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NÚCLEO DE PÓS GRADUAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO
Coordenação Pedagógica – IBRA

DISCIPLINA

ANALISE DO DISCURSO
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 03

1 INTRODUÇÃO À ANÁLISE DO DISCURSO................................................ 06

2 CARACTERÍSTICAS DO DISCURSO .......................................................... 08

3 ORIGENS DA ANÁLISE DO DISCURSO..................................................... 11

4 ELEMENTOS DA ANÁLISE DO DISCURSO ............................................... 14


4.1 Ideologia..................................................................................................... 14
4.2 Discurso ..................................................................................................... 15
4.3 As condições de produção do discurso ...................................................... 17
4.4 A formação discursiva e formação ideológica ............................................ 19
4.5 O sujeito do discurso .................................................................................. 21

5 ALGUMAS FORMAS DO DISCURSO.......................................................... 24


5.1 O discurso científico ................................................................................... 25
5.2 O discurso da mídia ................................................................................... 27
5.3 O discurso político ...................................................................................... 30
5.4 O discurso estético ..................................................................................... 34

REFERÊNCIAS CONSULTADAS E UTILIZADAS.......................................... 36


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INTRODUÇÃO

Nos esforçamos para oferecer um material condizente com a graduação


daqueles que se candidataram a esta especialização, procurando referências
atualizadas, embora saibamos que os clássicos são indispensáveis ao curso.

As ideias aqui expostas, como não poderiam deixar de ser, não são neutras,
afinal, opiniões e bases intelectuais fundamentam o trabalho dos diversos institutos
educacionais, mas deixamos claro que não há intenção de fazer apologia a esta ou
aquela vertente, estamos cientes e primamos pelo conhecimento científico, testado e
provado pelos pesquisadores.

Não obstante, o curso tenha objetivos claros, positivos e específicos, nos


colocamos abertos para críticas e para opiniões, pois temos consciência que nada
está pronto e acabado e com certeza críticas e opiniões só irão acrescentar e
melhorar nosso trabalho.

Como os cursos baseados na Metodologia da Educação a Distância, vocês


são livres para estudar da melhor forma que possam organizar-se, lembrando que:
aprender sempre, refletir sobre a própria experiência se somam e que a educação é
demasiado importante para nossa formação e, por conseguinte, para a formação
dos nossos/ seus alunos.

A palavra discurso tem diferentes significados. No sentido comum, na


linguagem cotidiana, discurso é simplesmente fala, exposição oral, às vezes tem o
sentido pejorativo de fala vazia, ou cheia de palavreado ostentoso, “bonito”. Nesta
apostila, temos como objetivo analisar e entender o sentido de discurso sob o
enfoque da ciência da linguagem, ou seja, o que os estudiosos pensam a respeito
do que é discurso, portanto esta apostila trata-se de uma reunião do pensamento de
vários autores que entendemos serem os mais importantes para a disciplina.

Para definir o discurso é preciso entender a linguagem porque ao produzir a


linguagem o sujeito produz discursos que pode ser definido como toda atividade
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comunicativa entre interlocutores; atividade produtora de sentidos que se dá na


interação entre falantes (BRANDÃO, 2006).

A análise do discurso procura compreender a língua interpretando sentidos,


levando em consideração os sujeitos que falam e as situações em que as falas são
produzidas. De acordo com Orlandi (1999), o discurso é o lugar onde podemos
observar a relação entre a língua e a ideologia, “compreendendo-se como a língua
produz sentidos por e/ou para os sujeitos”.

Na análise do discurso é necessário considerar que a linguagem não é


transparente, existe uma relação entre ideologia e intencionalidades, ou seja, o
discurso é opaco e não se resume apenas ao texto. Outra questão a considerar é o
contexto histórico, já que ao longo da história são produzidos diferentes dizeres, o
que conforme Orlandi (1999), produz uma memória, um significado que mostra as
relações políticas e ideológicas.

A ideologia é um ponto relevante para a análise de discurso, sua função é


produzir evidências e situar o homem na relação imaginária com suas estruturas
materiais de existência. A ideologia aparece como efeito da relação necessária do
sujeito com a língua e com a história para que haja sentido.

Assim sendo, a análise do discurso procura “colocar o dito em relação ao


não dito”, analisando o que é dito e o que não é dito, procurando não o sentido
“verdadeiro “mas o real sentido em sua materialidade linguística e histórica”, seria
muito do “ler nas entrelinhas”.

Segundo Foucault, a análise do discurso não objetiva descobrir o


inconsciente e sim o secreto.

A importância da análise do discurso ocorre no momento em que permite


explorar de várias formas a relação com o simbólico e atravessar o imaginário que
condicionam os sujeitos. Nesse contexto, os usos de diferentes instrumentos
teóricos disponibilizam a interação de um processo discursivo e faz com que
compreenda-se criticamente a mensagem veiculada.

O objetivo da Análise do Discurso, principalmente enquanto disciplina, que a


partir desse momento trataremos simplesmente por AD, é compreender como um
5

texto funciona, como ele produz sentido, sendo concebido como objeto linguístico
histórico, não esquecendo que o texto é espaço significante.

Sabendo que discurso é efeito de sentidos entre locutores, Orlandi (1999)


destaca que no processo de constituição do discurso estão presentes: memória, o
domínio do saber e os outros dizeres já ditos que garantem a formulação do dizer
(legitimado).

Outro autor importante na escola francesa de análises do discurso é


Foucault. Evidentemente que ele não poderia ficar fora dos nossos estudos! Ao
longo de sua obra A ordem do discurso, ele chama a atenção sobre os mecanismos
de controle discursivo que toda sociedade define. Assim, afirma que nas sociedades
“O discurso é ao mesmo tempo controlado, selecionado e redistribuído por um certo
número de procedimentos, que são projetados para conjurar os poderes e perigos,
dominar o evento aleatório e esquivar sua pesada e temível materialidade”
(FOUCAULT, 1996, p. 11).

Foucault também chama a atenção a grupos de procedimentos que


permitem o controle dos discursos:

1) Procedimentos de exclusão, que englobam três grandes sistemas de


exclusão - a palavra proibida, a separação da loucura e a verdade;

2) a (oposição razão e loucura), ou seja não se pode falar de tudo em


qualquer circunstância;

3) verdadeiro e falso, trata-se do procedimento que decide a justiça e atribui


a cada um sua parte, em síntese - qualquer um não pode falar de qualquer coisa.

Enfim, após apresentarmos um pouco do que pretendemos discutir sobre a


AD, para maior interação com o aluno deixamos de lado algumas regras de redação
científica, mas nem por isso o trabalho deixa de ser científico.

Desejamos a todos uma boa leitura e caso surjam algumas lacunas, ao final
da apostila encontrarão nas referências consultadas e utilizadas aporte para sanar
dúvidas e aprofundar os conhecimentos.
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1 INTRODUÇÃO À ANÁLISE DO DISCURSO

A linguagem é uma atividade exercida entre falantes: entre aquele que fala e
aquele que ouve, entre aquele que escreve e aquele que lê. A linguagem é um
trabalho desenvolvido pelo homem – só o homem tem a capacidade de se expressar
pela linguagem verbal.

Nas relações do dia a dia, fazemos um uso (quase) automático da


linguagem (por ex., em situações informais como em conversas com amigos,
familiares etc.), mas em situações mais complexas (como em entrevista para
trabalho, em uma conferência, falando com uma autoridade) exercer, dominar a
linguagem é uma atividade trabalhosa, pois exige esforço, exige o desenvolvimento
de um conhecimento linguístico e de conhecimentos extralinguísticos. Isto é, não
basta saber a gramática da língua, temos que saber também quem é a pessoa com
quem falamos ou a quem escrevemos, temos que ajustar a nossa linguagem à
situação em que estamos falando, ao contexto em que o discurso está sendo
produzido.

Como diz Albuquerque (1993), ao produzir a linguagem, os falantes


produzem discursos, portanto, vamos entender o que um discurso!

A palavra discurso remete à fala, à capacidade de verbalização, de


explicitação verbal, mas não possui como referência exclusiva a retórica. A AD não é
uma preocupação intelectual recente, inscreve-se na tradição da “reflexão sobre o
pensamento”. Existe enquanto uma tradição intelectual do pensamento filosófico
grego, remontando à sofística (MORAES, 2005).

Podemos definir discurso como toda atividade comunicativa entre


interlocutores; atividade produtora de sentidos que se dá na interação entre falantes.
O falante/ouvinte, escritor/leitor são seres situados num tempo histórico, num espaço
geográfico; pertencem a uma comunidade, a um grupo e por isso carregam crenças,
valores culturais, sociais, enfim a ideologia do grupo, da comunidade de que fazem
parte. Essas crenças, ideologias são veiculadas, isto é, aparecem nos discursos.

