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racismo à brasileira
1 INTRODUÇÃO
Como acontece na maioria dos países colonizados, a elite brasileira do fim do século
XIX e início do século XX foi buscar seus quadros de pensamento na ciência europeia
ocidental, tida como desenvolvida, para poder, não apenas teorizar e explicar a
situação racial do seu país, mas também e sobretudo propor caminhos para a
construção de sua nacionalidade, tida como problemática por causa da diversidade
racial (MUNANGA, 1999, p. 50).
2 Em 1890, apenas dois anos após a abolição da escravidão, o Hino da Proclamação da República já
ecoava o sentimento de união e harmonia nacional com a seguinte frase: “Nós nem cremos que
escravos outrora/Tenha havido em tão nobre país”. Este continua, em seus versos, “Hoje o rubro
lampejo da aurora/Acha irmãos, não tiranos hostis/Somos todos iguais! Ao futuro/Saberemos, unidos,
Mais tarde, a representação do mestiço indicaria a solução viável para o início de um longo
processo de aniquilação da população negra.
Há, assim, no Brasil, uma expectativa basilar de miscigenação e assimilação raciais
como forma de construção de uma nação mais branca possível. As culturas africana e
indígena, ao assimilarem-se à “verdadeira cultura brasileira”, deixariam de existir, ou,
simplesmente, de tão opacas, tornar-se-iam algo de todos os brasileiros. Em outras palavras,
a homogeneização e incorporação de suas culturas e contribuições históricas, sob o manto
da valorização nacional, significava sua invisibilização.
levar [...] O Brasil já surgiu libertado/Sobre as púrpuras régias de pé./Eia, pois, brasileiros avante!/Livre
terra de livres irmãos!”.
3 Conforme nos dirige Guiraldelli e Engler (2008, p. 260): “Na classificação do Movimento Negro
[Unificado] são trabalhados apenas dois termos: negro e branco, que já vêm sendo incorporados pelo
mundo acadêmico, pelos meios de comunicação de massa, no âmbito político, porém, ainda são
inexpressivos nos discursos populares. No Brasil, não houve ao longo de sua história nenhum controle
da ascendência, até mesmo porque o objetivo da elite era de promover o branqueamento por meio da
miscigenação e com isso, não desenvolveu nenhum sistema de classificação racial [...]”. Utilizando os
apontamentos de Edward Telles (2003), o autor e a autora ressaltam que, pelo contrário, este sistema
de classificação racial no Brasil é bastante ambíguo, complexo e fluído, diferente dos países com
tradição de segregação racial estabelecida em lei.
baseados em arrazoados biológicos que definiam as ‘raças’”. Por sua vez, o modelo brasileiro,
através de uma convivência jurídica de igualdade que marcava sua indiferença formal,
apresentava-se como “[...] um sistema muito complexo e ambíguo de diferenciação racial,
baseado sobretudo em diferenças fenotípicas, e cristalizado num vocabulário cromático”
(GUIMARÃES, 1999, p. 41).
Nessa linha de raciocínio, para Oracy Nogueira (2007), o preconceito racial no Brasil
pode ser caracterizado como de marca. Isso significa dizer que se baseia no fenótipo ou
aparência racial. Segundo a autora, diferente dos Estados Unidos, onde a miscigenação, por
mais completa que fosse, não incluía o indivíduo no espectro branco, no Brasil, estes critérios
variam subjetivamente, fazendo com que mais pessoas não se identifiquem ou reconheçam
como negras.
Para Munanga (1999), o mito da democracia racial, que se baseia em dupla
mestiçagem (biológica e cultural) entre negros, brancos e indígenas, tem duas preocupantes
repercussões: “exalta a ideia de convivência harmoniosa entre os indivíduos de todas as
camadas sociais e grupos étnicos, permitindo às elites dominantes dissimular as
desigualdades” e impede “os membros das comunidades não-brancas de terem consciência
dos sutis mecanismos de exclusão da qual são vítimas” (MUNANGA, 1999, p. 80).
Além disso, a discussão acerca do racismo sob uma linguagem de status e classe4
contribui para esta diferenciação entre as relações raciais estabelecidas entre o Brasil e outros
países, ao mesmo tempo em que não admite que raça seja um dos principais elementos que
justifique as diversas expressões da questão social. É nesse sentido que Guimarães (1999,
p. 48) questiona a substituição do reconhecimento de formação étnica e racial no Brasil pelo
sentimento de nacionalidade – fenômeno que pretensamente permitiu que “[...] uma penumbra
cúmplice encobrisse ancestralidades desconfortáveis”.
Ainda que o processo de miscigenação não seja próprio do Brasil, o papel atribuído
ao mestiço livre no período colonial e monárquico assumiu características peculiares de
ascensão social, “um tipo socialmente aceito”, utilizado para preencher as lacunas
demográficas (deixadas pela escassez de brancos no período colonial) na realização de
funções militares e econômicas simples. É importante ressaltar que o tratamento diferenciado
não garantia uma vida livre do racismo e contribuía para o enfraquecimento de um sentimento
comum de consciência racial. É nesse sentido que a “democracia racial” é, tempos depois,
4“É claro que a situação racial no país, por se expressar dentro de um sistema de classes, está, por
assim dizer, contaminada por muito daquilo que se define classe social. Nem poderia ser diferente.
Porém, não se pode confundir as duas instâncias e nem ignorar o peso da variável raça nas relações
sociais e nos projetos de mobilidade social da população negra no Brasil” (PEREIRA, 1996, p. 78).
incentivada no ideário brasileiro – criando e dando continuidade a diversas falsificações da
história.
Sobre este assunto, Clóvis Moura (2003) afirma que a Igreja Católica e seu clero
sempre foram escravistas no Brasil. Além de padres, muitas instituições e grupos religiosos
mantiveram escravos durante bastante tempo. A realidade é que a igreja nunca se posicionou
de forma contrária a este sistema, pelo contrário, beneficiou-se dele.
Além de ser o principal aparelho ideológico do escravismo, a Igreja Católica será sua
beneficiária privilegiada. Em razão desse vínculo estrutural da igreja com o
escravismo, alguns sacerdotes que se manifestavam contra a escravidão eram
repreendidos e/ou punidos. Exemplo disto é o padre italiano Bolonha que chegou ao
Brasil no final do século XVIII. Convencido da iniquidade da escravidão no país,
indignado com o que via cotidianamente, manifestou a sua opinião publicamente às
autoridades eclesiásticas [...]. Em consequência dessa ideia herética, o padre Bolonha
foi chamado a Portugal e nunca mais se teve notícias suas (MOURA, 2003, p. 4).
Além disso, o fato da América Latina possuir grande extensão territorial teria
garantido um número relativamente baixo de cativos em determinadas áreas, o que “[...]
ensejaria uma certa proximidade entre senhor e escravos, propiciando um tipo de tratamento
mais suave e humano para o último” (NASCIMENTO, 1978, p. 58). A verdade é que a
proximidade entre o litoral brasileiro e a África facilitou o comércio escravo e reduziu o preço
exigido por cada indivíduo, deixando as plantações brasileiras densamente povoadas pela
população africana escravizada.
Assim, as manobras utilizadas pelo colonialismo português trouxeram e fertilizaram
comportamentos bem específicos para a formação social do Brasil, contribuindo para a
criação de um aparente:
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala: formação da família brasileira sob o regime
patriarcal. São Paulo: Global, 2003.
MOURA, Clóvis. História do Negro Brasileiro. São Paulo: Editora Ática, 1992.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na
sociabilidade brasileira. São Paulo: Editora Companhia das Letras, 2013.