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05462013 3309
DEBATE DEBATE
no processo de morte/morrer e luto
Abstract This is a study using the Heideggerian Resumo Estudo de abordagem teórico-fenomeno-
theoretical-phenomenological approach, which lógica heideggeriana, que objetivou compreender
sought to understand the significances of the life os significados do vivido pela pessoa idosa longeva
experience for the long-lived elderly person in the no processo de morte/morrer e luto. Realizado em
process of death/dying and mourning. It was con- 2009, com 16 idosos longevos, de ambos os sexos,
ducted in 2009 with 16 long-lived senior citizens com idade compreendida entre 80 e 90 anos, in-
of both genders who were aged between 80 and tegrantes de um centro de convivência para idoso
90, members of a community center for the elderly localizado em um bairro periférico da cidade de Sal-
located in a suburban neighborhood of the city of vador - Bahia, Brasil. Os resultados evidenciaram
Salvador in the state of Bahia, Brazil. The results que a pessoa idosa longeva vivencia o luto quando
showed that the long-lived elderly person experienc- pessoas próximas começam a adoecer e morrer.
es the mourning status process when relatives and Além disso, apresentaram discurso ambíguo quanto
friends become ill and die. Furthermore, they gave ao medo da morte. Com os significados atribuídos,
ambiguous reports with respect to the fear of death. foi possível chegar à unidade de significação: a
With the attributed significances, it was possible to autenticidade e a inautenticidade do ser para a
arrive at the unit of significance, namely the au- morte. Conclui-se que a pessoa idosa longeva frente
thenticity and lack of authenticity of the individual ao processo de morte/morrer e luto desvela-se e
regarding imminent death. The conclusion reached vela-se de acordo com o momento que ela vive e as
is that long-lived elderly individuals faced with the oportunidades que se apresentam, ou seja, é muito
process of death/dying and mourning is apparent influenciada por sua historicidade.
or concealed in accordance with the moment they Palavras-chave Idoso de 80 anos ou mais, Enve-
are experiencing and the opportunities that present lhecimento, Morte, Pesar
themselves, in other words, it is greatly influenced
by their past.
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Departamento de Key words People aged 80 or over, Aging process,
Enfermagem Médico-
Cirúrgica e Administração
Death, Grief
em Enfermagem, Escola de
Enfermagem,Universidade
Federal da Bahia. R. Augusto
Viana s/n, Canela. 40.110-
060 Salvador BA Brasil.
tomenezes50@gmail.com
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Menezes TMO, Lopes RLM
Assim, a morte não é o fim, pois ela está sempre e insuperável de seu ser. Sendo assim, a morte e o
lançada como possibilidade. O ser para a possibili- ‘ser para o fim’ na cotidianidade são mostrados de
dade enquanto ‘ser para a morte’, no entanto, deve maneira imprópria e a angústia é transformada no
relacionar-se para com a morte de tal modo que ela temor de deixar de viver9. Encarar a morte como
se desvele nesse ser e para ele como possibilidade9. parte da vida é algo rejeitado pela consciência11.
Nesse sentido, o ‘ser para a morte’ pode ser Essa é a forma inautêntica de existir do Dasein, na
autêntico ou inautêntico. Na autenticidade, encon- qual ele se envolve com as ocupações cotidianas e
tramos o atentar para a morte como possibilidade é absorvido pelas preocupações. As ocupações e
mais própria, que diz respeito ao ‘poder ser’ do ‘ser preocupações fazem com que o homem fuja a sua
aí’. A esse respeito, a possibilidade mais própria condição de ‘ser no mundo’.
é irremissível. O antecipar permite a presença Pode ser que a privação da saúde, o padeci-
compreender que o ‘poder ser’, no qual o que está mento, forneça ocasião para que se abra a poten-
em jogo é o seu próprio ser, só pode ser assumido cialidade do modo próprio, autêntico. É o que se
por ela mesma. A morte não apenas pertence de denomina de reatamento do Dasein no seu ‘ser
forma não indiferente à própria presença, como no mundo’12.
reivindica a presença9. Na morte, a presença tam- O reatamento é o encontro do Dasein com
bém é ‘poder ser’. Diz-se que a morte é certa e, com sua potencialidade de ser própria, que se forma
isso, implanta-se na presença, a aparência de que como projeto antevisto no modo do padecimen-
se está em si mesmo certo da morte9. to e no angustiar-se verdadeiro com sua própria
No cotidiano da pessoa idosa longeva, a morte existência, na perspectiva segura da possibilidade
está sempre presente e retratada como uma certe- da morte12.