É por isso que dizemos que não há discurso neutro, todo discurso produz
sentidos que expressam as posições sociais, culturais, ideológicas dos sujeitos da
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linguagem. Às vezes, esses sentidos são produzidos de forma explícita, mas na


maioria das vezes não. Nem sempre dizemos tudo que pensamos, deixamos nas
entrelinhas significados que não queremos tornar claros ou porque a situação não
permite que o façamos ou porque não queremos nos responsabilizar por eles,
deixando por conta do interlocutor o trabalho de construir, buscar os sentidos
implícitos, subentendidos.

Isso é muito comum, por exemplo, nos discursos políticos, no discurso


jornalístico, e mesmo nas nossas conversas cotidianas.

Na realidade, os conceitos que permeiam a AD vão muito além de simples


palavras, sendo necessários muitos estudos, pesquisas, enfim, verdadeiros
aprofundamentos para explicar seus conceitos, onde cada corrente possui a sua
versão, a sua explicação e a sua teoria.

Esperamos que percebam ao entrar em contato com a AD, que todos os


seus conceitos possuem alguma característica em comum e de alguma forma estão
interligados, participando da constituição do processo de enunciação, da construção
do discurso. Vale citar, por enquanto, algumas das partes constitutivas do discurso,
as quais serão discutidas em mais profundidade ao longo desta apostila: Ideologia,
Formação Discursiva e Formação Ideológica, sentido, condições de produção,
sujeito, etc., sendo que cada um deles vai se constituindo durante o processo de
enunciação.

A AD é uma disciplina que possui em seus estudos a interdisciplinaridade,


ou seja, a participação de determinadas áreas das ciências humanas, como a
História, a Sociologia, a Psicanálise e também de tendências desenvolvidas dentro
da própria Linguística, como a Semântica da Enunciação e a Pragmática. Devido a
essa interdisciplinaridade, a AD é uma disciplina em constante crescimento, de onde
decorre a constitutividade dos próprios conceitos que a fundamentam.

O conhecimento sobre os conceitos da AD é muito importante e muito nos


ajuda também na compreensão dos discursos, dos textos, levando-se em
consideração todos os aspectos que foram utilizados na sua constituição, tornando-
nos capazes de reconhecê-los no discurso e com isso também nos leva a produzir
discursos muito bem elaborados, colocando todos os aspectos que constituem um
discurso no nosso próprio discurso.
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2 CARACTERÍSTICAS DO DISCURSO

A partir dessas afirmações iniciais, apresentaremos, a seguir, algumas das


características fundamentais dadas por Maingueneau (2004) daquilo que estamos
chamando de discurso.

1) O discurso deve ser compreendido como algo que ultrapassa o nível


puramente gramatical, linguístico. O nível discursivo apoia-se sobre a gramática da
língua (o fonema, a palavra, a frase), mas nele é importante levar em conta também
(e sobretudo) os interlocutores (com suas crenças, valores) e a situação (lugar e
tempo geográfico, histórico) em que o discurso é produzido.

2) No nível do discurso, os falantes/ouvintes, escritor/leitor devem ter


conhecimentos não só do ponto de vista linguístico (dominar a língua, as regras de
organização de uma narrativa, de uma argumentação etc.), mas também de
conhecimentos extralinguísticos: conhecimento para produzir discursos adequados
às diferentes situações em que atuamos na nossa vida; conhecimentos de assuntos,
temas que circulam na sociedade; conhecimento das finalidades da troca verbal e
para isso são importantes a imagem que faço de mim, da minha posição, a imagem
que tenho das pessoas com quem falo, imagens que vão determinar a maneira
como devo falar com essas pessoas.

3) O discurso é contextualizado, isto é, do ponto de vista discursivo, toda


frase (ou melhor, enunciado) só tem sentido no contexto em que é produzido. Assim,
um mesmo enunciado, produzido em momentos diferentes (quer seja pelo mesmo
sujeito ou por sujeitos diferentes) vai ter sentidos diferentes e, portanto, pode
corresponder a discursos diferentes.

4) O discurso é produzido por um sujeito – um EU que se coloca como o


responsável pelo que se diz (de forma explícita como num diário de adolescente ou
implícita como no discurso da ciência) e é em torno desse sujeito que se organizam
as referências de tempo e de espaço. Ex: no enunciado: “Hoje, meu depoimento
será sobre a infância vivida na casa de minha avó”, os termos “hoje”, “meu”, “minha”
devem ser entendidos em relação ao sujeito que fala e que se coloca como eu do
discurso. E esse sujeito que fala assume uma atitude, um determinado
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comportamento (de firmeza, dúvida, opinião) em relação àquilo que diz (usa para
isso recursos da língua como: infelizmente, talvez, certamente, na verdade, eu acho)
e em relação àquele com quem fala (explicitamente por expressões do tipo: você,
caro leitor, ou escolhendo os termos adequados ao seu nível sociocultural, usando
uma linguagem mais informal, gírias ou linguagem mais formal de acordo com a
situação).

5) O discurso é interativo, pois é uma atividade que se desenvolve, no


mínimo, entre dois parceiros (marcados linguisticamente pelo binômio Eu-Você). A
conversação é o exemplo mais evidente dessa interatividade: os parceiros
monitoram a sua fala de acordo com a reação do outro. Mas, no discurso escrito, o
locutor está também preocupado com seu leitor, a ele dirigindo-se explicitamente
(como em meu caro leitor) ou procurando uma linguagem adequada a ele (um livro
de literatura infantil, um guia médico para pais leigos em assuntos médicos têm toda
uma linguagem voltada para o público que se quer atingir) ou utilizando-se de
estratégias de discurso para se defender, antecipar a contra-argumentação do leitor.

6) O discurso é uma forma de atuar, de agir sobre o outro. Quando


prometemos, ordenamos, perguntamos etc., praticamos uma ação pela linguagem
(um ato de fala) que tem por objetivo modificar uma situação. Por ex., o eu te batizo
X pronunciado pelo padre numa cerimônia de batismo muda a situação da pessoa
no quadro da religião católica; numa passeata, um cartaz com o enunciado Não à
corrupção visa modificar comportamentos de pessoas envolvidas nesse ato e
mostra a atitude de indignação daqueles que levam esse cartaz.

7) O discurso trabalha com enunciados concretos, falas/escritas realmente


produzidas (e não idealizadas, abstratas, como as frases da gramática) e os estudos
que se fazem deles visam descrever suas normas, isto é, como funciona a língua no
seu uso efetivo. Por ex., se alguém faz uma pergunta, pressupõe-se que ele ignore a
resposta e tem interesse nessa resposta; e, ainda, que aquele a quem é feita a
pergunta tem condições de responder-lhe. Se essas regras não são obedecidas, por
ex., se ele sabe a resposta, mas pergunta assim mesmo, é porque o locutor tem
intenções implícitas. O interlocutor se pergunta então por que razão, sabendo a
resposta, ele me fez a pergunta assim mesmo?, e por uma série de raciocínios
(inferências) vai procurar o sentido que está por trás.
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8) Um princípio geral rege o discurso: o princípio do dialogismo. A palavra


dialogismo vem de diálogo – “conversa”, “interação verbal” que supõe pelo menos
dois falantes. Quando falamos nos dirigimos sempre a um interlocutor; mesmo num
monólogo (quando falamos com nós mesmos), num diário, criamos uma
personagem (um outro eu) com quem imaginariamente dialogamos.

9) Mas o discurso é também dialógico porque quando falamos ou


escrevemos, dialogamos com outros discursos, trazendo a fala do outro para o
nosso discurso. Isso se faz de forma explícita usando, por ex., o discurso direto,
indireto, indireto livre ou colocando palavras, enunciados (do outro) entre aspas ou
itálico. Mas podemos fazer isso também de forma implícita, sem dizer quem falou (e
aquele que ouve ou lê, tem o mesmo conhecimento de quem escreve ou fala vai
entender, daí a importância da leitura, da ampliação do conhecimento de mundo, do
conhecimento enciclopédico). Isso acontece, por ex., quando usamos um provérbio,
um ditado popular, nas paródias, nas imitações, nas ironias etc.

10) Por causa desse caráter dialógico da linguagem, dizemos que o discurso
tem um efeito polifônico. Isto é, porque meu discurso dialoga com outros discursos,
outras vozes nele estão presentes, vozes com as quais concordo (e vêm reforçar o
que eu digo) ou vozes das quais discordo total ou parcialmente. Outra palavra usada
para expressar esse caráter polifônico da linguagem é heterogêneo. O discurso é
heterogêneo (polifônico) porque é sempre atravessado, habitado por várias outras
vozes.

