
Titulo da obra Autor Gênero Página

Coronelismo, enxada e voto Victor Nunes Leal Não-ficção 85

Crônica da casa assassinada Lúcio Cardoso Ficção-prosa 60

De Anchieta a Euclides
Diários índios — os urubus-kaapor José Guilherme Merquior Não-ficção 96

Darcy Ribeiro Não-ficção 91


Machado de Assis Ficção-prosa 52
Dom Casmurro
Castro Alves Ficção-poesia 68
Espumas flutuantes
Estrela da vida inteira Manuel Bandeira
Ficção-poesia 71
Fogo morto José Lins do Rego
Ficção-prosa 45
Maria José M.Wehling/Arno Wehling Não-ficção
Formação do Brasil colonial 90
Caio Prado Junior Não-ficção
Formação do Brasil contemporâneo 84
Formação econômica do Brasil Celso Furtado Não-ficção
86
Gabriela cravo e canela Jorge Amado Ficção-prosa 39

Grande sertão: veredas Guimarães Rosa Ficção-prosa 55

História da literatura brasileira José Veríssimo Não-ficção 94

História econômica do Brasil Caio Prado Junior Não-ficção 84

História geral da civilização brasileira Sérgio Buarque de Holanda/Bons Fausto Não-ficção 89

Ficção-prosa 38
laiá Garcia Machado de
Ficção-prosa 37
Iracema Assis José de
Lavoura arcaica Raduan Nassar Ficção-prosa 59

Livro dos sonetos Vinícius de Moraes Ficção-poesia 75

Manuelzão e Miguilim Guimarães Rosa Ficção-prosa 53

Mar morto Jorge Amado Ficção-prosa 40

Marques Rebelo: os melhores contos Marques Rebelo Ficção-prosa 46

Mauá — empresário do Império Jorge Caldeira Não-ficção 103

Memória e sociedade — lembranças de velhos Ecléa Bosi Não-ficção 88

Memorial de Maria Moura Rachel de Queiroz Ficção-prosa 48

Memórias do cárcere Graciliano Ramos Não-ficção 100

Memórias póstumas de Brás Cubas Machado de Assis Ficção-prosa 52

Menino de engenho José Lins do Rego Ficção-prosa 45

Minha formação Joaquim Nabuco Não-ficção


»!
índice por obra

Título da obra Autor Gênero Página

Música popular — um tema em debate José Ramos Tinhorão Não-ficção 92

No Urubuquaquá, no Pinhém Guimarães Rosa Ficção-prosa 54

Noites do sertão Guimarães Rosa Ficção-prosa 55

Nove, novena Osman Lins Ficção-prosa 58

0 Brasil nação Manoel Bonfim Não-ficção 80

0 coronel e o lobisomem José Cândido de Carvalho Ficção-prosa 34

0 encontro marcado Fernando Sabino Ficção-prosa 58

0 mulo Darcy Ribeiro Ficção-prosa 62

0 quinze Rachel de Queiroz Ficção-prosa 47

0 tempo e o vento Érico Veríssimo Ficção-prosa 46

0 Uraguai José Basílio da Gama Ficção-poesia 68

0 vampiro de Curitiba Dalton Trevisan Ficção-prosa 62

Ópera dos mortos Autran Dourado Ficção-prosa 41

Os bestializados — o Rio de Janeiro e a República que não foi José Murilo de Carvalho Não-ficção 90

Os cavalinhos de Platiplanto José J. Veiga Ficção-prosa 56

Os donos do poder — formação do patronato brasileiro Raimundo Faoro Não-ficção 85

Os parceiros do Rio Bonito Antônio Cândido Não-ficção 87

Os sertões Euclides da Cunha Não-ficção 80

Os tambores de São Luis Josué Montello Ficção-prosa 50

Panorama do teatro brasileiro Sábato Magaldi Não-ficção 95

Perto do coração selvagem Clarice Lispector Ficção-prosa 57

Poemas Fagundes Varela Ficção-poesia 69

Poesia completa Jorge de Lima Ficção-poesia 70

Poesia completa (4 volumes) Cecília Meireles Ficção-poesia 72

Poesia completa e prosa Murilo Mendes Ficção-poesia 73

Poesias Raimundo Correia Ficção-poesia 69

Poesias completas Cruz e Souza Ficção-poesia 70

Quarup Antonio Callado Ficção-prosa 49

Quase memória Carlos Heitor Cony Não-ficção 102

Quincas Borba Machado de Assis Ficção-prosa 53


Título da obra Autor Gênero Página
Raízes do Brasil Sérgio Buarque de Holanda Não-ficção 83