za, conforme os relatos abaixo: A morte é tomada para si pela presença, na
Eu não quero nada de coisa, porque a gente não disposição da angústia, revelando-a de forma
vai ficar aqui a vida toda! Um dia tem que ir, não originária e profunda. A angústia cresce a partir
é? (Angélica). do ‘ser no mundo’ enquanto ‘ser lançado para a
Se chegar meu dia, todo mundo tem que morrer, morte’9.
né? (Hortênsia). Na angústia, não sabemos diante de que nos
Tem que morrer, né? (Jasmim). angustiamos. Ela tem início quando em meio as
Mas, eu estou pensando, amanhã ou depois, eu nossas ocupações do cotidiano, nos aparece certo
com essa idade, né? Posso passar mal, morrer (Lírio). tédio. Quando a presença fica angustiada, ela
As falas revelam que os idosos têm a morte retoma, repensa e pode transcender ou não, de
como uma certeza, já que não se vai ficar aqui a acordo com a sua decisão.
vida toda. Durante as entrevistas, esta certeza não A angústia não é vista somente como um
se traduziu com pesar, mas com tranquilidade. fenômeno psicológico e ôntico, ou seja, que se
Além disso, a morte se apresenta como possibi- refere somente a um ente ou algo dado, e sim, sua
lidade para eles. dimensão é ontológica, pois nos remete à totali-
‘Ser para a morte’, em sentido próprio, não dade da existência como ‘ser no mundo’9. É por
pode escapar da possibilidade mais própria e ir- meio da angústia, estrutura fundamental, que dá
remissível e, nessa fuga, encobri-la e alterar o seu condição ao Dasein rumar à autenticidade e que
sentido em favor da compreensão do impessoal9. este pode se livrar do peso imposto pelo cotidiano,
A morte é uma das dimensões existenciais conforme a fala abaixo:
do homem. Só podemos ter a vivência da nossa Eu fico em casa o dia todo sozinha. Quando
própria morte e nunca da morte do outro. Logo, chega a noite, eu não tenho ninguém para conversar,
antecipando a possibilidade da morte, através a não ser televisão. Então nessa hora me bate uma
do ekstase finito do porvir, a presença vem a si angústia e choro e peço a Deus que me tire essa
mesma e é relançada sobre sua facticidade, isto é, angústia (Rosa).
reconduzida às possibilidades de fato que são as Existe uma diferença entre angústia e temor,
suas, e ele encontra aí com seu mundo de fato9. sendo que a primeira é mais ampla. O temor é um
O ‘ter por verdadeira’ a morte mostra outro existente fundamental, mediante o qual o homem
modo de certeza, sendo mais originário com se encontra no mundo. O fenômeno do temor é
relação à certeza referente a um ente que vem ao analisado em três perspectivas: o que se teme, o
encontro dentro do mundo ou aos objetos formais; temer e pelo que se teme9. O de que se teme, o ame-
trata-se do ‘estar certo’ de ‘ser no mundo’9. drontador, é sempre um ente que vem ao encontro
A presença cotidiana encobre, na maior parte dentro do mundo e que possui o modo de ser do
das vezes, a possibilidade mais própria, irremissível que está a mão, ou do ser simplesmente dado, ou
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emocionalmente a morte, somada a tantas outras A morte também é vista como perda. Na ex-
dificuldades presentes, decorrentes de alterações periência da pessoa idosa ver que os seus amigos
físicas e isolamento social. No processo de luto, e familiares estão partindo, lhes configura como
quanto maior o investimento afetivo, maior será a proximidade da própria morte e da perda, o
a energia para o desligamento12. que faz voltar seus pensamentos para a morte,
O luto, como não é um processo linear, não conforme os depoimentos abaixo:
tem data para terminar, podendo durar meses e Eu tive duas irmãs gêmeas. Morreram novas. Só
anos, ou mesmo nunca acabar, na dependência tem eu e o Cravo agora. Aí, eu tive pensando nessas
direta das características individuais da personali- coisas (Lírio).