11) Todo discurso se constrói numa rede de outros discursos; em outras


palavras, numa rede interdiscursiva. Nenhum discurso é único, singular, mas está
em constante interação com os discursos que já foram produzidos e estão sendo
produzidos. Nessa relação interdiscursiva (com outros discursos), quer citando, quer
comentando, parodiando esses discursos, disputa-se a verdade pela palavra numa
relação de aliança, de polêmica ou de oposição. É nesse sentido que se diz que o
discurso é uma arena de lutas em que locutores, vozes, falando de posições
ideológicas, sociais, culturais diferentes procuram interagir e atuar uns sobre os
outros (BRANDÃO, 2006).
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3 ORIGENS DA ANÁLISE DO DISCURSO

Não se sabe ao certo quem foi o fundador da disciplina da Análise do


Discurso, enquanto uma questão pontual. Muitos atribuem sua origem a Jean
Dubois e Michel Pêcheux, como nos informa Mussalim (2003), sendo que ambos
partilhavam do Marxismo e da Política, das convicções sobre a luta de classes, a
história e o movimento social. É sob o horizonte do Marxismo e da Linguística que
nasce a Análise do Discurso.

Segundo Brandão (2004) temos também o trabalho de Harris, cujos estudos


vão além das análises confinadas meramente à frase e os trabalhos de R. Jakobson
e E. Benveniste sobre a enunciação.

Os trabalhos de alguns desses autores apresentam a vertente teórica de


uma AD de linha mais americana, em que considera frase e textos para análise e se
diferenciam apenas em graus de complexidade, vendo o texto como forma redutora
e não se preocupando com o sentido, mas com a forma de organização dos
elementos que o constituem.

Outros autores, de linha mais europeia, partem de uma relação entre o dizer
e as condições de produção desse dizer, recorrendo a conceitos exteriores ao
domínio de uma linguística imanente para dar conta das unidades mais complexas
da linguagem.

A AD busca definir o seu campo de atuação, procurando analisar textos


impressos. A AD inicialmente era definida como “o estudo linguístico das condições
de produção de um enunciado”, apoiando-se sobre conceitos e métodos da
linguística. Mas só a linguística não é suficiente para marcar a especificidade da AD
no interior dos estudos da linguagem e para isso torna-se necessário considerar
outras dimensões como a ideologia e o discurso (MARTINS, 2011).

Segundo Brandão (2004), Pêcheux, um dos estudiosos mais profícuos da


AD, elabora seus conceitos através dos conceitos de Althusser, sobre a ideologia, e
de Foucault, sobre o discurso.
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Orlandi1 (1999) afirma com certa segurança e propriedade que lhe é


peculiar, que a AD teve origem na década de 1960, em função das contribuições do
lexicólogo Jean Dubois e do filósofo Michel Pêcheux. Conforme Mussalim e Bentes
(2001) essa teoria tem como suporte o método de análise estruturalista, o conceito
de ideologia marxista e o conceito de sujeito advindo da teoria psicanalítica, e tem
como objetivo demonstrar que “o discurso é o lugar em que se pode observar a
relação entre língua e ideologia, compreendendo-se como a língua produz sentido
por/ para os sujeitos”.

Dessa forma, é possível afirmar que a ideologia resulta de uma prática


social, portanto não é subjetiva, no sentido de oposição à objetiva. Ela nasce da
atividade social dos homens no momento em que estes procuram representar essa
atividade para si mesma. A ideologia se apresenta de forma invertida, se considerar
que cada classe social deveria representar o seu próprio modo de existência de
acordo com as experiências vividas no interior das relações sociais de produção; ou
seja, as ideias que deveriam estar nos sujeitos sociais e em suas relações sociais
determinadas pela realidade do processo histórico, são tomadas como
determinantes dessa mesma realidade.

De acordo com Mussalim (2001, p. 11), a AD “se refere à linguagem apenas


à medida que esta faz sentido para sujeitos inscritos em estratégias de interlocução
em posições sociais” ou em conjunturas históricas. Assim, é possível afirmar que, o
sujeito do discurso é condicionado pela ideologia e pela formação discursiva, o que
irá permitir o que o sujeito pode ou deve falar em um determinado contexto.

A natureza de todo sistema de comunicação, de toda linguagem é


eminentemente ideológica e a charge é uma delas, por ser desenho que se refere a
fatos acontecidos em que agem pessoas reais, em geral conhecidas, com o
propósito de denunciar, ironizar, criticar e satirizar.

Segundo Mikhail Bakhtin, todo signo é ideológico, caracterizado como uma


realidade ideológica, que tem sua materialidade e que se constrói no ambiente social
da comunicação, pela interação verbal.

1
Doutora em Linguística pela USP/Universidade de Paris/Vincennes. Tem experiência na área de
Linguística, com ênfase em Teoria e Análise Linguística, atuando principalmente nos seguintes
temas: análise de discurso, linguística, epistemologia da linguagem e jornalismo científico. É
pesquisadora 1A do CNPq (Lattes).
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Um produto ideológico faz parte de uma realidade (natural ou social) como


todo corpo físico instrumento de produção ou produto de consumo; mas ao contrário
destes, ele também reflete e retrata uma outra realidade, que lhe é exterior. Tudo
que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo.
Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo. Sem signos não existe
ideologia. (...). A existência do signo nada mais é do que a materialização de uma
comunicação. É nisso que consiste a natureza de todos os signos ideológicos
(BAKHTIN, 1999, p. 31-36).

O que Bakhtin afirma aqui é que o signo reflete e retrata uma realidade. Ele
reflete na medida em que se refere uma realidade que lhe é exterior e retrata
porque, dentro dos seus mais variados índices de valor possíveis, um se sobressai e
outros se ocultam. Decorre dessa constatação que o mesmo signo tem significados
diferentes de acordo com a situação histórico/social do sujeito e que todo e qualquer
discurso se constitui como diálogo entre vários enunciados, estes constituídos
socialmente.

Assim, é através do condicionamento do sujeito à formação ideológica e à


formação discursiva que o enunciador constrói representações fundamentais de seu
discurso e dos lugares que ele e seu interlocutor ocupam, além de construir também
as imagens que ele tem de seu interlocutor e as imagens que ele imagina que seu
interlocutor tenha dele e de seu discurso. Dá-se, nessa perspectiva o jogo de
imagens, que faz parte da teoria de Pêcheux (SOUSA, 2008).
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4 ELEMENTOS DA ANÁLISE DO DISCURSO

4.1 Ideologia

Concordamos com Sousa (2008) que para analisar a definição de ideologia


dada por Althusser, primeiramente devemos conhecer a definição de ideologia dada
por Marx, muito usada para a definição de ideologia por vários autores.

Dessa forma, se em Marx o termo “ideologia” parece estar reduzido a uma


simples categoria filosófica de ilusão ou mascaramento da realidade social, isso
decorre do fato de se tomar, como ponto de partida para a elaboração de sua teoria,
a crítica ao sistema capitalista e o respectivo desnudamento da ideologia burguesa.
A ideologia a que ele se refere é, portanto, especificamente a ideologia da classe
dominante (BRANDÃO, 2004, p. 22).

Após a definição de Marx, podemos conhecer como funciona a ideologia de


Althusser, também referida por Brandão (2004, p. 23):

[...] Althusser afirma que, para manter sua dominação, a classe dominante
gera mecanismo de perpetuação ou de reprodução das condições
materiais, ideológicas e políticas de exploração. É ai então que entra o
papel do Estado que, através de seus Aparelhos Repressores – ARE –
(compreendendo o governo, a administração, o exército, a polícia, os
tribunais, as prisões et.) e Aparelhos Ideológicos – AIE – (compreendendo
instituições tais como: a religião, a escola, a família, o direito, a política, o
sindicato, a cultura, a informação), intervém ou pela repressão ou pela
ideologia, tentando forçar a classe dominante a submeter-se às relações e
condições de exploração.

Para complementar a definição de ideologia, Brandão (2004) também afirma,


conforme as palavras de Althusser, que toda ideologia tem por função constituir
indivíduos concretos em sujeito, exercendo papel importante no funcionamento de
toda ideologia. É através dos rituais materiais da vida cotidiana que a ideologia
opera a transformação dos indivíduos em sujeitos e como categoria constitutiva da
ideologia será somente através do sujeito e no sujeito que a existência da ideologia
será possível.
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4.2 O discurso

Para expressar a sua ideologia, o sujeito faz uso dos discursos, nos quais,
segundo Brandão (2004, p. 33) em sua contribuição dada por Foucault, discursos
são como um conjunto de enunciados que se remetem a uma mesma formação
discursiva (“um discurso é um conjunto de enunciados que tem seus princípios de
regularidade em uma mesma formação discursiva”).

Para Foucault:

A análise de uma formação discursiva consistirá na descrição dos enunciados


que a compõem;

A noção de enunciado em Foucault é contraposta à noção de proposição e de


frase (...), concebendo-o como a unidade elementar, básica que forma o
discurso. O discurso seria concebido, dessa forma, como uma família de
enunciados pertencentes a uma mesma formação discursiva;

Para a constituição dos enunciados, Foucault enumera quatro características,


em que a primeira diz respeito à relação do enunciado com o referencial, que
é aquilo que o enunciado enuncia e a segunda característica diz respeito à
relação do enunciado com seu sujeito, na qual, para Foucault, o sujeito do
enunciado não é causa, origem ou ponto de partida do fenômeno de
articulação escrita ou oral de um enunciado e nem a fonte ordenadora, móvel
e constante, das operações de significação que os enunciados viriam
manifestar na superfície do discurso (BRANDAO, 2004, p. 35).