Lima Barreto Ficção-prosa 42


Recordações do escrivão Isaías Caminha
Nélida Piñon Ficção-prosa 50
República dos sonhos
Sagarana Guimarães Rosa Ficção-prosa 54

Seleta de prosa Manuel Bandeira Não-ficção 100

Senhora José de Alencar Ficção-prosa 37


Serafim Ponte Grande Oswald de Andrade Ficção-prosa 33

Serial e antes João Cabral de Melo Neto Ficção-poesia 75


Sermões Antonio Vieira Não-ficção 98

SÍTIO DO PICAPAU AMARELO Monteiro Lobato Ficção-prosa 64


A chave do tamanho
Aritmética da Emilia
Caçadas de Pedrinho
Dom Quixote das crianças
Emilia no Pais da Gramática
Geografìa de Dona Benta
Hans Staden
Histórias das invenções
Histórias de Tia Nastácia
Histórias diversas
Histórias do mundo para crianças
Memórias da Emilia
O Picapau Amarelo
O poço do Visconde
O Saci
Os doze trabalhos de Hércules
Reinações de Narizinho
Serões de Dona Benta
Viagem ao céu

Sobrados e mocambos Gilberto Freyre Não-ficção 82

Teatro completo de Nelson Rodrigues Nelson Rodrigues Ficção-prosa 61


Toda poesia Ferreira Gullar Ficção-poesia 76

Triste fim de Policarpo Quaresma Lima Barreto Ficção-prosa 42

Um mestre na periferia do capitalismo — Machado de Assis Roberto Schwarz Não-ficção 97

Urupês Monteiro Lobato Ficção-prosa 43

Vidas secas Graciliano Ramos Ficção-prosa 44

Vila dos Confins Mário Palmério Ficção-prosa 49

Visão do paraíso Sérgio Buarque de Holanda Não-ficção 86

Viva o povo brasileiro João Ubaldo Ribeiro Ficção-prosa 35


indice por obra

Título da obra Autor Gênero Página


Atlas atual geografia Vicenzo Raffaele Bochicchio Referência 108

Atlas da fauna brasileira José Cândido de Melo Franco Referência 110


Atlas escolar de botânica Ronaldo Fernandes de Oliveira Referência III

Atlas geográfico ilustrado Graça M. L. Ferreira/Marcello Martinelli Referência 109


Atlas geográfico Melhoramentos Pe. Geraldo José Pauwels Referência 106

Dicionário Aurélio da língua portuguesa Aurélio Buarque de Holanda Ferreira Referência 112
Dicionário didático de português Maria Tereza C. Biderman Referência 112

Dicionário etimológico Nova fronteira da língua portuguesa Antônio Geraldo da Cunha Referência
112
Enciclopédia dicionário ilustrado Koogan/Houaiss Referência
III
Enciclopédia Barsa - Referência III
Geoatlas Maria Elena Simielli Referência 108

Grande dicionário Larousse cultural da língua portuguesa - Referência 112


Manual de redação e estilo Eduardo Martins Referência 113

Minidicionário da língua portuguesa (Melhoramentos) - Referência 112


Moderno atlas geográfico Graça Maria Lemos Ferreira Referência 106

Moderna gramática portuguesa Evanildo Bechara Referência 112


Nova gramática do português contemporâneo Celso Cunha/Lindley Cintra Referência 112
Adolfo Caminha, p. 60 Graciliano Ramos, p. 39, 44 e 100 Maria José M. Wehling, p. 90