dade e ainda do nível e intensidade de relação que E todos os colegas meus, os amigos, colega de
se manteve com o falecido11. repartição, coisa e tal, que tiveram mexendo nessa
O impessoal encobre o que há de característico doença de próstata, a maioria deles morreram. Eu
na certeza da morte, ou seja, que é possível a todo fiquei sentido deles morrerem. Eu vou numerar, uns
o instante9. A fuga também é percebida na fala cinco a seis que morreram (Girassol).
de Dália, quando diz que pretende morrer com E tem horas que, quando eu me lembro, ah,
110 anos. meu Deus! Estou passando o tempo, e uns amigos
Com a fuga decadente da morte, porém, a morreram, daqui a pouco sou eu. Ninguém pode
continuidade da presença também atesta que o fugir, de jeito nenhum (Jasmim).
próprio impessoal, mesmo quando não está ex- A morte se desvela como perda e, mais do que
plicitamente pensando na morte, já está sempre isso, como aquela perda experimentada pelos que
se determinando como ‘ser para a morte’9. ficam. [...] não fazemos a experiência da morte
A explicação do ‘ser para a morte’ cotidiano dos outros. No máximo, estamos apenas junto9.
deteve-se na falação do impessoal: algum dia se O processo de morrer e a morte do outro des-
morre, mas, por ora ainda não9. Para alguns ido- pertam sentimentos de medo, raiva, impotência,
sos, a morte ainda está distante, porque eles ainda insegurança, estando mais relacionado à perda e à
têm projetos que desejam por em prática, fazendo separação do que a um processo natural da vida8.
referências a filhos e netos. A nossa primeira abordagem objetiva do fenô-
Eu não quero morrer agora, porque eu tenho meno da morte ocorre através da morte de outros,
muito filho pra eu reparar. Eu tenho muito neto porém, por mais vivida que seja a nossa apreensão
pra eu reparar. E pra eu morrer agora, já não morro da morte de outros, não podemos ter a experiência,
muito tranquila (Dália). não podemos tomar parte nesse ‘chegar a um fim’.
Embora “traumatizados” pela morte e pela A pessoa idosa longeva vivencia a morte diante das
perda de pessoas queridas, os homens vivem como perdas que vão se acentuando com o processo de
se nunca fossem realmente morrer7. Ainda sobre envelhecimento.
outro aspecto, a morte é um modo de ser que a Diante de tais considerações, foi possível com-
presença assume no momento que é. Para morrer, preender que o processo de morte e morrer na
basta estar vivo9. O finar é o findar do ser vivo, dimensão ôntica faz parte do existir desde quando
refere-se ao biológico. A presença também possui nascemos. Morrer é a possibilidade mais extrema
uma morte fisiológica, própria da vida9. Assim, o do idoso, pois põe em jogo o seu ‘ser no mundo’.
idoso também percebe a proximidade da morte, Sendo assim, não há como escapar da possibili-
referindo à necessidade de se preparar para isso, dade mais original da existência, que é não mais
Eu já disse a minha filha. Eu vou fazer minha existir. No ontológico, o morrer vem significar o
mortalha. Ele vai me-dar esse poder, porque eu quero encerramento de um modo de ser, para a abertura
morrer, eu quero ir no caixão bem bonitinha, toda de novas possibilidades ou novos modos de ser.
enfeitada de flores (Angélica). A pessoa idosa longeva apresenta sentimentos
Eu vou ser sincero. Eu, às vezes, eu penso. Eu variados com a morte do outro, provocação da
digo, poxa, estou chegando numa idade! Eu vou ruptura do vínculo amoroso que o unia aquela
me-preparar pra morrer. Não quero que meus pessoa que lhe dava alegria de viver. Este fato leva
parentes tenham essa, esses compromissos de pagar a percepção de aproximação da própria morte,
meu enterro, não (Lírio). quando vê que parentes e amigos estão morrendo.
É tendo medo que o medo pode ter claro para A pesquisa permitiu compreender que a pes-
si o de que tem medo, esclarecendo-o9. Na convi- soa idosa longeva frente ao processo de morte/
vência cotidiana, o encobrimento e a fuga da morte morrer e luto desvela-se e vela-se, de acordo
tranquilizam a presença, retirando da certeza da com o momento que ele vive, as oportunidades
morte, a sua possibilidade constante e intranspo- que se apresentam, muito influenciado por sua
nível, ou seja, o fato de ser indeterminada. historicidade. Apesar do temor, angústia e medo
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