Podemos encontrar a explicação para essa definição de Foucault em relação


ao sujeito e seus enunciados em Mussalim, que nos mostra que a partir da
descoberta do inconsciente por Freud, o conceito de sujeito sofre uma alteração
substancial, pois seu estatuto de entidade homogênea passa a ser questionado
diante da concepção freudiana de sujeito clivado dividido entre o consciente e
inconsciente (MUSSALIM, 2003, p. 107).

Diante disso, segundo Mussalim (2003), Lacan faz uma releitura de Freud
recorrendo ao estruturalismo de Saussure e Jakobson, em uma tentativa de abordar
com mais precisão o inconsciente. Para ele, o inconsciente se estrutura como uma
linguagem, como uma cadeia de significantes, como se houvesse sob as palavras,
16

outras palavras, como se o discurso fosse atravessado pelo discurso do Outro, do


inconsciente. O inconsciente é o lugar desconhecido, estranho, enfim do Outro e em
relação ao qual o sujeito se define, ganha identidade. Para Lacan, o sujeito é visto
como uma representação da ordem da linguagem, e a linguagem é a condição do
inconsciente.

O estudo do discurso para a AD, como nos mostra Mussalim, inscreve-se


num terreno em que intervêm questões teóricas relativas à ideologia e ao sujeito.
Sendo assim, o sujeito Lacaniano, clivado, dividido, mas estruturado a partir da
linguagem, fornecia para a AD uma teoria do sujeito condizente com um de seus
interesses centrais, o de conceber os textos como produtos de um trabalho
ideológico não consciente.

Calcada no materialismo histórico, a AD concebe o discurso como uma


manifestação, uma materialização da ideologia decorrente do modo de organização
dos modos de produção social. Sendo assim, o sujeito do discurso não poderia ser
considerado como aquele que decide sobre os sentidos e as possibilidades
enunciativas do próprio discurso, mas como aquele que ocupa um lugar social e a
partir dele enuncia, sempre inserido no processo histórico que lhe permite
determinadas inserções e não outras. Em outras palavras, o sujeito não é livre para
dizer o que quer, mas é levado, sem que tenha consciência disso (...), a ocupar seu
lugar em determinada formação social e enunciar o que lhe e possível a partir do
lugar que ocupa (MUSSALIM, 2003, p. 111).

Ainda na questão do sujeito, na presença do Outro no discurso, Mussalim


trata da questão da heterogeneidade constitutiva do discurso, apontando três tipos
de heterogeneidade abordada por Authier-Revuz, nos quais estão:

a) aquela em que o locutor ou usa das suas próprias palavras para traduzir o
discurso de um Outro (discurso relatado) ou então recorta as palavras do Outro e as
cita (discurso direto);

b) aquela em que o locutor assinala as palavras do Outro em seu discurso,


por meio, por exemplo, de aspas, de itálico, de uma remissão a outro discurso, sem
que o fio discursivo seja interrompido;

c) aquela em que a presença do Outro não é explicitamente mostrada na


frase, mas é mostrada no espaço implícito, do sugerido, como nos casos do discurso
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indireto livre, da antífrase, da ironia, da imitação, da alusão (MUSSALIM, 2003, p.


135).

A terceira característica dada por Foucault, segundo Brandão (2003), é a


que diz respeito à existência de um domínio, ou seja, a associação de um enunciado
a um conjunto de enunciados, onde ele afirma que não existe um enunciado isolado.
Em um enunciado podem estar presentes um ou mais enunciados de outros
discursos, ou seja, um enunciado, um discurso, baseia-se em outros enunciados ou
discursos na sua enunciação.

A quarta característica dada por Foucault refere-se à sua condição material.


Brandão, nos mostra como caracterizar essa materialidade dita por Foucault:

Para caracterizar essa materialidade, Foucault faz uma distinção entre


enunciado e enunciação. Esta se dá toda vez que alguém emite um
conjunto de signos; enquanto a enunciação se marca pela singularidade,
pois jamais se repete, o enunciado pode ser repetido. Hipoteticamente,
enunciações diferentes podem encerrar o mesmo enunciado. No entanto,
como a repetição de um enunciado depende de sua materialidade, que é de
ordem institucional, isto é, depende de sua localização em um campo
institucional, uma frase dita no cotidiano, inserida num romance ou inscrita
num outro tipo qualquer de texto, jamais será o mesmo enunciado, pois em
cada um desses espaços, possui uma função enunciativa diferente
(BRANDAO, 2004, p. 36).

Na construção de um discurso são utilizados muitos outros elementos que


devem ser levados em consideração e analisados com mais precisão e cautela.
Segundo as definições de Pêcheux, citadas por Brandão (2004, p. 42):

Se o processo discursivo é produção de sentido, discurso passa a ser o


espaço em que emergem as significações. E aqui, o lugar específico da
constituição dos sentidos é a formação discursiva, noção que, juntamente
com a de condição de produção e formação ideológica, vai constituir uma
tríade básica nas formulações teóricas da Análise do Discurso.
Pêcheux fala sobre a Formação Discursiva e a Formação Ideológica na
construção do discurso, fala também das condições de produção que levam a
produção de um discurso.

4.3 As condições de produção do discurso

Como foi mencionado anteriormente, a construção de um discurso pelo


sujeito depende de suas condições de produção, sendo que o que garante a
especificidade da AD, segundo Mussalim, (...) é a relação que os analistas do
18

discurso procuram estabelecer entre um discurso e suas condições de produção, ou


seja, entre um discurso e as condições sociais e históricas que permitiram que ele
fosse produzido e gerasse determinados efeitos de sentido e não outros
(MUSSALIM, 2003, p. 112).

O conceito de condições de produção é o que formulará e reformulará os


procedimentos de análise e o objeto de estudo da AD. As condições de produção é
o que caracteriza o discurso e o constituem como objeto de análise.

Segundo Brandão (2004, p. 45), foi Pêcheux quem tentou fazer a primeira
definição empírica geral da noção de condição de produção, inscrevendo a noção do
esquema informacional da comunicação elaborada por Jakobson, colocando em
cena os protagonistas do discurso e o seu referente, permitindo compreender as
condições (históricas) da produção de um discurso. Pêcheux, segundo Brandão, vê
“nos protagonistas dos discursos não a presença física de organismos humanos
individuais, mas a representação de lugares determinados na estrutura de uma
formação social”.

Para Pêcheux, segundo Brandão (2004, p. 44), no discurso, as relações


entre esses lugares, objetivamente definíveis acham-se representadas por uma série
de “formações imaginárias” que designam o lugar que destinador e destinatário
atribuem a si mesmo e ao outro a imagem que eles fazem de seu próprio lugar e do
lugar do outro.

Brandão (2004, p. 44) complementa a teoria de Pêcheux utilizando as


palavras de Courtine, para quem “os termos imagens ou formação imaginária
poderia perfeitamente ser substituído pela noção de papel tal como é utilizada nas
teorias do papel herdadas da sociologia funcionalista de Parsons, ou ainda do
interacionismo psicossociológico de Goffman”.

Brandão (2004) apresenta a definição de Courtine para condições de


produção, na qual ele propõe que estas não sejam atraídas por determinações
históricas dos discursos, transformando-as em simples circunstâncias onde
interagem os sujeitos do discurso, constituindo a fonte de relações discursivas das
quais são o portador ou o efeito. Courtine redefine a noção de condição de produção
ligada à análise histórica das contradições ideológicas presentes na materialidade
dos discursos e articulada teoricamente com o conceito de formação discursiva.
19

4.4 A formação discursiva e formação ideológica

Na constituição do discurso, além da importância das condições de


produção na qual é produzido, tem grande importância também a Formação
Discursiva e Ideológica. Mussalim (2003), ao descrever o que é Formação
Discursiva, menciona a definição dada por Foucault, na qual ele a define como um
conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no
espaço que definiram em uma época dada, e para uma área social, econômica,
geográfica ou linguística dada, as condições de exercícios da função enunciativa.

Utilizando outras palavras, Mussalim (2003) complementa a teoria dada por


Foucault, afirmando que uma formação discursiva determina o que pode/deve ser
dito a partir de um determinado lugar social. Assim uma formação discursiva é
marcada por regularidades, ou seja, por “regras de formação”, concebidas como
mecanismos de controle que determinam o interno (o que pertence) e o externo (o
que não pertence) de uma formação discursiva (MUSSALIM, 2003, p. 119).