Afrânio Coutinho, p. 94 Guimarães Rosa, p. 53,54 e 55 Mário Palmério, p. 49

Antonio Callado, p. 49 e 56 Ivan Ângelo, p. 51 Mário Quintana, p. 74

Antônio Cândido, p. 87 João Cabral de Melo Neto, p. 75 Marques Rebelo, p. 46

Antonio Vieira, p. 98 João Ubaldo Ribeiro, p. 35 Monteiro Lobato, p. 32, 43 e 64

Ariano Suassuna, p. 35 Joaquim Manuel de Macedo, p. 36 Murilo Mendes, p. 73

Arno Wehling, p. 90 Joaquim Nabuco, p. 98 Nélida Piñon, p. 50

Arthur de Azevedo, p. 32 Jorge Amado, p. 33,39, 40 e 48 Nelson Rodrigues, p. 61

Autran Dourado, p. 41 Jorge Caldeira, p. 103 Osman Lins, p. 58

Boris Fausto, p. 89 Jorge de Lima, p. 70 Oswald de Andrade, p. 33

Caio Prado Junior, p. 84 José Américo de Almeida, p. 43 Rachel de Queiroz, p. 47, 48

Carlos A. C. Lemos, p. 92 José Basílio da Gama, p. 68 Raduan Nassar, p. 59

Carlos Drummond de Andrade, p. 72 José Cândido de Carvalho, p. 34 Raimundo Correia, p. 69

Carlos Heitor Cony, p. 102 José de Alencar, p. 37 Raimundo Faoro, p. 85

Castro Alves, p. 68 José Guilherme Merquior, p. 96 Raul Bopp, p. 71

Cecília Meireles, p. 72 José J. Veiga, p. 56 Roberto DaMatta. p. 88

Celso Furtado, p. 86 José Lins do Rego, p. 45 Roberto Schwarz, p. 97

Clarice Lispector, p. 57 José Murilo de Carvalho, p. 90 Rodrigo Mello Franco de Andrade, p. 93

Cruz e Souza, p. 70 José Ramos Tinhorão, p. 92 Rubem Braga, p. 101

Dalton Trevisan, p. 62 José Verissimo, p. 94 Rubem Fonseca, p. 63

Darcy Ribeiro, p. 62 e 91 Josué Montello, p. 50 Rui Barbosa, p. 99

Ecléa Bosi, p. 88 Lima Barreto, p. 42 Sàbato Magaldi, p. 95

Érico Verissimo, p. 46 Lúcio Cardoso, p. 60 Sérgio Buarque de Holanda, p. 83, 86 e 89

Euclides da Cunha, p. 80 Lygia Fagundes Telles, p. 40 Sérgio Paulo Rouanet, p. 96

Fagundes Varela, p. 69 Machado de Assis, p. 38,52 e 53 Victor Nunes Leal, p. 85

Fernando Sabino, p. 58 Magaly T. Gonçalves, p. 77 Vinícius de Moraes, p. 75

Ferreira Gullar, p. 76 Manoel Bonfim, p. 80 Zélia T. de Aquino, p. 77

Gilberto Freyre, p. 81 e 82 Manuel Bandeira, p. 71 e 100 Zina B. Silva, p. 77


Criação da estrutura e edição
Madza Ednir

Redação
Carla Saukas (ficção-prosa)
Edleuza Ferreira (ficção-poesia)
J. C. Leão (não-ficção)
Fabiana Pino (dicionários, enciclopédia, atlas)
Madza Ednir (sugestões de dinâmicas)

Revisão técnica
Jorge Miguel Marinho (ficção) Maria
Cecília Martinez (não-ficção)

Revisão
Cecilia Fujita Rejane de
Meneses Sonja
Cavalcanti Yana
Palankof

Realização

CECIP

Direção de arte e ilustrações


Claudius Ceccon

Coordenação de produção
Dinah Frotté

Diagramação e editoração
Cristiana Lacerda

CECIP — Centro de Criação e Imagem Popular Largo


de São Francisco de Paula, 34/4º andar 20051-070 •
Rio de Janeiro • RJ Tel: (21) 2509 3812 . Fax: (21)
2252 8604 Homepage: www.cecip.com.br

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