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GUIMARÃES, A. S. A. Como trabalhar com "raça" em sociologia.

Educação e
Pesquisa, São Paulo, v. 29, n. 1, p. 93-107, jan./2006.

RESUMO
Neste artigo, Guimarães faz uma discussão conceitual sobre “raça” que também
é metodológica. Podendo um conceito ser analítico ou nativo, sendo o primeiro uma
análise de determinado conjunto de fenômenos e o segundo uma categoria que tem
sentido no mundo prático. Os conceitos só fazem sentido num contexto histórico
específico e são poucos os que atravessam o tempo com os mesmos significados. O
conceito de raça depende de qual ângulo estamos vendo, do analítico ou do nativo. No
analítico tem dois sentidos: na biologia e na sociologia. O nativo é baseado em
conceitos sociais e culturais. O que era considerado de natureza física passou a ser
simples condicionante da vida social.
A biologia e a antropologia física criaram a ideia de raça no sentido de divisão da
espécie humana em subespécies, associado ao desenvolvimento diferencial. Essa
visão já foi comprovado como pseudociência, é dela que o racismo derivou,
fundamentando um certo racismo doutrinário. Porém, para alguns biólogos era
necessário conservar a ideia da existência desses grupamentos geneticamente mais
uniformes. É preciso entender que as raças são, cientificamente, uma construção social
e devem ser estudadas pelas ciências sociais.
As raças, para a sociologia, são discursos sobre as origens de um grupo,
remetendo à transmissão fisionômica pelo sangue. Esses discursos também podem ser
sobre lugares ou sobre modos de fazer certas coisas, que podem formar uma
comunidade. As etnias ou raças podem reivindicar não apenas uma origem em comum,
mas também um certo destino político comum. Quando se há uma comunidade de
origem e destino juntamente com um destino político comum, diz-se de uma nação. O
povo é conjunto das pessoas da comunidade. A classe, enquanto comunidade, está
sempre em processo de formação ou dissolução, também pode ser pensada
analiticamente como uma associação. A cor é um conceito mais naturalizado, ou seja,
nativo, ela nunca é um conceito analítico nas ciências sociais. Outro termo é “cultura”,
tendo um sentido abstrato mas também específico.
Na sociedade colonial, muito racialista, a raça era importante para dar sentido à
vida social, porque funcionava como uma “grande cadeia do ser”, colocando cada um
em sua posição social. Essas posições sociais foram chamadas de classes, embora a
colônia brasileira também tenha sido identificada como uma sociedade de castas, já que
os grupos eram fechados, sem possibilidade de ascensão social. Contruiu-se para a
escravidão uma justificativa em termos teológicos e não científicos, um exemplo é o
mito de Cã. No Brasil ecravista, o que alimentou a escravidão foi o tráfico e não a
reprodução de escravos, formando assim uma classe de homes pretos livres, esse fato
abrandou a racionalização teológica. Isso virou a chave da classificação social, sendo
“cor” a categoria predominante e não “raça”.
Com o mito da democracia racial, a ideia implantada no Brasil era a de que
somos todos brasileiros e por acidente temos diferentes cores; cor não é uma coisa
importante; raça não existe, quem fala raça é racista. Na sociologia acadêmica, o
movimento interpretativo da realidade racial é formado por duas interpretações. A
primeira, de Daniel Pierson, fala que a sociedade brasileira é uma sociedade multirracial
de classes, sendo as raças grupos abertos e a cor como princípio classificatório nativo.
Um segundo período é marcado pelos estudos patrocinados pela Unesco, que
documentam pela primeira vez, de maneira racional e científica, a situação do negro no
Sudeste do Brasil. Os estudos rompem radicalmente com a ideia de que a cor era
apenas um acidente e traz à tona uma discussão já colocada pelo movimento negro nos
anos de 1930 que é a existência do preconceito racial no Brasil, apesar do mito da
democracia racial. Blumer diz que o preconceito existe como uma reação emocional de
um grupo racial que se sente ameaçado por outro, na competição da ordem
democrática. Florestan Fernandes diz que o mito da democracia racial era um discurso
de dominação política, usado para desmobilizar a comunidade negra, sendo um
discurso puramente simbólico, tendo como faces o preconceito racial e a discriminação
sistemática dos negros.
A partir de 1978 surge um ator político, o Movimento Negro Unificado, que
começa a rebater esse discurso nacional de forma mais contundente, reintroduzindo a
ideia de raça, reivindicando a origem africana e reinventando a raça. O termo “negro”
ganhou credibilidade nas ciências sociais para significar afro-descendente e o discurso
da desigualdade racail contagiou o discurso político. A crítica à categoria “cor” diz que
“cor” não é uma categoria objetiva, cor é uma categoria racial. Como no censo do IBGE:
uma categoria inexistente no censo, “moreno”, que é o “branco” escuro, muito usado no
Nordeste e no litoral, onde o queimado de sol é muito valorizado, junto como a categoria
“mulato”, tipo mais negróide, ainda que mais claro que o “preto”. Essas categorias se
revelaram facilmente traduzíveis em termos das categorias censitárias, posto que
grande parte dos “morenos” são brancos sociais.
Qualquer categoria só faz sentido no interior de um discurso, no nosso caso,
racial; quando nos deparamos com uma resposta sobre identidade, temos que
investigar qual o discurso que está orientando as respostas.

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