Diante dessa definição, Mussalim deixa claro que as formações discursivas


sempre se correspondem com outras formações discursivas para a sua concepção,
ou seja, ela se baseia em outras formações discursivas para elaborarem seu próprio
discurso. Sendo assim, uma formação discursiva é atravessada pelo pré-construído,
definição dada por Pêcheux, na qual ele a define como discursos que vieram de
outro lugar e que são incorporados por ela em uma relação de confronto ou aliança.
Pode-se dizer que uma formação discursiva é constituída por paráfrases, já que é
um espaço onde enunciados são retomados e reformulados.

Para melhor explicar e complementar as definições dadas Pêcheux,


Mussalim (2003) utiliza as palavras de Maingueneau, que considera que uma
formação discursiva não pode ser compreendida como um bloco compacto e
fechado, mas que é definida a partir de uma incessante relação com o Outro. Para
ele, a unidade de análise não é o discurso e sim o espaço de troca entre vários
discursos.

Segundo as palavras de Mussalim, Maingueneau define como Campo


Discursivo o conjunto de formações discursivas com mesma função social que se
encontra em concorrência, aliança ou neutralidade aparente e que divergem sobre o
modo pelo qual tal função deve ser preenchida – através do qual o sujeito do
20

discurso circula se caracterizar essencialmente por ser um espaço interdiscursivo


(MUSSALIM, 2003, p. 130).

Voltando ao conceito de Formação Discursiva, a heterogeneidade


constitutiva do discurso, segundo Mussalim, o impede de ser um espaço estável,
fechado, homogêneo, inserindo-o em um espaço controlado, demarcado pelas
possibilidades de sentido que a Formação Ideológica pela qual é governado lhe
concede. Uma Formação Discursiva sofre coerção das Formações Ideológicas em
que está inserida. Assim, o que irá ser dito já está previsto, porque o espaço
interdiscursivo se caracteriza pela defasagem entre uma e outra Formação
Discursiva.

Mussalim utiliza o conceito dado por Haroche e Pêcheux citado na obra de


Brandão para explicar que cada formação ideológica constitui assim um conjunto
complexo de atitudes e de representações que não são nem individuais, nem
universais, mas se relacionam mais ou menos diretamente a posições de classe em
conflito umas com as outras.

Nas palavras de Mussalim (2003), o conceito de Formação Discursiva é


utilizado pela AD para designar o lugar onde se articulam discurso e ideologia. Uma
Formação Discursiva é governada por uma Formação Ideológica e como uma
Formação Discursiva é um dos componentes de uma Formação Ideológica
específica, ela é um espaço de embates, de lutas ideológicas.

Para complementar a questão de Formação Ideológica e de Formação


Discursiva, Brandão (2004) afirma, complementando as palavras de Mussalim, que
“a formação ideológica tem necessariamente como um de seus componentes uma
ou várias formações discursivas interligadas. Isso significa que os discursos são
governados por formações ideológicas” (BRANDÃO, 2004, p. 47).

Dentro das relações existentes entre a Formação Ideológica e a Formação


Discursiva, destaca-se a importância do sujeito na formação do discurso. A seguir,
apresentaremos conceitos abordados por diversos autores sobre a relação do
sujeito com o discurso e com a ideologia, que é chamado de assujeitamento
ideológico.
21

4.5 O sujeito do discurso

Quando falamos na autoria dos discursos, sobre de quem é a fala e o


conteúdo abordado nos mesmos tem-se a concepção de que ela pertence ao
sujeito, de que é opinião do próprio autor, porém não é essa a concepção da Análise
do Discurso. Quando se trata do discurso, em relação ao seu autor, segundo as
palavras de Mussalim (2003, p. 119), o sujeito não pode ser concebido como um
indivíduo que fala, “como fonte do próprio discurso, (...) quem de fato fala é uma
instituição, ou uma teoria, ou uma ideologia”.

Mussalim explica como funciona a relação do sujeito com o discurso e a


ideologia utilizando as palavras de Foucault, citadas em sua obra:

O sujeito passa a ser concebido como aquele que desempenha diferentes


papéis de acordo com as várias posições que ocupa no espaço
interdiscursivo. (...) O sujeito apesar de desempenhar diversos papéis, não
é totalmente livre; ele sofre as coerções da formação discursiva do interior
do qual já enuncia, já que esta é regulada por uma formação ideológica. Em
outras palavras, o sujeito do discurso ocupa um lugar de onde enuncia, e é
este lugar, entendido como a representação de traços de determinado lugar
social, (...) que determina o que ele pode ou não dizer a partir dali, ou seja,
este sujeito, ocupando o lugar que ocupa no interior de uma formação
social, é dominado por uma determinada formação ideológica que
preestabelece as possibilidades de sentido de seu discurso (MUSSALIM,
2003, p.133).

Diante dessa concepção de que o sujeito não é o senhor de sua vontade,


sofre as coerções de uma Formação Ideológica e Discursiva, ou é submetido à sua
própria natureza inconsciente, surge a questão da interpelação ou assujeitamento do
sujeito como sujeito ideológico, que consiste em fazer com que cada indivíduo, sem
que ele tenha consciência disso, mas, ao contrário, tenha a impressão de que é o
senhor de sua própria vontade, seja levado a ocupar seu lugar em um dos grupos ou
classes de uma determinada formação social.

Com as palavras de Pêcheux e Fuchs, Mussalim (2003), complementa a


questão da interpelação ou assujeitamento do sujeito:

O sujeito se ilude duplamente:

a) por “esquecer-se” de que ele mesmo é assujeitado pela formação


discursiva em que está inserido ao enunciar (esquecimento n. 1);
22

b) por crer que tem plena consciência do que diz e que por isso pode
controlar os sentidos de seu discurso (esquecimento n. 2).

Esses dois esquecimentos estão constitutivamente relacionados ao conceito


de assujeitamento ideológico, ou interpelação ideológica, que consiste em fazer com
que cada indivíduo (sem que ele tome consciência disso, mas, ao contrário, tenha a
impressão de que é senhor de sua própria vontade) seja levado a ocupar seu lugar,
a identificar-se ideologicamente com grupos ou classes de uma determinada
formação social (MUSSALIM, 2003, p. 135).

Diante dessa ilusão, Mussalim, utilizando as palavras de Pêcheux, ainda


ressalta:

O sujeito não pode ter acesso às reais condições de produção de seu


discurso devido à inconsciência de que é atravessado e ao próprio conceito
de discurso com o qual trabalha a AD - uma teoria materialista da
discursividade -, representa essas condições de maneira imaginária. É o
que Pêcheux chama de jogo de imagens de um discurso (MUSSALIM,
2003, p. 136).

De acordo com essa teoria de Pêcheux, Mussalim explica como é essa


relação de jogo de imagens:

Esse jogo de imagens, mesmo estabelecendo as condições de produção do


discurso, ou seja, aquilo que o sujeito pode/deve ou não dizer, a partir do lugar que
ocupa e das representações que faz ao anunciar, não é preestabelecido antes que o
sujeito enuncie o discurso, mas este jogo vai se constituindo à medida que se
constitui o próprio discurso. Em outras palavras, o sujeito não é livre para dizer o que
quer, a própria opção do que dizer já é em si determinada pelo lugar que ocupa no
interior da formação ideológica à qual está submetido, mas as imagens que o
constrói ao enunciar só se constituem no próprio processo discursivo (MUSSALIM,
2003, p. 137).

Para finalizar a questão do jogo de imagens, Mussalim (2003, p. 138)


ressalta que “é nesse sentido que o jogo de imagens faz parte das condições de
produção de um discurso, na medida em que as imagens que o sujeito vai
construindo ao enunciar vão definindo e redimindo o processo discurso”.

Assim como os discursos são construídos através de uma ideologia, de


formações discursivas e ideológicas, das condições de produção e da participação
23

do sujeito embora de maneira inconsciente através do assujeitamento ou


interpelação ideológica, não podemos deixar de falar do sentido dos discursos.

A Análise do Discurso considera como parte constitutiva do sentido o


contexto histórico e social. (...) O contexto histórico-social, então, o contexto de
enunciação, constitui parte do sentido do discurso e não apenas um apêndice que
pode ou não ser considerado. Em outras palavras, pode-se dizer que, para a AD, os
sentidos são historicamente construídos (MUSSALIM, 2003, p. 123).

Enfim, a construção do sentido de um discurso dentro da AD pode assim ser


resumida:

Para a AD o que está em questão não é o sujeito em si; o que importa é o


lugar ideológico de onde enunciam os sujeitos. (...) Dessa forma, apesar do caráter
constitutivamente heterogêneo do discurso, não se pode concebê-lo como livre de
restrições. O que é e o que não é possível de ser enunciado por um sujeito já está
demarcado pela própria formação discursiva na qual está inserida.

Os sentidos possíveis de um discurso, portanto, são sentidos demarcados,


preestabelecidos pela própria identidade de cada uma das formações discursivas
colocadas em relação no espaço interdiscursivo. No entanto, apesar dos sentidos
possíveis de um discurso estarem preestabelecidos, eles são constituídos a priori,
ou seja, eles não existem antes dos discursos. O sentido vai se constituindo à
medida que se constitui o próprio discurso. Não existe, portanto, o sentido em si, ele
vai sendo determinado simultaneamente às posições ideológicas que vão sendo
colocadas em jogo na relação entre as formações discursivas que compõem o
interdiscurso (MUSSALIM, 2003, p. 131).
24

5 ALGUMAS FORMAS DO DISCURSO

A AD tem como base de pesquisa o discurso seja ele narrativo, político,


pedagógico, poético, humorístico, jornalístico, religioso ou publicitário (gêneros). Sua
proposta básica é considerar como primordial a relação da linguagem com a
exterioridade, ou seja, as chamadas condições de produção do discurso que vimos
anteriormente: o falante, o ouvinte, o contexto da comunicação e o contexto
histórico-social (ideológico). Tais condições estão representadas por formações
imaginárias: imagem que o falante tem de si mesmo, do ouvinte, do leitor, etc...

Cada discurso tem seu objeto de pesquisa. Exemplos:

Narrativo: De uma forma geral, os romances, contos, crônicas ou outros tipos


de histórias narradas. Podendo ser incluídas também as histórias de filmes e
teatro.

Político: O discurso dos governantes ou candidatos a este tipo de cargo, em


campanhas, câmaras, senado, etc.

Pedagógico: Discurso dos professores e profissionais ligados à área, seja em


sala de aula, na escola ou nos livros didáticos.

Poético: Discurso encontrado em textos líricos, tais como poemas, trovas,


sonetos ou até mesmo letras de músicas.

Humorístico: Discurso encontrado em charges, piadas, histórias engraçadas,


programas humorísticos de rádio e TV.

Jornalístico: Discurso da mídia jornalística como jornais, revistas, telejornais,


etc.

Religioso: Discurso de qualquer autoridade religiosa (padres, bispos,


pastores,etc) ou em livros e textos do gênero.

Publicitário: Discurso da mídia publicitária encontrado em jornais, revistas,


TVs, rádios, outdoors, internet.

Pode-se perceber que o discurso não é geral como a língua, nem individual
e a-sistemático como a fala. Ele tem a regularidade de uma prática, como as
25

práticas sociais (ORLANDI, 1999). Não é definido como transmissor de informação,


mas como efeito de sentido entre locutores, num determinado contexto social e
histórico. A análise de discurso procura, então, mostrar o funcionamento dos textos,
a partir da sua articulação com as formações ideológicas.

Segundo Pinto (2005) são inúmeras as formas através das quais os


discursos se organizam: discurso científico, místico, religioso, político, amoroso,
mediático, cada um desses pode ser subdivido em muitos outros, cada um contendo
características próprias de funcionamento. Para se analisar o discurso político
contemporâneo, três formas de discurso são particularmente importantes de se
tomar em consideração: o discurso científico, o discurso da mídia e o discurso
político propriamente dito como veremos.

5.1 O discurso científico

O discurso científico tem características particulares. No discurso científico


nenhum sujeito de traços antropomórficos está presente para suportá-lo. O discurso
se constrói e se legitima através da negação do sujeito. A presença do sujeito no
discurso científico o desmoraliza, o desqualifica, porque a narrativa científica define-
se como a transformação do “não saber” em um “saber”. Se tomarmos um livro,
veremos que ninguém dirá: “eu penso que fazendo tal equação matemática ou “que
levando em consideração tal número, vai dar tal resultado” (PINTO, 2005).

Em um livro de física, biologia, ou química nunca aparecerá alguém dizendo


“eu acho isto, eu acho aquilo”. A linguagem científica não existe por acaso, ela é
dotada de sentido específico: o sujeito é dotado de uma subjetividade e a ciência e o
discurso científico reivindicam a si uma objetividade.

Para que haja uma objetividade deve haver uma grande distância entre o
sujeito e o objeto de estudo e esta grande distância pode ser analisada na medida
em que é parte do poder do discurso. O discurso científico é um discurso que
esconde o sujeito e, ao esconder, o sujeito se transforma em um “não sujeito”. O
poder do sujeito no discurso científico é o seu lugar de esconderijo. Porque, o
cientista escondendo-se, dá ao seu discurso um tom de objetividade. Esta é uma
característica do discurso científico, diferencial se comparada com o discurso
político, o literário, o midiático e até o discurso religioso.
26

Porque as ciências sociais têm tanta dificuldade de serem reconhecidas


como ciências?

Ao conversarmos com um físico ele dirá que nós fazemos cultura: “não é
bem científico o que o cientista social faz”. Até porque diferentes cientistas sociais,
analisando um mesmo fato chegarão a conclusões distintas. O discurso científico
pretende-se objetivo, pode-se imaginar facilmente um cenário onde cinco cientistas
estudam em diferentes lugares acerca de um fenômeno e chegam à mesma
conclusão, tanto que há célebres disputas pela autoria de algumas descobertas
científicas, por parte de laboratórios que chegaram, ao mesmo tempo, às mesmas
conclusões. A distância possível entre os sujeitos e seus discursos nas diversas
ciências pode explicar muitas das suas características epistemológicas.

Paradoxalmente, nenhum discurso exige tanto um sujeito de autoridade


como o discurso científico. Dizemos que um determinado texto é muito importante,
porque foi produzido pelo indivíduo tal, com tais títulos acadêmicos, no
departamento de uma importante universidade. O mesmo texto produzido por
alguém de menor titulação em uma universidade desconhecida será menos
considerado. Dizer que um trabalho foi produzido em uma universidade importante
confere autoridade ao discurso, porque se constitui discursivamente também a
importância dessas instituições. Elas são instituições importantes e elas têm um
peso no discurso.

Um fator fundamental para a legitimidade de um discurso é, portanto, a


posição do enunciador. Isto é central no discurso científico, mas não tem tanta
importância em outros discursos, tais como os de caráter ético, religioso e mesmo
político. O sujeito científico, no que pese seu esforço de apagamento, e talvez
exatamente por isso, é o sujeito mais sofisticadamente construído, pois jamais pode
falar sem antes apresentar um currículo, ter títulos, locais específicos,
departamentos, universidades, editoras. Um livro traz sempre, na “orelha” a vida do
autor, tudo o que ele fez, todos os seus cursos, todos os títulos de livros que
escreveu. A descrição detalhada do sujeito é que dá suporte ao discurso.

Ao contrário do discurso político o discurso científico não pretende interpelar.


Ou seja, ele não constrói sujeitos e esconde o sujeito que o escreve. Quanto menos
pessoas entenderem o discurso científico, mais importante ele poderá parecer para
27

a comunidade científica. O discurso científico é feito para os pares. Só aos pares


interessa o discurso. É tão forte esta característica que, quando um cientista começa
a escrever divulgação científica, quando começa a se tornar popular tende a perder
a respeitabilidade entre os seus pares.

O discurso científico neste particular é a negação do discurso político. O


discurso científico não é para ser entendido por aquele que não é iniciado, que não é
o portador dos títulos. Quanto mais o discurso científico for restrito maior será o seu
poder. Essa característica do discurso científico é muito importante para o analista
de política, porque o político se utiliza muito da autoridade do discurso cientifico,
para justificar as suas posições (PINTO, 2005).

5.2 Discurso da mídia

Nas últimas décadas, a mídia, principalmente a eletrônica, tornou-se a


principal fonte de informação sobre quase todos os temas, desde questões da
atualidade, ou seja, os acontecimentos diários, até os temas da política, das
ciências, das artes. Poucos discursos escapam ao filtro da mídia. Até os discursos
religiosos que buscam reflexão e recolhimento são enunciados através da tevê e do
rádio.

Qual é a importância desta presença para a teoria do discurso e seus


analistas? A importância está em dois principais pontos: o primeiro que os discursos
se transformam pela imposição das técnicas da mídia, o segundo que a mídia tem
seu próprio discurso com suas ordens e suas formas de funcionamento.

O discurso da mídia contemporânea está calcado em duas características


básicas: a busca da verdade e a objetividade. Na busca da verdade está muito
próximo do discurso científico, isto é da investigação. Já em relação a objetividade
esta não é reivindicada através do apagamento do sujeito, mas, ao contrário, através
da presença dos sujeitos com posições opostas.

Atualmente grande parte da mídia se preocupa com a investigação. Na tevê


há uma investigação no programa “Fantástico”, no programa “Linha Direta” e até nos
programas populares, investiga-se crimes ou investiga-se um animal perdido na
floresta amazônica, no “Globo Repórter”, ou ainda investiga-se o paradeiro da filha
28

da Dona Maria de Tal no “Programa do Ratinho”. Mas há sempre a busca da


verdade, há sempre uma investigação. Isto acontece também em relação aos
eventos políticos. A mídia está sempre tratando de revelar a verdade sobre os
políticos, para os cidadãos e esta verdade sempre vem repleta de significados de
corrupção, desrespeito e de deslegitimação do campo da política Esse é um
discurso muito forte e é o que a mídia vem fazendo nos últimos anos quando trata
do político, em um discurso que poderia ser caricaturado da seguinte forma:

“Nós apresentamos para o cidadão a verdade sobre a política, a verdade


que os políticos são corruptos. Nós substituímos os políticos representando os reais
interesses dos brasileiros, porque nós falamos a verdade”. Nas pesquisas de opinião
em que se pergunta “em qual instituição você confia mais?” a mídia está sempre em
um lugar muito destacado. Ela se coloca de maneira que “nós fazemos a
investigação e nós encontramos o corrupto”. O discurso da verdade mais sofisticado
é da câmera escondida, que é usado de uma forma muito livre atualmente por
emissoras de tevê no Brasil, ou seja, “nós estamos descobrindo”. É interessante
como a ideia que a câmara escondida (o discurso sobre a câmara escondida) atinge
tal legitimidade que não se coloca a possibilidade de um discurso ético, que se
contraponha a esta prática. E não é porque não existam pessoas éticas no Brasil, é
evidente que existem, mas não existem condições de emergência para um discurso
ético, que se contraponha a esta invasão de privacidade, pois qualquer reação ao
discurso da mídia é significada como cumplicidade à corrupção. A ética e a
privacidade dos cidadãos passam a ser artigos supérfluos em um discurso agressivo
de imposição de verdade (PINTO, 2005).

Mas não é somente a tevê que busca impor a sua verdade, os editoriais, as
páginas de opinião dos jornais são ainda mais veementes ao se colocarem como o
discurso da verdade: defendem suas posições a partir dos mesmos princípios do
discurso científico, fazem análises cuidadosas, citam autoridades científicas
nacionais e internacionais, discutem políticas públicas a partir de indicadores aceitos
como confiáveis na academia. O jornalismo escrito busca a objetividade, se coloca
como o analista imparcial.

Até a década de sessenta existia um jornalismo político, no Brasil e no


mundo. Sabia-se qual era a posição do jornal “Última Hora”, por exemplo. Quem
viveu na época sabia qual era a posição deste jornal de Samuel Weiner, durante o
29

período getulista, também sabia qual era a posição do jornal em que escrevia Carlos
Lacerda, qual era a posição dos “Diários e Emissoras Associadas”. Nos outros
países também foi assim e na Europa ainda continua sendo em alguns casos.

Na França o “Le Figaro” é identificado como um jornal de direita, com


articulistas de direita. O “Liberation” se contrapõe como um jornal de esquerda. Cada
um tem sua versão dos fatos. Mas, a escola de jornalismo que vem dos EUA é da
imprensa objetiva e este é o modelo que pretende adotar o jornalismo brasileiro: é
um jornalismo que tem um discurso perverso, porque também tem lado, mas se
apresenta como uma verdade objetiva. O problema do discurso jornalístico não é
não ter lado, mas é se apresentar como não tendo e todo o jornalismo investigativo
tem essa pretensão. É a pretensão do “Washington Post”, é a pretensão do “New
York Times” ou do “Los Angeles Times” (PINTO, 2005).

Nesta pretensão a verdade, a construção da opinião pública é fundamental


no discurso da mídia e no discurso jornalístico ela aparece de duas formas: a partir
da perspectiva do próprio jornal e a partir de pesquisas de opinião. A primeira pode
ser observada quando o discurso jornalístico se apresenta como o representante da
opinião pública. Mas essa opinião pública é um ente abstrato, pois ninguém sabe
que opinião tem a opinião pública. Por exemplo: “a opinião pública está revoltada
com os controladores de velocidade”, “a opinião pública está revoltada porque a rua
tal está cheia de água”. É óbvio que as pessoas estão descontentes ou porque não
podem atravessar a tal rua ou porque as pessoas desse país acham que é certo
andar a mais de 60Km/h nas ruas das cidades e como não foram avisadas antes
que existe um controlador de velocidade ficam revoltadas.

A cidadania brasileira acredita que tem o direito de desobedecer a lei e se


não lhe avisarem antes, estão querendo lhe roubar dinheiro. É uma pseudo-opinião
pública que diz “eu estou querendo desobedecer a lei e, por favor, se eu tiver que
obedecer a lei me avisem muito antes, senão ficarei revoltado”. A construção
discursiva da luta contra os “controladores de velocidade” é esta. Será que esta é a
opinião da maioria dos motoristas, ou é uma construção de jornais que estão em
cidades governadas por grupos políticos não simpáticos ao jornal. Seria interessante
como exercício de desconstrução de discurso tomar um tema como este, “controle
de velocidade através de multas”, e ver como jornais de uma mesma empresa em
30

cidades com diferentes grupos políticos no poder, se colocam frente a ele (PINTO,
2005).

A segunda forma de expressão da chamada opinião pública é a aferida em


pesquisas de opinião. “50% dos cidadãos pensam isto, 80% dos cidadãos pensam
aquilo”, e mais uma vez temos a opinião pública que passa a ser importantíssima no
discurso da mídia.

Bourdieu (1983), em um polêmico artigo com o título “A opinião pública não


existe” afirma que ela não existe porque a opinião pública aferida em pesquisas de
opinião é a soma das opiniões privadas. Assim como a vontade geral não é a soma
das verdades particulares, a opinião pública não é a soma das vontades
particulares. Porque as pessoas, para terem opinião sobre algum tema, devem antes
estar informadas e, ao contrário, as pesquisas de opinião são feitas sem darem às
pessoas a possibilidade delas estarem informadas sobre o tema sobre os quais eles
devem opinar.

A opinião pública tem de existir a partir de um conhecimento de temas, ou


seja, as pessoas têm direito à informação, têm direitos a discutir os temas e após
elas vão ter uma opinião. Mas é uma falácia pensar que a opinião dada a partir de
pergunta do pesquisador que bate à porta é um momento de respeito à opinião
pública e de alastramento do processo democrático. Um bom exemplo deste tipo de
pesquisa de opinião é sobre a pena de morte.

Certamente se a pesquisa for feita após a divulgação de um crime hediondo


haverá um grande percentual de pessoas a favor. Mas, se for noticiado uma imensa
injustiça, uma execução de um condenado à morte nos EUA e após dois dias
concluir-se que ele era inocente, a mesma pesquisa com as mesmas pessoas terá
possivelmente resultados muitos diferentes. Portanto, a questão da opinião pública
tem de ser muito bem contextualizada porque ela tem peso muito grande tanto na
construção do discurso da mídia como no discurso político (PINTO, 2005).

5.3 O discurso político

O discurso político é mais um centro das preocupações destas anotações


sobre análise de discurso.
31

A característica fundamental do discurso político é que este necessita para


sua sobrevivência impor a sua verdade a muitos e, ao mesmo tempo, é o que está
mais ameaçado de não conseguir. É o discurso cuja verdade está sempre
ameaçada em um jogo de significações. Ele sofre cotidianamente a desconstrução,
ao mesmo tempo só se constrói pela desconstrução do outro. É, portanto, dinâmico,
frágil e, facilmente, expõe sua condição provisória.

O discurso político é o discurso do sujeito por excelência. A constituição do


sujeito obedece às mesmas regras do discurso, ele não é anterior nem tampouco
essencial, derivado de leis da história ou da própria natureza.

Ao longo da nossa vida, temos várias posicionalidades como sujeito. Somos


sujeitos de múltiplos discursos. Todas estas condições são potencialmente
interpeláveis, mas antes do discurso e de sua sujeição a ele não é possível afirmar a
que ordem de discurso ela pertence. Ela pode ser moradora de um bairro popular e
ali pode ser uma líder. Ela também pode estar num clube de mães e se constituir
como sujeito e quando perguntada sobre o que ela é na vida, pode dizer que é mãe,
também pode estar em um movimento negro e ser uma líder ou militante desse
movimento e quando perguntada sobre o que ela é ela diz ser negra. Ou pode ser
uma feminista e responder ser feminista. Ela pode ser líder sindical, porque trabalha
e pode dizer que é uma trabalhadora. Ninguém pode garantir quais são as formas de
sua subjetificação, antes de estudar a sua vida e observar as suas condições, não
se pode dizer a priori com qual discurso ela se identificará; como ela se constituirá
como sujeito, que sentido ela dá a sua vida (PINTO, 2005).

Essa questão do assujeitamento é fundamental na construção do discurso


político, pois ao mesmo tempo em que constrói sujeitos, enfrenta-se com sujeitos já
construídos. Em um país como o Brasil, devido às imensas desigualdades sociais,
uma parcela significativa da população não se constitui como portadores de direitos.
São sujeitos que encontram acolhida em discursos políticos clientelísticos, que
aprofundam a condição de desigualdade. Frente a este cenário, um discurso político
que constrói o sujeito da igualdade, portador de direitos, tem de enfrentar uma
subjetificação na ordem clientelística.

O sujeito desprovido de poder e saber é uma constante nos discursos


conservadores, muitas vezes não corresponde a nenhum indivíduo concreto, mas
32

que se torna fundamental. Um exemplo (que tem mudado ao longo das últimas
décadas, felizmente) é o da “dona de casa”. Ela é considerada desinformada, não
compreende nada e é desligada dos problemas nacionais.

Todo político que quer falar para todas as pessoas, para as pessoas mais
simples e mais ignorantes, diz: “aqui estamos nós, com pessoas como professores,
trabalhadores, funcionários públicos e até donas-de-casa”. Essa dona-de-casa é
também uma pessoa com muito tempo na vida. Ela caminha, em uma cidade como
São Paulo de supermercado em supermercado fazendo pesquisa de preço, cada
vez que vai comprar um produto.

Evidentemente que essa senhora gasta muito dinheiro em ônibus.


Obviamente que essa mulher não existe. E ela não é ofensiva porque ninguém se
identifica com ela. Ninguém que está em casa e que é mulher diz “ele está falando
comigo”, porém é um sujeito fundamental. É interessante isso, por que na política
esta senhora, que é completamente ignorante e desprovida de ter o que fazer, por
que ela passa o dia inteiro passando de supermercado em supermercado e é tão
importante no discurso político brasileiro? O que está imbuído nessa senhora para
que ela apareça em todos os discursos políticos? O que está imbuído aí: o
desprestígio do trabalho da casa? O desprestígio da mulher? Qual é o sentido? No
discurso político brasileiro, este sujeito é fundamental, mas não é para a mulher da
virada do século: “a dona-de-casa’’, certamente, é uma mulher que trabalha de
manhã, cuida dos filhos ao meio dia e sai novamente para trabalhar e à noite corre
ao primeiro supermercado da esquina e volta pra casa.

Então, essa senhora, desprovida de ter o que fazer, e que é ignorante


simplesmente não existe, mas está no imaginário dos homens e funciona como
operador importante para explicar detalhadamente questões controversas. Ao
mesmo tempo em que não ofende ninguém, porque ninguém com ela se identifica,
reproduz de forma muito detalhada o preconceito em relação a mulher como incapaz
de entender e se envolver nas questões públicas.

É importante observar que somos interpelados por múltiplos discursos. Mas,


quanto mais velhos somos, menor é a possibilidade de como indivíduo sermos
interpelados por novos discursos. É muito mais fácil fazer com que o adolescente
torne-se drogado do que com um adulto como nós, porque o adolescente está muito
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mais aberto a outros discursos e a ser constituído como sujeito diferente do que ele
é.

O discurso que lhe dá sentido, que lhe assujeita é mais provisório e menos
exitoso em seu trabalho de fixação. E assim acontece com as democracias. Quanto
mais uma democracia se repete, quanto mais tempo existe, menos aventuras são
aceitas nessa democracia, porque menos os sujeitos estão abertos para discursos
aventureiros. O discurso democrático tem atualmente mais fixidade do que jamais
teve na história do ocidente. Há cada vez menos espaço para esses tipos de
discursos, há um conjunto de sentidos acumulados, somos sujeitos de uma
democracia e temos direitos nessa democracia e não é qualquer um que pode
enunciar um discurso não democrático, por exemplo, capaz de ser aceito (PINTO,
2005).

Os discursos políticos têm locais de enunciação específicos, ou seja, é


absolutamente legítimo quando ele parte de partidos políticos, de assembleias
legislativas, do governo. Mas deve-se considerar que nas democracias
contemporâneas cada vez mais existem outros espaços de construção do discurso
político, que concorrem com os espaços tradicionais. Há o discurso político estrito
senso, que é o discurso político que tem locais de enunciação muito claros, que são
os locais de política, mas também há o discurso político feito na imprensa e o
discurso político feito na sociedade.

Quanto mais se democratiza um país, mais haverá cidadãos falando de seus


problemas em locais não tradicionais da política. Portanto, no regime democrático
tende a haver uma democratização dos espaços, onde o discurso político é
enunciado. E quanto mais o discurso político for enunciado por mais pessoas, mais
democrático tende a ser o país e menos sentidos fixos os discursos dominantes
conseguirão deter.

Enfim, todo o discurso é um discurso de poder, na medida em que todos os


discursos pretendem impor verdades a respeito de um tema específico ou de uma
área da ciência, da moral, da ética, do comportamento, etc. Entretanto, o discurso
político se destaca de todos neste particular, porque enquanto os outros tendem a
deslocar seus desejos de poder, tornando-os opacos, o discurso político explicita
sua luta pelo poder. Não poderia ser diferente, pois a explicitação de seu desejo de
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poder é o próprio discurso. Assim sendo, se distingue do discurso da mídia, na


medida que esta última se opõe ao poder sob a denominação de objetividade da
investigação. A mídia para enfrentar a política constrói um discurso do saber muito
próximo das regras que regem o discurso científico.

O discurso jornalístico é um bom exemplo de um discurso, que passa por um


discurso objetivo, mas é um discurso político. De forma diversa, o discurso político
tem lados, é um discurso de visões de mundo. É um discurso que tem como
princípio básico a polêmica, ou seja, ele vive através da polêmica, vive através da
desconstrução do outro. Essa é uma questão fundamental para entendê-lo, porque o
que ele faz é desconstruir o outro, para se construir. Porque, se ele não desconstruir
o outro ele não tem condições de construir a si próprio.

É por isso que o marketing e o discurso político estão tão próximos, porque
os diversos discursos na arena política estão buscando o mesmo espaço, ao
contrário, por exemplo, do discurso científico, onde as pessoas estão produzindo a
sua própria pesquisa e a pesquisa do outro não a impede de acontecer, o espaço
não está em disputa.

4.4 O discurso estético

A teoria do Discurso Estético parte do princípio de que, se a imagem


também é um texto, e há discurso das imagens, não apenas semântico, deve haver
discurso estético, sintático, perceptível não logicamente, mas esteticamente.

Teoricamente, há estética em tudo. Todas as formas existentes são


passíveis de percepção estética, logo, de apreciação e informação. Por isso, o que
falamos pode ser chamado de um “discurso estético” ou discurso das imagens, que
se dê pela percepção estética, não-lógica, de determinados valores ideológicos
inculcados e identificáveis por meio de suas marcas de enunciação e interpelação.
No caso das imagens, tais marcas podem ser encontradas, entre outros modos, por
meio da Análise da Imagem e das leis da Teoria da Percepção.

É possível, por exemplo, analisar linhas de formas, texturas, cores, nas


imagens produzidas por uma sociedade, uma instituição ou um período, e a partir
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destas marcas encontrar formas de interpelação (posicionamento e poder) e


valorizações de determinados conceitos que são fundamentalmente ideológicos.

A ideia do discurso como “transmissor” de ideologia é aplicada às formas de


Arte e de Comunicação Visual mais recentemente, em virtude da evolução das
relações de produção, que vem distanciando quem cria de quem produz.

Na história da feitura de artefatos (fabricação de objetos e obras de arte), a


produção deslocou-se da união designer/produtor para a gradual separação entre
esses dois agentes. Antigamente, um artesão era ao mesmo tempo o projetista e o
fabricante de um objeto ou uma obra. Já no contexto da produção industrial, o
profissional que aplica valores estéticos aos objetos que serão produzidos (designer)
não é o mesmo que os executa. Assim, indaga-se se é ele quem cria e determina
esses valores estéticos, ou se eles já lhe são passados, pelo ambiente cultural,
ideológico ou econômico.

Por exemplo: se os cartazistas russos do período revolucionário (1917-1922)


utilizavam praticamente só cores preta e vermelha, isto era uma condição imposta
pela economia de guerra, que não dispunha de variedade de tintas, ou era reflexo de
um discurso ideológico extremista que defendia altos contrastes e opostos bem
definidos, desprestigiando nuances e meios-termos?

Ou, por outro lado, o estilo Barroco da Contra-Reforma católica dá ideia de


riqueza e opulência, fazendo frente à austeridade sombria da estética protestante,
que pregava a não representação (abolição do culto às imagens de santos etc.) e a
ascese.

Embora não seja fácil definir qual é a relação causa e consequência do


fenômeno, o certo é que os valores estéticos impregnados num trabalho e o
ambiente ideológico estão intrinsecamente ligados, produzindo discursos muito mais
do que verbais. Assim, é possível encontrar discursos estéticos nas instituições
(aparelhos ideológicos do Estado, segundo Althusser, ou aparelhos de hegemonia,
segundo Gramsci), dentro do que se considera “cultura”, e pode-se considerar a
atividade de comunicação visual como produtora de estética.

O que se propõe como Discurso Estético para as imagens vale igualmente


para a Música, a Poesia, a Literatura e outras manifestações estéticas.
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REFERÊNCIAS CONSULTADAS E UTILIZADAS

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Análise do Discurso, In: Análise do Discurso Político: Abordagens, Rodrigues,L.F.,
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